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TEXTO 1 Utopia fundamento da rfenovação social


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Utopia: fundamento da renovação social? 
Prof. Dr. Milton Júlio de Carvalho Filho1 
Texto em elaboração 
 
Referência Bibliográfica: JÚLIO DE CARVALHO Filho, Milton. Utopias: fundamento da 
renovação social. Artigo preliminarmente apresentado para turma de Políticas Públicas do 
IHAC/UFBA, Salvador/Ba, 2012. 
 
Resumo: 
 
O texto trata das perspectivas de entendimento sobre o termo utopias e como essas servem 
para nortear a pauta de mudanças na sociedade contemporânea. Considera necessária a 
utopia como uma direção para as mudanças pretendidas. Utiliza revisão teórica clássica e 
contemporânea para embasar a amplitude do termo. 
 
Palavras chaves: utopia, política, mudança social. 
 
A intenção desse artigo é tratar do conceito de utopia, tendo em vista articulá-lo 
a outra discussão, aquela que se dá sobre a participação social e sobre 
políticas públicas na sociedade contemporânea. Parte do pressuposto de que 
as utopias são necessárias para o início do processo discursivo e participativo 
sobre mudanças nas sociedades. Assim, são capazes de nortear a busca por 
emancipações sociais, e consequentemente por atrair sujeitos para o processo 
de participação e mobilização política, por acreditarem em determinados 
pontos de chegada idealizados, promovidos pelas mudanças pretendidas. Ter 
utopias significa então dinamizar as sociedades em busca de mudanças. 
 
A dinâmica social projetada pela existência de projetos utópicos indica que a 
história faz as utopias e as utopias fazem a história. Isso em virtude das 
sociedades serem formadas por suas realidades: econômica, política e social, 
mas também por suas angústias e, principalmente, por seus sonhos. Nos 
sonhos, os sujeitos, em sociedades, projetam utopias! Entretanto, ao que 
perece temos uma crise na capacidade de sonhar mudanças sociais que não 
 
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 Cientista Social,Doutor em Antropologia,Professor Adjunto IHAC/UFBA. 
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sejam aquelas articuladas com o desenvolvimentismo e com o progresso das 
inovações tecnológicas. 
 
Os sonhos utópicos que norteiam projetos de mudança social são aqueles 
capazes de influenciar o sentimento de identidade coletiva. Ter esses sonhos 
representa viver além da realidade concreta, objetiva. Além disso, agrega 
sujeitos em torno de ideais comuns, ou seja, cria coletivos que sonham o 
mesmo sonho. Na contemporaneidade a crise da capacidade de fantasiar 
emancipações sociais, é também uma crise agregativa. Não é comum mais 
encontrarmos associações de bairro que agreguem as pessoas que ali vivem 
em torno de um projeto de vida comum que seja transformador das condições 
desfavoráveis de vida, estabelecida pela realidade objetiva. Ainda mais 
incomum é encontrarmos coletivos de estudantes, de profissionais liberais, de 
trabalhadores, entre outros que tenham projetos que suplantem os interesses 
particulares dos grupos e que indiquem novas perspectivas para a vida social. 
Há, portanto, uma crise do sonhar sonhos coletivos e uma crise na capacidade 
de união de esforços em torno deles. 
 
A capacidade de agregação de pessoas em torno do bem comum é um dos 
vetores mais importantes na constituição da dinâmica histórica de uma 
sociedade. Quando os sujeitos sociais se unem em torno de um projeto de 
sociedade, essa união reflete o desejo humano de fugir da história, de sonhar, 
de mudar os rumos. Na contemporaneidade, de modo geral, os sujeitos sociais 
se tornaram mais passivos em relação à fuga da história. São poucos os 
projetos sociais, originários de movimentos agregativos, que podem ser 
considerados de ruptura com a ordem social e política já estabelecida. Por 
outro lado, é possível encontrar na sociedade contemporânea agregações em 
torno da manutenção dessa ordem estabelecida, como são as agregações 
religiosas neopentecostais, crescentes no Brasil e no mundo, o que aproxima a 
esse tipo de utopia dos regimes conservadores e totalitários. 
 
Ao longo do processo histórico as utopias serviram também a regimes 
totalitários, disso não se tem dúvidas, mas a sua promessa inicial é a do 
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exercício da liberdade humana. Dessa forma, as utopias tem a função de negar 
determinadas realidades, presentes, opressoras. 
 
O que sustenta as utopias é o desejo. As utopias permitem, nesse sentido, o 
reencontro do homem com ele mesmo, a tal ponto que nos lembra Ernest 
Bloch, “ ser homem é ter uma utopia”. A vida mediada pela realização de 
desejos coletivos de mudança social é de fundamental importância para a 
dinâmica das sociedades. Entretanto, o que se percebe na contemporaneidade 
é o desejo oriundo de um processo de homogeneização, o desejo de buscar 
pertencer a grupos e a sociedades, sem que sejam os mesmos promotores de 
nada que não seja uma inclusão perversa. As pessoas tentam se inserir em 
regimes políticos e em sistemas econômicos que elas próprias não confiam 
plenamente. O desejo assim é o do Outro, o desejo de pertença a custos 
altíssimos para as coletividades. Pede-se assim a capacidade de rupturas 
criativas, inovadoras e assim as sociedades se tornam mais conservadoras. 
 
A falta de criatividade no que tange a alternativas desejosas de mudanças 
sociais e as rupturas de modelos tradicionais de vida, seja para saída de crises 
ou para melhorias de condições de vida coletiva, tornam as sociedades 
estéreis e pior, desconfiadas de projetos coletivos, quase sempre os atribuindo 
a esses a busca por poder ou riscos para toda a sociedade. O desejo de 
mudar, por outro lado, abarca o sentir, o agir e o pensar humanos. Assim, as 
utopias podem ser construídas em diversos campos do viver humano e são 
responsáveis pela dinâmica das transformações sociais e históricas. 
 
É fundamental pensarmos sobre as utopias de ontem para melhor 
entendermos o que somos hoje. Assim, as utopias são também importantes na 
construção do amanhã, na construção de uma perspectiva de futuro, de uma 
trajetória histórica da sociedade em termos de alcances. 
 
Nesse sentido, faz-se necessário também demonstrar a própria história da 
construção do termo utopia. O termo utopia foi cunhado por Thomas More, por 
volta de 1516, para designar um romance filosófico no qual pessoas viviam 
numa ilha onde tinham abolido a propriedade privada e a intolerância religiosa. 
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Daí passou a designar tentativas análogas, até abranger conceitualmente 
qualquer ideal político, social, religioso de realização difícil ou impossível. Por 
isso, ao longo do uso do termo alguns autores o aproximaram de mito ou de 
ideologia. 
 
Vejamos como exemplo, algumas compreensões teóricas a respeito do termo. 
Para Comte caberia à utopia a melhoria das instituições políticas e o 
desenvolvimento de idéias. Já para Marx e para Engels a transformação do 
sistema capitalista em sistema comunista. Mannheim entendia que era algo 
destinado a realizar-se, diferentemente da ideologia. E ainda, Sorel entendia 
ser utopia, a expressão de um grupo social que caminha para a revolução. 
 
O que essas visões tem em comum? Todas trazem o entendimento de utopia 
como fundamento da renovação social. Mas, também, no mesmo sentido, pode 
ser o estabelecimento apenas de um modelo, visando permitir comparação 
com a realidade existente, para assim verificar o bem e o mal pertinente a ela. 
 
As utopias podem se encerrar na inspiração, no sonho, tornando-se uma forma 
de imaginário saudável para lidar com a opressão, permitindo assim uma 
evasão da realidade. Por outro lado, as utopias podem se tornar força de real 
transformação da realidade vivida, sempre que encontra meios para inaugurar 
inovações.Em geral, o termo utopia se associa mais a percepção imaginária, idealizada 
de sociedade, do que a segunda hipótese já citada. Com base no primeiro 
entendimento desenvolveu-se a teoria crítica da sociedade, por Adorno, 
Marcuse e Horkheimer, com o intuito de estruturar conceitos críticos, 
arrasadores, sobre a sociedade contemporânea, sem se ater a mudanças, a 
projeções de futuro. 
 
Assim, utopia é uma visão de sociedade idealizada. Visa criticar a condição 
vigente como forma de forçar a sua mudança. A República de Platão, a Utopia 
de More ou Walden Two de Skinner, são exemplos de visão utópica. A 
fundação da comunidade Tempos Modernos, por Josiah Warren, em Long 
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Island, foi uma tentativa de combinação entre comunitarismo e anarquismo, o 
que chamou atenção de Marx, ao ler sobre a experiência através dos relatórios 
da Associação Internacional dos Trabalhadores, de Londres, em 1850. 
 
O socialismo utópico também foi defendido por Fourier e a partir disso surgiu 
em 1824 a colônia Nova Harmonia, fundada pelo industrial Robert Owen. Essa 
comunidade visava disseminar as idéias de melhorias das condições sociais e 
trabalhistas, redução da pobreza através de distribuição de resultados 
econômicos da comunidade. 
 
Utopia também é um subgênero literário voltado para a produção sobre a 
perfectibilidade da sociedade, tornando essa capaz de propiciar a plena 
realização pessoal dos sujeitos, combinando liberdade e justiça, muitas vezes 
com a ausência do Estado. Quem não leu Viagem aos Estados e Impérios da 
Lua e do Sol; As Aventuras de Telêmaco; Suplemento a Viagem de 
Bouganville; A História dos Sevaristas; Notícias de Lugar Nenhum; Admirável 
Mundo Novo, entre outras importantes nessa direção, precisa ler para entender 
o poder imaginativo de uma literatura amparada na produção de novos 
paraísos, seja com visões otimistas ou pessimistas dos mesmos. 
 
Esse aspecto imaginário, próprio da literatura utópica que passou a permitir 
críticas veementes a sociedade em termos das suas realidades vigentes, 
permitiu também a efetiva busca por saídas ou por rompimentos reais da 
ordem estabelecida. Nessa perspectiva, a utopia supera ideologias 
transformadoras é capaz de inaugurar ação política. 
 
Contra as utopias persistem diversos argumentos, principalmente a instituição 
de autoritarismos em função da defesa da liberdade almejada e o 
deslocamento das sociedades para fora da história. Daí é possível falar em 
distopias, as utopias invertidas que permitem ditaduras. Os intelectuais tem um 
papel importante na discussão de como evitá-las. 
 
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As utopias fascinam como geralmente fascina o impossível e a esperança. 
Com base nessa rápida explanação, quais os sonhos coletivos do passado que 
podemos lembrar agora? Será que perdemos a capacidade de sonhar?