Buscar

Aquisição de Linguagem

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

7
..
AQUISIÇAO DA LINGUAGEM
Ester Mirian Scarpa
1. AAQUISiÇÃO DA LINGUAGEM: BREVíSSIMO HISTÓRICO EABRANGÊNCIA
A linguagem da criança sempre provocou especulações diversas entre lei-
gos ou estudiosos do assunto. Seja essa linguagem a manifestação imperfeita de
um ser incompleto, seja a expressão primitiva da palavra de Deus, o fato é que
relatos mais ou menos esparsos, porém constantes, têm sido registrados ao lon-
go dos séculos e chegaram até nós. Tais relatos dizem respeito às primeiras
palavras emitidas pelas crianças, ou a que condições a criança deveria ser ex-
posta para aprender a falar. Heródoto, por exemplo, narra que, no século VII a.c.,
o rei Psamético do Egito ordenou que duas crianças fossem confinadas desde o
nascimento até a idade de dois anos, sem convívio com outros seres humanos, a
fim de se observarem as manifestações "lingüísticas" produzidas em contexto
de privação interativa. Sua hipótese era que, se uma criança fosse criada sem
exposição à fala humana, a primeira palavra que emitisse espontaneamente per-
tenceria à língua mais antiga do mundo. Ao cabo de dois anos de total isolamen-
to, as crianças emitiram uma seqüência fónica interpretada como "bekos", pala-
vra frígia para "pão". Concluiu, então, que a língua que o povo frígio falava era
mais antiga que a dos egípcios1.
1. Para maiores detalhes, ver Campbell & Grieve (J 982).
204 INTRODUÇÃO À lINGÜiSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 205
Estudos sistemáticos sobre o que a criança aprende e como adquire a
linguagem, porém, foram feitos, como tais, apenas mais recentemente. Desde
o século XIX, alguns lingüistas, guiados tanto por interesse paterno quanto
profissional, elaboraram diários da fala espontânea de seus filhos. Algumas
das amostras mais abrangentes da fala infantil foram registradas nas primeiras
décadas deste século pelos chamados "diaristas", que eram lingüistas ou
filólogos estudando seus próprios filhos. Os mais interessantes deles são um
estudo do francês por Antoine Grégoire, um sobre a aquisição bilíngüe ale-
mão-inglês de Werner Leopold (1939), além do trabalho de Lewis (1936),
sobre a descrição de uma criança aprendendo o inglês. São trabalhos descriti-
vos e mais ou menos intuitivos, que, ao contrário das pesquisas aquisicionais
das últimas décadas, não se voltam à procura, nos dados da criança, de evi-
dência em prol de alguma teoria lingüística ou psicológica, embora se insiram
nas teorias lingüísticas e psicológicas da época (como o de Lewis, com ten-
dência behaviorista).
Esses trabalhos são do tipo longitudinal, uma das metodologias de pesqui-
sa com dados de desenvolvimento hoje já bem estabelecidos, iniciada exata-
mente pelos diaristas. Trata-se do estudo que acompanha o desenvolvimento da
linguagem de uma criança ao longo do tempo. As anotações, em forma de diá-
rio, do que a criança diz, em situação naturalística (isto é, em ambiente natural,
em atividades cotidianas), foram posteriormente substituídas por registras em
fitas magnéticas, em áudio ou vídeo. Assim, grava-se a fala de uma criança por
um período de tempo preestabelecido (por exemplo: meia hora, 40 minutos, 1
hora etc.), em intervalos regulares (sessões semanais, quinzenas, mensais etc.),
dependendo do tema a ser pesquisado. Esse material é posteriomente transcrito
da maneira mais apropriada para a pesquisa em pauta (transcrição fonética,
prosódica, cursiva, codificada segundo orientações sintáticas, semânticas etc.).
A suposição é que, registrando-se uma quantidade razoável da fala da criança
de cada vez, pode-se ter uma amostra bastante representativa para se estudar
como o conhecimento da língua pela criança é adquirido e/ou como muda no
tempo. A partir da metade dos anos 1980, bancos de dados da fala de várias
crianças do mundo todo têm sido formados, seguindo codificações
informatizadas2• Uma outra metodologia de pesquisa em aquisição da lingua-
gem, a de tipo transversal, baseia-se no registro de um número relativamente
grande de sujeitos, muitas vezes classificados por faixas etárias. Embora não
exclusivamente, a pesquisa de tipo transversal geralmente também é do tipo
2. Um exemplo de uma dessas transcrições, codificadas segundo o CHAT, código de transcrição do
programa CHILDES de banco de dados, pode ser encontrado no site http://poppy.cmu.edulchildes.
experimental (por oposição a naturalístico), em que os fatores e as variáveis
intervenientes no fato analisado são isolados e controlados e depois testados.
Dados naturalísticos destinam-se sobretudo à análise da produção; os ex-
perimentais prestam-se mais à observação e análise da percepção, compreensão
e processamento da linguagem pela criança. De qualquer maneira, deve-se sem-
pre ter cuidado com a visão ingênua de que os dados aquisicionais "falam". A
metodologia adotada e a própria seleção dos dados dependem da postura teórica
que norteia a pesquisa.
A Aquisição da Linguagem é, pelas suas indagações, uma área híbrida,
heterogênea ou multidisciplinar. No meio do caminho entre teorias lingüísticas
e psicológicas, tem sido tributária das indagações advindas da Psicologia (do
Comportamento, do Desenvolvimento, Cognitiva, entre outras tendências) e da
Lingüística. No entanto, na contramão, as questões suscitadas pela Aquisição
da Linguagem, bem como os problemas metodológicos e teóricos colocados
pelos próprios dados aquisicionais, têm, não raro, levado tanto a Psicologia
(sobretudo a Cognitiva) como a própria Lingüística a se repensarem e a se reno-
varem. Por isso é que se diz que a Aquisição da Linguagem tem sido uma arena
privilegiada de discussão teórica tanto da Lingüística quanto da Psicologia
Cognitiva3• Hoje em dia, a Aquisição da Linguagem alimenta os tópicos
recobertos pela Psicolingüística,4 além de ser de interesse central nas ciências
cognitivas e mesmo nas teorias lingüísticas, sobretudo nas de inspiração
gerativista, como veremos mais detidamente adiante. A área recobre muitas
subáreas, cada uma formando um campo próprio de estudos. Eis algumas delas:
a) aquisição da língua materna, tanto normal quanto "com desvios",
recobrindo os componentes "tradicionais" dos estudos da linguagem,
como fonologia, semântica e pragmática, sintaxe e morfologia, aspec-
tos comunicativos, interativos e discursivos5 da aquisição da língua
materna. Sob a égide de "desvios", contam-se: aquisição da linguagem
em surdos, desvios articulatórios, retardos mentais e específicos da lin-
guagem etc.;
3. Mais apropriadamente, a ciência cognitiva, uma grande área multidisciplinar que congrega interes-
ses da Lingüística, da Psicologia, da Filosofia, da Ciência da Computação, da Inteligência Artificial, das
Neurociências, entre outros, tem tomado o lugar da Psicologia Cognitiva e da própria Psicolingüística
como um grande campo de indagação sobre a aquisição de conhecimento e sobre o funcionamento da
mente, campo este que reserva um espaço especial para questões da linguagem e sua aquisição.
4. Ver o capítulo "Psicolingüística", neste volume.
5. Ver os capítulos "Fonologia", "Morfologia" e "Sintaxe" no volume I desta obra, e os capítulos
"Semântica", "Pragmática", "Análise da Conversação" e "Análise do Discurso", neste volume.
206 INTRODUÇÃO Ã L1NGÜiSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 207
b) aquisição de segunda língua, quer como bilingüismo infantil ou cultu-
ral, quer na verificação dos processos pelos quais se dá a aquisição de
segunda língua entre adultos e crianças, seja em situação formal esco-
lár, seja informal de imersão lingüística;
c) aquisição da escrita, letramento, processos de alfabetização, relação
entre a fala e a escrita, entre o sujeito e a escrita nesse processo etc.
2. TEMAS EABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE AAQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
2.1. O velho debate pendular sobre nature (natureza) versus nurture
(criação, ambiente). O inato e o adquirido. O biológico e o social
Os estudos sobre processos e mecanismos de aquisição da linguagem to-maram um grande impulso a partir dos trabalhos do lingüista Noam Chomsky,
no fim da década de 1950, em reação ao behaviorismo vigente na época. O
quadro científico era na época dominado pela corrente behaviorista ou
ambientalista, dominante exatamente nas teorias de aprendizagem. A aprendi-
zagem da linguagem seria fator de exposição ao meio e decorrente de mecanis-
mos comportamentais como reforço, estímulo e resposta. Aprender a língua
materna não seria diferente, em essência, da aquisição de outras habilidades e
comportamentos, como andar de bicicleta, dançar etc., já que se trata, ao longo
do tempo, do acúmulo de comportamentos verbais. Skinner (1957), psicólogo
cujo trabalho foi o mais influente no behaviorismo, parte de pressupostos tanto
metodológicos (como ênfase na observabilidade de manifestações comportamen-
tais, externas, mensuráveis, da aprendizagem) quanto teórico-epistemológicos
(como a premissa da inacessibilidade à mente para se estudar o conhecimento,
postura contrária à mentalista e idealista nas ciências humanas) e propõe, então,
enquadrar a linguagem (ou "comportamento verbal") na sucessão e contingên-
cia de mecanismos de estímulo-resposta-reforço, que explicam o condiciona-
mento e que estão na base da estrutura do comportamento.
Chomsky adota uma postura inatista na consideração do processo por meio
do qual o ser humano adquire a linguagem. A linguagem, específica da espécie,
dotação genética e não um conjunto de comportamentos verbais, seria adquiri-
da como resultado do desencadear de um dispositivo inato, inscrito na mente.
Tomou-se famosa esta polêmica criada pela publicação, em 19596, da devasta-
6. É sempre interessante voltar a esses trabalhos pioneiros. Recomendo um passar de olhos em Skinner
(1957) e em Chomsky (1959), sendo que este último contribuiu para lançar Chomsky no debate científico
dora resenha, de autoria do então jovem Chomsky, do livro Comportamento
verbal, de Skinner. Nela, o lingüista posiciona-se contra a visão ambientalista
de aprendizagem da linguagem. Chomsky começa por rejeitar a projeção das
evidências skinnerianas, provenientes de experimentos laboratoriais com ani-
mais, para a linguagem humana, específica da espécie, resultado de dotação
genética e inscrita na mente do sujeito falante. E continua argumentando que as
estruturas de condicionamento e de aprendizagem, segundo as quais um modelo
A é reproduzido, pelo aprendiz, por mecanismos de contingenciamento ou imi-
tação, como A', nem de longe começa a explicar a complexidade e a sofistica-
ção do conhecimento lingüístico (na primeira versão da teoria chamado de com-
petência lingüística) que tem bases biológicas (porque genéticas) e, portanto,
universais. Os enunciados produzidos pelo falante e as próprias línguas do mundo
são manifestações da faculdade da linguagem. Assim, a criança que aprende a
sua língua nativa é uma imagem a que Chomsky retoma repetidamente, desde
seus primeiros escritos, de maneira que se toma difícil discriminar sua teoria da
linguagem de sua visão da aquisição da linguagem.
O argumento básico de Chomsky é: num tempo bastante curto (mais ou
menos dos 18 aos 24 meses), a criança, que é exposta normalmente a uma fala
precária, fragmentada, cheia de frases truncadas ou incompletas, é capaz de
dominar um conjunto complexo de regras ou princípios básicos que constituem
a gramática intemalizada do falante. Esse argumento, constantemente reafirma-
do, é chamado de "pobreza do estímulo". Um mecanismo ou dispositivo inato
de aquisição da linguagem (em inglês, LAD, language acquisition device), que
elabora hipóteses lingüísticas sobre dados lingüísticos primários (isto é, a lín-
gua a que a criança está exposta), gera uma gramática específica, que é a gramá-
tica da língua nativa da criança, de maneira relativamente fácil e com um certo
grau de instantaneidade. Isto é, esse mecanismo inato faz "desabrochar" o que
"já está lá", através da projeção, nos dados do ambiente, de um conhecimento
lingüístico prévio, sintático por natureza.
No bojo de modificações e reajustes que a teoria gerativa sofreu num se-
gundo momento?, introduzindo a chamada Teoria de Princípios e Parâmetros,
o argumento da "pobreza do estímulo" foi retomado e refraseado com uma ati-
tude francamente platonista ante a linguagem. A "pobreza do estímulo", um dos
de sua época. Esses trabalhos também contribuem para uma melhor compreensão dos fundamentos
epistemológicos da polêmica behaviorismo VS. inatismo, parte da velha polêmica secular empirismo vs.
racionalismo.
7. Ver Chomsky (1981), (1986). Para uma abordagem mais recente, ver Chomsky (1995), onde o
aparato descritivo da gramática se encontra modificado, mas não a visão sobre o inatismo.
208 INTRODUÇÃO Ã lINGÚiSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 209
mais importantes argumentos em prol do inatismo, vincula-se à metáfora do
problema de Platão, ao qual, segundo o lingüista, filiam-se as questões centrais
relativas à linguagem. O problema de Platão coloca-se da seguinte maneira:
como é que o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passagei-
ras, enganosas e fragmentárias?
Transferindo para a linguagem, essa questão quer dizer que o conheci-
mento da língua é muito maior que sua manifestação. Assim, a linguagem está
vinculada a mecanismos inatos da espécie humana e comuns aos membros dessa
espécie, daí a idéia de universais lingüísticos. Esta visão, que coloca a lingua-
gem num domínio cognitivo e biológico, admite que o ser humano vem equipa-
do, no estágio inicial, com uma Gramática Universal (GU), dotada de princípios
universais pertencentes à faculdade da linguagem, e de parâmetros "fixados
pela experiência", isto é, parâmetros não-marcados que adquirem seu valor
(+ ou -) por meio do contacto com a língua materna. Essa teoria de aquisição
tem sido chamada de "princípios e parâmetros" ou "paramétrica"8. Alguns dos
parâmetros que têm sido estudados são: se a língua opta por sujeito nulo ou por
sujeito preenchido, por objeto nulo ou objeto preenchido, pela colocação dos
clíticos, pelo tipo de flexão ou estrutura temática do verbo etc.
A separação estrita entre conhecimento e uso é decorrência direta da
postulação de conhecimento tácito, prévio, biológico, de cunho lingüístico, in-
dependente dos fatores ambientais, culturais, psicológicos ou histórico-sociais
determinantes da aquisição da língua materna. Oposto ao "problema de Platão"
está o "problema de OrwelllFreud", apropriado, segundo o lingüista, para ques-
tões sociais, históricas e políticas, ou para os desdobramentos sócio-histórico-
psicanalítico-ideológicos do uso da linguagem, que fogem à alçada da teoria
lingüística. Este "problema de OrwelllFreud" parafraseia-se assim: como pode
o ser humano saber tão pouco diante de evidências tão ricas e numerosas?
Em suma, no processo de aquisição da linguagem, a criança é exposta a
um input (conjunto de sentenças ouvidas no contexto), sendo o output um siste-
ma de regras para a linguagem do adulto, a gramática de uma determinada lín-
8. Ver, a respeito da fixação de parâmetros e sobre os conceitos e interpretações da aquisição
paramétrica, Radford (1990), Lightfoot (1991), Galves (1996) e Meisel (1997), entre outros. Há hoje três
tendências na chamada "aquisição paramétrica", como se convencionou chamar os trabalhos sobre aquisi-
ção da linguagem de inspiração gerativista: (i) a hipótese da competência total (Hyams, 1986): todos os
princípios da Gramática Universal estão disponíveis para a criança desde o começo e é suficiente uma
exposição mínima aos dados lingüísticos primários para a fixação de parâmetros; (ii) a hipótese da apren-
dizagem lexical (Clahsen, 1992) todos os princípios da Gramática Universal estâo disponíveis, mas a apren-
dizagem de novos itens lexicais e morfológicos e seus traços guia o desenvolvimento sintático; (iii) a
hipótese maturacional (Radford, 1990): alguns princípios da Gramática Universal precisammaturar antes
que as categorias funcionais sejam adquiridas.
gua 1. Numa primeira versão da teoria, postulava-se a existência de uma série
de regras gramaticais, mais um procedimento de avaliação e descoberta, pre-
sentes no Dispositivo de Aquisição da Linguagem (LAD); ao confrontá-las com
o input, a criança escolhe as regras que supostamente fariam parte de sua língua
(Chomsky, 1957, 1965). Num segundo momento, postula-se que a criança nas-
ce pré-programada com princípios (universais) e um conjunto de parâmetros
que deverão ser fixados ou marcados de acordo com os dados da língua à qual a
criança está exposta. A criança não escolhe mais as regras, nesta versão de prin-
cípios e parâmetros, mas valores paramétricos.
A que tipo de dados ou a que quantidade de dados lingüísticos a criança
deve ser exposta? Trabalhos recentes (Lightfoot, 1991) afirmam que a criança pre-
cisa ser exposta a uma quantidade relativamente pequena de linguagem, mera-
mente a algum gatilho crucial, como pequenas cláusulas simples, a fim de des-
cobrir que caminho sua língua materna tomou. Uma vez descoberto tal cami-
nho, elajá sabe, automaticamente, por meio de pré-programação, um bom tanto
sobre como funcionam as línguas daquele tipo. A aprendizibilidade é, assim,
uma questão teórica central da teoria paramétrica de aquisição da linguagem.
Como é a linguagem aprendível, sé se pode só contar com as migalhas de fala
ouvidas pelas crianças, que não fornecem pistas suficientes para o estado final
da língua a ser aprendida? Este é também chamado de "problema lógico da
aquisição da linguagem": como, logicamente, as crianças adquirem uma língua
se não têm informação suficiente para a tarefa? A resposta lógica é que trazem
uma enorme quantidade de informações a que Chomsky chama de Gramática
Universal (GU), que é "uma caracterização destes princípios inatos, biologica-
mente determinados, que constitutem o componente da mente humana - a fa-
culdade da linguagem"9.
Deve ainda ser lembrado que, de acordo com os princípios chomskianos,
as diferenças entre as línguas do mundo não são assim tão grandes do ponto de
vista sintático, gramatical, o que ajuda a explicar o universalismo (Chomsky,
1993).
Uma outra decorrência do inatismo lingüístico é a modularidade cognitiva
da aquisição da linguagem: o mecanismo de aquisição da linguagem é específi-
co dela, não exibindo interface óbvia com outros componentes cognitivos ou
comportamentais. A relação entre a língua e outros sistemas cognitivos, como a
percepção, a memória e a inteligência, é indireta, e a aquisição da linguagem _
ou o desencadeamento da Gramática Universal junto com a fixação de parâmetros
9. Chomsky, N. Knowledge ai language: ils nature, origin and use. Londres, Praeger, I986, p. 24.
210
INTRODUÇÃO À L1NGÜiSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 211
_ não depende, necessariamente, de outros módulos cognitivos, muito menos
de interação social.
As colocações inatistas de Chomsky suscitaram uma série de estudos, a
partir dos anos 1960, que se concentraram sobretudo na c~~~adafase si~~ática,
onde a prioridade de análise pendeu para o estudo da aqmslçao da gramatIca da
criança por volta do seu segundo ano de vida, quando a criança já ~~meça a
produzir enunciados de mais de uma palavra. Tais trabalhos foram cntIcados e
contra-evidenciados por duas vertentes teóricas que, junto com os trabalh~s
gerativistas, têm norteado os estudos na área. São elas: o cognitivismo construtI-
vista e o interacionismo social, que veremos a seguir.
2.2. O cognitivismo construtivista: Piaget, Vygotsky
A idéia de que a aquisição e o desenvolvimento da linguagem são .deri-
vados do desenvolvimento do raciocínio na criança contesta a autonomIa do
chamado mecanismo de aquisição da linguagem ou da OU como domínio es-
pecífico de conhecimento lingüístico. Em outras palavras, a aquisição da lin-
guagem depende do desenvolvimento da inteligência na crianç~. A abord~­
gem chamada de cognitivismo construtivista ou epigenético lO fOI desenvolvI-
da com base nos estudos do epistemólogo suíço Jean Piaget, segundo o qual o
aparecimento da linguagem se dá na superação ~o estágio se~~ório-motor,p~r
volta dos 18 meses. Neste estágio de desenvolvImento cogmtIvo, numa espe-
cie de "revolução coperniciana", usando as palavras do próprio Pia~et ~1979),
dá-se o desenvolvimento da função simbólica, por meio da qual um sIgmficante
(ou um sinal) pode representar um objeto significado, além do desenvolvi-
mento da representação, pela qual a experiência pode ser armazenada e recu-
perada. Essas duas funções estão estreitamente ligadas a outros três Frocessos
que ocorrem concomitantemente e que colaboram para a superaçao do que
Piaget chama de "egocentrismo radical", presente no ~e~íodo se~sório-motor,
segundo o qual existe "uma indiferenciação entre SUjeIto e obJeto ao ponto
"d - "11 Eque o primeiro não se conhece nem mesmo como lonte e suas açoes ...m
outras palavras, o autor fala aqui da indiferenciação cognitiva entre ~ SUjeIto
e o mundo ou pessoas que o cercam. Estes três processos são os relacIOnados
a seguir:
la. Estas duas denominações evocam a proposta de explicação da origem e do desenvolvimento das
estruturas do conhecimento (cognitivas) pela interação entre ambiente e organismo.
I J. Piaget, J. A epistemologia genética. São Paulo, Abril, 1979, p. 1J. (Série Os Pensadores)
a) o da descentralização das ações em relação ao corpo próprio, isto é, entre
sujeito e objeto (ou entre "eu" e "o outro" ou "eu" e "o mundo"); o
sujeito começa a se conhecer como fonte ou senhor de seus movimentos;
b) o da coordenação gradual das ações: "em lugar de continuar cada uma
a formar um pequeno todo em si mesmo", 12 elas passam a se coordenar
para constituir uma conexão entre meios e fins;
c) o da permanência do objeto, segundo o qual o objeto permanece o mes-
mo e igual a si próprio mesmo quando não está presente no espaço
perceptual da criança.
Por meio de (a), (b) e (c), é possível o uso efetivo do símbolo, da representa-
ção de um sinal por outro, de exercer o princípio de arbitrariedade do símbolo. A
criança passa, por exemplo, a ser capaz de usar uma caixa de fósforo para "fazer
de conta" (representar) que é um caminhãozinho. Assim também, para a crinaça,
um objeto, se deslocado do seu campo perceptual, continua existindo (isto é, o
objeto toma-se permanente). Com a linguagem, o jogo simbólico, a imagem men-
tal, as sucessivas coordenações entre as ações e entre estas e o sujeito, surge a
possibilidade de internalizar e conceptualizar as ações: "... com mais capacidade
de se deslocar de A para B, o sujeito adquire o poder de representar a si mesmo
esse movimento AB e de evocar pelo pensamento outros deslocamentos"13.
Quando essas conquistas cognitivas se unem, na superação da inteligência
sensória e motora, a caminho da inteligência pré-operatória de fases posterio-
res, surge a possibilidade de a criança adotar os símbolos públicos da comuni-
dade mais ampla em lugar de seus significantes pessoais: em outras palavras, a
linguagem se toma possível (já que a linguagem é entendida, por Piaget, como
um sistema simbólico de representações), assim como outros aspectos da -fun-
ção simbólica geral, como é o desenhar.
Em contraposição ao modelo inatista, a aquisição é vista como resultado
da interação entre o ambiente e o organismo, através de assimilações e acomo-
dações, responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência em geral, e não como
resultado do desencadear de um módulo - ou um órgão - específico para a
linguagem. Daí se diz que a visão de Piaget sobre a linguagem é não-
modularista '4. Assim também, a visão behaviorista é rechaçada, com a crença
12. Ibidem, p. 8.
13. Ibidem, p. 11.
14. A epigênese (aquisição e desenvolvimento da linguagem) tem sido retomada, nos anos 1990. por
abordagens conexionistas, como a de Plunkett & Sinha (1991) e Plunkett (1993) (1997), que se contra-
põemao inatismo. Plunkett & Sinha (1991) afirmam que o fato de o conceito de desenvolvimento ter sido
212 INTRODUÇÃO À L1NGüíSTlCA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 213
de que as crianças não esperam passivamente que o conhecimento de qualquer
espécie lhes seja transmitido. As pesquisas de inspiração piagetiana floresce-
ram nas décadas de 1970 e 8015 • As críticas ao modelo piagetiano, que criaram
virtualmente excluído da teorização psicológica sobre o estudo da mente trouxe como resultado o domínio
da dicotomia não-dialética, não-interativa, empirismo vs. nativismo. Segundo os autores, o cognitivismo
inatista apresenta duas desvantagens:
a) asserções fortes e negativas sobre o desenvolvimento, pela contraposição entre uma estrutura
inatamente especificada de um estado inicial e uma estrutura computacionalmente não-decidível
do estímulo ("pobreza do estímulo"). A esta visão opõe-se o conceito clássico de epigênese, que
pretende exatamente explicar o desenvolvimento através da interação entre organismo e meio;
b) as versões mais modernas do cognitivismo inatista, pelo fato de serem anti-desenvolvimentais,
recusam a "interdisciplinaridade" e tendem ao "modularismo"; no caso da aquisição da lingua-
gem, o modelo gerativista-cognitivista prevê o papel nuclear da sintaxe sobre os demais compo-
nentes lingüísticos.
Os modelos conexionistas de aprendizagem são baseados em modelagens matemáticas baseadas em
sistemas de redes neurais e em programas de simulação de aprendizagem que levam em conta a exposição
aos dados, treino e generalização do conhecimento. Como entendem que a linguagem é desencadeada por
diversas "entradas", tais modelos conexionistas computam todo e qualquer tipo de estímulo, lingüístico ou
não, como fatores de aprendizagem. Uma das características do modelo é que pode gerar tanto dados
"corretos", compatíveis com o alvo da aprendizagem, como alvos "incorretos", dando conta, assim, da
gradiência e dos erros constantes que aparecem na fala da criança durante o processo de aquisição e desen-
volvimento da linguagem.
15. Eis um exemplo de um estudo dentro da chamada vertente da hipótese do mapeamento lingüístico,
segundo o qual a linguagem se desenvolve em decorrência de etapas vencidas do desenvolvimento de
estruturas de inteligência da criança. A seguir, faço um resumo de Sinclair-Zwart (1973).
Investigando a natureza das estruturas sintáticas responsáveis pela ordem SVO, a autora fez um expe-
rimento com crianças de dois anos e seis meses a sete anos, em que as crianças teriam de representar, com
pequenos bonecos, o que entendiam de frases com verbos transitivos e intransitivos que lhes eram apresen-
tadas com o verbo sempre pronunciado no infinitivo. As frases eram do tipo:
• cheveux couper papa (cabelo cortar papai)
• garçon fille pousser (menino menina empurrar)
• ours pleurer sauter ( urso chorar pular) etc.
Principais resultados: (i) os itens intransitivos foram os mais fáceis, sobretudo para as crianças mais
novas; não há diferença de estratégias entre as crianças mais novas e mais velhas com relação aos intransitivos;
(ii) as soluções dadas para as séries com verbos transitivos variam de idade para idade: no Grupo I (dois
anos e dez meses a quatro anos), há duas estratégias: la. o verbo "empurrar" é entendido como atividade: a
criança não se vê como agente, mas demonstra apenas a ação de empurrar os dois bonecos, o do menino e o da
menina, sobre a mesa; 2a. a própria criança realiza a ação de empurrar: "eu empurro eles", isto é, uma ação
em que a criança mesma toma parte, em vez de supor que outros (animais ou objetos) realizem a ação. Estas
estratégias desaparecem nos grupos mais velhos, mas uma outra estratégia transicional aparece nos grupos
2 e 3 (idade intermediária): VNN, algo como "empurrar menino-menina" ou como NV (intransitivo). Fi-
nalmente, esses dois padrões se combinam para formar a trilogia SVO nas crianças mais velhas (grupo de
4 a 7 anos de idade). A interpretação da autora sobre o aparecimento dessas estruturas é a seguinte. Primei-
ro a criança expressa um (possível) esquema de ação relacionado consigo própria, no qual agente, ação e
eventual paciente são uma coisa só. Depois, ela expressa ou o resultado de uma ação feita por alguém (VO),
ou uma ação que ela própria realiza ou vai realizar (SV). A estrutura posterior e mais madura, SVO, é
resultado de coordenações de esquemas de ação, da representação de uma atividade mais complexa e da
descentração do sujeito, etapas totalmente vencidas quando estes tipos de "acerto" ocorrem [as maiúsculas
significam: S = sujeito; V = verbo; O = objeto; N = nome (substantivo)].
força també~ neste período, baseiam-se na interpretação de que Piaget avaliou
m~l e subestImou o papel do social e das outras pessoas no desenvolvimento da
cnança e ~ue um modelo interativo social se fazia necessário para explicar o
des~nvolvlmen~o nos primeiros dois anos, modelo esse que desse conta de como
a cnança e seu mterlocutor exploram os fenômenos físicos e sociais.
Aí é que surgiram nas elaborações teóricas ocidentais, as propostas de
V~g~tsky par~,~elhor dar conta do alcance social da aquisição da linguagem.
P~lcologo SovletIco, morreu prematuramente em 1934, mas o grosso de sua obra
so começou a ser amplamente traduzido para o francês e para o inglês a partir
dos anos 19?0. Sua grande influência nos estudos de aquisição da linguagem
começa efetIvamente nos anos 1970, no bojo dos questionamentos ao inatismo
chom~kiano e como uma alternativa ao cognitivismo construtivista piagetiano.
De ?nentação construtivista como Piaget, explica, porém, o desenvolvimento
da hnguagem (e do pensamento) como tendo origens sociais externas nas tro-
cas comunicativas entre a criança e o adulto. Tais estruturas ~onstruíd~s social-
mente, "~xternamente", ~ofreriam, com o tempo (mais ou menos por volta de 2
anos de Idade), um movimento de interiorização e de representação mental do
que antes era social e externalizado.
.vygotsky (1984).parte do princípio de que os estudiosos separam o estudo
da onge~ e desenvolVImento da fala do estudo da origem do pensamento práti-
co na cnança. Em outras palavras, o estudo do uso dos instrumentos tem sido
isola~~ do uso dos signos. Vygotsky propõe, ao contrário, que fala e pensamen-
to pratIco devem ser estudados sob um mesmo prisma e atribui à atividade sim-
b?lica, viabilizada. pela fala, uma função organizadora do pensamento: com a
ajuda da fala, a cna~ça começa a controlar o ambiente e o próprio comporta-
~ento..0 poderoso mstrumento da linguagem é trazido pelo que chama de
mte:nahzação da ação e do diálogo. Vygotsky entende o processo de internali-
zaçao com~ uma reconstrução interna de uma operação externa, mas, diferente-
mente de ~Iaget, para a intemalização de uma operação deve concorrer a ativi-
dade medIada pelo outro, já que o sucesso da internalização vai depender da
reaçã~ de_outras p;ssoas. Assim é que, entre criança e ação com o mundo, existe
a medlaçao atraves do outro. São as seguintes as transformações que ocorrem
no processo de internalização: 16
a) uma operação que, inicialmente, representa uma atividade externa é
re~~nstruí~a e :?meça a ocorrer internamente, daí a importância da
atlvldade slmbohca através do uso de signos;
16. Ver Vygotsky, L. Tlzought and language. Cambridge, Harvard University Press, 1984. p. 64.
214 INTRODUÇÃO Ã lINGüíSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 215
b) um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal:
as funções no desenvolvimento da criança aparecem primeiro no nível
social e, depois, no individual. Em outras palavras, primeiro entre pes-
soas (de maneira interpsicológica) e, depois, no interior da criança
(intrapsicológica). Assim, segundo Vygotsky, todas as funções superio-
res (memória lógica, formação de conceitos, entre outras) originam-se
das relações reais entre as pessoas;
c) a transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoalé resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desen-
volvimento, isto é, a história das relações reais entre as pessoas são
constitutivas dos processos de internalização.
Segundo o autor, a internalização das atividades socialmente enraizadas e
historicamente desenvolvidas é a principal característica da psicologia humana.
Os trabalhos de inspiração vygotskiana entendem a aquisição da lingua-
gem como um processo pelo qual a criança se firma como sujeito da linguagem
(e não como aprendiz passivo) e pelo qual constrói ao mesmo tempo seu conhe-
cimento do mundo, passando pelo outro. Esses trabalho~ têm sido considerados
parte do chamado "interacionismo social", que não se esgota nos trabalhos
vygotskianos, como veremos a seguir.
2.3. O interacionismo sociap7
Numa visão que se distancia em graus variados tanto do cognitivismo
piagetiano quanto do inatismo chomskiano, está o interacionismo dito "social".
Segundo esta postura, passam a ser levados em conta fatores sociais, comunica-
tivos e culturais para a aquisição da linguagem. Assim, a interação social e a
troca comunicativa entre a criança e seus interlocutores são vistas como pré-
requisito básico no desenvolvimento lingüístico. Segundo essa abordagem, ri-
tuais comunicativos pré-verbais preparam e precedem a construção da lingua-
17. o leitor deve ter, a esta altura, percebido a ambigüidade que o termo "interacionismo" tem dentro
da área de aquisição da linguagem. Numa perspectiva piagetiana (o chamado "interacionismo piagetiano")
tem a ver com a interação entre ambiente e meio para explicar a gênese e o desenvolvimento das estruturas
da inteligência e, indiretamente, da linguagem. Dentro de uma perspectiva funcional ou comunicativa,
"interacionismo", como veremos, faz apelo à interação dialógica, comunicativa, como pré-requisito da
aquisição da linguagem. Já o sociointeracionismo - como também veremos - tem-se referido à construção
conjunta e inseparável da linguagem e da dialogia. Facetas mais recentes do interacionismo (Lemos, 1992)
o vêem como relação entre o sujeito e a língua.
gem pela criança. As características da fala do adulto (ou das crianças mais
velhas) são estudadas e consideradas fundamentais para o desenvolvimento da
linguagem na criança. Alguns estudos demonstram como esquemas de ação e
atenção partilhadas pela criança e pelo adulto interlocutor-básico precedem ca-
tegorias lingüísticas.
A fala a que a criança está exposta (input) é vista como importante fator de
aprendizagem da linguagem. A este respeito, uma das questões que se tem colo-
cado é se o bebê será atingido por toda e qualquer amostra lingüística ou mani-
festações lingüísticas ao seu redor ou se as amostras que irão ter influência na
aquisição têm um caráter seletivo. Embora essa questão não tenha ainda tido
uma resposta definitiva, as pesquisas têm apontado para a segunda alternativa: a
criança é afetada pela fala dirigida a ela.
A afirmação inicial de Chomsky sobre o input degradado, composto de
frases truncadas e agramaticais, foi desafiada por pesquisas subseqüentes, abun-
dantes nos anos 1970 e 80, que examinaram dados naturalísticos da fala adulta
dirigida à criança (Snow, 1978, Bullowa, 1979). Tais estudos apontam, isso
sim, para modificações que a fala adulta sofre quando dirigida à criança, em
contraposição à dirigida ao adulto e a crianças mais velhas, além de caracterís-
ticas específicas de comunicação entre adultos e bebês que nada tinham de
"agramatical" propriamente, como a hipótese de "pobreza do estímulo" sugere.
Vejamos algumas das características mais reportadas na literatura sobre tais
"modificações" que a fala dirigida à criança sofre, em comparação com a fala
dirigida a crianças mais velhas e a adultos. Trata-se de modificações fonológicas,
morfológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas:
a) entonação "exagerada", reduplicações de sílabas ("au-au", "papai",
"dodói"), velocidade de fala reduzida, qualidades de voz diferencia-
das, tendendo para o "falsetto";
b) frases mais curtas e menos complexas; expansões sintáticas a partir de
uma palavra dita pela criança ou "tradução" de gesto feito por ela;
c) referência espacial e temporal voltada para o momento da enunciação;
d) palavras de conteúdo lexical mais corriqueiro, mais familiares e fre-
qüentes na rotina cotidiana da criança;
e) paráfrases, repetições ou retomadas das emissões da criança.
Desde o nascimento, o bebê é mergulhado num universo significativo por
seus interlocutores básicos, que atribuem significado e intenção às suas emis-
sões vocais, gestos, direção do olhar. Até mesmo os diversos tipos de choro são
"interpretados", "significados" e "classificados" pelo adulto interlocutor. O bebê
216 INTRODUÇÃO Ã lINGüíSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 217
é, assim, visto como potencial parceiro comunicativo do adulto, que empreende
uma "sintonia fina" com as manifestações potencialmente comunicativas e sig-
nificativas da criança, qualquer que seja seu conteúdo expressivo (gesto, voz,
balbucios, palavras ou frases). Há um ajuste mútuo nas conversações entre adulto
e criança, de maneira que as vocalizações infantis não caem num vácuo comu-
nicativo. Segundo Ochs & Schieffelin, os adultos "respondem às ações de be-
bês muito pequenos como se fossem intencionalmente direcionadas a eles" e
"esta prática de tratar o bebê como um autor corresponde a tratar o bebê como
um destinatário, pois os dois papéis combinados instituem o bebê como um
parceiro conversacional"18.
Essas características foram encontradas numa variedade bastante grande
de comunidades culturais e lingüísticas, de tal modo que a conclusão imediata é
que são características universais. A suposta universalidade da fala modificada
adulta dirigida à criança desencadeou reações opostas. Citarei duas delas.
A primeira recrudesce o inatismo. Relaciona-se com a retomada, nos anos
90, de interpretações que nos anos 1970/80 tinham caráter cultural-comunicati-
vo, mas, desta vez, com roupagem inatista. Assim é que propostas recentes têm
visto a universalidade de modulações de voz da chamada entonação "afetiva"
(negação, conforto, privação, atenção) como manifestações de comportamentos
pré-adaptativos da criança, numa visão declaradamente neodarwinista. Segun-
do esta visão, a criança vem pré-programada, devido a processos de seleção
natural, a reagir às curvas entonacionais próprias de situações de conforto, des-
conforto, privação etc. Tais modulações propiciariam a saliência prosódica de
constituintes gramaticais que seriam, assim, desencadeados (Fernald, 1993).
A segunda reação desafia a visão universalista do tipo de interação adulto-
bebê e explora diferenças culturais de interação e de transmissão cultural. Tra-
balhos de campo realizados com comunidades outras que não a branca, classe
média, ocidental, mostram diferentes características na interação adulto-bebê
que as até então reportadas na literatura. Os trabalhos mais famosos nesta dire-
ção são com os maias do grupo quiché da Guatemala (Pye, 1992), com os kaluli,
povo de Papua-Nova Guiné (Schieffelin, 1990), e com os samoanos da Samoa
Ocidental, na Polinésia (Ochs, 1988). Nessas comunidades, a interação verbal
entre crianças e adultos é mínima, isto porque a criança não tem o papel de
destinatário até que consiga pronunciar palavras reconhecíveis pela língua. As
18. Ochs, E. & Schieffelin, B. O impacto da socialização da linguagem no desenvolvimento gramati-
caI. ln: Fletcher, P. & Macwhinney, B. Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre, Artes Médicas,
1997, p. 75.
vocalizações do bebê são ignoradas pelos adultos e não há intenção atribuída a
elas. Segundo Ochs & Schieffelin (1997), os kaluli adultos ficaram surpresos
com o fato de os pais americanos (presentes na comunidade) utilizarem baby
talk (fala infantilizada) para as crianças pequenas e se espantaram com o fato de
as crianças americanas conseguirem aprenderadequadamente uma língua sen-
do expostas a amostras "deturpadas" de fala segundo a visão de sua cultura.
Dentro ainda de uma postura oposta ao universalismo da fala dirigida à
criança, a proposta neodarwinista, exposta anteriormente, também tem sido ques-
tionada Cavalcante (1999), replicando os experimentos de Femald em duas díades
brasileiras, também contesta a universalidade de marcas vocais interacionais e
chega à conclusão de que nem as situações de "afetividade" são sempre assim
tão marcadas como a que Femald encontrou em seus sujeitos interagindo com
os respectivos adultos, nem as modulações de altura, consideradas fonetica-
mente recortadas e universais por Fernald, dos sujeitos brasileiros analisados
seguem o mesmo padrão de contorno entonacional mostrado pela autora ameri-
cana. Cavalcante chega igualmente à conclusão de que traços culturais e
discursivos da interação adulto-criança contribuem para marcar lingüisticamente
as interações entre mãe e bebê.
A meio caminho entre propostas cognitivistas construtivistas (desenvolvi-
mento da inteligência - e da linguagem - pela interação entre organismo e
ambiente) e interacionistas sociais, Bruner (1975) pode nos fornecer um exem-
plo sobre como a aquisição do sistema de transitividade pode decorrer da cons-
trução e internalização de estruturas lingüísticas a partir da interação do bebê
com o outro e com o mundo físico.
A partir dos 6 meses de idade, a criança e o adulto engajam-se em jogos
(empilhar blocos, esconder o rosto atrás de um obstáculo e depois mostrar a
face etc.) que patenteiam instâncias de atenção partilhada e ação conjunta. Tais
esquemas interacionais formam o espaço da partilha com o outro, no qual a
criança vai desenvolver determinadas funções, quer lingüísticas, quer comuni-
cativas, primeiro em nível gestual e depois em nível verbal. Assim, pode-se
traçar uma trajetória entre a ação conjunta adulto-bebê e o estabelecimento de
papéis no discurso e no diálogo (pessoas gramaticais) mais ou menos da seguin-
te maneira: nos jogos referidos, o adulto instaura a brincadeira enquanto a cri-
ança observa (esconder o rosto, por exemplo). Assim, o adulto toma o papel do
"agente" ou tomador do turno ("eu"), ao passo que a criança funciona como
"paciente" e interlocutor ("tu"). Numa etapa posterior, a criança vai reverter os
papéis: tomar a iniciativa de começar o jogo ou a etapa do jogo, isto é, tomar o
papel do "falante", enquanto o adulto será o espectador, o "interlocutor". Esses
218 INTRODUÇÃO À L1NGúíSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 219
esquemas gestuais, de início, serão lingüísticos quando a criança tiver meios
expressivos para exprimir as funções. Essas funções primárias têm, além disso,
um papel na determinação das funções gramaticais de agente/ação/paciente,
responsáveis, segundo modelos funcionalistas de gramática,19 pelos sistemas de
transitividade nas línguas. Nos jogos descritos, a criança aprende uma espécie
de embrião, na ação e interação, em fases pré-verbais, do que mais tarde emer-
girá como marcação lingüística. É primeiro "paciente" ou "objeto da ação" pra-
ticada pelo adulto, que é, neste momento, "agente" da ação instaurada por ele
próprio. Numa etapa posterior, a estrutura se reverte, com a partilha de papéis:
a criança aprende a ser "agente" da ação conjunta, isto é, da qual participam ela
e o adulto interlocutor básico.
A atenção partilhada, por sua vez, desenvolverá conceitos como tópico/
comentário, uma das maneiras de expressar sujeito/predicado. O adulto, numa
fase pré-verbal, focaliza um ponto de atenção qualquer, espera que a criança
acompanhe seu foco de atenção e comenta sobre ele. Isto é, a criança participa
de esquemas em que se focaliza ou topicaliza para depois se comentar ou
predicar. Já noções de ação completa ou realizada vs. ação não-completada,
que serão responsáveis pelas marcações de tempo e de aspecto nas línguas,
seriam igualmente instauradas em esquemas interativos. Os pontos salientes de
um evento são sempre marcados lingüisticamente (pelo adulto) ou vocal ou
gestualmente (tanto pelo adulto como pela criança). O que é gesto ou balbucio
da criança numa situação de troca comunicativa será verbal em etapas posterio-
res, por meio, neste caso, de flexão verbal de tempo e uso de partículas tempo-
rais ou aspectuais20• Um exemplo corriqueiro é "cai/caiu", que, tanto na fala do
adulto, quanto na da criança observando ações ou eventos ou realizando ações,
indica ação incompleta (ou em progresso)/ ação completada ou presente vs.
futuro. As expressões "cai"/"caiu", quando instauradas, são "coladas" à ação
tanto realizada pela criança quanto pel,p interlocutor e posteriormente se inte-
gram ao sistema temporal e aspectual do verbo na língua-alvo.
Uma das vertentes do interacionismo social é a que se convencionou cha-
mar de "sociointeracionismo". Propostas sociointeracionistas21 afirmam que a
linguagem é atividade constitutiva do conhecimento do mundo pela criança. A lin-
guagem é o espaço em que a criança se constrói como sujeito; o conhecimento
do mundo e do outro é, na linguagem, segmentado e incorporado. Linguagem e
19. Ver o capítulo "Sintaxe", no volume I desta obra.
20. Urna crítica pertinente a esta visão, corno a outros tipos de interacionismo, pode ser encontrada
em Lemos (1992), que frisa a falta de explicação sobre a origem do que é Iingüístico propriamente.
21. Ver, por exemplo, Lemos (1982) eScarpa (1987).
conhecimento do mundo estão intimamente relacionados e os dois passam pela
mediação do outro, do interlocutor. Os objetos do mundo físico, os papéis no
diálogo e as próprias categorias lingüísticas não existem a priori (isto é, não
estão a priori segmentados, conhecidos ou interpretados), mas se instauram
através da interação dialógica entre a criança e seu interlocutor básico. Esta
interação vai proporcionar, ao mesmo tempo, a criação da criança e do próprio
interlocutor como sujeitos do diálogo, a segmentação da ação e dos objetos do
mundo físico sobre os quais a criança vai operar, e a própria construção da
linguagem, que por si é um objeto sobre o qual a criança também vai operar.
Essa proposta não se centraliza sobre o produto lingüístico (o que a criança, de
um lado, e a mãe, de outro e separadamente, dizem), mas no processo comum
aos dois interlocutores. Segundo Lemos (1982), o objeto de estudo que se toma
é a linguagem enquanto atividade do sujeito. Neste caso, enfrenta-se a indeter-
minação, a mudança e a heterogeneidade deste objeto. Os processos dialógicos
são revalorizados. Há três processos básicos no diálogo: especularidade (identi-
ficação entre os sinais dos dois interlocutores), complementaridade (incorpora-
ção de parte ou de todo o enunciado, ou gesto, do interlocutor e complementação
criativa) e reversibilidade de papéis (assumir o papel do outro e instituir o outro
como interlocutor).
2.3.1. Facetas atuais do sociointeracionismo
Dando continuidade às suas indagações sobre como, através da interação
com o adulto, a criança chegaria à língua, Lemos (1992, 1995, 1998, 1999)22
deu uma direção alternativa ao sociointeracionismo presente nos seus escritos
até os anos 1980, preferindo, atualmente, chamar sua postura simplesmente de
"interacionista". Inspirada em leituras de Saussure e do psicanalista Lacan, es-
tuda as relações do sujeito com a língua e questiona as noções de desenvolvi-
mento e conhecimento lingüístico que têm sido a base das teorias psicolingüís-
ticas, psicológicas e lingüísticas. Posiciona-se contra a noção de conhecimento
própria do "sujeito psicológico", que está presente nas noções de desenvolvi-
mento, e de sujeito onisciente, e contra a noção de representação mental, que é
a fonte e o alvo da aquisição do conhecimento lingüístico. Assim, recusa-se a
ver a aquisição da linguagem como a aquisição ou construção de conhecimento
22. A exigUidade de espaço me impede de dar urna idéia mais completa e fiel das colocaçõesatuais de
C:láu~ia Lemos. Remeto o leitor às referências indicadas para evitar um reducionismo perigoso da proposta
plOnetra da autora.
220 INTRODUÇÃO À L1NGüíSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 221
da língua, concepção consagrada pela expressão "desenvolvimento lin~üístico".
A autora não mais assume que, num determinado momento, o conhecimento da
língua permite à criança passar de interpretado a intérprete, ?a incorporação da
fala do outro à assunção da própria fala, tomando-se, aSSim, um falante em
pleno controle de sua atividade lingüística. AFresença.de ~agm:ntos da.fala do
outro na fala da criança, além de autocorreçoes e hesItaçoes, nao autonza, se-
gundo a autora, que se fale em "conhecim~n:o p.len~ ~a língua" nem. ~e um
estágio estável final. Passa, então, de uma vlsao dmcromca para uma vI~ao es:
trutural. Em vez de "construção" e "desenvolvimento", entende que a cnança e
colocada numa estrutura em que comparece o outro, como instância repres~n~a­
tiva da língua, a própria língua em seu funcionamento e a criança ~omo s~JeIt~
falante. Essa estrutura é a mesma em que se move o adulto, dai que nao ha
propriamente "desenvolvimento", nem "c~nstrução". 0. q~e identi~ca as mu-
danças no processo de aquisição são as dlferent~s. posIçoes ~a cnança nesta
estrutura ou melhor, as diferentes relações do sUjeito com a hngua, em que o
pólo do~inante da estrutura pode ser o outro, a língua ou o próprio sujeito.
°leitor é agora convidado a examinar uma ilustração da polêmica inat~ VS.
adquirido ou natureza vs. ambiente: a questão popular e recorrente do penodo
crítico de aquisição da língua materna e de segunda língua (L2). Vamos a ela.
3. AQUESTÃO DO "PERíODO CRíTICO"
Todos sabemos como é difícil (tentar) dominar uma segunda língua em
idade adulta ainda mais em situação formal, escolar. Por mais brilhante e esfor-
çado que sej~ o aprendiz, mesmo que a proficiência final seja bastante. sat.isfatória,
tanto em termos gramaticais quanto lexicais, e suficiente para atmgIr plenos
objetivos de comunicação numa segunda língua, sempre ficam: ~a fala do apre~­
diz, certas construções gramaticais mal-ajambradas, erros fOSSIhz~dos, ou, maIS
certamente, um sotaque "estranho" aos ouvidos dos falantes nativos. Segundo
Pinker (1994), o sucesso total em aprender uma segunda língua em idade adul-
ta, ainda mais em situação de sala de aula, existe, mas é raro e depende de "puro
talento".
Lenneberg (1967) buscou bases biológicas para argumentar em favor do
"período crítico" para a aquisição da linguagem. Eis suas palavras:
Entre dois e três anos de idade, a linguagem emerge através da interação entre
maturação e aprendizado pré-programado. Entre os três anos de idade e a adoles-
cência, a possibilidade de aquisição primária da linguagem continua a ser boa; o
indivíduo parece ser mais sensível a estímulos durante este período e preservar
uma certa flexibilidade inata para a organização de funções cerebrais para levar a
cabo a complexa integração de subprocessos necessários à adequada elaboração
da fala e da linguagem. Depois da puberdade, a capacidade de auto-organização e
ajuste às demandas psicológicas do comportamento verbal declinam rapidamen-
te. O cérebro comporta-se como se tivesse se fixado daquela maneira e as habili-
dades primárias e básicas não adquiridas até então geralmente permanecem defi-
cientes até o fim da vida23 •
Pinker (1994) afirma que a aquisição de uma linguagem normal é garanti-
da até a idade de 6 anos, é comprometida entre 6 até pouco depois da puberdade,
e é rara daí para a frente. Este autor chega a especular que o período crítico se
explica por mudanças maturacionais no cérebro, tais como o declínio da taxa de
metabolismo e do número de neurônios durante a idade escolar e da diminuição
do metabolismo e do número de sinapses cerebrais na adolescência.
No entanto, nem mesmo essas justificativas biológicas têm sido explica-
ções finais e convincentes para o fenômeno do "período crítico" de aquisição.
Aitchinson (1989) aponta para a insuficiência explicativa dos argumentos arro-
lados em favor desta hipótese. Pelo menos quatro deles têm sido citados:
a) casos de estudos de indivíduos que foram isolados de qualquer conví-
vio social ou troca lingüística e adquiriram a linguagem tardiamente;
b) o desenvolvimento da fala de crianças com síndrome de Down;
c) a suposta sincronia do período crítico com a lateralização hemisférica;
d) dificuldades de aquisição de segunda língua depois da adolescência.
Vejamos mais detalhadamente cada um deles.
Em relação às crianças isoladas lingüística e socialmente, os casos mais
conhecidos, reportados neste século, são de Isabelle, Genie e Chelsea. Isabelle
era a filha ilegítima de uma mulher surda e cérebro-lesada com a qual passava a
maior parte do tempo, ambas enclausuradas num quarto escuro, na casa de seu
avô, no interior do Estado de Ohio. Quando mãe e filha escaparam da prisão
domiciliar nos anos 1930, Isabelle tinha 6 anos e meio e não falava; apenas
emitia sons guturais. Mas, uma vez resgatada para o convívio social, seu pro-
gresso na aquisição da linguagem foi fantástico: em dois anos e meio, sua lin-
guagem mal se distinguia da de crianças da mesma idade que tiveram condições
normais de desenvolvimento. Ela dizia, por exemplo: "What did Miss Mason
23. Lenneberg, E. Biologicalfoundations of language. New York, Wiley, 1967, p.158.
222 INTRODUÇÃO Ã L1NGÜiSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 223
say when you told her I cleaned my classroom?" (O que a senhorita Mason disse
quando você lhe contou que eu limpei minha sala de aula?) Genie, entretanto,
não teve a mesma sorte. Descoberta em 1970, com quase 14 anos, tinha vivido
toda sua vida em condições sub-humanas. Confinada a um cubículo desde a
idade de 20 meses e agredida fisicamente pelo pai quando emitisse qualquer
som, não falava nada. Apesar de, depois de resgatada, ter aprendido a falar de
modo rudimentar, progredia mais lentamente do que uma criança normal. Eis
um exemplo do que ela conseguia dizer, depois de anos de aprendizado: "Mike
paint" (Mike pintar); "Applesauce buy store" (Molho de maçã comprar loja);
"Neal come happy. Neal not come sad" (Neal vir contente. Neal não vir triste).
Genie demonstrava, porém, grande habilidade em memorizar vocabulário. No
entanto, memorizar listas de itens lexicais não é evidência de saber falar uma
língua. O caso mais recente foi o de Chelsea, deficiente auditiva, que fora incor-
retamente diagnosticada como mentalmente retardada e por isso criada numa
cidade remota do norte da Califórnia. Aos 31 anos de idade, ela foi encaminha-
da para um neurologista, cuja primeira providência foi instalar um aparelho de
audição, que fez melhorar muito sua capacidade auditiva. Foi só então que
Chelsea começou a aprender sua língua materna, sob tratamento intensivo com
uma equipe especializada. Ela tem um vocabulário razoável, lê, escreve, comu-
nica-se e trabalha. Sua linguagem, porém, ficou "agramatical". Eis alguns exem-
plos: "The small a the hat" (O pequeno um o chapéu); "Banana the eat" (Banana
a come). Aitchinson (1989) ressalta que tais casos, além de isolados, devem ser
tomados com cautela quanto a representarem evidência cabal em prol da exis-
tência de um período crítico de aquisição da linguagem. É possível, lembra o
autor, que a extrema privação física, comunicativa e emocional de Genie tenha
propiciado um certo retardo mental: seu hemisfério esquerdo é levemente
atrofiado. Genie e Chelsea têm, portanto, problemas não-lingüísticos que po-
dem explicar, pelo menos parcialmente, sua linguagem rudimentar.
Em relação ao segundo argumento, é corrente na literatura a afirmação de
que as crianças portadoras de síndrome de Downe de Williams seguem as mes-
mas trilhas na aquisição e desenvolvimento da linguagem que crianças não-
portadoras desta deficiência, mas muito mais lentamente24 • O consenso, até pouco
tempo atrás, era de que estas pessoasnunca conseguem alcançar a criança nor-
mal porque sua capacidade aquisicional diminui bastante depois da puberdade.
Mais recentemente, esta explicação tem sido constestada pelo fato de que há
grandes diferenças individuais no desenvolvimento lingüístico de portadores da
síndrome de Down (Camargo & Scarpa, 1996), de tal maneira que há desde
24. Ver Camargo & Scarpa, 1996, para detalhes e discussão.
crianças que param num estágio estável de aquisição bem antes da puberdade
até jovens que continuam seu processo. de aprendizagem tanto de diferentes
modalidades discursivas, como o desenvolvimento de processos bem criativos
e autônomos de escrita.
Já em relação ao terceiro ponto, até pouco tempo atrás, achava-se que o
processo de lateralização cerebral ocorria aproximadamente dos 2 aos 14 anos
de idade - período este estipulado como coincidente com o "período crítico"
de aquisição da linguagem. Pesquisas neurolingüísticas mais recentes, porém,
mostram, de um lado, que a lateralização começa na criança já a partir de alguns
meses de vida. Assim, como não há evidências, em relação a este fenômeno, de
um súbito começo do período crítico por volta dos dois anos, também não há
evidências cabais de um súbito cessamento deste mesmo fenômeno depois da
adolescência. Por outro lado, há cada vez mais evidências que contestam a es-
pecialização hemisférica compartimentada da linguagem25•
Por último, um argumento contencioso tem sido a contraposição entre o
bilingüismo infantil, o bilingüismo sucessivo na infância ou adolescência e a
aquisição de segunda língua na idade adulta. De acordo com interpretações
inatistas, o que pode explicar a dificuldade do último em contraposição à facili-
dade e naturalidade dos dois primeiros seria o acesso - ou a falta dele - à
Gramática Universal por parte do aprendiz. Essa discussão tem servido de labo-
ratório para teorias de aquisição. Apesar de haver discordâncias mesmo entre os
adeptos da teoria gerativa, uma interpretação mais ou menos comum é que, nos
dois primeiros casos, a GU está disponível e dela desenvolvem-se duas ou mais
línguas. Já a disponibilidade à Gramática Universal não é tão óbvia em casos de
aquisição de segunda língua por adultos. Segundo Meisel (1993), a aquisição de
segunda língua depois da adolescência não é mais função de Gramática Univer-
sal, mas é um processo cognitivo, de aprendizagem de habilidades. Daí se expli-
cam as fossilizações e julgamentos limitados de gramaticalidade.
No entanto, explicações não-gerativistas desafiam esta explicação. A difi-
culdade de aquisição de segunda língua depois da adolescência tem sido revista
e relativizada. Argumentos interacionistas são levantados com relação às dife-
renças entre a aquisição da língua materna ou estrangeira na infância e depois
da adolescência. Contemplam diferentes fatores interativos e socioculturais de
aquisição nas duas situações; o que explicaria a extrema diferença individual
tanto no processo de aquisição de L2 em idade adulta, quanto no alvo a ser
atingido: o grau de domínio do alvo pretendido é muito variado. Fatores
25. Ver o capítulo "Neurolingüística", neste volume.
224 INTRODUÇÃO À lINGüíSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 225
interativos também contemplam as modificações e ajustes da fala simplificada,
dirigida ao falante não-nativo da língua. Este tipo de fala <j0reigner talk). é. i~ual~
mente muito variado e de modo algum semelhante aos ajustes da fala dlflg1da a
criança. Mais recentemente, as diferentes relações do sujeito com a língua na
aquisição da língua materna e na aquisição de segunda língua ou língua estran-
geira também têm sido invocadas como explicação para os casos em questão.
4. ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
Antes de qualquer coisa, é preciso que se diga que o conceito de estágio é
dinâmico e não estático, como aponta Perroni (1994). A autora afirma que a
sucessão de estágios não se dá linearmente, e, para descrevê-la, a "metáfOJ:a da
espiral (é) mais apropriada (...) que a dos degraus de uma longa escada"26. E um
conceito intrinsecamente ligado ao de desenvolvimento; assim, os estágios "não
são pedaços justapostos uns após os outros, mas cada um se enraiza no outro,
precedente, e se prolonga no seguinte"27.
Dito isso, o que segue é uma breve exposição sobre os estágios de desen-
volvimento lingüístico por que passa a criança pré-escolar.
Segundo Bates & Goodman (1997), a trajetória do desenvolvimento da
linguagem parece ser, com algumas especificidades, universal e contínua. As
crianças começam com balbucio, primeiro com vogais (cerca de 3 a 4 meses,
em média), depois com combinações de vogais e consoantes de complexidade
crescente (geralmente entre 6 e 12 meses). As primeiras palavras emergem en-
tre 10 e 12 meses, em média, embora a compreensão de palavras possa começar
algumas semanas antes. Depois disso, as crianças passam várias semanas ou
meses produzindo enunciados de uma palavra. No começo, a taxa de crescimen-
to de seu vocabulário é reduzida, mas há um súbito acréscimo nela mais ou
menos entre 16 e 20 meses. As primeiras combinações de palavras geralmente
aparecem entre 18 e 20 meses e, no começo, tendem a ser telegráficas. Lá pelos
24 a 30 meses, há outra espécie de explosão vocabular e aos 3 ou 3 anos e meio,
a maioria das crianças normais dominou as estruturas sintáticas e morfológicas
de suas línguas maternas.
O quadro anterior seria perfeito se não fosse tão polêmico e tão cheio de
contra-exemplos, como as próprias autoras alertam. Para efeito deste texto, po-
26. Perroni, M.C. Desenvolvimento do discurso narrativo. São Paulo, Martins Fontes, 1992, p. 10.
27. Ibidem, p. 10.
rém, vou limitar-me a apontar alguns aspectos do desenvolvimento da lingua-
gem na criança, sobretudo baseada nUlI) prisma sociointeracionista, que pode
acrescentar pelo menos certas nuances no quadro delineado.
Desde que nasce, a criança já é inserida num mundo simbólico, em que a
fala do outro a interpreta e lhe imprime significado. Por outro lado, segundo
alguns trabalhos, com alguns dias de vida, a criança tem uma reação positiva
aos sons da fala, que lhe são confortadores e gratificantes. A partir de algumas
semanas de vida, a criança já consegue discriminar a fala de outros sons, rítmi-
cos ou não. Com 3, 4 meses de idade, os bebês começam a balbuciar seqüências
de sons que se aproximam da fala humana. A freqüência do balbucio aumenta e
este começa a ser cada vez mais padronizado até cerca de 10 meses. O ritmo, a
entonação, a intensidade, a duração da fala, que no início são assistemáticos,
começam a ser recorrentes e estruturados. As sílabas começam a se estruturar
(discriminação entre C e V) e se repetem (reduplicação).
Aparentemente, os sons que a criança balbucia no começo são universais:
os sons do balbucio inicial não são específicos de sua língua materna. As crian-
ças surdas conseguem balbuciar nesta fase, embora, depois disso, não acompa-
nhem o desenvolvimento normal da criança ouvinte. Conforme o balbucio se
padroniza, antes do aparecimento das primeiras palavras, a seqüência e o acer-
vo de sons passam a se assemelhar mais às características fonéticas da língua
materna. Os elementos prosódicos, como ritmo e entonação, são bastante sali-
entes tanto na fala da criança quanto na percepção que a criança tem da fala do
adulto. São recursos expressivos muito importantes, na falta de recursos iéxico-
gramaticais do adulto. Vários trabalhos mostram o ajuste mútuo entre adulto e
criança nesta fase e o papel fundamental que esses elementos prosódicos aí
representam.
Alguns trabalhos apontam para os processos dialógicos que se instauram
já nesta fase. A contribuição da criança é gestual e vocal; a do adulto, gestual e
lingüística, através da ação e atenção partilhadas. Os estudiosos adeptos desta
visão afirmam que o adulto interpreta primeiro os gestos da criança, depois suas
manifestações vocais, inclusive imprimindo-lhesintenção. Dessa maneira, a fala
da criança se enquadra numa interpretação dada pela fala do adulto através de
seus gestos e sons vocais e o próprio adulto se vê "interpretado" pela criança.
Um rápido lançar de olhos aos dados de uma interação verbal entre adulto
e criança nesta fase mostra os processos de especularidade e complementaridade
que perpassam as emissões de ambos os interlocutores. Exemplo:
(1) A criança estende a mão para um brinquedo e vocaliza algo; a mãe imediata-
mente interpreta o gesto e a voz da criança e responde com algo como: O au-au!
226 INTRODUÇÃO Ã lINGüíSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM
227
(nomeando)... É o au-au que você quer? (enquadrando o turno da criança em
algum significado ou numa cadeia de signos lingüísticos).
Isto é, a mãe parafraseia a suposta intenção da criança, por um processo de
especularidade e complementa a paráfrase, expandindo seu ~nunciado. ~o ~im
do período do balbucio, começam a aparecer na fala da crIança as prImeIraS
palavras reconhecíveis como tais pelo adulto. Para algumas ~rianças, o ~albucio
cessa quando as primeiras palavras aparecem, mas outras crIanças contmuam a
produzir seqüências balbuciadas junto com as palavras.
A produção das primeiras palavras e frases (incorporadas como um bloco
do discurso do interlocutor básico) mostra indeterminação semiótica (o mesmo
significado pode ser veiculado por um número bastante grande e variado de
sinais), fonética (a variação fonética do sinal é grande) e categorial (o mesmo
significado pode ser expresso por uma boa variedade do que, na Iíngua.a~ulta,
pertenceria a categorias diversas). O que também se observa, na transIçao de
enunciados de uma ou mais palavras, é a não-segmentabilidade de seqüências
de sons em palavras. Muitas vezes, frases inteiras são incorporadas da lingua-
gem adulta, sem que haja nelas evidência de que a criança analisa o sinal em
unidades discretas. O que acontece é que a criança incorpora, junto com a se-
qüência fônica, o contexto específico que deu origem àquele enunciado, como
se vê no exemplo a seguir, selecionado da fala de uma criança de 1;728:
(2) "Tatente" ("tá quente") para denotar café.
Assim, as formas maduras aparecem, num primeiro momento, em contex-
to de especularidade imediata de algum item da fala adulta. Num momento pos-
terior, ou a forma desaparece para reaparecer adaptada ao sistema fonológico
da criança muito tempo depois, ou sua forma "menos madura", variável, percor-
rerá vários meses de mudança até se tornar estável. A forma "desviante" indica
reorganizações que a criança empreende na sua trajetória lingüística.
Com as primeiras palavras aparece também a flexão ou a aparente flexão.
Digo aparente porque em muitos casos não há ainda evidência de que. realmente
as flexões representam morfemas categoriais ou de classes gramaticaIS como na
linguagem adulta. Exemplo:
28. Na área de aquisição da linguagem, a convenção para expressar a idade dos sujeitos é: ponto e
vírgula (;) separa o número do ano do número de meses, e ponto (.) separa o número de meses d?, número de
dias. Assim, hipoteticamente em relação a I; 7.10, deve-se ler "um ano, sete meses e dez dias .
(3) O possível sufixo -eu, na fala de uma criança, por volta de 1;7 a 1;8 "sendeu",
correspondente ao adulto "acendeu", não indica passado, nem pessoa. Pode deno-
tar: (i) anunciar aos presentes que acabou de acender ou apagar a luz ou tocar a
campainha de um telefone de brinquedo ou que está prestes a realizar uma dessas
ações; portanto, neste caso, denota tanto uma ação completada quanto a intenção
de realizar uma ação; (ii) pedir ao adulto que faça uma dessas ações; (iii) nomear
o feixe de luz que entra pela janela.
O que esse exemplo mostra é que não se pode considerar a desinência -eu
como um morfema de tempo e pessoa. Mostra também que o que acontece com
o significado nesta fase de aquisição é um fenômeno que na literatura é chama-
do de superextensão ou supergeneralização, segundo o qual a faixa semântica
de uma palavra é alargada a limites muito mais amplos que na linguagem do
adulto (é conhecido o exemplo, em português, da palavra "au-au", cujo sentido
abarca pelo menos todos os animais de quatro patas, o bichinho de pelúcia e a
figura de animais). Uma possível explicação para a superextensão semântica é
aquela não restrita às propriedades cômponenciais do significado da palavra29.
A criança incorpora, via especularidade, todo ou parte do enunciado do interlo-
cutor, emitido naquela situação específica. Dá-se, então, um processo chamado
de recontextualização, isto é, a extensão do item em questão para outras interações
dialógicas, com a recorrência ou a associação a outros discursos. Em muitos
casos, não há clara evidência, no começo, de segmentação ou análise gramatical
propriamente dita. A análise (ou reanálise) se dá num estágio posterior, com a
reorganização do sistema da criança, dentro de outros diálogos.
Coincidentemente, as primeiras sentenças espontâneas da criança são jus-
taposições de enunciados monovocabulares (de "uma palavra") que ela produz
à maneira de fala telegráfica. Por exemplo, veja a seqüência de enunciados da
fala de uma criança de 1; 10:
(4) Babadoi (gravador)
Chão
Põe badadoi chão (põe o gravador no chão).
Os erros ou desvios da norma muitas vezes indicam, segundo alguns estu-
diosos, que um processo de análise e segmentação está se instaurando, pois
revelam as hipóteses que a criança faz sobre o objeto lingüístico. Por exemplo,
numa fase posterior à produção aparentemente "correta" do sufixo verbal de
29. Ver o capítulo "Semântica", neste volume.
228 INTRODUÇÃO Ã lINGüíSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 229
passado, a mesma criança, com 1;11, produz alguns itens que indicam a adição
do sufixo a raízes não-verbais.
(5) Vai lá (observando o pica-pau de brinquedo descendo a haste, bicando-a).
Vailô (observando a chegada do pica-pau na base da haste).
Guarda (da cama) (observando a mãe baixando a guarda da cama).
Guardô (emitido após a completude da ação por parte da mãe).
A colocação do morfema fora de seu lugar usual indica que um processo
de análise está se efetuando e que a criança reorganiza seu sistema para passar
para outros níveis de análise e aquisição. A partir de 2 a 3 anos, a criança já
começa a contar histórias. A produção do texto narrativo como tal exige
descentração do contexto original da história, capacidade de compreender e
expressar sucessão e concatenação de eventos (que implica, entre outras coisas,
dominar lingüística e cognitivamente a categoria tempo), relação causal entre
eventos e uma provável gramática do texto. No começo, a criança ainda não
domina estas categorias - sua aquisição, de fato, é tardia. O que se dá é a
construção conjunta de textos, num jogo instaurado pelo adulto e logo incorpo-
rado pela criança, que preenche os arcabouços ou "esquemas narrativos"
subjacentes às histórias ou relatos narrados. A trajetória para a aquisição do
discurso narrativo é longa: aparentemente, não é antes dos 5 anos que a criança
se toma uma narradora proficiente30.
O quadro de desenvolvimento lingüístico aqui traçado obedece a uma de-
terminada visão do problema, chamado, genericamente, de interacionista. Ob-
viamente, o quadro seria outro se a interpretação seguisse outro programa cien-
tífico ou outro enfoque teóric031 .
5. ALGUMAS CONCLUSÕES
O que você leu nas páginas anteriores é apenas a eleição de alguns temas e
o esboço de algumas posturas teóricas colocadas no campo da investigação so-
bre a aquisição da linguagem. Tal seleção não esgota absolutamente a eleição
de temas, metodologias e correntes de pensamentos que acompanham o recorte
dos fenômenos que envolvem a área.
30. Ver Perroni, 1992, para maiores detalhes.
31. Remeto o leitor para Galves (1995), Kato (1995). e Perroni (1999). para uma visão alternativa,
baseada na aquisição paramétrica, gerativista, do desenvolvimento lingüístico.É preciso, porém, deixar claro que as polêmicas que envolvem as grandes
que~t?e~ da ár~a estão ainda em aberto. Se, por um lado, é pouco afirmar que a
aquISlçao da Imguagem se restringe à internalização de regras fonológicas,
morfológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas da língua materna do apren-
diz, por outro lado é ainda pouco clara a natureza da passagem entre estruturas
interativas pré-lingüísticas e a gramática adquirida, a natureza do conhecimento
lingüístico vinculado ou não ao conhecimento do mundo, a dificuldade
m~todológic~causada pela falta de transparência da fala da criança (e da pró-
pna fala do mterlocutor), entre tantos outros mistérios. Ainda mais, apesar de
recentes avanços no estudo do cérebro, pouco se sabe hoje sobre a relação entre
conexões neurais e o uso/conhecimento da linguagem ou sobre a relação entre men-
te e cérebro e seu papel nessa aquisição. Em outras palavras, o desafio ainda
continua a ser a relação entre o inato e o adquirido, entre o biológico e o sócio-
histórico, entre o lingüístico e o extralingüístico, entre o sujeito aprendiz e o
objeto a ser aprendido. Felizmente, o campo continua aberto a uma gama bem
variada de investigações.
Uma coisa é certa, porém: quando vai para a escola, a criança já percorreu
um longo caminho elaborando sua linguagem, inserindo-se na língua de sua
comunidade. Lingüisticamente, a criança não é tabula rasa. Ela é perfeitamente
proficiente em sua língua materna e continua a aprender outras formas perten-
centes a outras modalidades da fala/linguagem, dentro e fora da escola. Isto é, a
operar com objetos lingüísticos. Assim, a escola vai lhe proporcionar o acesso a
outras "gramáticas"32 a partir de modalidades escritas pertencentes a modalida-
des escritas.
BIBLIOGRAFIA
AlTCHlNSON, J. The articulate mammal. lntroduction to psycholinguistics. Londres,
Routledge, 1989.
BATES, E. & GOODMAN, J. On the inseparability of grammar and lexicon: evidence
from acquisition, aphasia and real-time processing. ln: Language and Cognitive
Process., n. 12, pp. 507- 584, 1997.
BRUNER, J. The ontogenesis of speech acts. Journal ofChild Language, n. 2, 1975.
BULLOWA, O. Before speech. The beginning of interpersonal communication.
Cambridge, Cambridge University Press, 1979.
32. Entre as formas ~ramaticais hoje próprias da escrita para falantes do português brasileiro, cujo
acesso, portanto, e p~oplcIado pelo contato com textos escritos, contam-se o uso dos pronomes clíticos,
obJeto dlreto pronommal preenchIdo, e formas de coesão textual, entre outras.

Continue navegando