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Educação na Grécia Antiga

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o professor bizantino, quer se tratasse de um mestre-escola quer de um profes-
sor de gramática, retórica, filosofia, era herdeiro de uma tradição muito antiga, que
remontava ao século V a. C. Num fragmento de uma comédia aristofanesca perdida
encontramos um mestre que pergunta aos seus alunos o significado de palavras difí-
ceis, presentes nos poemas de Homero; fora-lhes fornecida.uma lista de termos do
género, que depois deviam aprender de cor. O historiógrafo Tucídides narra que, em
413 a.C., durante a guerra do Peloponeso, um bando de soldados mercenários trá-
cios irrompeu na pequena cidade de Micalesso na Beócia e 'massacrou os seus habi-
tantes. «Entre outras coisas», escreve Tucídides, «irromperám numa escola infantil,
a maior da cidade, quando as crianças acabavam de entrar, e mataram-nas todas.»
Que houvesse mais de uma escola numa cidade tão pequena - o geógrafo Estrabão,
no século I a. C., define-a como «uma aldeia» - testemunha como era difusa a ins-
trução na Grécia no século V. .
Foi no período helenístico - grosso modo desde a morte de Alexandre Magno,
em 323, até à de Cleópatra, em 31 a. C. - que tomou forma o 'sistema educativo depois
mantido, se bem que com inevitáveis modificações, ao longo dos períodos romano
e bizantino da história grega, até à tomada de Constantínoplà pelos Turcos Otomanos
em 1453. A instrução previa três níveis diferentes: o nível elementar, o da gramática
e o da retórica.
A actividade do mestre-escola e do gramático
o mestre-escola era pessoa humilde, de modesta extracção social, que poucos
vestígios deixou nos grandes registos da história. Ensinava a ler e escrever, e mui-
tas vezes também os rudimentos da aritmética. Os seus métodos pedagógicos eram
simples e não tinham em grande consideração o desenvolvimento psicológico da
criança. Esta aprendia primeiro os nomes e as formas das letras, depois e por ordem,
as sílabas, as palavras mais curtas, a morfologia de base de substantivos e verbos,
habitualmente sem considerar as formas arcaicas e dialectaisjatestadas na poesia grega
clássica. Continuava depois, copiando e aprendendo, de cor, breves máximas do tipo
«Aceitai o conselho das pessoas sábias» ou «Não confíeis cegamente em todos os
amigos». Finalmente, passava-se à aprendizagem de cor de breves textos em prosa
como as Fábulas de Esopo, acompanhadas das explicações gramaticais e morais do
mestre. As lições deste último eram regularmente «reforçadas» por castigos corpo-
rais. Podemos fazer uma ideia do modo como trabalhava graças a um mimiambo de
95
Heroda (século III a. c.) e a fragmentos de «cadernos» em papiro encontrados em
pequenas cidades egípcias entre os montes de lixo. Admitindo que, ao longo de mil
e quinhentos anos, os métodos dos professores tenham mudado, a mudança foi mínima.
Não havia livros de texto e muitas coisas eram aprendidas de cor.
Sabemos muito mais acerca da actividade do gramático e do retor, os professores
responsáveis pelos dois estádios seguintes da instrução helenística e bizantina. Gramática
e retor pertenciam à pequena, mas articulada classe culta que escrevia os livros; algu-
mas das suas obras sobreviveram. No que consistia o ensino do gramático aos seus alu-
nos? Ensinava a ler e a compreender (por vezes a apreciar criticamente) a literatura da
Grécia clássica. Começava por ensinar a complexa morfologia de substantivo e verbo,
tal como apareciam nesta literatura, descendo mais aos pormenores do que o mestre-
-escola, e dando também conta de muitas excepções às regras. Isto comportava o estudo
dos vários dialectos - verdadeiros ou supostos - em que a literatura estava escrita, além
das palavras raras e de uso meramente literário. Com o andar do tempo, o grego falado
da vida quotidiana divergiu cada vez mais do da literatura grega clássica. Por isso, o
gramática viu-se obrigado a «corrigir» e a «depurar» a linguagem falada dos seus alu-
nos, insistindo no sentido de que, fosse qual fosse o tipo de comunicação oral, recor-
ressem a palavras e formas que não haviam interiorizado na infância. Recorria, para
tanto, a livros de texto compostos na Antiguidade, mas que continuaram a ser usados
na Idade Média. Um destes livros é a Arte da Gramática (Technê grammatikê) de
Dionísio Trácio, escrita no século 11 a. C. Este pequeno tratado, que não ocupa mais
de dezasseis páginas impressas, trata das partes do discurso, de morfologia, prosódia,
etimologia, figuras do pensamento e da palavra. No decurso do seu ensinamento, os
gramáticas expunham e ilustravam esta obra concisa e elementar; alguns deles deram
mesmo ao seu ensinamento uma forma permanente, no sentido de que puseram por
escrito os seus comentários. Muitos sobreviveram, compostos por professores dos finais
da Antiguidade e da Idade Média. Com a sua complexidade e prolixidade, estes comen-
tários submergem e, por assim dizer, redimensionam o breve e Iímpido texto que se
esforçam por explicar. O outro livro de textos muito usado pelos gramáticas de Bizâncio
era o dos Cânones (Kanones) de Teodósio de Alexandria (c. 500 d. C.), lista sistemá-
tica de regras breves para a declinação dos substantivos e a conjugação dos verbos em
grego clássico. De facto, os Cãnones compreendem ainda muitas formas que não estão
presentes nos autores clássicos, mas foram inventadas mais tarde pelos gramáticas,
muitas vezes em busca das falsas analogias. Também em tomo deste tratado se acumularam
comentários muito mais volumosos do que o texto de Teodósio.
Paralelamente ao ensino teórico, procedia' a leitura prática dos textos literários.
Preferiam-se os textos poéticos, tanto porque eram mais fáceis de decorar como por-
que continham, tendencialmente, um maior número de formas não comuns, para além
de alusões de tipo mitológico ou não. Os poemas hornéricos, sobretudo, constituíam
as ferramentas do ofício de gramático. Eram escritos numa linguagem literária arti-
ficiosa, que reflectia a usada pelos cantores nas suas composições orais, numa época
ainda não «alfabetizada». Esta linguagem continha muitas palavras anómalas e for-
mas pertencentes aos diversos dialectos da Grécia arcaica. Além disso, os poemas
homéricos eram ricos em referências a figuras e acontecimentos da mitologia, que
foram talvez familiares aos jovens que frequentavam as escolas da Atenas pagã, mas
96
\
exigiam explicações para os seus pares da época bizantina e cristã. O gramática devia,
assim, dedicar grande parte do seu tempo à explicação pormenorizada (palavra por
palavra, verso por verso) da Ilíada e da Odisseia, ou ainda (menos frequentemente)
de Hesíodo, de uma tragédia antiga, da poesia - requintada e, ao mesmo tempo, alu-
siva - do mundo helenístico.
Geralmente, os alunos não possuíam cópias dos tratados de Dionísio ou de Teodósio,
para não falar dos poemas homéricos. Tanto no mundo tardo-antigo como no mundo
bizantino, os livros eram objectos raros e dispendiosos. O ensino fazia-se oralmente.
O gramático ditava aos seus alunos excertos que deviam ser decorados; depois expli-
cava-os, muitas vezes limitando-se a ler ou apenas parafraseando o comentário de um
dos seus predecessores - talvez o seu próprio professor. O gramática continuaria a
verificar os conhecimentos dos seus alunos: interrogando-os, pois, acerca do tema da
lição, precisamente como fazia o mestre do fragmento aristofanesco. Os progressos
dos alunos deviam ser lentos. No século XII, um comentador de Aristóteles observa,
acidentalmente, que a dose quotidiana de Homero consistia num excerto de cerca de
trinta versos, que os alunos deviam aprender e explicar; só os alunos mais brilhantes
conseguiam chegar aos cinquenta. Se se considerar que a Iliada ascende a 15694 ver-
sos e que a Odisseia não é muito mais breve, percebe-se que terá sido difícil para os
alunos-obter, através do ensino do gramático, uma visão globalda arquitectura e do
majestoso alcance dos dois grandes poemas épicos. Havia, em todo o caso, epítomes
dos poemas homéricos, mas, com base nos que sobreviveram, diríamos que não devem,
com toda a probabilidade, ter despertado o entusiasmo dos jovens. Sobreviveram alguns
comentários bizantinos a Homero, de diferentes níveis de compreensão e profundi-
dade, os quais nos dão uma ideia do modo como os gramáticos podiam explicar as
dificuldades do texto. Sobrevive também um certo número de paráfrases ad versum
em prosa, que tiveram certamente origem numa situação de ensino. Muito longos, por-
menorizados e eruditos são os comentários à Ilíada e à Odisseia escritos por Eustácio,
docente na Escola Patriarcal em meados do século XIl e, depois, arcebispo de Tessalónica.
Encontraremos novamente este autor; os seus comentários, com todas as relativas
digressões, devem claramente alguma coisa à sua actividade de professor. Mas o pró-
prio Eustácio declara que são também dirigidos a um público mais amplo de leitores
cultos, e que podem ser lidos com ou sem o texto do poeta. Não seria sensato supor
que o gramático médio explicasse Homero com a riqueza de informação, a erudição,
a variedade de abordagens, a mesma monumental idade das magníficas «compilações»
(parekbolai) eustacianas, como ele as intitulou. De igual modo, os copiosos escólios
críticos à Ilíada que sobrevivem num manuscrito do século X actualmente conservado
na Biblioteca Marciana de Veneza - escólios que contêm os restos da filologia homé-
rica dos grandes alexandrinos, de Zenódoto e Aristarco a Didimo - não são absolu-
tamente representativos do que o gramático ensinava aos seus discípulos. Destinam-se
a filólogos especialistas, não aos jovens das escolas.
A figura e a função do retor
O retor recebia do grarnático os seus discípulos quando tinham cerca de catorze
anos (não havia regras oficiais a este respeito). O retor ensinava os alunos a expri-
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mir com elegância e persuasividade o seu pensamento, quer o devessem fazer oral-
mente ou por escrito. Devemos ter em conta que, numa cultura ainda em grande parte
oral, a capacidade de bem falar era mais importante e muito mais apreciada que nos
dias de hoje. No mundo tardo-antigo, não se esperava do retor que se limitasse a
ensinar; devia ainda demonstrar a sua arte no teatro ou na câmara do conselho, pro-
nunciar panegíricos, orações de tipo fúnebre, nupciais e outras para os mais emi-
nentes concidadãos; quando necessário, devia servir de porta-voz da sua cidade diante
dos governadores provinciais, dos prefeitos do pretório, do próprio imperador, ser-
vindo assim de ligação entre as cidades - dotadas de autonomia parcial, como eram
- e a autoridade imperial. No século IV, Libânio, professor de retórica em Antioquia,
exerceu todas estas funções segundo as circunstâncias. Com a ulterior centralização
do poder, o retor passou a ter cada vez menos o papel de mediador entre a sua comu-
nidade cívica e um governo agora distante. Continuava, porém, a ter de dar provas
de eloquência e a celebrar acontecimentos importantes para a vida da cidade e da
elite que a governava. Em meados do século VI, Corício, professor de retórica em
Gaza, proferiu encómios, orações fúnebres e outras coisas mais, tanto para os laicos
como para os bispos numa sociedade que era então eminentemente cristã; tão-pouco
deixou de compor «peças» formais de carácter descritivo dedicadas a igrejas e outros
edifícios de Gaza. No discurso fúnebre em honra de Procópio, o seu velho mestre de
retórica, Corício observa que «a qualidade de um retor é posta à prova por duas coi-
sas: primeiro, pela capacidade de espantar o auditório com a sapiência e a beleza das
suas palavras; segundo, pela iniciação dos jovens aos mistérios dos Antigos».
No mundo bizantino, o docente de retórica tinha poucas ou nenhumas possibili-
dades de exercer uma função política, mas continuava a dever comparecer em público
para pronunciar discursos fúnebres, encórnios de homens ilustres, orações que cele-
brassem vitórias militares. A quem detinha cátedras de retórica com fundos públicos
podia pedir-se que proferisse discursos em louvor do imperador na Epifania ou em
louvor do patriarca na festa de São Lázaro (o sábado que precede o Domingo de
Ramos). No mundo tardo-antigo, e mais ainda no bizantino, os docentes de retórica
podiam ser chamados a compor discursos que os seus alunos deviam proferir em oca-
siões públicas (o que dá uma ideia de como era válido o seu ensino). Este papel
público do professor de retórica continuou, inalterado, até aos últimos dias do Estado
bizantino; em 1448, uma oração fúnebre pelo déspota Teodoro II Paleólogo foi pro-
nunciada por Jorge Escolário que, depois da tomada de Constantinopla, foi nomeado
patriarca ecuménico pelo sultão Maomé lI; João Argiropulo, professor em Constantinopla
(e depois em Pádua, Florença, Roma), comemorou a morte do irmão de Teodoro, ou
seja, do imperador João VIII, que morreu nesse ano; e, em 1450, a morte da impe-
ratriz-mãe (Helena, viúva de Manuel lI) inspirou não menos de seis orações com-
postas por professores e outros letrados.
Torna-se agora evidente o facto de o professor de retórica se mover em círculos
poderosos e autorizados, e isto quer pelo seu papel de porta-voz público quer por-
que ensinava os filhos dos ricos e poderosos. Parece que muitos docentes sofreram
uma espécie de dissonância do estatuto social: privados de poder, de riqueza, de in-
fluência como eram, associavam-se aos ricos, poderosos, autorizados. Isto explica
porque, às vezes, tendem a exagerar e a empolar a importância da sua disciplina e,
por conseguinte, da sua própria pessoa. Temos um exemplo deste exagero num texto
98
de João Dossapatre, professor de retórica em Constantinopla no decurso do século XI.
Na introdução ao seu comentário aos Progymnasmata de Aftónio (um livro de texto
elementar que remonta ao século IV e usado pelos professores ao longo de todo o
período bizantino), lemos: «Quanto àqueles que, através do estudo da poesia e das
maravilhas que ela revela, alcançaram agora o grande mistério da retórica, e alme-
jam atingir o mais profundo da sua inspiração e da magnificência dos seus concei-
tos, é natural que sintam alguma admiração, experimentem não ignóbil maravilha ao
chegarem junto dos seus admiráveis pórticos. Tal a grandeza da sua fama, talo seu
extraordinário renome que se torna compreensível a sua confusão, que as almas mais
nobres de entre eles experimentem ânsia e desejo tão grandes como a admiração.
Quanto mais árduo sabem ser este estudo com tanto mais zelo o preparam, de tal
modo que, alcançando sucesso em algo que é para a multidão difícil de apreender
ou de compreender, possam distinguir-se pela sua eloquência e ser celebrados.»
o docente de retórica herdava os livros de texto da Antiguidade tardia, que con-
tinuaram depois a ser usados ao longo de toda a Idade Média. O primeiro livro de
textos era uma colectânea de progymnasmata ou exercícios preliminares: breves tex-
tos-modelo que ilustravam diversos géneros de composições. Aquilo a que os docen-
tes bizantinos mais frequentemente recorriam foi compilado por Aftónio de Antioquia,
que ensinou retórica em Atenas no final do século IV. Cada um dos textos-modelo é
precedido de uma breve definição expondo as características do género tratado. É de
presumir que o docente lesse - e, se necessário, explicasse - aos estudantes a defi-
nição e, depois, ditasse o texto modelo. Aftónio seguiu um critério estabelecido já
alguns séculos antes, começando pela fábula, prosseguindo com a narração, a chreia
(anedota ilustrativa em apoio de uma afirmação de carácter geral), a máxima moral,
a refutação, a confirmação, o lugar-comum, o elogio, a censura, a comparação, a per-
sonificação, a descrição, a questão de carácter geral (por exemplo: devemos ou não
casar-nos?) e a proposta de lei. Eis um exemplo do material que os alunos deviam
aprender: «Diz-serefutação quando se confuta um argumento. Pode refutar-se até o
que não é inteiramente óbvio, nem mesmo impossível, mas ocupa uma posição inter-
média. Aqueles que visam refutar devem, antes de mais, desacreditar aquele a quem
se deve a afirmação estudada, depois atacar o modo como expôs a questão, recor-
rendo aos seguintes pontos argumentativos: primeiro, que é obscura e improvável;
depois, que é impossível, ou que não é consequente relativamente às suas premissas,
ou que é inconveniente; finalmente, acrescentar que é desvantajosa. Este exercício
preliminar contém em si toda a força da arte (retórica).» Aftónio continua, exempli-
ficando com alguns destes «pontos» os argumentos que levam a refutar a história de
Dafne, a ninfa perseguida por ApoIo e depois transformada em loureiro. No exercí-
cio preliminar seguinte (confirmação), Aftónio expõe os argumentos a favor da ver-
dade da história de Dafne.
Em meados do século v, é publicada uma colectânea de progymnasmata concor-
rente da de Aftónio. Foi seu autor Nicolau de Mira, docente de retórica em
Constantinopla, onde provavelmente detinha uma cátedra oficial. A sua obra não
parece ter sido tão utilizada como a de Aftónio, cuja popularidade é manifestada pelo
grande número de comentários que lhe dedicaram os docentes bizantinos. Estes comen-
tários permitem-nos aceder - embora indirectamente - àquela que era a realidade do
99
I
ensino nos primeiros níveis de um curso de retórica. São, decididamente, demasiado
verbosos e repetitivos para serem reproduzidos aqui, e o gosto moderno não pode
deixar de considerá-Ios enfadonhos e destituídos de inspiração. Mas, evidentemente,
cumpriram devidamente a sua função. Para bem dos alunos, esperamos que a expo-
sição oral na classe induzisse os professores a tornar mais viva a sua análise do tema.
Foram esporádicas as tentativas no sentido de produzir progymnasmata que envol-
vessem mais directamente os interesses dos alunos. Assim, no século XII, uma nova
compilação de progymnasmata é composta por Nicéforo Basilace, docente de retó-
rica na Escola Patriarcal de Constantinopla e autor de um grande número de orações,
cerimoniais e outras. Nicéforo Basilace respeitou a disposição tradicional dos temas,
mas, oferecendo mais de um texto-modelo para exemplificação de cada um dos géne-
ros, não forneceu definição alguma, deixando-a a cargo da intervenção oral do docente.
Basilace introduziu também uma nova recolha de autores que os estudantes de retó-
rica deviam ler, com exemplos de estilo florido como Calistrato e Procópio de Gaza.
Outra das suas importantes inovações é o recurso ocasional a material cristão para
os seus progymnasmata. Assim, sob o título da prosõpopoiia (<<personificação»)
encontramos temas como «Que disse Plutão quando Lázaro foi ressuscitado ao quarto
dia?» ou «Que disse Sansão quando os Gentios o cegaram?», ou «Que diz Zacarias
uma vez recuperada a voz após o nascimento do Precursor?» ou «Que diz a Virgem
quando Cristo transformou a água em vinho durante a boda?» ou «Que disse José
quando acusado pela mulher egípcia e lançado na prisão?», «Que disse David, per-
seguido por Saul, capturado pelos Gentios e à beira da execução capital?», «Que
disse a jovem de Edessa enganada pelo soldado godo?» (alusão às célebre história
da rapariga cristã que se vingou de um soldado godo). Basilace via em si um ino-
vador, definindo a sua como uma «nova retórica».
Outra inovação no campo da instrução - estamos, desta vez, na esfera própria do
gramático - foi o chamado «método das fichas» introduzido, aparentemente, nos
finais do século XI. Parece que consistia no uso de breves textos, propositadamente
compostos pelo professor, que por vezes terminavam com um curto trecho em verso.
Eram ditados aos alunos pelo professor, que depois os comentava em pormenor.
O ponto focal do novo método, que começou por despertar a oposição dos tradicio-
nalistas, consistia no facto de o texto não poder ser «construído» de modo a ilustrar
determinados elementos gramaticais, lexicografia, estilo e construção, nos quais o
professor desejava que se concentrasse a atenção dos seus alunos. Assim, alguns tex-
tos-ficha apresentam numerosos exemplos de palavras e expressões que soam idên-
ticas, mas têm significado diferente consoante o modo como são escritas: de facto,
desde os tempos do helenismo, a língua grega teve uma ortografia mais histórica do
que fonética. O êxito ou não da transcrição ditada revelaria a capacidade do aluno
para escolher a forma certa com base no contexto. Sobrevivem muitos textos-ficha
do século XII, muitas vezes compostos por professores, mesmo menos conhecidos;
outra série de textos análogos, obra de Manuel Moscopulo (começo do século XIV),
continuou a ser usada muito depois do fim do império bizantino.
Não havia autoridades superiores que regulamentassem o curriculum seguido pelos
professores de gramática ou de retórica. Em última análise era à tradição, quando
muito modificada com base nas diversas influências da sociedade, que cabia a pala-
vra definitiva: mas os professores gozavam de grande liberdade de escolha. Também
100
não havia uma idade fixa para cada um dos vários estádios do processo educativo.
Habitualmente, iniciava-se o ensino básico aos seis anos; aos nove ou dez, o aluno
podia passar para as mãos do gramático; ao estudo da retórica, dedicava-se dos catorze
aos dezoito anos. Não faltavam meninos-prodígio (Hermógenes fora um deles) nem
casos de estudos interrompidos, ou empreendidos na idade madura. A diferença de
idades entre os alunos deve, por vezes, ter causado problemas ao professor. Recorde-
-se, finalmente, que só uma pequena parte dos que haviam frequentado o ensino
básico continuava os estudos com o gramático e com o retor.
Depois dos estudos preliminares de retórica, os alunos passavam a ler uma se1ecta
de orações de Demóstenes e, talvez, de Esquino e Libânio; além disso, compunham
declamações sobre temas dados pelo professor. Eram, as mais das vezes, discursos
forenses proferidos diante de um tribunal imaginário, por um caso imaginário, sob
leis imaginárias; ou discursos atribuídos a personagens históricos da Atenas dos sé-
culos V e IV a. C. À primeira vista espanta que jovens educados e instruídos a fim
de assumir cargos de responsabilidade - na sua cidade, no Estado, na Igreja - tives-
sem de dedicar as suas energias a temas tão irreais, tão distantes do mundo em que
viviam e onde teriam de trabalhar. Isto deve-se, em parte, ao peso morto da tradição
pedagógica, que remonta ao império romano e às monarquias helenistas. Ao mesmo
tempo, pode.ser.que.este exaltante mundo de piratas imaginários e tirânicos desper-
tasse maior interesse nos jovens do que o mundo quotidiano da administração e da
justiça em Bizâncio - que tornasse os jovens mais prontos a aprender a difícil e deli-
cada arte da argumentação, feita de invenção e desenvolvimento de ideias, da sua
apresentação e juízo. Os docentes bizantinos não eram uns loucos que seguissem
cegamente a tradição antiga pelo simples facto de ser antigo. Compreendêmo-Io
melhor quando considerarmos mais de perto um ou dois destes mestres.
O arsenal do professor de retórica reservava para o fim o estudo dos tratados teó-
ricos sobre o assunto. Em Bizâncio, utilizavam-se quase exclusivamente os quatro
tratados de Hermógenes de Tarso (c. 160-c. 235): Sobre as «Staseis» (eposiçõea»
que o orador deve adoptar relativamente ao tema a discutir), Sobre a Invenção, Sobre
as Formas e Sobre a Técnica da «deinotês» (que podemos traduzir por «grandeza»).
Estes tratados fornecem uma introdução prática, mas nem por isso privada de subti-
leza, aos diversos processos a que podemos recorrer no discurso em público e aos
diversos efeitos que cada uma devia produzir. Estes textos de Hermógenes estimu-
laram, por sua vez, uma densa rede de comentários medievais, o que revela o seu
emprego regular nas aulas de escolástica. Nenhum professorbizantino produziu manual
teórico comparável a estes.
o professor de filosofia
Tanto no mundo tardo-antigo como no medieval bizantino, o sinal distintivo da
pessoa culta, normalmente pertencente a uma elite social muito restrita, continuou a
ser o conhecimento da gramática e da retórica. A filosofia constituiu sempre uma
matéria opcional; muitos a estudaram talvez superficialmente, poucos apenas a apro-
fundaram. Houve, no mundo tardo-antigo, escolas florescentes de filosofia em Atenas
e Alexandria; em Constantinopla, no século v, podia encontrar-se um professor de
101
filosofia por designação oficial, coisa que, possivelmente, acontecia também noutras
cidades. A distinção entre cursos básicos e cursos avançad~ra muito nítida. Os
primeiros deviam tratar, quando muito, de lógica aristotélica e dirigir-se a um público
não especializado, que já tinha completado ou estava para completar os estudos de
retórica; os segundos eram frequentados sobretudo por aqueles que desejavam tor-
nar-se, por sua vez, professores de filosofia. O conteúdo destes últimos cursos era
eminentemente neoplatónico: possuíam, habitualmente, a forma de comentários ana-
líticos a textos de Platão e Aristóteles. Muitos destes comentários tardo-antigos sub-
sistem, se bem que nem todos hajam sido editados. A maior parte trai claramente
uma origem escolástica. O professor lia em voz alta - ou ditava - um breve excerto
do texto a estudar; depois comentava o seu significado e função no interior da argu-
mentação de que constituía uma parte, a relação com as outras obras de Platão e
Aristóteles. Parece que, por vezes, a exposição do texto era seguida das questões
levantadas pelos estudantes ou de uma discussão geral.
A actividade da escola de Atenas viu-se - se não suprimida - pelo menos muito
limitada em 529, no decurso da caça às bruxas que foi a política de Justiniano rela-
tivamente aos pagãos ou criptopagãos que ocupavam posições de destaque. Quanto
à escola de Alexandria, todos os seus professores eram, na época, cristãos; manteve-
-se viva até à tomada de Alexandria pelos Persas em 618, quando o chefe da Escola,
Estêvão, provavelmente na companhia de alguns colegas, se refugiou na mais segura
Constantinopla .'
Nos quatro séculos seguintes, são muito raros os vestígios de ensino sistemático
da filosofia no mundo bizantino. Sobreviveram deste período alguns breves epíto-
mes de lógica aristotélica, mas não se sabe ao certo para quem foram compostos.
Bem poderiam ter sido concebidos para um público eclesiástico, como auxiliares ao
estudo da teologia. O renascido interesse pela herança literária da Grécia antiga nos
finais do século IX e, depois, no século X significou que «voltaram a estar em cir-
culaçãov-textos de Platão, de Aristóteles e dos filósofos neoplatónicos. Os mais anti-
gos manuscritos de Platão que sobreviveram - o Platão dito Clarkianus da Bodleian
Library em Oxford, o Platão Vaticano e o de Paris - foram, os três, transcritos nos
finais do século IX ou nas primeiras décadas do século X; um foi copiado pelo arce-
bispo de Cesareia, o eminente erudito e bibliófilo Areta. Havia, provavelmente, na
época algum tipo de ensino da filosofia, informal e esporádico. É necessário chegar
a 1054 para encontrar Miguel Psello - um literato mais do que um filósofo - à frente
de uma escola de filosofia em Constantinopla. Psello, designado pelo imperador
Constantino IX Monomaco, usava o título de hypatos tõn philosophôn, tantas vezes
erradamente traduzido por «cônsul dos filósofos», quando significava «chefe dos filó-
sofos», e subentendia a existência doutros professores de filosofia na capital. Psellos
considerava-se um filósofo de fé cristã. Existem, entre as suas numerosas obras, algu-
mas que abordam questões filosóficas e não falta uma colectânea de breves anota-
ções de carácter filosófico e científico. Se estas obras representam o seu ensinamento
filosófico, é de dizer que não devia ser de qualidade particularmente elevada.
O seu aluno e sucessor João Ítalo, nascido na Itália Meridional de pai normando
e mãe grega, era um filósofo bem mais sério. Na história do reinado do seu pai,
Aleixo I Comneno (a Alexíada), Ana Comnena diz-nos que João possuía um entu-
siástico séquito entre os jovens no final do século Xl. Subsistem dos seus escritos uma
102
série de breves discussões sobre problemas filosóficos e também alguns comentários
a obras aristotélicas. Fosse porque aplicou os métodos da filosofia às questões teo-
lógicas fosse porque era de origem ocidental, fosse porque gozava do apoio de alguns
adversários políticos de Aleixo, tudo isto lhe foi funesto. Em 1082 teve de compa-
recer diante de um tribunal, onde foi julgado por heresia, viu-se deposto do seu cargo
e desapareceu da história. No decurso da liturgia da festa da Ortodoxia (primeiro
domingo da Quaresma), a Igreja ortodoxa anatemiza ainda as suas teorias. Os suces-
sores não deixaram de aprender que os filósofos que se aproximavam do campo da
teoria, faziam-no por sua conta e risco. Outro detentor do cargo de «chefe dos filó-
sofos» foi Miguel ho tou Anchialou. Na sua dissertação inaugural (talvez de 1167),
Miguel declara manter-se distante de Platão e basear o seu ensino em Aristóteles.
Não deve surpreender que tenha acabado os seus dias na qualidade de patriarca de
Constantinopla (1170-78).
O título de «chefe dos filósofos» só ocasionalmente foi assumido ao longo dos
dois séculos que separam a restauração do império bizantino, em 1261, e a tomada
de Constantinopla pelos Turcos Otomanos em 1453. Mas grande parte do ensino e
da investigação em filosofia parece ter sido exercida por pessoas cujo principal campo
de actividade era outro. O estadista, historiador e polígrafo que foi Jorge Paquimero
(c. 1242-c. 1319) escreveu um douto tratado sobre o quadrivium e também uma longa
e detalhada exposição da filosofia de Aristóteles. Está fora de questão que se tratasse
de um pensador sério, mas não é claro que tivesse que ver com um ensino sistemá-
tico da filosofia. Outro estadista-polígrafo, Teodoro Metoquita (1260/61-1328), com-
pôs comentários acerca de muitas obras aristotélicas, o que sugere que estivesse de
algum modo envolvido no ensino da filosofia. O diácono João Pediasimo, detentor
do cargo de «chefe dos filósofos» na primeira metade do século XIV, e portanto pro-
fessor para todos os efeitos, escreveu comentários sobre obras de lógica de Aristóteles.
Contemporaneamente, o eclesiástico ítalo-grego Barlaam de Calábria, ao qual coube
um papel de destaque na disputa sobre o hesicasmo, dava em Constantinopla lições
acerca de Platão e Aristóteles: devia tratar-se de uma espécie de visiting professor.
Por volta de 1400 João Cortasmeno, docente de retórica e notário do patriarca, escre-
veu uma introdução à lógica aristotélica. O seu aluno Jorge Escolário - que foi pa-
triarca de Constantinopla depois da conquista da cidade pelos Turcos - ensinava filo-
sofia a um restrito círculo de jovens; deu depois forma escrita às suas lições, fazendo
delas livros de texto. De todos os filósofos da época bizantina tardia, o último foi
Jorge Gemisto Pletão: o seu tratado sobre as diferenças entre Platão e Aristóteles,
conjuntamente com as lições que dava sobre o mesmo assunto proferidas no decurso
do Concílio de Florença (1438), entusiasmaram os humanistas italianos e levaram,
com Cosme de Médicis, à fundação da Academia platónica florentina. É certo que
Pletão ensinou filosofia em Mistra, a capital da província bizantina do Peloponeso,
onde passou a segunda parte da sua vida, mas é provável que também anteriormente
tivesse ensinado, em Constantinopla. Não sabemos, porém, se pode ser considerado
como um docente por profissão ou por nomeação oficial. Grande parte do ensina-
mento da filosofia, nos últimos dois séculos de Bizâncio, pareceria ter sido minis-
trada mais por «gentis-homens eruditos» do que por docentes profissionais. Isto não
se deve, por certo, auma falta de interesse pela tradição filosófica clássica; muito
103
pelo contrário, é quando muito reflexo do desabamento das instituições, paralelo ao
desmantelamento do império bizantino, reduzido a um punhado de fragmentos terri-
toriais esparsos numa região sob a hegemonia turca ou latina. Seja como for, na
última década de existência do Império, encontramos um professor nomeado ofi-
cialmente, docente de filosofia e de gramática. Trata-se de João Argiropulo, um dos
poucos Gregos da época que estudara em Pádua; mais tarde, Argiropulo emigrou para
Itália e ensinou em Pádua, Florença e Roma. O seu ensino, além das suas numero-
sas traduções latinas de obras de Aristóteles, constituiu um dos maiores contributos
para o mundo intelectual do Renascimento. Num fragmento da Bodleian Library de,
Oxford, conserva-se ainda um retrato de João Argiropulo ensinando em Constantinopla: \
a iconografia, no entanto, é convencional, largamente inspirada nas representações ;
dos evangelistas. Com um desenho pouco anterior (actualmente no Louvre) - o retrato
de Manuel Crisolora ensinando em Florença -, constitui a única representação de um
professor bizantino que nos ficou.
Papel sociocuItural e condição económica dos professores
No decurso do período bizantino, a distinção entre o campo do gramática e o do
retor e - embora em menor medida - entre o do retor e o do filósofo, foi-se per-
dendo: é frequente um mesmo professor ensinar as duas matérias. Acontecia, deste
modo, que toda a instrução pós-básica fosse por vezes confiada ao mesmo docente.
Disse-se, assim, de Eustácio que, «quando presidia aos mistérios da arte literária,
bastava que o aluno pisasse o limiar do templo das Musas para ter a visão imediata
do seu mais recôndito santuário». Por outras palavras, Eustácio ensinava tanto gra-
mática como retórica. Lemos igualmente que «num breve espaço de tempo - o bas-
tante para uma introdução à retórica ou para pisar o primeiro limiar da filosofia -,
os seus discípulos pareciam quais alunos de AristóteJes ou poetas inspirados pelas
Musas». Mas nem todos os professores tinham o talento de Eustácio.
Em Constantinopla, alguns professores recebiam apoio financeiro ou de outra
natureza do governo, da Igreja ou ainda de ambos. Parece, no entanto, que a maior
parte dos docentes dependia de rendas pagas pelos alunos. O modelo tardo-antigo,
pelo qual os conselhos citadinos nomeavam e pagavam eles próprios aos professo-
res de gramática e de retórica, desapareceu no século VI e no começo do século VII,
paralelamente ao declínio das autonomias citadinas e das suas iniciativas.
Muitas escolas consistiam num único professor, que muitas vezes dava aulas em
casa. Mas, no período bizantino, como de resto na época tardo-antiga, não é raro
encontrarmos em Constantinopla os hypogrammateis ou proximoi (latim proximi): os
«assistentes». Assim, Cristóforo de Mitilene, que viveu na primeira metade do século XI,
pode mencionar numa composição poética uma escola ligada à Igreja de São Teodoro
no bairro dito Ta Sphorakia: o maistôr, o professor responsável, era Leão, e Estiliano,
o proximos. Miguel Psello compôs uma comovente oração fúnebre para Niceta, mais-
tôr da escola de São Pedro e já seu condiscípulo. Enquanto Psello se dedicou essen-
cialmente à retórica, Niceta preferiu ser professor de gramática. Segundo lemos,
começou por ser hypogrammateus: não por escolha, mas por lei. Estava já pronto
para encabeçar uma escola (prokathêmenos), mas a lei não o permitia. Noutras escolas,
104
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talvez aquelas com menor continuidade institucional, os alunos mais avançados nos
estudos davam o seu contributo para o ensino dos mais jovens. Teremos ocasião de
citar frequentemente a correspondência de um anónimo professor de gramática (tal-
vez mesmo de retórica) que viveu em Constantinopla, na segunda metade do século X.
Numa carta a um eclesiástico da corte, exprime-se do seguinte modo: «Tenho alu-
nos que frequentam os estudos mais avançados; confiei-Ihes a supervisão dos alunos
menos evoluídos, mantendo eu próprio o necessário controlo sobre o seu trabalho.»
Noutra carta escreve que os alunos mais antigos interrogam os mais jovens na sua
presença; ele próprio colmata depois as eventuais omissões. Noutra ainda, afirma que
controla pessoalmente pelo menos duas vezes por semana os progressos dos princi-
piantes em gramática. Este recurso aos alunos mais avançados na qualidade de assis-
tentes não constitui uma medida puramente económica: o professor afirma o princí-
pio pedagógico segundo o qual cada aluno deve confirmar o seu domínio da matéria,
transmitindo-a aos outros. Os alunos mais adultos, aos quais cabia o papel mais impor-
tante na qualidade de assistentes (e que podiam, eventualmente, prosseguir, abrindo
uma escola por sua conta), formavam um grupo à parte no interior da escola: eram
chamados «os eleitos» ou «os supervisares». Parece que gozavam de um alto grau
de independência e de iniciativa. Nem todas as escolas adaptavam estes métodos,
mas parece improvável.que.a.escola do nosso anónimo professor fosse a única a
recorrer a eles. Embora dentro das limitações de uma pedagogia tradicional, dir-se-
-ia tratar-se de um mestre consciencioso e não destituído de fantasia. Eis o que escreve
a um outro eclesiástico da corte, no tocante aos progressos do sobrinho: «O vosso
sobrinho segue o curso de estudos que lhe compete. Duas vezes por semana é tra-
zido à minha presença para se verificar se conhece a matéria acerca da qual é inter-
rogado. Sabe repetir de cor quase na perfeição o texto da gramática. Quanto aos epi-
merismos, completou o terceiro Salmo. Sabe conjugar a terceira conjugação barítona,
que aprende com as interrogações - e aprende a recordá-Ia, transmitindo aos outros
o que sabe. Podeis orar continuamente por ele e, se bem entendo o seu carácter, as
esperanças que nele depositamos não serão frustradas.» As referências são, muito
provavelmente, à Arte da Gramática de Dionísio Trácio, aos Epimerismos Sobre os
Salmos, comentário gramatical sobre estes por obra de Jorge Querobosco (século VJJI-Ix),
à classificação dos verbos gregos exposta nos Cânones de Teodósio de Alexandria
(século IV d. C.). O nosso anónimo professor não teve a mesma sorte com outros alu-
nos seus. Eis um trecho da sua carta a Alexandre, metropolita de Niceia, que fora
igualmente professor de retórica: «Porque os vossos filhos [provavelmente os sobri-
nhos do eclesiástico] frequentavam os condiscípulos e comportavam-se como estes
últimos, dedicando a sua atenção sobretudo a perdizes e codornizes, deveis afastá-
-Ios de tudo isto por via da admoestação e da punição. Repetidamente os exortei a
que obedecessem às injunções de seu pai, a que não frustrassem os seus desejos -
mas sem resultado. Decidi, pois, dirigir-me a vós: considero-os muito pouco respei-
tosos para com o pai, que por sua vez é demasiado indulgente com eles. Tive, pois,
de puni-Ios, e tornaram diligentemente aos seus estudos. Mas depressa voltaram a
achar enfadonho o estudo, a faltar à escola, a passar o tempo a comprar passarinhos.
Uma vez o pai encontrou-os e deu com eles entretidos nestes jogos: 'É assim que
estudais?', perguntou-Ihes, e seguiu o seu caminho. Deveriam ter vindo ter comigo
ou com um condiscípulo ou com o tio, e afinal permaneceram longe da escola.
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Perguntei por eles aos seus condiscípulos e obtive respostas discordantes: cada um
dizia uma coisa diferente. Se acaso se refugiaram junto de vós, peço-vos que sejais
clemente com eles, pois vieram como suplicantes. Caso sejam encontrados noutro
lugar, que sejais como o bom pastor que reconduz ao rebanho a ovelha tresmalhada,
de tal modo que não sejam vítimas do lobo.» ~
Os professores queixavam-se frequentemente das ausências dos seus alunos. Na
verdade, não deve surpreender que houvesse quem decidisse faltar à escola: basta
pensar na enorme quantidade de textos que eranecessário aprender de cor - e isto
foi parte integrante do ensino literário antes da invenção do livro impresso. Mas havia
ainda um aspecto de carácter social. Entre os alunos de um professor, sobretudo na
capital, podia haver filhos ou sobrinhos de homens que, por riqueza, posição na socie-
dade, influência, os colocavam muito mais alto na pirâmide social do que um pro-
fessor podia chegar, ainda que muito dotado e bem sucedido. Estes jovens tendiam
a considerar o seu professor como uma espécie de subordinado social, tanto que a
sua autoridade podia ser impunemente eludida. Teodoro Irtaceno, professor e letrado
menor que viveu no começo do século XIV, escreve assim a Teodoro Metoquita, pri-
meiro-ministro do imperador Andrónico lI: «Teria preferido estar presente em pes-
soa e censurar oralmente o vosso filho, em vez de fazê-lo por escrito. Dado que não
me é possível, tal a urgência dos vossos afazeres (aos quais não quereria acrescen-
tar o incómodo da minha presença), dirijo-me a vós epistolarmente in absentia.
O vosso querido filhinho descura os estudos e dedica-se à equitação: galopa para
cima e para baixo, anda disparado pela estrada, à rédea solta, é doido por hipódro-
mos e teatros, arrogante e exultante ... Tenho-o censurado repetidas vezes, mas nunca
corou, nunca se emendou. Foram-lhe também infligidos castigos corporais, quando
os merecia. Passaram-se cinco dias desde a última vez e nunca mais se apresentou
na escola nem dedicou ao estudo a mínima atenção. A sua alegria são os cavalos e
os instrumentos musicais. Mas, se não trajasse bem, se não trouxesse uma cinta de
couro, não cavalgasse com rédeas douradas, mas andasse a pé ... então seria senhor
da sua falta de juízo e não seu súbdito. Era meu dever transmitir-vos esta mensagem.
De ora em diante cabe-vos cuidar do vosso filho.» É talvez uma ironia da história
que grande parte da correspondência de Irtaceno se refira ao seu cavalo e às suas
esperanças de receber do imperador uma recompensa pela forragem, mas Irtaceno
era um professor de retórica que trabalhava a valer, não um menino mimado ...
Referir-nos-emos agora sucintamente ao modo como Niceta, o amigo de Miguel
Psello, ensinava gramática em meados do século XI naquela escola de São Pedra
que já encontrámos, acidentalmente, ao falar das poesias de Cristóforo de Mitilene.
«A gramática foi, durante muito tempo, considerada como uma parte elementar da
instrução, mas aquele [Niceta] fez dela a arte das artes e a ciência das ciências [alu-
dindo à famosa expressão de Aristóteles], tratando-a como uma estrutura racional.
Estabelecia acuradas distinções entre os diversos dialectos da Grécia e explicava cien-
tificamente as regras da acentuação. Expunha a consecutio verbal, o uso dos prono-
mes relativos ou não, e muitos outros assuntos. O quanto foi bem sucedido na expli-
cação das composições poéticas, revela-o o número dos seus alunos que foram exemplo
para outros. Bem sabia que os Helenos [os Gregos pagãos] falavam por enigmas e
escondiam significados ocultos sob forma trivial, mas rasgou o véu e revelou os con-
106
ceitos escondidos. Assim, a corrente dourada que Zeus deixava pender do céu até à
terra num trecho homérico tão célebre como enigmático [Ilíada VIII 19-27] repre-
sentava, para ele, o centro fixo da revolução do universo; Ares acorrentado, o poder
da razão que controla o elemento passional; a terra natal a que Odisseu quer regres-
sar com os companheiros era, para ele, uma metáfora da Jerusalém Celeste.» Esta
maneira de interpretar alegoricamente Homero remonta ao século VI a. C., e conhe-
ceu ulteriores desenvolvimentos com os Estóicos, os Neoplatónicos e os Cristãos.
Passemos à oração fúnebre por Eustácio, «mestre dos retores» na Escola Patriarcal
de Constantinopla e, depois, arcebispo de Tessalónica no último quartel do século XII.
A oração descreve com palavras um tanto solenes, mas em todo o caso comoventes,
o ensinamento deste homem verdadeiramente notável, que a Igreja ortodoxa reco-
nheceu como santo: um seu retrato a fresco, de cerca de 1320, pode ainda ser con-
templado na capela do mosteiro régio de Grasanica na Sérvia. Apenas podemos aqui
reproduzir alguns excertos do texto, por vezes de forma abreviada. «As lições de
Eustácio exsudavam mel como fontes de néctar, de tal modo que as suas palavras
penetravam nos mais recônditos recessos da alma dos seus ouvintes e permaneciam
indeléveis ao fluir do olvido. Nas suas lições quotidianas, não se limitava a explicar
o livro que tinha na mão, nem a sua interpretação visava unicamente elucidar o que
era obscuro. Acrescentava muitos materiais retirados de outros livros, não porque se
gabasse de inoportunas digressões a partir do assunto estudado, mas porque o inspi-
rava ... Se um estudante, com um livro de poesia debaixo do braço, lhe pedia escla-
recimentos sobre as regras métricas, sobre os ritmos da harmonia, sobre a etimolo-
gia das palavras ou sobre a mitologia dos antigos, debruçava-se sobre estes temas
como um verdadeiro iniciado, familiarizado com os seus mais recônditos segredos.
Quantos chegaram junto dele como umas crianças e foram conduzidos à maturidade
não apenas do leite mas do alimento sólido da instrução! ... Quantos criam conhecer
bem a gramática, de modo a poderem ensiná-Ia aos outros e, quando se mediram com
o seu padrão, compreenderam como na verdade sabiam pouco! Quantos julgavam
possuir as graças da retórica enquanto não ouviram a voz de sereia de Eustácio!
Quantos pareciam excelentes em filosofia, enquanto não se confrontaram com ele e
aprenderam então a conhecer-se a si mesmos e a admitir a sua própria ignorância,
começando a renunciar, assim, à opinião a favor do conhecimento!» Entre os outros
elementos que emergem do excerto, verifica-se que existe uma compenetração cada
vez maior entre gramática, retórica e filosofia no ensino dos melhores professores da
época, que foi tempo de inovação e de exploração. Os vastíssimos comentários de
Eustácio à llíada e à Odisseia, se bem que não se trate certamente do texto das suas
lições palavra por palavra, constituem sem dúvida o fruto de uma longa experiência
de ensino e dão uma ideia de como era variada e rica a sua cultura.
A maior parte dos professores devia, em todo o caso, dedicar a maior parte do
seu tempo a questões menos elevadas. Um dos seus problemas recorrentes consistia
em receber as rendas que lhes eram devidas. Parece que mesmo os que tinham posi-
ções oficiais dependiam, pelo menos em parte, das rendas dos seus alunos. O pro-
fessor anónimo do século X, que já encontrámos, dedica não poucas das suas cartas
a recordar aos pais e tutores a sua falta de pontualidade nos pagamentos. Infelizmente
para os estudiosos modernos, não vêm mencionadas as somas efectivamente pagas.
107
Não parece que o nosso tivesse tarifas preestabelecidas. Escreve numa carta que não
quer aceitar nenhuma renda do destinatário, dado que se trata de um amigo e que,
além disso, o aluno em causa é um concidadão (originário, provavelmente, da Trácia);
ao mesmo tempo, o professor agradece ao seu correspondente o pequeno contributo
enviado. Noutra carta, destinada, possivelmente, a um oficial da corte, afirma que
deixa sempre os seus honorários à discrição de quem os paga, sem nunca tocar no
assunto. O anónimo lamenta-se junto dos funcionários do Patriarcado e mesmo do
patriarca do facto de não lhe pagarem os eulogiai (é um termo religioso). Isto refere-
-se, provavelmente, a alguma forma de honorários antecipados em troca do ensino a
monges e outros eclesiásticos, em vez de um ordenado propriamente dito. Tão-pouco
os professores por designação imperial recebiam facilmente o ordenado devido. Assim,
Teodoro Irtaceno escreve a toda uma série de funcionários imperiais e, finalmente,
ao próprio imperador, a exigir o pagamento do que lhe havia sido prometido. Este
episódio bem pode ser considerado não apenas como um exemplo das demoras buro-
cráticas mas tambémdas dificuldades financeiras da administração bizantina ao longo
do desastroso reinado de Andrónico lI. Diga-se, contudo, que protestos análogos aos
de Irtaceno são também testemunhados noutros períodos.
Um outro problema que podia pôr-se aos professores era que um colega concor-
rente lhe roubasse os alunos. Tratava-se, em parte, de uma questão económica: per-
der alunos significava perder as suas rendas. Mas era também uma questão de pres-
tígio no interior de um pequeno círculo profissional de individualistas hipersensíveis.
Mais de uma carta do anónimo professor do século X contém queixas sobre este
assunto. Numa carta a outro maistõr, o anónimo escreve: «Não me importa verda-
deiramente este ou aquele aluno que me roubastes vós mesmo ou recorrendo a outros
que vêm bater à minha porta e me levam os alunos como se fossem meus prisionei-
ros: figuras semelhantes a galgos de patas velozes e fino olfacto que farejam de longe
a presa para o caçador. .. A mim parece-me coisa execrável e inteiramente contrária
ao espírito cristão que se persuadam certas pessoas a roubar os alunos de uma escola
e enviá-Ios para outra.» Noutra carta, muito mais corrosiva, acusa um funcionário
patriarcal de conivência com este modo de agir. Este sentimento de insegurança e de
suspeição relativamente aos colegas parece típico de uma profissão cujos membros
gozavam de pouca protecção a nível institucional - nisto diferentes de advogados,
notários e outros grupos profissionais.
A última era de Bizâncio: eruditos e professores entre Oriente e Ocidente
Nem sempre as relações entre professores foram tão tensas. Máximo Planúdio
- monge, filólogo, polígrafo activo nos anos após 1280 - tinha vastos interesses lite-
rários e científicos, que iam da poesia helenística à teoria dos números: conhecedor
do latim, traduziu para o grego muitos textos ocidentais, desde o De Trinitate de
Agostinho à poesia erótica de Ovídio. Esteve também à frente de uma escola cons-
tantinopolitana que, embora situada num mosteiro, não era de modo algum uma escola
monástica. Em Constantinopla, nos finais do século XIII, existiam pelo menos outras
duas escolas que usufruíam de subsídios imperiais. À frente de uma delas estava um
certo Chalkomatopoulos, da outra um tal Hyaleas. Na correspondência de Planúdio
108
inclui-se uma interessante carta a Chalkomatopoulos, contendo as delicadas censu-
ras do autor ao destinatário, por não dedicar a devida atenção a um aluno que Planúdio
lhe tinha enviado da sua escola. «É um jovem de talento», escreve Planúdio, «dese-
joso de aprender. Eis porque o enviei para a vossa escola em vez doutras: sais ver-
dadeiramente meu amigo e um excelente professor. Este aluno poderia aprender mais,
mas os seus supervisores [provavelmente alunos mais velhos, que funcionavam como
«assistentes»] fazem-no perder tempo. Não conseguem aprender em três dias o que
ele aprende num dia. Sede gentil, dedicai-lhe os vossos cuidados pessoais e dai ins-
truções aos seus supervisores no sentido de que estejam mais atentos a ele e lhe impo-
nham maiores trabalhos de ditado. Porque haveria de sofrer como Tântalo no meio
da água, recebendo a mesma instrução que se dá a crianças que chegam à escola,
acabadas de deixar as suas amas?»
Noutra carta, dirigi da ao arcebispo de Creta, que vivia em Constantinopla, por-
que o governo de Creta não permitia que a hierarquia ortodoxa pusesse os pés na
ilha, escreve Planúdio: «O vosso sobrinho é entusiasta como aluno e, mais ainda,
entusiasta como professor. O seu entusiasmo estimula em mim igual entusiasmo.
Pode estar certo de recebê-Ia de mim, esperando eu e pedindo que os progressos dos
meus alunos nos estudos sejam acompanhados do desenvolvimento do carácter e da
consecução e do incremento da sua virtude noutras áreas.» O aluno em questão era
Manuel Moscopulo, que depois se tornou também professor e publicou muitos livros
de texto, entre os quais uma edição de passagens escolhidas de poesia grega clás-
sica, comentada para uso das escolas, bem como uma gramática de grego clássico
em formaerotemática. Algumas das suas obras sobrevivem em sessenta manuscri-
tos: é claro que continuavam a ser largamente usadas pelos professores, mesmo
passados mais de duzentos anos sobre a morte do autor. Não são obras que tenham
muito de filologicamente original; eram, porém, admiravelmente adequadas ao ensino
escolástico.
Contemporâneo de Moscopulo, mas mais novo do que ele, foi Jorge Lacapeno,
que ensinou gramática e retórica na Tessália (ou talvez em Tessalónica) no segundo
quartel do século XIV. Deve-se-lhe também um certo número de textos escolásticos.
Escolheu 264 cartas de Libânio (de duas mil) e dotou-as de um comentário elemen-
tar para uso dos alunos de retórica; a obra sobrevive em muitos manuscritos. Publicou
também uma recolha da sua correspondência com Andrónico Zarida, aluno de Planúdio.
O conteúdo concreto é escasso e, se por acaso tivesse havido mais, teria sido omi-
tido aquando da publicação: as cartas deviam servir como modelo de estilo, e cons-
tituem certamente bons exemplos do grego aticizante e maneirista tão apreciado no
século XIV. Foi certamente por este motivo que Jorge as dotou de um longo comen-
tário palavra por palavra. Alguns manuscritos atribuem-lhe também um opúsculo gra-
matical e um comentário elementar aos primeiros dois livros da Iliada.
A actividade editorial de Moscopulo, de Lacapeno e de outros seus contemporâ-
neos sugere que, no começo do século XIV, os professores de gramática e retórica
grega modificaram os seus métodos e abordagens. Menos Homero e mais obras dou-
tros autores, em particular dramas de Sófocles e Eurípedes e prosadores da segunda
sofística (por exemplo Filostrato com as suas Imagens). Ao mesmo tempo, os anti-
gos escólios - que continham grande parte do que restava da tradição filo16gica clás-
sica - foram substituídos por um corpus de comentários gramaticais, retóricas e mito-
109
lógicos elementares. Se esta modificação acarretou uma atitude diferente de profes-
sores e alunos bizantinos face à sua herança clássica, é uma questão demasiado com-
plexa para poder ser devidamente tratada aqui.
Nos finais da época bizantina, encontramos professores que revelam um inespe-
rado interesse pela literatura científica antiga, de que se mostram conhecedores. Isto
é particularmente verdadeiro para a literatura astronómica, e em parte deve-se pro-
vavelmente ao papel acrescido que a astrologia desempenhava, na época, na vida dos
Bizantinos. Testemunha ao mesmo tempo o parcial abandono da conotação estrita-
mente literária que caracterizara a instrução e a cultura grega desde os tempos hele-
nísticos. Assim, Demétrio Triclínio (c. 1280-c. 1340), professor de gramática em
Tessalónica no começo do século XIV e conhecedor dos antigos tratados de métrica
(a ponto de conseguir corrigir muitos erros na tradição textual dos dramaturgos áti-
cos) foi também autor de um pequeno tratado sobre as fases lunares. Barlaam Calabro,
que já encontrámos, escreveu um comentário a uma parte dos Elementos de Euclides
e também breves opúsculos sobre os eclipses solares de 1333 e 1337. Sob este aspecto,
os professores mais não fizeram do que seguir os movimentos intelectuais mais gerais
da época. Estadistas e estudiosos privados como Teodoro Metoquita e Nicéforo
Gregora, que foi seu aluno, homens de Igreja como João Cortasmeno (c. 1370-
-1435/37), peritos em medicina como Jorge Crisococa e como Gregório Quioniada
que depois foi bispo de Tabriz na Pérsia, o moralista e poeta Teodoro Meliteniota:
todos eles escreveram sérios estudos de astronomia matemática, inspirados por vezes
na literatura astronómica árabe ou persa.
Observárnos já que altos dignitários do Estado dedicavam, por vezes, o tempo
livre a certas formas de ensino. Antes de ser nomeado patriarca (858), Fócio manti-
nha uma espécie de seminário em sua casa, e é célebre a descrição feita numa carta
ao papa NicolauI, escrita imediatamente após a sua elevação à função patriarcal.
«Quando ficava em casa», escreve Fócio, «gozava das mais caras alegrias: atendia
aos esforços dos meus alunos, às suas incessantes perguntas, à conversação que com
a maior facilidade permite esclarecer as ideias; e, se alguns afinavam o engenho com
os estudos matemáticos, outros perseguiam a verdade com base em métodos lógicos
e outros mais familiarizavam-se com a devoção estudando as Sagradas Escrituras,
fruto de outros esforços. Tal a companhia que em casa me rodeava. Quando saía para
dirigir-me ao Palácio imperial, acompanhavam-me as suas preces para que regres-
sasse prontamente ... E, quando regressava, encontrava a mesma douta companhia à
porta; alguns deles, aos quais era permitida uma maior familiaridade - tendo em conta
a sobreabundância, neles, da virtude - censuravam-me o atraso; a outros bastava sau-
dar-me; outros ainda, ter mostrado que me aguardavam.» Os alunos de Fócio (se
assim se pode chamar-lhes) eram provavelmente adolescentes, ou mesmo mais avan-
çados na idade. O mesmo parece poder dizer-se dos alunos de outras personagens
das altas esferas. Também Miguel Psello tinha um círculo de alunos ou admiradores
como este, ao qual ministrava o seu ensino em casa, mantendo ao mesmo tempo o
seu cargo na corte. No período que se seguiu à restauração bizantina de 1261, não
poucos dos altos funcionários do Império tinham um círculo de alunos com quem se
encontravam em casa. A um círculo idêntico dava um curso de matemática e astro-
nomia Teodoro Metoquita, primeiro-ministro de Andrónico II até à crise de 1328;
110
provavelmente, podia ainda contar com o apoio do imperador. Nicéforo Gregora,
aluno e protegido de Metoquita, reuniu à sua volta um grupo idêntico de jovens; nas
~uas reuniões regulares, estudava-se retórica, filosofia e matemática. Mais do que as
lições escolares normais, estes encontros deviam assemelhar-se a seminários de espe-
cialização ou a reuniões de uma sociedade erudita. Descobrimos que Gregório expôs
as suas propostas de reforma do calendário num destes encontros. A existência des-
tes círculos não se limitava apenas a Constantinopla. O filólogo Tomás Magistro con-
vidou João, o Filósofo - professor e amigo de Teodoro Metoquita e de Nicéforo
Gregora - a visitar os seus «seminários» (syllogoi) em Tessalónica e neles falar. Nas
últimas décadas do império bizantino, Jorge Escolário, o futuro patriarca Genádio,
ensinava a filosofia de Aristóteles a um círculo privado. Este desenvolvimento do
ensino privado por parte de pessoas de cultura cuja principal actividade era outra
radicava na prática bizantina até ao século IX ou mesmo antes, mas deve ser consi-
derado, em primeiro lugar, como um sintoma da ruína final do patronato do Estado
e da Igreja sobre a instrução pública superior. Pode também reflectir o maior conhe-
cimento, por parte dos Bizantinos, das emergentes universidades italianas e da pre-
paração filosófica-matemática sistemática que nelas era ministrada. Demétrio Cídon,
primeiro-ministro de Manuel Il, observa que: «o estudo da filosofia estóica e peri-
patética floresce agora entre os Italianos». Jorge Escolário, apesar da sua rígida posi-
ção teológica anti-romana, foi um grande admirador dos professores de filosofia acti-
vos no Ocidente. Muitos bizantinos haviam começado a perceber que podiam ter algo
a aprender com os desprezados e muitas vezes odiados Latinoi.
Por sua vez, o Ocidente adquiria cada vez maior consciência do que devia apren-
der com os professores bizantinos. A importância do contributo grego para o renas-
cimento italiano foi objecto de discussão desde o século XVII e não reexaminaremos
aqui a questão em pormenor ou a fundo. Reina, doravante, um consenso geral quanto
ao facto de as origens do humanismo renascentista residirem no jogo e na dialéctica
de factores internos à sociedade das cidades italianas e não dependerem de influxos
externos. Apesar disso, e tanto antes como depois de 1453, foi significativo o con-
tributo dos eruditos e dos docentes bizantinos para o desenvolvimento da cultura
humanística nos seus conteúdos e nas suas formas - e isto, precisamente, porque este
contributo respondia a uma procura preexistente. Este contributo resultava de diver-
sos componentes.
Antes de mais os eruditos bizantinos levaram consigo textos gregos desconheci-
dos no Ocidente ou que só estavam disponíveis em traduções latinas dignas de cré-
dito, fruto do típico processo medieval ad verbum; e muitas vezes eram baseadas,
não já no original grego, mas nalguma tradução árabe que, por sua vez, constituía
porventura um subproduto derivado de uma anterior visão siríaca. Não podemos
reconstruir a biblioteca que Manuel Crisol ora, professor e diplomata, levou consigo
quando veio a Florença, em 1397, para ensinar grego a convite da signo ria da cidade.
Em todo o caso sabemos que a biblioteca de Crisolora incluía Homero, Tucídides,
Platão, Isócrates, Demóstenes e Plutarco. Crisolora levou certamente consigo tam-
bém textos próprios para o ensino, como Aftónio e Hermógenes, assim como trata-
dos elementares de gramática. Em particular, Manuel trouxe uma cópia do tratado
Aos Jovens, Como Podem Tirar Proveito das Letras Pagãs de São Basílio, uma obra
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de grande influência e de que sobreviveram mais de oitenta manuscritos. Os alunos
italianos de Crisolora entusiasmaram-se com ela e Leonardo Bruni traduziu-a para
latim. Este breve texto constituía a justificação do estudo da literatura pagã antiga,
forneci da por uma autoridade inatacável como São Basílio; apoiou, pois, o crescente
sucesso dos studia humanitatis contra a forte oposição proveniente de alguns secto-
res eclesiásticos, contribuindo assim para formar a cultura do primeiro renascimento.
Mesmo posteriormente, todos os professores que vieram de Constantinopla para Itália
levaram livros na sua bagagem e, assim, se constituiu rapidamente o repertório de
textos gregos disponível aos humanistas italianos.
Segundo: os professores bizantinos introduziram um estilo de ensino e, na reali-
dade, toda uma tradição educativa inteiramente nova para o Ocidente. Os escritos de
Bruni, de Guarino de Verona e outros humanistas permitem-nos ter uma ideia do
entusiasmo que o ensino de Crisol ora despertou. Estimulava os alunos a ver para
além da estrutura geral dos textos que liam, a examinar os tropas e as figuras, os
expedientes e os ornamentos estilísticos, as palavras e as sílabas. Por outras palavras,
ensinava a superar os princípios ciceronianos da retórica, recorrendo aos mais sub-
tis e requintados processos analíticos de Hermógenes. Os alunos deviam também
recorrer ao seu sentido da língua e do estilo para descobrir e, sempre que possível,
emendar os erros presentes nos manuscritos que usavam. Uma geração mais tarde,
um professor muito menos dotado que Crisolora, Miguel Apostólio, sublinha a grande
diferença entre o seu método de ensino e o ocidental. Esta abordagem crítica dos tex-
tos literários depressa se transferiu do campo do grego para o do latim e, finalmente,
alcançou também o sagrado recinto dos escritos bíblicos.
Terceiro: muitos dos eruditos gregos que vieram ensinar em Itália possuíam já ou
adquiriram bem depressa um absoluto domínio do latim, desempenhando, assim, um
importante papel na tradução dos textos gregos. Se eram homens como Teodoro Gaza
(c. 1400-1476) ou como João Argiropulo (c. 1415-c. 1482) que faziam as traduções,
por vezes acompanhadas de comentários, então não apenas entravam no círculo do
conhecimento numerosas obras gregas antes desconhecidas mas fixava-se um padrão
de agudez filológica que podia servir de modelo a outros.
Finalmente, os docentes gregos levaram para o Ocidente não só os textos de Platão
e Aristóteles mas também os dos seus comentadores antigos e medievais, especial-
mente no tocante a Aristóteles. Estes comentários revolucionam a atitude ocidental
face ao mestre daqueles quesabem. No decurso do Concílio f1orentino de 1438, as
lições de Pletão sobre Platão ~ Aristóteles deram a conhecer ao Ocidente as dispu-
tas tardobizantinas em torno dos méritos que cabem respectivamente a um e outro
filósofo, disputas estas que eram reflexo de um velho conflito no interior da própria
cultura bizantina. Entre os efeitos indirectos de tudo isto, podemos citar a fundação
da Academia platónica florentina e também as traduções de Platão por Marsílio Ficino.
Tratou-se de um' novo impulso que contribuiu para formar o pensamento filosófico
renascentista na sua globalidade. Podemos afirmar verdadeiramente que, sem o con-
tributo dos docentes gregos, a filosofia do renascimento nunca se teria furtado à
camisa-de-forças da escolástica medieval.
A influência dos professores gregos do primeiro renascimento foi muito além da
Itália. Basta um exemplo para ilustrar como os conhecimentos, os textos, os valores
que traziam de Bizâncio foram bem recebidos para aquém dos Alpes. Pedra Paulo
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Vergério nascera em Capodistria, integrada no reino da Hungria no começo do
século xv. Estudou em Florença, aprendeu grego com Manuel Crisolora, fez-se amigo
de Coluccio Salutati, Leonardo Bruni, Guarino de Verona - tudo condiscípulos de
Crisolora. Em 1414, Vergério foi ao Concílio de Constança no séquito do imperador
Sigismundo e com ele regressou a Buda, onde viveu e ensinou os seguintes vinte e
seis anos. Congregou à sua volta um grupo de humanistas húngaros entre os quais
János Vitéz, bispo de Várad, erudito e coleccionador de manuscritos. Encorajado por
Vergério, Vitéz mandou o seu sobrinho János para Ferrara a fim de aprender o grego
com Guarino de Verona. Mais tarde, o sobrinho foi bispo de Pécs e grande poeta
latino. Em Pécs, fundou a primeira biblioteca de livros gregos na Hungria. Ao mesmo
tempo, o último cruzado, o rei João Hunyadi, designou em Vitéz o mestre do seu
filho e sucessor Matias Corvino. Matias não se limitou a erigir uma esplêndida biblio-
teca de manuscritos gregos e latinos, depois conhecida como Biblioteca Corviniana;
financiou também um grandioso projecto de traduções latinas de textos gregos. Entre
os participantes no projecto, temos Ângelo Policiano e Marsílio Ficino, já estudan-
tes de grego em Florença com o constantinopolitano João Argiropulo. Por estas vias,
através dos seus alunos, os professores gregos deram o seu contributo - directo ou
indirecto que fosse - para a formação de uma cultura europeia comum.
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