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Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 A LINGUAGEM DA ARTE COMO EFEITO DO PODER TOTALITÁRIO Fábio Luiz de Souza Faculdade de Artes Visuais Centro de Linguagem e Comunicação bathy_souza@yahoo.com.br Dulce A. Adorno-Silva Poder, Propaganda e Sociedade Centro de Linguagem e Comunicação dulceadorno@puc-campinas.edu.br Resumo: A arte futurista veio abolir a idéia, ou as amarras dos artistas que tinham que limitar as ex- pressões de suas obras para agradar aos críticos e à sociedade da época. Colocou diante do homem o autêntico, ao desconsiderar a mesmice. O poder to- talitário de Mussolini influiu nesse período, dando às artes a idéia de que, para reconstruir a consciência, a opinião, a cultura e a gênesis da arte, é preciso des- truir o que existe. “Para pintar uma figura não é ne- cessário fazê-la: o que é necessário fazer é a sua atmosfera” [1]. Conclui que, independente do modo como a arte é influenciada, ela sempre é reciclada e inovada, pois novas propostas e pesquisas contribu- em para a evolução das linguagens artísticas. Palavras-chave: Arte Futurista, Efeito do Poder, Fascismo. Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas: Comunicação 1. A ARTE COMO EFEITO DO PODER Devido à imposição do regime, o Estado Totalitário perde importantes bases de apoio da massa, o que causa a necessidade da intervenção do Estado, para que consiga se legitimar e conseguir permanência. Assim, o Estado busca a Arte, como outras lingua- gens, para conseguir apoio dos cidadãos. Ao criticar ou apoiar obras de arte, faz com que discursos sejam formados, podendo refazer a forma do saber ou do pensar. Logo, ele considera as formas de linguagem como uma rede produtiva de seres pensantes, que formam um corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir [2]. Isso aconteceu durante o Fascismo italiano, com o Movimento Futurista que produziu arte não só apoia- do pelo Estado, como para apoiá-lo. A arte, uma das linguagens de comunicação humana que se expres- sa pelo belo, recria atitudes coletivas e representa- ções compartilhadas perdidas, quando do Estado democrático se fragmenta e possibilita sua substitui- ção pelo totalitário. A arte, como linguagem, direciona a ideologia, portanto este estudo é importante para análise e interpretação de fatos do passado, a fim de que se possa compreender o fenômeno da propa- ganda usada pelo poder. Após constituir base teórica de conhecimento da linguagem da Arte Futurista, cujo dinamismo foi usado por artistas em suas obras, pretende-se destacar elementos que levem à com- preensão do fenômeno da relação entre poder e arte, por meio de mensagens artísticas associadas ao poder. 2. A TRANSPOSIÇÃO DE BARREIRAS A Arte em sua evolução, sempre esteve presente na história da humanidade através dos séculos e de to- das as civilizações. Definitivamente, como linguagem universal ela reflete também o drama de sociedades fragmentadas, que, fragilizadas, ficam à mercê do poder. Assim, ela é imprescindível em todas as áre- as da vida humana. Devido ao seu dinamismo, rea- giu às formas idealizadas em constante discussão no séc. XIX, o que fez com que artistas revolucionassem seus modos de expressão, buscando o diálogo em favor movimento futurista. A produção dos movimentos artísticos expressa a grandiosidade do poder em seus respectivos perío- dos, não sendo diferente no Futurismo italiano, que causou um grande impacto na sociedade, uma vez que passa a questionar as expressões políticas. Dessa forma, foi gerada a arte futurista como arma estratégica, sabiamente explorada por Mussolini, que contou com o apoio de Filippo Tommaso Marinetti (artista literário), que já a usava como propaganda, isto é, para promoção dos pensamentos totalitários e para a promoção da imagem do Duce, cujos pensa- mentos revolucionários necessários davam esperan- ça ao povo italiano nessa época de graves proble- mas econômicos, políticos e sociais. “Eram enormes o déficit estatal, o depauperamento do setor agrícola e a inflação, causada, entre outras coisas, pela dívida externa contraída com os Estados Unidos durante guerra. A Crise Ficaria evidente a partir de 1921”.[3]. Nesse sentido, a arte é usada com a finalidade de ressaltar os ideais do Estado, cuja manipulação ex- pressa que o poder reescreve a historia dela de uma nova forma, afligindo os artistas que buscavam transpor as insuperáveis barreiras das antigas obras Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 “clássicas”. Os artistas conservadores atribuíam pouca importância às obras futuristas, fazendo com que fossem classificadas, como desprezíveis, por meio de criticas hostis e, até mesmo, agressivas. Na busca de novos significados, tanto com as cores, como relacionando as obras com os odores, os futu- ristas procuravam não simplesmente retratar o real, mas fazer com que os fruidores aguçassem os senti- dos e despertassem para a apreciação de uma nova obra. Dessa forma, Carlo Carrá dinamiza seu estudo das formas, das luzes sonoras, rumorosas e odo- rantes. Em relação à nova postura artística, assim se expressa Prompolini: “Destruir, destruir para recons- truir a consciência e a opinião, a cultura e a gênesis da arte” [4]. Nesse momento, contrapondo-se ao Futurismo, os cubistas reduzem o objeto a uma idéia geométrica, que encontra fundamento na razão. Os artistas futu- ristas negam o Cubismo por ser criado por um códi- go abstrato: conceitualismo plástico - que acreditam que pode substituir a intuição do artista. Racionalizar a arte, devido ao uso da Matemática, da Geometria, como os cubistas, não é conveniente quando falta identidade entre a realidade externa e a interna, ao menos é o que demonstra a fria produção de ima- gens de alguns cubistas. O dinamismo futurista muda o ponto de vista da Arte e passa a viver situações de seu conceito evolutivo, deixando as amarras da Arte Clássica, para explorar novas formas e maneiras, de expressão artística. Umberto Boccioni, em sua obra literária: O futurismo Italiano: manifestos; escreve sua maneira de ver essa nova forma de intuir na arte: “Refutar uma reali- dade a priori segundo as velhas leis tradicionais da Estética; eis o abismo que nos separa do cubismo e que faz de nós, futuristas, o ponto externo da pintura mundial” [Ibid. 4]. Em sua obra, “Força de Uma Rua”, (1911), óleo so- bre tela – 1,00 x 1,80. Boccioni abordou temas políti- co-anarquistas, cenas de grande movimentação de figuras em tensão dinâmica e mesmo composições quase abstratas, articuladas pelas linhas-força, que buscam o movimento e a energia que transmitem usando os elementos físicos e trazendo a luminosi- dade para clarear a Itália aprisionada, comparada a suas glórias passadas. Figura 1. “Força de uma Rua” (1911), Boccioni. Além de fundir aspectos cubistas e impressionistas para atingir efeitos ópticos que demonstram uma ci- dade fragmentada por suas emoções inibidas, não deixa de possuir esperança, pois focos de luminosi- dade saem de outros pontos inesperados atacando as técnicas clássicas. Os retratos deformados pelas superposições de planos preparavam sua concepção teórica; Boccioni conseguiu finalmente fazer a repre- sentação do movimento por meio de cores e planos desordenados, como em um pseudo fotograma. A intuição da vida, a velocidade do novo, a maravilha do espetáculo e a descoberta científica constroem um expoente lírico da concepção moderna do conhe- cimento e das comunicações dentro de um dinamis- mo universal. Giacomo Balla, que assinou junto com Marinetti e Boccioni o Manifesto Técnico da Pintura Futurista, conhecido por sua técnica de repetição, retrata sua obra desnaturalizada, parando a imagem nos movimentos não figurativos, não chegando a uma total abstração. Emsua obra, “Automóvel + ve- locidade + luz,”, mostrou preocupação com o dina- mismo das formas, usando a simultaneidade ou de- sintegração delas, em repetição quase infinita, que permite ao observador captar de uma só vez todas as seqüências do movimento. Esse dinamismo e a ânsia de explorar da vida levam os artistas futuristas Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 a criarem uma imagem de revolucionários com suas formas de se expressarem por meio de materiais não convencionais. Figura 2.“Automovél + Velocidade + Luz”, Giacomo Balla. 3. A ARTE E O TOTALITARISMO O totalitarismo mostra a Arte como uma saída para a propaganda favorável ao regime, explorando as ima- gens do poder de Mussolini. A expressão artística passa a ser fonte de informação, pois tem a finalida- de de transmitir uma mensagem. Geralmente os ar- tistas criticam o que a sociedade, que não tem voz ativa para isso, gostaria de criticar, pois através da Arte, a crítica pode acontecer de forma suave ou vi- olenta e ainda levar o apreciador a pensar, refletir, sobre o tema. Mas também ela torna possível ao po- der manipular esses pensamentos, a fim de que os fruidores cheguem às conclusões direcionadas. As- sim, a Arte transforma-se em ambiente de meta- morfose e divisões, isto é, uma ferramenta de publi- cidade e propaganda. Os Fascistas tentam conquistar o apoio dos intelec- tuais, com a publicação do Manifesto dos Intelectuais Fascistas, escrito por Giovanni Gentile, que estabe- lece fortes laços pessoais com a direita liberal e na- cionalista. Benedetto Croce, filósofo e historiador, imediatamente reage com um manifesto antifascista, apoiado por assinaturas de prestígio, afirmando que a cultura não podia ser confiada ao governo. Mas, a força de atração do poder e o conformismo produzido pelo clima de repressão e descrença no país em cri- se, acabariam levando grande parte dos intelectuais a colaborar com o regime. Em 1933, Mussolini impôs aos professores universitários um juramento de fide- lidade ao regime, formando um novo espaço de re- produção ideológica, onde inculcava a doutrina fas- cista e a ideologia corporativa. Mesmo com mani- festos, os profissionais não foram capazes de ir além da simples oposição silenciosa. O fascismo procurou promover uma política, no campo da Arte e da Cultura, que atingisse quase to- das as correntes da pintura, que se beneficiavam do apoio de um ou outro dirigente fascista, que financia- va eventos e prêmios: Cremona, de tendência tradi- cional, mas claramente fascista; também o Bérgamo -; o Estado se constituiu como o maior comprador de trabalhos artísticos. Além de sustentar artistas de inspiração modernistas, os dirigentes fascistas aca- bavam causando, com essas atitudes, uma produção artística que, ao mesmo tempo tentava agradar e criticar o regime, o que resultava em um “meio ter- mo” e um ecletismo que desagradavam a todo o mundo artístico, desde os mais conservadores até os da vanguarda italiana. O governo totalitário demonstra assim forte censura sobre os artistas, despertando neles a necessidade de expressarem os ideais a respeito dessa situação nas obras, pela critica ou fazendo com que a socie- dade refletisse sobre a liberdade de expressão, con- tida no regime fascista, ou ainda, com que os favorá- veis à ideologia expusessem a imagem como a me- lhor a todas. Figura 3. “Retrato de Marinetti ”,Carlo Carrá. Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 Carlo Carrá, ao retratar Marinetti, tendo como sua linha, a mítica do realismo, demonstra uma figura distorcida com seus parâmetros do corpo, sua pintu- ra metafísica. Ele usa cores fortes como vermelho e preto como manchas de um pulmão comprometido com a fumaça do fumo que penumbra o rosto car- rancudo com o olhar de atenção e coagido; no fundo, aparecem figuras geométricas atrás de uma tela suja. As imagens parecem oníricas, pois estão irraci- onalmente justapostas e parecem perturbadas. Ex- citando os jovens artistas a uma renovação da lin- guagem expressiva: o corpo em um êmbolo realça uma caneta em sua mão e um papel onde se escre- ve, o que remete à profissão de Marinetti: artista lite- rário. A arte é uma linguagem profundamente rica, fruto de articulações entre códigos e elementos distintos: luz, sombra, linha, ponto, cor, perspectivas e planos. Juntos, esses elementos são suficientes para expli- cá-la, mesmo em se tratando de um período que busca uma linguagem absolutamente inovadora como formas de expressão e compreensão de rela- ções invisíveis estabelecidas. Diferente da escrita, cuja compreensão pressupõe domínio pleno de códi- gos e estruturas gramaticais convencionados, a pin- tura está ao alcance de todos sem a necessidade da habilidade para interpretar os códigos e signos pró- prios dessa forma de construir a mensagem nela retratada. Mas isso não significa que não seja neces- sário conhecer os sistemas de signos, pois isso nos permite fruir melhor e mais prazerosamente a obra. O significado cultural de uma obra é sempre revelado no contexto em que ela é vista ou produzida. Ela está sempre relacionada a mitos, crenças, valores e práti- cas sociais, pois nosso entendimento é permanen- temente mediado por normas e valores da nossa cultura e pela experiência que temos com outras formas de expressão (linguagens). Mesmo aquelas obras, cuja linguagem ou estrutura de significação escapem aos padrões convencionais ou retratem hábitos e práticas distintas daquelas com as quais estamos familiarizados, podem ser bem compreen- didas. Por fim, conclui-se que toda a intervenção política, religiosa, cultural ou que venha questionar, criticar ou originar novas formas de pensamentos e técnicas cientificas, acabam por favorecer novas pesquisas e olhares “futuristas” que são sempre bem incorpora- dos à revolução constante da humanidade. AGRADECIMENTOS Agradeço ao Professor de História, Wolnei Coliessi, por emprestar os livros de estudo, usados e a Prof.ª Drª Dulce A. Adorno-Silva, por me presentear com seu estimulo em pesquisar, despertando o prazer em discutir, criticar, dialogar com o passado, entendendo o pensar dos que influíram tanto em percursos da historia da humanidade. REFERÊNCIAS [1] BERNARDINI, Aurora Fomoni. (1980) O futuris- mo Italiano: manifestos. São Paulo: Perspectiva. [2] FOUCAULT, Michel. (1996) Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal. [3] TRENTO, Angelo. (1986) Fascismo Italiano. São Paulo: Editora Ática S.A. [4] BERNARDINI, Aurora Fomoni. (1980) O futuris- mo Italiano: manifestos. São Paulo: Perspectiva. [5] ADORNO-SiILVA, D. A.. (2006) Estado e Propa- ganda Política, in Anais do Congresso Interdisci- plinar de Comunicação (INTERCOM), trabalho apresentado NP 03 – Publicidade, Propaganda e Marketing do VI Encontro dos Núcleos de Pes- quisa de Intercom. [6] ARNHEIM, Rudolf. (1989) Arte e percepção Vi- sual: Uma psicologia da visão criadora. 5ª ed. .São Paulo: Livraria Pioneira Editora. Trad. Enio Matheus Guazzelli & Cia Ltda. [7] BENJAMIM, Walter. (1993) Magia e Técnica, Arte e Política. (Obras Escolhidas) 6ªed.. Trad. De Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasilien- se. [8] DUARTE, Rosália, Cinema e Educação, 2ªEd., Editora Autêntica., [9] GOMBRICH, E.H. Josef. (1985) A história da arte. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar. [10] LEBRUN, Gérald. (1999) O que é Poder. Trad. Renato Janine Ribeiro/Silva Lara. S. Pau- lo:Brasiliense. [11] PALLA, Marco.(1993) A Itália Fascista. Trad. Má- rio Vilela. São Paulo: Editora Ática. Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 [12] SANTAELLA, Lucia. (1983) O que é Semiótica. 1ª ed. .São Paulo: Brasiliense.
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