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Curso: Ciências Contábeis Disciplina: Direito Administrativo Docente: Ítalo de Medeiros Brito. 1. DIREITO ADMINISTRATIVO1 1.1 Natureza jurídica e conceito O direito é tradicionalmente dividido em dois grandes ramos: direito público e direito privado. O direito público tem por objeto principal a regulação dos interesses da sociedade como um todo, a disciplina das relações entre esta e o Estado, e das relações das entidades e órgãos estatais entre si. Tutela ele o interesse público, só alcançando as condutas individuais de forma indireta ou reflexa. É característica marcante do direito público a desigualdade nas relações jurídicas por ele regidas, tendo em vista a prevalência do interesse público sobre os interesses privados. O fundamento da existência dessa desigualdade, portanto, é a noção de que os interesses da coletividade devem prevalecer sobre interesses privados. Assim, quando o Estado atua na defesa do interesse público, goza de certas prerrogativas que o situam em posição jurídica de superioridade ante o particular, evidentemente, em conformidade com a lei, e respeitadas as garantias individuais consagradas pelo ordenamento jurídico. Por esse motivo, são possíveis medidas como a desapropriação de um imóvel privado para a construção de uma estrada. A Constituição assegura o direito de propriedade, mas faculta ao poder público efetuar desapropriações, desde que o proprietário receba justa e prévia indenização. Dessa forma, se for necessária, tendo em vista o interesse público, a construção de uma estrada em cujo trajeto esteja um imóvel particular, o Estado promoverá a desapropriação, independente do interesse do proprietário. Os direitos deste, como a indenização justa e prévia, serão evidentemente respeitados, mas a desapropriação, por ser fundada no interesse público, ocorrerá mesmo que seja contrária à vontade do particular, aos seus interesses. Em suma, nas relações jurídicas de direito público o Estado encontra-se em posição de desigualdade jurídica relativamente ao particular, subordinando os interesses deste aos interesses da coletividade, ao interesse público, representados pelo Estado na relação jurídica. 1 Resumo do livro: ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: MÉTODO, 2010. 2 Integram esse ramo o direito constitucional, o direito administrativo, o direito tributário, o direito penal etc. O direito privado tem como escopo principal a regulação dos interesses particulares, como forma de possibilitar o convívio das pessoas em sociedade e uma harmoniosa fruição de seus bens. A nota característica do direito privado é a existência de igualdade jurídica entre os polos das relações por ele regidas. O direito das empresas e o direito civil são os integrantes típicos do direito privado. Conforme antes afirmado, o direito administrativo é um dos ramos do direito público, uma vez que rege a organização e o exercício de atividades do Estado voltadas para a satisfação de interesses públicos. São vários os conceitos apresentados pela doutrina para o direito administrativo, especialmente porque há autores que adotam critérios distintos para a demarcação do campo de atuação desse ramo do direito. O Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello aduz um conceito sintético de direito administrativo, definindo-o como “o ramo do Direito Público que disciplina a função administrativa e os órgãos que a exercem”. Para o Prof. Hely Lopes Meirelles, o direito administrativo consiste no “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes a as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”. A Prof.ª Maria Sylvia Zanella de Pietro define o direito administrativo como “o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública”. De nossa parte, baseados nas definições propostas por alguns dos mais importantes administrativistas pátrios, conceituamos o direito administrativo como o conjunto de regras e princípios aplicáveis à estruturação e ao funcionamento das pessoas e órgãos integrantes da administração pública, às relações entre esta e seus agentes, ao exercício da função administrativa, especialmente às relações com os administrados, e à gestão dos bens públicos, tendo em conta a finalidade geral de bem atender ao interesse público. 3 1.2 Objeto e abrangência Dizer que o direito administrativo é um ramo do direito público não significa que seu objeto esteja restrito a relações jurídicas regidas pelo direito público. Em um Estado democrático-social, como o brasileiro, a administração pública atua nos mais diversos setores – até mesmo como agente econômico -, sendo frequentes as situações em que ela deve figurar nas relações jurídicas despida de prerrogativas públicas. Nesses casos, quando a administração comparece sem revestir a qualidade de poder público – por exemplo, celebrando um contrato de locação, na condição de locatária -, as relações jurídicas de que participe são regidas, predominantemente, pelo direito privado, estando ausentes as prerrogativas especiais típicas do direito público. Não obstante, tais relações jurídicas são objeto do direito administrativo, estando sempre sujeitas, em variável medida, a regras e princípios próprios desse ramo do direito, tais quais o princípio da indisponibilidade do interesse público, o princípio da publicidade, o princípio da probidade. Em síntese, o objeto do direito administrativo abrange todas as relações internas à administração pública – entre os órgãos e entidades administrativas, uns com os outros, e entre a administração e seus agentes, estatutários e celetistas -, todas as relações entre a administração e os administrados, regidas predominantemente pelo direito público ou pelo direito privado, bem como atividades de administração pública em sentido material exercidas por particulares sob regime de direito público, a exemplo da prestação de serviços públicos mediante contratos de concessão ou de permissão. É importante frisar que, embora a atividade de administração pública seja função típica do Poder Executivo, os outros Poderes (Legislativo e Judiciário) também praticam atos que, pela sua natureza, são objeto do direito administrativo. Assim, quando os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário estão atuando como administradores de seus serviços, de seus bens ou de seu pessoal, estão praticando atos administrativos, sujeitos ao regramento do direito administrativo. A nomeação de um servidor, a aplicação de uma penalidade disciplinar, o remanejamento de pessoal ou a realização de uma licitação pública serão sempre atividades abrangidas pelo direito administrativo, que se realizem no âmbito do Poder Executivo, do Poder legislativo ou do Poder Judiciário. 1.3 Codificação e fontes do direito administrativo O direito administrativo no Brasil não se encontra codificado, isto é, os textos administrativos não estão reunidos em um só corpo de lei, como ocorre com outros ramos do direito (Código Penal, Código Civil). As normas administrativas estão espraiadas no texto da Constituição, em diversas leis, ordinárias e complementares, e 4 ainda em muitos outros diplomas normativos, a exemplo de decretos-leis, medidas provisórias, regulamentos e decretos do Poder Executivo, circunstância que muito dificulta a obtenção de um conhecimento abrangente, bem como a formação de uma visão sistemática, orgânica, desse importante ramo do direito.São exemplos de leis administrativas relevantes: Lei 8.112/1990 – regime jurídico dos servidores públicos federais estatutários; Lei 8.666/1993 – normas gerais sobre licitações e contratos administrativos; Lei 8.987/1995 – lei geral das concessões e permissões de serviços públicos; Lei 9.784/1999 – normas gerais aplicáveis aos processos administrativos federais; Lei 11.079/2004 – lei geral das parcerias público- privadas; Lei 11.107/2005 – lei geral dos consórcios públicos. O direito administrativo tem sua formação norteada por quatro fontes principais: a lei, a jurisprudência, a doutrina e os costumes. A lei é a fonte primordial do direito administrativo brasileiro, em razão da rigidez que nosso ordenamento empresta ao princípio da legalidade nesse ramo jurídico. Embora o vocábulo “lei” abranja, como fonte principal do direito administrativo, a Constituição – sobretudo as regras e princípios administrativos nela vazados – e os atos normativos primários (leis complementares, ordinárias, delegadas, medidas provisórias), devem ser incluídos, secundariamente, também os atos normativos infralegais, expedidos pela administração pública, nos termos e limites das leis, os quais são de observância obrigatória pela própria administração. A jurisprudência, representada pelas reiteradas decisões judiciais em um mesmo sentido, é fonte secundária do direito administrativo, influenciando marcadamente a construção e a consolidação desse ramo do direito. Embora as decisões judiciais, como regra, não tenham aplicação geral (eficácia erga omnes), nem efeito vinculante, portanto, somente se imponham às partes que integrarem o respectivo processo, há que se ressaltar que nosso ordenamento constitucional estabelece que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações integrantes do controle abstrato de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, art. 102, §§ 1.º e 2.º). Ademais, foi introduzida no direito brasileiro a figura da súmula vinculante, que poderá ser aprovada pelo Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, com o fim de outorgar força obrigatória às suas decisões proferidas em casos concretos submetidos à sua apreciação, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, art. 103-A, introduzido pela EC 45/2004). 5 Essas decisões judiciais com efeitos vinculantes ou com eficácia erga omnes não podem ser consideradas meras fontes secundárias de direito administrativo, e sim fontes principais, uma vez que alteram diretamente nosso ordenamento jurídico positivo, estabelecendo condutas de observância obrigatória para toda a administração pública (e para o próprio Poder Judiciário). A doutrina, entendida como conjunto de teses, construções teóricas e formulações descritivas acerca do direito positivo, produzidas pelos estudiosos do direito, constitui fonte secundária do direito administrativo, influenciando não só a elaboração de novas leis como também o julgamento das lides de cunho administrativo. Os costumes sociais – conjunto de regras não-escritas, porém observadas de modo uniforme pelo grupo social, que as considera obrigatórias – só têm importância como fonte do direito administrativo quando de alguma forma influenciam a produção legislativa ou a jurisprudência, ou seja, menos que uma fonte secundária, são, quando muito, uma fonte indireta. Um pouco diferente é a situação dos costumes administrativos (praxe administrativa), isto é, as práticas reiteradamente observadas pelos agentes administrativos diante de determinada situação. A praxe administrativa, nos casos de lacuna normativa, funciona efetivamente como fonte secundária de direito administrativo, podendo mesmo gerar direitos para os administrados, em razão dos princípios de lealdade, da boa-fé, da moralidade administrativa, entre outros. 1.4 Regime jurídico-administrativo O denominado “regime jurídico-administrativo” é um regime de direito público, aplicável aos órgãos e entidades que compõem a administração pública e à atuação dos agentes administrativos em geral. Baseia-se na ideia de existência de poderes especiais, possíveis de serem exercidos pela administração pública, contrabalançados pela imposição de restrições especiais à atuação dessa mesma administração, não existentes – nem os poderes nem as restrições – nas relações típicas do direito privado. Essas prerrogativas e limitações traduzem-se, respectivamente, nos princípios da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público. O princípio da supremacia do interesse público fundamenta a existência das prerrogativas ou dos poderes especiais da administração pública, das quais decorre a denominada verticalidade nas relações administração-particular. Toda atuação administrativa em que exista imperatividade, em que sejam impostas, unilateralmente, obrigações para a administração, ou em que seja restringido ou condicionado o exercício de atividades ou de direitos dos particulares é respaldada pelo princípio da supremacia do interesse público. 6 Exemplos de manifestações do princípio da supremacia do interesse público temos no exercício do poder de polícia, nas chamadas cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos, que possibilitam à administração, dentre outras prerrogativas, modificar unilateralmente o pactuado. nas hipóteses de intervenção na propriedade privada, como a desapropriação, na presunção de legitimidade dos atos administrativos, na auto- executoriedade de atos administrativos etc. O segundo princípio, o da indisponibilidade do interesse público, faz contraponto ao primeiro. Ao mesmo tempo em que tem poderes especiais, exorbitantes do direito comum, a administração sofre restrições em sua atuação que não existem para os particulares. Essas limitações decorrem do fato de que a administração não é proprietária da coisa pública, não é proprietária do patrimônio público, não é titular do interesse público, mas sim o povo. Em linguagem jurídica, dispor de alguma coisa é, simplificadamente, poder fazer o que se queira com ela, sem dar satisfações a ninguém. A disponibilidade é característica do direito de propriedade. Desse modo, são decorrências típicas do princípio da indisponibilidade do interesse público a necessidade de realizar concurso público para admissão de pessoal permanente (empregado e servidores públicos efetivos), a necessidade, em regra, de realizar licitação prévia para celebração de contratos administrativos, a exigência de motivação dos atos administrativos (também regra geral), as restrições à alienação de bens públicos etc. Em suma, ao tratarem do regime jurídico-administrativo, nossos mais importantes autores acentuam a existência, de um lado, de prerrogativas especiais da administração, de poderes não existentes no direito privado, e, de outro, de restrições ou limitações na atuação administrativa que não se verificam entre os particulares. A Constituição de 1988, ao tratar da administração pública, não traz expressos os princípios da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público. Entretanto, no caput de seu art. 37, enumera alguns dos mais importantes princípios administrativos que diretamente deles decorrem: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
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