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Entrevista com o prof. Feuerstein

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Entrevista com o prof. Feuerstein 
Por Gisele Vitória - Isto É 
Para o professor Reuven Feuerstein, qualquer pessoa pode aumentar sua capacidade intelectual e mesmo 
crianças deficientes são capazes se tornar normais. 
O professor romeno Reuven Feuerstein é um carismático. Aos 75 anos, arranca aplausos efusivos de 
diferentes platéias do mundo. Sua barba branca e espessa, a boina que lhe serve de kipá e o bom humor 
contagiante são adereços desse simpático senhor considerado o maior psicopedagogo da atualidade. Discípulo 
de Jean Piaget e de Carl Jung, Feuerstein esbanja otimismo quando o assunto em questão é inteligência e 
aprendizagem. Em sua teoria, difundida entre psicólogos e pedagogos do mundo inteiro, qualquer pessoa é 
capaz de elevar seu potencial de inteligência, seja qual for a sua idade ou problema. Em outras palavras, o 
método de Feuerstein ensina a ser inteligente. “Podemos contrariar o determinismo genético”, diz. Com seu 
programa psicopedagógico, Feuerstein já conseguiu mudar o destino de centenas de crianças, jovens e adultos 
com baixíssimos níveis de inteligência, ao longo de 40 anos de trabalho em Israel. Em Jerusalém, dirige o 
Centro Internacional de Desenvolvimento do Potencial de Aprendizagem, onde aplica o Programa de 
Enriquecimento Instrumental (PEI) e seu método de psicodiagnóstico, o LPAD. Judeu praticante, ele conseguiu 
elevar a inteligência das crianças sobreviventes do holocausto e transformou diversos portadores de síndrome de 
Down em pessoas normais e capazes. Utilizando a mediação, foi capaz de ativar as mentes de milhares de 
crianças com barreiras de aprendizagem. “Mais importante do que saber é aprender como usar este saber”, 
afirma. Na sexta-feira 29, Feuerstein esteve pela primeira vez no Brasil para participar do Congresso 
Internacional de Psicologia da Educação, na PUC de Campinas. Arrancou novos aplausos de seus estudiosos, 
ávidos para aplicar o método nas escolas do País. Nos intervalos de sua conferência, ele falou a ISTOÉ. 
ISTOÉ – O sr. costuma dizer que nada no ser humano está definitivamente escrito. É possível 
aprender a ser inteligente? 
Reuven Feuerstein – Sim. A inteligência é imprevisível e pode ser modificada. O se humano não é um 
objeto imutável. Não interessa se o jovem ou criança tem dificuldades, tem síndrome de Down, é autista ou 
cega. Se a criança não escreve, não lê, não conta, é preciso convencer os pais e os professores que isso pode ser 
mudado. Meu trabalho amplia o potencial de aprendizagem de um indivíduo, qualquer que seja a sua idade. 
Buscamos transformar a inteligência na sua estrutura mais significativa. Com nosso Programa de 
Enriquecimento Instrumental, ensinamos aos alunos a organizar e a usar a informação. Mais importante do que 
saber é aprender como usar este saber. 
ISTOÉ – Como funciona o seu método? 
Reuven Feuerstein – Não se trata de um instrumento para detectar o insucesso da criança, mas para 
identificar as suas áreas fortes. O programa engloba uma série de exercícios aplicados no ambiente da sala de 
aula. Dão os pré-requisitos para a organização do pensamento. É o que precisamos aprender para ter uma 
relação melhor com o mundo. Temos, por exemplo, testes nos quais o aluno liga vários pontos com o objetivo 
de formar figuras geométricas. Mas transferimos esse exercício para a sua realidade. Na verdade, a criança não 
está apenas juntando pontos, mas fatos e conhecimentos. Com o auxílio de um mediador, terá de explicar por 
que estará formando aquela figura, o que a fez pensar que aqueles pontos formam um quadrado, por que está 
ligando o ponto A e B e não o C. em todos os testes o aluno tem de usar o conhecimento, que são as muletas do 
pensamento. 
ISTOÉ – Os adultos podem se tornar mais inteligentes? 
Reuven Feuerstein – Podemos promover transformações espantosas em adultos com dificuldades de 
aprendizagem e bloqueios culturais. O princípio básico de minha teoria é que o indivíduo tem a opção de ser 
modificado apesar de sua idade. Uma moça de 34 anos chegou ao instituto sem saber ler e escrever. Hoje, cinco 
anos depois, é minha assistente no curso. Indústrias nos EUA, na Itália, na França e em Israel dão aos seus 
empregados treinamentos baseados no meu programa. As empresas querem aumentar a capacidade de seus 
empregados para se adaptar melhor às mudanças tecnológicas. Em Portugal, o Programa de Enriquecimento 
Instrumental é aplicado em escolas e indústrias. Lá, empresas como a Motorola, a Pirelli, a Peugeot, a Renault e 
a Fiat estão usando meu programa para ensinar novas tecnologias a seus empregados. 
ISTOÉ – Uma criança pode elevar seu coeficiente de inteligência? 
Reuven Feuerstein – Podemos contrariar o determinismo genético. Os cromossomos não têm a última 
palavra. Trabalho com meninos com síndrome de Down que fazem coisas muitos importantes. Essas crianças 
em 1969 foram classificadas pela Enciclopédia Britânica como monstros. Um de nossos alunos escreveu um 
Best seller nos Estados Unidos e é ator de teatro. Outra é professora de Matemática em Pittsburg. Um terceiro 
que não podia falar aos 12 anos, é pintor reconhecido em Israel. Aos 23 anos, pinta belissimamente. Considero-
o um gênio. Sua língua foi operada para ser mais maleável. Os traços da doença foram retirados com a operação 
plástica e ele leva uma vida normal, depois de 11 anos de aprendizagem. Meu neto nasceu com síndrome de 
Down e, hoje, aos cinco anos e meio, possui um vocabulário equivalente ao de um menino de sete anos. Se não 
podemos mudar os cromossomos, temos que lutar contra eles. As crianças normais, sem nenhum impedimento 
genético ou orgânico, definitivamente podem desenvolver-se muito mais. 
ISTOÉ – Em quanto tempo o Sr. Começa a reverter as dificuldades de aprendizagem de uma 
pessoa? 
Reuven Feuerstein – O tratamento pode levar de dois a dez anos, dependendo do problema da criança. 
Primeiro, tenho de estudar sua capacidade de mudar. É necessário identificarmos quais são os sinais 
adormecidos, o restante do iceberg que não é visível. 
ISTOÉ – Quando começou a aplicar seu programa? 
Reuven Feuerstein – Durante a Segunda Guerra, vivi um ano em campos de concentração e depois em 
prisões nazistas. A guerra acabou e me dediquei às crianças sobreviventes do holocausto. Elas foram para Israel 
depois de passarem três anos, quatro anos nos campos de concentração. Seus pais haviam morrido nas câmaras 
de gás. Algumas chegaram a Israel como esqueletos, eram totalmente analfabetos aos oito, nove anos de idade. 
Não podia aceitar que fossem retardadas ou idiotas. Passei mais de sete anos trabalhando com essas crianças. 
Não conseguiam organizar o pensamento nem suas ações. Uma noite, em Jerusalém, um dos meninos, com oito 
anos, deitou-se ao meu lado e então começamos a ler filosofia juntos. A mudança era possível. Hoje essas 
crianças tornaram-se homens e mulheres inteligentes e dignos. 
ISTOÉ – Quais crianças seu instituto atende hoje? 
Reuven Feuerstein – O programa é utilizado por centenas de milhares de crianças em todo o mundo. Em 
Israel, atendemos 35 mil crianças. Cerca de 400 crianças e jovens estão em tratamento permanente. 
ISTOÉ – O sr. Acha que as escolas ensinam as pessoas a ser inteligentes? 
Reuven Feuerstein – Infelizmente, as escolas partem do seguinte pressuposto: ou as crianças já são 
inteligentes e aprendem sozinhas ou não são inteligentes. Se elas não demonstram inteligência não há nada a 
fazer. Segundo Piaget, se a criança não atingiu a estrutura de desenvolvimento mental, não adianta estudar 
porque não vai aprender. Em função disso as escolas não são orientadas a mudar o destino da criança. 
ISTOÉ – Então o sr., discípulo de Piaget, fez uma crítica a sua teoria? 
Reuven Feuerstein – Sim, absolutamente. Ao contrário do que dizia Piaget, as crianças podem ser 
conduzidas a aumentar o potencial de inteligência, mesmo que não tenham atingido o nível de desenvolvimentoideal. Piaget considerava a inteligência como um produto da maturidade biológica do ser humano combinada 
com a sua interação ao ambiente. Em minha tória, o mais importante é o processo de aprendizagem mediado por 
um educador. 
ISTOÉ – Seus admiradores dizem que é o sucessor de Piaget. 
Reuven Feuerstein – Não sou sucessor de Piaget. Sou seu estudioso. Fui seu discípulo. 
ISTOÉ – Qual o grande diferencial de seu método em relação aos demais programas de 
aprendizagem? 
Reuven Feuerstein – É a figura do mediado, aquele que intervirá, que induzirá a análise, a dedução e a 
percepção. O educador é uma peça chave. Ele transmitirá os valores, as motivações e as estratégias. Ajudará a 
interpretar a vida. Nós, os educadores, estamos mais em jogo do que as crianças e os jovens. Se não formos 
capazes de ensinar, será impossível aprender. Com esse método potencializamos o professor para que ele mude 
o destino do aluno. O professor passa a acreditar que tem capacidade de modificar aquela criança. Passa a ver 
com maior clareza o que precisa ser corrigido. 
ISTOÉ – Já há escolas no Brasil que aplicam seu método? 
Reuven Feuerstein – Tenho informações de uma escola pública em Santa Catarina. Em São Paulo, a 
psicopedagoga Edith Rubistein aplica o método em sua clínica. 
ISTOÉ – Aqui milhares de crianças não freqüentam escola e o ensino público enfrenta uma 
situação caótica. Falta estrutura, os salários dos professores são baixíssimos e há muito despreparo entre 
os educadores. Essas crianças têm alguma chance? 
Reuven Feuerstein – Devo dizer que vejo o Brasil como um país com enorme potencial. Não conheço 
bem a situação aqui, mas é muito importante crer que a inteligência pode ser modificada. Essa preocupação 
deve existir entre os adultos para que as crianças se desenvolvam. Um país deve ter um compromisso com a 
educação. Se não existe esse comprometimento, certamente é uma pena. Se a capacidade de inteligência pode 
ser expandida, é um direito do indivíduo se desenvolver de acordo com seu potencial. O governo tem obrigação 
de dar condições para esse indivíduo se desenvolver. É um compromisso com os jovens. 
ISTOÉ – O sr. diria que as escolas no Brasil precisam mais de um orçamento do que de um novo 
método de aprendizagem? 
Reuven Feuerstein – Bem, conheço países que têm muito dinheiro e que, no entanto, fazem muito pouco 
pela educação. Claro, o dinheiro é que vai ajudar as escolas a ter um bom método d ensino. Mas dinheiro não é 
suficiente. É preciso ter método. 
ISTOÉ – Num momento em que o ensino básico do País aparece nas estatísticas da UNICEF como 
o pior do mundo comparado às suas potencialidades, o sr. concorda que muitas mentes infantis estão 
sendo desperdiçadas? 
Reuven Feuerstein – Muitas. Diria que milhões, quem sabe gênios estão sendo desperdiçados. Milhões de 
crianças perdem muito de suas potencialidades, de suas capacidades, por causa da péssima educação. 
ISTOÉ – O que o sr. acha dos testes que medem a inteligência? 
Reuven Feuerstein – Afirmar que um Q.I. acima de 100 é superior ao normal ou que abaixo de 50 é 
inferior é uma visão de que a inteligência tem uma forma fixa e imutável. Será que o ser humano é previsível? 
Seu futuro já está escrito? O Q.I. é apenas uma fotografia num dado momento. Caracterizar as crianças assim é 
algo que pode pôr em risco o futuro do ser humano. 
ISTOÉ – Mas o Q.I. é visto como um termômetro da inteligência. É um conceito muito difundido e 
bastante aplicado. 
Reuven Feuerstein – A inteligência não é objeto. É um poder. Não se mede. Temos de avaliá-la com uma 
visão dinâmica. Do contrário, seria como medir o comprimento de uma mesa, que nunca deixará de ter a mesma 
metragem. 
ISTOÉ – O sr. concorda que há pessoas que nascem mais inteligentes que outras? 
Reuven Feuerstein – Não há dúvida de que há diferença entre pessoas. Não posso comparar pessoas, elas 
não são padronizadas, mas o indivíduo tem dois pontos de desenvolvimento. O primeiro é o desenvolvimento 
biológico, um conjunto de células que se interagem. Esse indivíduo cresce e se desenvolve como pessoa. Outro 
ponto é a interação desse indivíduo com o meio ambiente. Se um menino vive sozinho, não vai aprender nada. 
Um indivíduo nunca poderia ser inteligente se não lhe fosse transmitida a cultura através de gerações. A 
humanidade só existe porque houve um processo de mediação ao longo da sua história. 
ISTOÉ – É possível descobrir gênios escondidos atrás de crianças com dificuldades de 
aprendizagem? 
Reuven Feuerstein – Um gênio não se descobre. Um gênio é feito. Através de um instrumento adequado, 
é possível tornar pessoas inteligentíssimas. Não falo dos gênios que nascem assim e que são muito superiores, 
mas de muitas pessoas com capacidades não desenvolvidas e que através de meu método podem tornar-se muito 
eficientes e TR uma inteligência bem superior em várias áreas. Cito um jovem de 14 anos que não podia ler nem 
escrever, antes de chegar ao instituto. Hoje é alguém que trabalha num nível muito elevado no campo da 
matemática. 
ISTOÉ – O sr. pode fazer gênios? 
Reuven Feuerstein – Há pessoas que são gênios e que jamais descobrirão isso. Talvez morram sem saber. 
Se o gênio não tiver um bom mediador, não desenvolverá suas habilidades. Muitas pessoas estudam os gênios, 
mas eu particularmente não tenho interesse neles. Estou interessado na condição normal das pessoas. Ainda 
assim alguns de meus alunos são conhecidos em Israel como os gênios do doutor Feuerstein. 
ISTOÉ – Crianças com alto padrão de vida têm ótimos professores, mas muitas vezes têm 
dificuldades de aprender. Por quê? 
Reuven Feuerstein – A privação cultural é um fenômeno que se observa em todos os níveis 
socioeconômicos, em famílias, com níveis de instrução diferentes. Eu conheço o caso de um jovem de condição 
socioeconômica muito favorecida, que havia viajado o mundo inteiro, mas não havia aprendido nada nessas 
viagens. A família não havia exercido uma boa mediação com ele. Deus faz os seres iguais e mesmo crianças 
que têm superdotação podem não ter suas habilidades desenvolvidas porque não sofreram mediação. 
ISTOÉ – Quando o sr. acha que uma criança está pronta para usar toda sua inteligência? 
Reuven Feuerstein – Nunca. Ela pode sempre se tornar melhor. Você nunca pode dizer: essa criança é 
100%. Todo o tempo as pessoas são capazes de se superar. Eu mesmo ainda estou tentando melhorar.

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