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ResenhaGutfriend A Infância Através do Espelho

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CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA DO SUL
INSTITUTO PORTO ALEGRE
BACHARELADO EM PSICOLOGIA
VANESSA BRANCO CARDOSO
A INFÂNCIA ATRAVÉS DO ESPELHO
RESENHA CRÍTICA DESTA OBRA DE CELSO GUTFREIND
Porto Alegre, 2014
“Somos todos meninos perdidos até encontrarmos uma história” 
(Celso Gutfreind em A Infância Através do Espelho)
Sobre o autor
Nasceu em Porto Alegre em 15 de Setembro de 1963, cidade em que reside atualmente. É escritor, psiquiatra e psicanalista. Tem mais de 20 livros publicados. Já foi traduzido para o francês, inglês e espanhol. Recebeu diversos prêmios literários como o Açorianos 93 e o Livro do Ano, da Associação Gaúcha de Escritores em 2002 e 2007. Como médico tem especialização em psiquiatria, psiquiatria infantil e doutorado nessa área, realizado na Universidade Paris 13. Atualmente, trabalha como professor na Fundação Universitária Mário Martins e como professor convidado na Unisinos. 
Introdução
A primeira forma de elaboração do nosso psiquismo ao qual temos acesso é literatura. Através da voz da mãe, imaginamos e elaboramos nossos conteúdos internos. Em seguida, aprendemos a narrar, a nos imprimir um pouco no que já foi dito. O dito e o não-dito da nossa história familiar influenciarão na formação da nossa própria história. A Psicanálise vem muitas vezes para repor o nosso espaço nessa narrativa, para simbolizarmos e elaborarmos os espaços que não foram preenchidos, para encontrar a criança no adulto e o adulto na criança, ou como diz o autor “repor fada e luto”. 
Desenvolvimento
A literatura nos proporciona identificação: os personagens, as histórias, as intrigas perpassam nossas vidas. A leitura oferece o alimento para a imaginação, enriquece a narrativa. Quando uma criança pede repetidamente que lhe conte uma mesma história é porque há criação de sentido para ela, ocupando seus espaços vazios, e muitas vezes proporciona uma existência mais palatável. Depois de tanto ouvir a sua história favorita, ela começa a recontá-la, a sua própria maneira. Narrar é elaborar, é manter a “mãe viva por dentro” (GUTFREIND, 2014, p. 24). Histórias geram outras histórias, as últimas superam as primeiras. Gutfreind exemplifica:
“Uma menina de 10 anos contou que fez aniversário. A festa foi magnífica. Ela descreveu como só um bom leitor seria capaz: com alma, imagens metáforas, afetos, vontade de encantar-se e encantar o outro. Ela descreveu reinventando como um leitor. Lá pelas tantas, um de seus ouvintes, contraído pelo mal da pouca leitura, caiu da imaginação capenga e falou: ‘Tu estás mentindo!’ Ele tinha razão. A família dela não poderia proporcionar uma festa tão cara. Mas era literatura, não se tratava de razão. E, entre a caída e a levantada, ela respondeu: ‘Não estou mentindo, estou imaginando’.” (GUTFREIND, 2014, p.26).
Essa capacidade só a literatura tem: reinventar a realidade tornando-a melhor, tornando-a mais bonita. Só a leitura e a posterior narrativa faz abstrair, sair da concretude que adoece. Não podemos estar fora da realidade, mas sem a imaginação não suportamos. A literatura fortalece a imaginação para que possamos tornar a vida menos absurda. 
Mas não é qualquer tipo de leitura que tem essa competência. A literatura só entra em contato com o inconsciente quando tem linguagem semelhante a sua, com suas características como a atemporalidade e o espaço para deixar existir o desejo. Da mesma forma, é a Psicanálise. Para Celso Gutfreind, a análise, na maioria das vezes, tem o objetivo de devolver o espaço para o ser criança: deixar brincar e reduzir os fantasmas patogênicos dos pais (o adulto na criança). Em virtude de, muitas vezes, os bebês se tornarem objetos narcísicos dos pais, os quais traçam um percurso próprio para a realização de seus desejos. Para explanar essa situação, podemos utilizar o conto Peter Pan de J.M. Barrie, cujo o protagonista é uma criança “sem direito a infância” (Braconnier apud Gutfreind, 2014, p. 38). Wendy, João e Miguel estão abafados pelas preocupações parentais e são convidados por Peter Pan a conhecerem uma outra realidade onde não há pais, a Terra do Nunca. Como em toda boa trama infantil, há o embate entre o bem (Meninos Perdidos, Wendy e os irmãos) e o mal (Capitão Gancho e os piratas). Resumindo, podemos analisar esse conflito como o princípio do prazer versus o princípio da realidade. De um lado estão as brincadeiras, a fantasia, a imaginação, o ser criança; de outro o mundo adulto e suas obrigações, compromissos, as finanças. A guerra é travada entre infância e crescimento, entre a vida e a morte. Utilizando-se dos conceitos de Donald Winnicott, podemos situar a história de Peter Pan como espaço transicional entre a mãe e as crianças, fundamentado pelas palavras de J.M. Barrie “Peter Pan era como o beijo da Sra. Darling”. Em outras palavras, precisamos acreditar na fantasia para elaborar a realidade e somente as boas histórias são capazes de produzir presença na ausência. 
É preciso que as crianças cresçam no tempo certo. Segundo Gutfreind, as fadas só devem morrer quando a criança decidir, não através de uma rotina intrincada de atividades que as fazem viver totalmente no presente e não ter tempo para imaginar. A imaginação é a nossa única defesa enquanto bebês, quando somos ainda mais frágeis e dependentes. Precisamos ter a onipotência alimentada para temermos a morte, a aniquilação. Quando os pais, de famílias abastadas ou de menos recursos, delegam a infância outras atividades (como trabalhar, rotina cheia de cursos e estudos) matam a imaginação. Esse extermínio precoce não permite a elaboração do luto e da imaginação, pois a criança está sempre ocupada com o agora e não pode fantasiar. A psicanálise e a literatura nos fazem contar e representar essa perda, e de certa forma isso ajuda a preenche o vazio. Dessa maneira, narrar é fundamental. Nesse sentido que muitas vezes as terapias psicanalíticas de crianças, adolescentes e adultos vêm para “repor fada e luto” (GUTFREIND, 2014, p. 42).
Segundo Winnicott (apud Gutfreind, 2014, p. 49) as histórias constroem espaços potenciais não só para imaginação mas também para a representação simbólica. No conto infantil João e Maria fica evidente a importância da representação na infância. Para as crianças é preciso brincar com os símbolos, simular a realidade sem se ferir. Simbolizando a morte da mãe, as crianças do conto João e Maria, projetam o que precisam sentir, experimentando esses afetos de forma intensa. Atualmente, é difícil realizar esse processo de simbolização, já que as crianças recebem essas experiências de forma mediada, principalmente através da televisão. Quanto à estimulação da imaginação, a literatura supera em muito os meios televisivos, uma vez que a leitura faz com que a criança aumente a sua capacidade simbólica e não apenas oferece conteúdos prontos e saturados. 
Para falar de criança e adulto, precisamos falar da fase intermediária entre eles: a adolescência. Não há facilidade de representação como não há na infância, as coisas não se tornam mais fáceis. Mas se pensarmos nas crianças como grandes imaginadores e que a adolescência deve valorizar isso para continuar expandir esse potencial, nos enganamos. Um dos principais requisitos do adolescer é a morte da infância, rebelar-se contra tudo que há nela. Entretanto, também não se abraça de bom grado o mundo dos adultos. Inicia-se uma busca pela própria identidade, pelo seu lugar no mundo, talvez por isso a grande marca da adolescência seja a solidão. Mas como são a literatura e a psicanálise próprias para esse período da vida? Para Celso Gutfreind, entre tantas obras que conseguem contemplar a adolescência, destaca-se O Apanhador no Campo de Centeio de John Salinger, que segundo ele, retrata bem as suas idiossincrasias, sua busca de representação em meio ao caos. Os temas apresentados na obra, como a morte, o sexo, desejos e insegurança, solidão, são também características dessa fase. Assim sendo falam a mesma linguagem do adolescente, por isso a facilidade deidentificação, e conseqüente elaboração dos próprios conteúdos psíquicos. Para Gutfreind, na adolescência tudo é falta, que se preenche com filosofia, com questões existenciais, paradoxos. Por isso, não há melhor crítico do sistema que o adolescente. O autor afirma que a psicanálise para adolescentes, na melhor forma de acompanhá-la, apenas deve deixá-la ser, e que isso parece simples, mas é extremamente complexo.
	Corroborando com a sua tese da importância da narrativa para a saúde mental da criança e do adulto, Celso Gutfreind discorre sobre a transgeracionalidade, que para essa discussão representaram os fantasmas do não-dito na história familiar. Apresenta como exemplo o filme Precisamos Falar Sobre Kevin (baseado em um livro homônimo de Lionel Shriver) o qual uma bem sucedida mulher de negócios, feliz em seu casamento, tem a sua vida inteiramente modificada após o nascimento do primeiro filho. Na trama, fica evidente que a maternidade não era um desejo de Eva. Gutfreind problematiza essa questão afirmando que muitas vezes esse desejo não é consciente nas mulheres, mas que isso não as impede de ser boas mães. Então, ele começa a analisar os fantasmas da mãe de Kevin, através da cena que em ela já não mais suporta o choro do bebê e prefere ouvir barulho infernal de uma britadeira. Entende-se que ela está no seu limite, que ela não sabe mais o que fazer e recorreu a uma atitude desesperada. Como o filme passa em flashbacks (e outra vez podemos trazer a semelhança com a linguagem atemporal do inconsciente) o tempo volta e acompanha-se a gravidez de Eva: não há afeto dirigido ao bebê, nem olhares, nem toques carinhosos. Ela não está feliz e nem se comunicando. Sonha em voltar a sua antiga vida, ao não ser mãe. Da mesma maneira foi depois que ele nasceu. 
Segundo Gutfreind: “A falta desejo do começo pode ser suficiente para entender os problemas posteriores da vida. Somos o quanto fomos amados” (GUTFREIND, 2014, p. 69). A transgeracionalidade sozinha não é capaz de determinar as características da parentalidade, já que estamos sempre disponíveis a novos encontros. Para a psicanálise, é preciso observar três aspectos na interação mãe-bebê, no caso de Eva e Kevin podemos explicitar dessa maneira: o concreto (a presença da mãe), o afeto (que pode ser insuficiente em quando há depressão) e o fantasma (que pode ser a causa dos bloqueios dos sentimentos). Eva estava presente e apesar de deprimida, tentava estabelecer contato com Kevin, mas não conseguia ou não sabia como. Além disso, não tinha o acolhimento necessário do pai, para que pudesse regredir e estar em sintonia com bebê Kevin. Foram os fantasmas da história materna e paterna estabeleceram a relação problemática com o bebê. O não-dito deu deixou espaços vazios para que o fantasma transgeracional crescesse e se materializasse no filho. A falta de narrativa, não permitiu que Eva colocasse em palavras (nem em literatura e nem em psicanálise) o que ela sentia em relação a sua própria mãe, não conseguindo assim reescrever a sua própria história. Segundo Gutfreind, mais do que falar sobre Kevin, ela precisava entender o motivo da obstrução do seu amor por ele, e talvez ela pudesse ter evitado a tragédia. 
As famílias com libido suficiente para narrar as suas histórias terão efeitos benéficos na transgeracionalidade. Gutfreind fala sobre a importância da voz materna no desenvolvimento do bebê: “o banho materno de palavras” (GUTFREIND, 2014, p. 72). O bebê se sente desejado, cuidado, amado, iludido, entre outras necessidades básicas. Ele ouve a voz que conta histórias, mas não importa o seu conteúdo, e sim o olhar, a atenção que a mãe lhe dedica ao fazê-lo. A criança se sente amada e mais tarde conseguirá ler sozinha, “com a mãe por dentro” (GUTFREIND, 2014, p.73). Nesse sentido, a literatura é um pretexto para encontrar o outro, exercer afeto, apego, arranjar palavras. “Narrar permite respirar. O nascimento é a primeira chance. A literatura, a segunda. A psicanálise, uma terceira” (GUTFREIND, 2014, p. 22). A mãe internalizada lê para a criança e também para o adulto. A ilusão nos ajuda a nomear os sentimentos e assim aliviados. Descobrimos, principalmente com a literatura, que não somos os únicos a sentir aquilo, e que outros passaram por aquilo e conseguiram superar. Isso nos motiva a dar o próximo passo, a ter um novo olhar sobre mim mesmo. Dessa maneira, Gutfreind diz que contar e ouvir é o mais sagrado dos remédios.
A literatura proporciona a metáfora, uma película que nos ajuda a elaborar os sentidos dos nossos desejos mais reprimidos sem causar desprazer. Não foi por acaso que na elaboração do Complexo de Édipo, Sigmund Freud se utilizou da literatura: o Édipo-Rei de Sofóles. Freud criou uma metáfora que protege o ego da desestruturação como o excelente escritor que era. O amor incestuoso em Édipo-Rei está protegido porque o personagem não conhece a identidade de seus pais, o que permite matar o pai e casar-se com a mãe. A película está formada, protegendo o sujeito da solidão e elaborando os significados dos conteúdos inconscientes. Aprendemos com a literatura que não precisamos concretizar todos nossos desejos, podemos elaborá-los através dos símbolos. Sabiamente Gutfreind afirma que escrever e ler é preciso, interpretar não é preciso. 
Precisamos desse jogo de revela e esconde, é o que nos é proporcionado pela literatura e pela análise. Na literatura há a ficção que protege o ego, na psicanálise, a representação que dá significado ao caos das pulsões destrutivas. Na literatura, simbolizamos e nos resguardamos, pois sabemos que a história não é nossa, que os personagens não são reais, que eu a leio como espectador. Nesse sentido, Gutfreind apresenta o conceito de coconstrução (GUTFREIND, 2014, p. 21). Coconstruir é construir junto com o autor os significados da história, protegido pela metáfora da narrativa. A exemplo disso é que nunca gostamos quando um livro se transforma em filme, pois os símbolos que o diretor usa são diferentes do que a gente imaginou. Na psicanálise, coconstruimos com o analista que nos auxiliar a (res)significar a nossa história, para que nos possamos narrá-la e assim superá-la.
Conclusão e Crítica Pessoal
A literatura possui um efeito extremamente benéfico na formação psíquica de crianças e conseqüentemente de adolescentes e adultos. Não somente na constituição psicológica mas também na manutenção da saúde mental. Ler, ouvir e narrar é fundamental. Ainda mais no mundo moderno que demanda tanto de nós, que exige que estejamos sempre conectados a um mundo virtual, irreal, de poucas relações. Somos seres essencialmente sociáveis, precisamos encontrar pessoas, exercer afetos. A literatura preenche os espaços deixados pela falta de contato com o outro. 
A experiência mediada pelos meios de comunicação não se comparam ao que uma boa obra literária pode fazer. Enquanto o aparelho midiático nos prende ao presente, a leitura nos faz criar, imaginar, ultrapassar o dado. A experiência mediada empobrece a narrativa, que por sua vez torna insuficiente o contar da nossa própria história. Nesse sentido, ler é essencial para se exercer a paternidade e a maternidade, para não transformarmos nossos filhos em extensões de nossos projetos pessoais, em forma de realizações de desejos narcísicos. Nesse sentido, Freud se utiliza do conceito “sua majestade bebê” que segundo ele pais destituídos do saber da finitude de suas existências projetam em seus bebês seus ideais. Os “pais suficientemente narrativos” (conceito que pesquisei a origem e acabei descobrindo que surgiu de uma conversa informal entre Celso Gutfreind e um amigo francês, mas nunca foi apadrinhado por nenhum dos dois) saberão reinventar a sua própria história e auxiliar o filho a construir a sua como sujeito. 
As boas histórias são importantíssimas para o desenvolvimento humano. Atualmente observamos crianças que, em tenra idade, já não mais acreditam em Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa e vão ao supermercado escolher seus próprios presentes. A capacidade de imaginar,sonhar, idealizar morre cedo. Ou como diz Gutfreind, morrem as fadas, símbolo da imaginação infantil. Isso acontece sem tempo para que a criança possa elaborar a perda, pois logo ela está ocupada em suas tarefas de preparação para o futuro, delegadas cuidadosamente pelos pais, que já escolheram os caminhos que elas deverão seguir. Ou em outros casos, precisam ocupar-se economicamente para garantir o sustento da família. Não há tempo para preencher o vazio deixado pelas fadas, pois há muito a se fazer. Penso que moram aí as origens das patologias do vazio e narcisistas comuns nos dias de hoje. 
A transgeracionalidade é algo que precisa ser igualmente narrado, especialmente quando há fantasmas difíceis de transpor. A história familiar é igualmente constituinte da história pessoal, é importante saber o que se espera de nós, mesmo que seja para ultrapassar ou transgredir as expectativas parentais. A possibilidade de reescrever a própria historia e de proporcionar aos demais fazê-lo é igualmente curativa. Encontrar palavras seja na literatura ou na psicanálise é fazer-se disponível a novos encontros, não deixando espaços não preenchidos sejam ocupados por fantasmas transgeracionais. Nesse sentido Gutfreind diz que a narrativa é a primeira chance de nascer de novo; a literatura, a segunda e a psicanálise, a terceira. 
A literatura e a psicanálise têm muito em comum. Como quando as criança constroem um espaço transicional através do conto, como acontece com os personagens de Peter Pan, ou do adolescente que lê e tem restituído o espaço do desejo e do poder ser em O Apanhador no Campo de Centeio. A literatura, quando respeita a inteligência do leitor, não traz respostas prontas, como o bom psicanalista. Também a linguagem é fator preponderante nessa relação, enquanto o analista investiga a linguagem do inconsciente, a literatura se comunica com um “idioma” semelhante: atemporal, cheia de caos e idiossincracias próprias de cada período da vida, proporcionando identificação, protegida por uma película (a metáfora, o não-eu), mas que mesmo assim atinge os conteúdos latentes, representando-os, elaborando-os. 
Referências Bibliográficas
GUTFREIND, Celso. A Infância Através do Espelho. Ed. Artmed, Porto Alegre, 2014.

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