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Apelação Cível n. 2010.041745-7, de Itajaí Relator: Des. Subst. Altamiro de Oliveira APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA QUE NÃO MERECE GUARIDA. CIRCULAÇÃO DE CHEQUE A TERCEIRO. BOA-FÉ QUE SE PRESUME, SALVO PROVA EM CONTRÁRIO. CAUSA DEBENDI. DISCUSSÃO INVIÁVEL. INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS. SUPREMACIA DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. O cheque constitui título de crédito essencialmente autônomo, pois cada obrigação que deriva do título é independente, não podendo uma das partes da cártula invocar, a seu favor, fatos ligados aos obrigados anteriores. Disto exsurgem a abstração cambiária e a inoponibilidade das exceções pessoais; duas ramificações da autonomia que merecem toda atenção, porquanto capazes de solver a quaestio posta em exame. Se a abstração garante que a obrigação cambiária (ordem de pagamento à vista, o cheque) não se vincule e nem dependa da causa que deu origem ao crédito (cada obrigação existe por si); a inoponibilidade das exceções pessoais impede que o devedor ressuscite defeitos jurídicos oriundos da relação primitiva em relação aos terceiros supervenientes, os quais estão imunes às defesas relativas à relação obrigacional originária, ressalvados os casos de má-fé. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.041745-7, da comarca de Itajaí (3ª Vara Cível), em que é apelante Concretil Construções Ltda, e apeladas Santa Rita Comércio e Instalações Ltda. e Construtora LG Ltda.: ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais. RELATÓRIO Concretil Construções Ltda. ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Débito n. 033.06.013661-0 contra Santa Rita Comércio e Instalações Ltda., pelo fato de a demandada ter inscrito o seu nome nos cadastros restritivos de crédito (SERASA) em razão do não pagamento do cheque n. 001041 do Banco Besc. Assevera que na condição de licitante da construção do Centro de Eventos de Florianópolis contratou a empresa JD Engenharia Ltda. para elaborar uma proposta comercial e que, em razão da urgência na confecção das planilhas, o engenheiro desta solicitou-lhe a emissão alguns cheques para a contratação de terceiros. Entretanto, vários destes não entregaram a proposta no prazo determinado pelo Edital da licitação, motivo que levou a autora a sustar os cheques, a pedido da própria empresa JD Engenharia, diante do descumprimento contratual. A par disso tudo, afirma, então, que a cártula não possui exigibilidade. Em decisão liminar, a antecipação dos efeitos da tutela foi deferida para obstar a manutenção do nome da autora nos cadastros de restrição ao créditos (fl. 21). A demandada sobejou citada, apresentou contestação e pedido de denunciação da lide da Construtora LG (fls. 29-49), os quais foram impugnados pela parte autora (fls. 53-61). O Juízo a quo deferiu o pedido de denunciação da lide (fls. 63-65) e a denunciada apresentou contestação (fls. 71-78), a qual sobejou replicada (fls. 82-84). Após o transcurso normal do feito, sobreveio a sentença, que julgou improcedente o pedido exordial (fls. 128-135). Inconformada, a autora insurgiu-se contra o decisum, sob a justificativa de que a sentença deve ser reformada, pois o caso em exame permite a discussão da causa debendi e durante a instrução processual veio à baila que a empresa litisdenunciada (Construtora LG Ltda.) descumpriu a relação negocial tida com a autora, o que justifica a sustação do cheque que originou a negativação de seu nome, bem como a inexigibilidade do débito por ele representado (fls. 139-143). Ascenderam os autos com contrarrazões de estilo (fls. 148-152 e 153-159). VOTO Em abreviada síntese, a autora objetiva reformar o decisum, sob a alegação de que a dívida (que negativou o seu nome) é inexigível, pois o cheque – que a representa – foi sustado em virtude do descumprimento da obrigação assumida pela Construtora Lg Ltda. Ab initio, urge destacar que a empresa Santa Rita Comércio e Instalações Ltda. inscreveu o nome da apelante nos cadastros restritivos de crédito em virtude do não pagamento do cheque n. 001041, do Banco Besc (fl. 17 e 47), ao passo que a referida cártula foi emitida, de forma nominal, à Construtora LG. A par dessa observação, impende destacar que a teor do art. 13 da Lei do Cheque, "as obrigações contraídas no cheque são autônomas e independentes", Gabinete Des. Subst. Altamiro de Oliveira ou seja, não se vinculam ao negócio que possivelmente originou sua emissão. Isso quer dizer que o cheque constitui título de crédito essencialmente autônomo, de forma que cada obrigação que deriva do título é independente, e não pode uma das partes da cártula invocar, a seu favor, fatos ligados aos obrigados anteriores. Disto exsurgem a abstração cambiária e a inoponibilidade das exceções pessoais; duas ramificações da autonomia que merecem toda atenção, porquanto capazes de solver a quaestio posta em exame. Se a abstração garante que a obrigação cambiária (ordem de pagamento à vista, o cheque) não se vincule nem dependa da causa que deu origem ao crédito (cada obrigação existe por si), a inoponibilidade das exceções pessoais impede que o devedor ressuscite defeitos jurídicos oriundos da relação primitiva em relação aos terceiros supervenientes, os quais estão imunes às defesas relativas à relação obrigacional originária, ressalvados os casos de má-fé. Feitas as digressões necessárias e volvendo ao cerne da insurgência, percebe-se, então, que a apelante opõe exceção pessoal para evitar a exigibilidade do cheque n. 001041 que instrue a negativação junto à SERASA. Tal pretensão seria até possível se a cártula não tivesse circulado, ou se repassada para terceiro de má-fé. In casu, no entanto, a apelante não trouxe à tona a possibilidade de a apelada ter adquirido o título ciente da exceção pessoal levantada em torno da Construtora LG Ltda.; o que sela, portanto, a boa-fé da credora, ora recorrida. Sobre o tema, veja-se o escólio deste Tribunal: Portanto, se em decorrência da circulação do cheque e, mais ainda, do princípio da abstração, torna-se autônomo o direito creditório no mesmo declarado desvinculando-o, por completo, da relação subjacente, descabida se apresenta a oposição, ao terceiro de boa-fé, das exceções pessoais relativas a outros obrigados, anteriores ao portador, ex-vi do art.25 da Lei n. 7.357/1985 (Apelação Cível n. 2007.056801-5, Santo Amaro Imperatriz, rel. Des. Subst. Rodrigo Antônio, j. 12-11-2009). E, mais: APRESENTAÇÃO DO CHEQUE POR TERCEIRO DE BOA-FÉ. INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS AO PORTADOR DE CÁRTULA. DIREITO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO NÃO CONFIGURADO. A exceção pessoal apresentada pelo emitente de cheque sustado é inoponível perante terceiros, sob pena de afronta aos princípios da cartularidade, da autonomia e da abstração dos títulos de crédito, na forma do artigo 25 da Lei nº 7.357/85 (Apelação Cível n. 2007.049935-6, de São Miguel do Oeste, rela. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. 28-4-2009). Nessa senda, a doutrina também explica: Pelo subprincípio da abstração, o título de crédito, quando posto em circulação, se desvincula da relação fundamental que lhe deu origem. Note-se que a abstração tem por pressuposto a circulação do título de crédito. Entre os sujeitos que participaram do negócio originário, o título não se considera desvinculado deste. (...). A abstração, então, somente se verifica se o título circula. Em outros termos, só Gabinete Des. Subst. Altamiro de Oliveira quando é transferido para terceiros de boa-fé, opera-se o desligamento entre o documento cambial e a relação em que teve origem (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial.São Paulo: Saraiva, v. 1. 1998. p. 371) Forte no quanto exposto e levando-se em conta, também, que a recorrente não nega a emissão do cheque nem questiona a autenticidade da assinatura, o título – que originou a negativação de fl. 17 – é exigível. Portanto, é imperativo manter hígida a sentença prolatada na origem. DECISÃO Ante o exposto, conhece-se do recurso e nega-lhe-se provimento. O julgamento, realizado no dia 31 de maio de 2011, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Lédio Rosa de Andrade, com voto, e dele participou o Exmo Sr. Des. José Carlos Carstens Köhler. Florianópolis, 31 de maio de 2011. Altamiro de Oliveira RELATOR Gabinete Des. Subst. Altamiro de Oliveira