Buscar

A Recepção Crítica do conto Fatalidade de João Guimarães Rosa

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

A RECEPÇÃO CRÍTICA NO CONTO “FATALIDADE” DE JOÃO GUIMARÃES ROSA
	
Amanda Fôro da Silva(Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará)
Orientador (a): Suellen Cordovil da Silva (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará)
RESUMO: Nesse artigo iremos analisar o conto “Fatalidade” do livro, “Primeiras Estórias”, publicado pela editora José Olympio no ano de 1962 de João Guimarães Rosa (1908-1967), cujo enredo se passa na vida caipira, e a temática é a tragédia como o título do conto já nos diz. Essa análise baseia-se nos autores Regina Zilberman (1989) e Hans Robert Jauss (1994) e suas respectivas teorias sobre a história da literatura e a recepção crítica literária. Com o objetivo de realizar uma leitura mais aprofundada das características abordadas na vida no sertão, como sabemos a valorização do mundo sertanejo é ponto forte nas obras roseanas, mais especificamente a violência no sertão.A justiça é realizada sem nenhum pudor pelos personagens, e até que ponto pode-se considerar justo o ápice ou a fatalidade em questão no conto. Visando a inserção do leitor não apenas como passivo, mas como ativo na leitura, na compreensão e na recepção do conto com base nos autores já citados, assim tornando o leitor o principal elo do processo literário.
PALAVRAS-CHAVE: Guimarães Rosa, “Fatalidade”, “Primeiras Estórias”, Recepção Crítica. 
Introdução 
Esse artigo explanará a literatura comparada do conto roseano “Fatalidade” de Guimarães Rosa, tendo como fundamentação teórica as teses de Jauss, que nos traz contribuições para uma melhor interpretação da obra, além disso, leva à uma visão crítica da vida no campo e a violência do sertão. Com isso observa-se, a experiência estética do enredo com o objetivo de gerar uma crítica contundente. 	
Uma breve fundamentação teórica
Após Hans Robert Jauss (1921-1997) ter manifestado a recepção crítica no ano de 1967, hoje a literatura tem uma nova apresentação, nesse ano os estudantes da Universidade de Constança estavam cheios de correntes filosóficas massacrantes e sem colaboração, do principal motivo de publicações de livros, o leitor. Iremos tratar de quatro das sete teses que Hans RobertJauss apresenta a cerca da estética da recepção, segundo a interpretação de Regina Zilberman que aborda as teses de Jauss.
A estética da recepção que será analisada nesse trabalho é onde Jauss ancora-se com as suas principais teses que fluem na ciência da literatura. Ele questionava na sua obra A história da literatura como provocação à teoria literária (1994) que “o historiador limitava-se à apresentação de um passado acabado, deixando ao crítico competente o juízo a cerca da literatura”, querendo assim dizer que o leitor era um “personagem passivo” na discussão, pois dessa forma a leitura era exclusivamente como entretenimento sem analisa-la e criticá-la.
Como já introduzido Jauss foi o grande mediador da estética da recepção na literatura, conforme o que está na sua obra “A história da literatura como provocação à teoria literária¹” tradução do ano de 1994.[0: Literaturgeschichte als Provokation der Literaturwissenchaft, Universitätsverlag Kontstanz GmBH, Konstanz, 1967. (título original).]
A qualidade e a categoria de uma obra literária não resultam nem das condições históricas ou bibliográficas do seu nascimento, nem tão-somente de seu posicionamento no contexto sucessório do desenvolvimento de um gênero, mas sim do critério da recepção, do efeito produzido pela obra e de sua fama junto à posterioridade, critérios esses mais difíceis de apreensão. (p 7-8).
O autor criticava neste trecho que a obra publicada pode independentemente dos anos seguintes ser atualizada por uma leitura crítica, ou seja, uma interpretação.Havia nessa época um dilema entre a conclusão e o avanço da história. Era como se o autor não reconhecesse a obra e o leitor ao longo do tempo, não importando o curso da história que o texto poderia chegar.
Regina Zilberman em seu livro “A estética da recepção e a história da literatura” ano 1989, Editora Ática cita a sociologia da leitura, onde os teóricos da sociologia³ mostram que suas pesquisas levam a compreender o fato literário no cotidiano de sua existência, por circulação da obra e o leitor desempenha um papel crucial participando por direito no campo intelectual com seu conjunto de ideias. A sociologia da literatura está fortemente ligada a esse pensamento, quando L.L Schücking, em 1923, no livro que traduzido é “A sociologia da formação do gosto literário”diz que seu objetivo é estudar o público como fator do processo literário, já que as mudanças interferem diretamente na fama, na apreciação e na produção dos criadores. [1: Esse embasamento está conduzido aos autores que estão ligados a investigação da história da literatura que entre outros estão, L.L Schücking e R. Escarpit.][2: Die Soziologie der LiterarischenGeschmackbildung (título original).]
Vale ressaltar também que conforme o estruturalismo tcheco fundado em 1926, dizia que um bom produto artístico, visa motivar um impacto no destinatário, e somente quando há esse choque entre o sujeito da recepção e o objeto, se nota valor no que foi escrito. Hans Jauss (1994) não foi apenas o expositor dessas palavras, ele estava envolvido na condição de professor lamentando que o ensino da história da literatura estivesse com um descrédito alarmante. 
A estética da recepção tem como pressuposto de que a vida histórica de uma obra literária não pode ser formada sem a participação ativa de seu destinatário. Com isso,Jauss passa a enumerar sete teses, ou princípios teóricos que servem como base no objetivo que ele quis alcançar, aqui nesse trabalho iremos nos centrar nas três últimas teses que conforme Jauss (1994) essa teses, tem um ‘caráter diacrônico, sincrônico e o relacionamento entre a literatura e a vida prática, respectivamente’(p. 37).
A quinta tese explica que “para situar uma obra na “sucessão histórica”, é preciso levar em conta a experiência literária que propiciou”. Então, dependendo da relação com o presente do leitor em relação à obra, ela não perde seu valor com o passar do tempo, podendo aumentar ou diminuir do seu valor de acordo com a revisão das épocas.
 Já a sexta tese corresponde ao “estabelecimento do sistema de relações próprio à literatura de um dado momento histórico e à articulação entre as fases” (p. 38). A sincronia, no entender de Jauss (1994), é fator importante para a compreensão de um aspecto específico da historiografia da literatura, pois, ao se comparar obras de um mesmo período histórico, demonstra-se a “evolução literária” que prioriza um gênero em relação a outros contemporâneos.[3: COSTA,Márcia HávilaMoccida Silva. Estética da Recepção e Teoria do Efeito. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá – UEM.]
Na última tese Jauss (1994) vem examinar a relação da literatura e sociedade, afirmando que a literatura pode levar o leitor a uma nova percepção do universo. Podendo até estimular à percepção crítica da literatura baseado à vida cotidiana do leitor.Por fim, fica claro que Jauss “sugere que o foco deve cair sobre o leitor ou a recepção, e não exclusivamente sobre o autor e sua produção”. (p. 49)
A relação entre literatura e leitor pode atualizar-se tanto na esfera sensorial, como pressão para a percepção estética, quanto também na esfera ética, como desafio à reflexão moral.[..] A nova obra literária é recebida e julgada [...] com o pano de fundo da experiência cotidiana de vida.( JAUSS, 1994, p. 53)
	Sobre João Guimarães Rosa
Guimarães Rosa, contista, novelista, romancista e diplomata, nasceu em Cordisburgo, MG, em 27 de junho de 1908, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 19 de novembro de 1967. Em 1930, formou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Tornou-se capitão médico, por concurso, da Força Pública do Estado de Minas Gerais. Sua estréia literária deu-se, em 1929, com a publicação, na revista O Cruzeiro, do conto "O mistério de Highmore Hall", que não
faz parte de nenhum de seus livros. Em 1936, a coletânea de versos Magma, obra inédita, recebe o Prêmio Academia Brasileira de Letras, com elogios do poeta Guilherme de Almeida.
A publicação do livro de contos Sagarana, em 1946, garantiu-lhe um privilegiado lugar de destaque no panorama da literatura brasileira, pela linguagem inovadora, pela singular estrutura narrativa e a riqueza de simbologia dos seus contos. Com ele, o regionalismo estava novamente em pauta, mas com um novo significado e assumindo a característica de experiência estética universal.
Em 1952, Guimarães Rosa fez uma longa excursão a Mato Grosso e escreveu o conto "Com o vaqueiro Mariano", que integra, hoje, o livro póstumo Estas estórias (1969), sob o título "Entremeio: Com o vaqueiro Mariano". A importância capital dessa excursão foi colocar o Autor em contato com os cenários, os personagens e as histórias que ele iria recriar em Grande sertão: Veredas. É o único romance escrito por Guimarães Rosa e um dos mais importantes textos da literatura brasileira. Publicado em 1956, mesmo ano da publicação do ciclo novelesco Corpo de baile, Grande sertão: Veredas já foi traduzido para muitas línguas. 
Por ser uma narrativa onde a experiência de vida e a experiência de texto se fundem numa obra fascinante, sua leitura e interpretação constituem um constante desafio para os leitores. Nessas duas obras, e nas subsequentes, Guimarães Rosa fez uso do material de origem regional para uma interpretação mítica da realidade, através de símbolos e mitos de validade universal, a experiência humana meditada e recriada mediante uma revolução formal e estilística. 
Além do prêmio da Academia Brasileira de Letras conferido a Magma, Guimarães Rosa recebeu o Prêmio Filipe d'Oliveira pelo livro Sagarana (1946); Grande sertão: Veredas recebeu o Prêmio Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro, o Prêmio Carmen Dolores Barbosa (1956) e o Prêmio Paula Brito (1957); Primeiras estórias recebeu o Prêmio do PEN Clube do Brasil (1963). João Guimarães Rosa faleceu em 19 de novembro de 1967.
Análise do enredo
O conto da obra Primeiras Estórias (1962), como já abordado na biografia do autor é cheia de regionalismo assim como as diversas outras, nosso conto especificamente se dá no sistema jagunço, que de acordo com Willi Bolle “O sistema jagunço vem a ser uma metáfora para demonstrar o complexo de violência, falta de justiça e diálogo social” cujo personagem está diretamente ligado ao universo da violência e verifica-se no conto Fatalidade (1962) o qual nos apresenta um típico vilarejo cujo é demarcado pela justiça realizada pelos próprios personagens na narrativa. Essa é uma característica da vida dos personagens rosianos em grande evidência que vivem no sertão.[4: BOLLE,Willi revista do ieb n 44 p. 141-158 fev 2007,141O Brasil jagunço: retórica e poética. professor no Departamento de Letras Modernas da FFLCH-USP.]
 Narrado em primeira pessoa, o enredo se passa na cidade de Pai-do-Padre, onde Zé Centeralfe foi reclamar para o personagem apenas conhecido do narrador como Meu Amigo, delegado filósofo, de um homem nomeado como Herculinão Socó o qual estava cortejando sua esposa.
[...] Mas, de mandado do mal, se deu que foi infernar lá um desordeiro, víndiço, se engraçou desbrioso com a mulher, olhou para ela com olho quente... [...] A mulher não tinha mais como botar os pés fora da porta, que o homem surgia para desusar os olhos nela. (FATALIDADE, 1969, p.102)
Não aguentando mais a audácia de Herculinão, Zé Centeralfe muda-se com sua esposa para Amparo, a fim de obter paz e harmonia em sua casa. No entanto, o homem aparece na cidade recém-mudada para cortejar a esposa do homenzinho. Sendo assim, Zé Centeralfe foi atrás de Meu Amigo para expor a sua situação novamente, para obter a justiça dos homens, mas é induzido a outro tipo de moral, a justiça realizada pelo imediatismo das ações do personagem, dessa forma o sistema jagunço que basicamente serve para solucionar problemas sociaisse concretiza nas obras roseanas.
[...] Meu amigo fez uma coisa. Virou, por metade, o rosto, para encarar aquela carabina. [...] Só. Sem voz. Mais nela afirmando a vista, enquanto umas quantas vezes rabeava com os olhos, na direção do homenzinho; em ato, chamando-o a que também a olhasse, como que a o puxar à lição. Sem tanto, que deu: - "E eu o que faço?" – na direta perguntação. Surdeava o meu amigo, pato-mudo. Soprou nos dedos. [...]. (FATALIDADE, 1969, p.104)
Após isso Zé Centeralfe logo lhe percebeu da maléfica ideia, sem hesitar foram até o encontro de Herculinão. Quando Herculinão vinha fatalmente, lhe foram disparados os tiros que o atingiu um na cabeça e outro no peito, onde caiu moribundo ao chão. 
 [...] O Centeralfe se explicou: - “Este iscariotes... Meu amigo, não. Disse um “Oh” polissilábico, sem despesas de emoção. Disse: - “Tudo não é escrito e previsto? Hoje, o deste homem. “Os gregos...” Disse:- “Mas... a necessidade tem mãos de bronze”... “Disse: -” Resistência à prisão, constatada. (FATALIDADE, 1969, p. 105)
Guimarães Rosa nesse conto desenhou o quadro de uma sociedade no sertão, que até hoje é possível ver no nosso país. No sistema jagunço é nítido ver como meio eficiente para solucionar conflitos sociais, como se pode notar ao fim do enredo, o personagem convida seu amigo e cúmplice para o almoço como se fosse algo natural, expressando o ponto de vista de um dono do poder, como ele mesmo justificou o ato como “resistência à prisão”.
Agora, questionamos até que ponto Herculinão foi atrás da esposa de Zé Centeralfe? Será que ela evitou os cortejos do homem? Outra questão será que esposa queria ser cortejada e quando o marido percebeu resolveu a sua maneira? Herculinão merecia morrer por esse motivo? Ricardo Piglia, em seu livro Formas Breves (2004) diz que em um conto sempre há duas histórias, a suposição que causamos aqui é que a mulher poderia ter aceitado esses cortejos, originando assim uma nova versão para a interpretação desse conto, ou também dizer que aquilo foi apenas o ciúme do homem que o levou a ir atrás da “tal lei” para resolver seu problema. O próprio Piglia conclui “O conto é construído para revelar artificialmente algo que estava oculto. Reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta.” (p.94).
Portanto, cada vez em que lemos o conto, podemos achar mais detalhes do que no que fica aparente na primeira leitura, isso que o autor busca ao construir um conto, podemos de diversas formas, estabelecer várias interpretações, toda vez revelando uma verdade secreta, para que a obra pareça verossímil.
Referências
BOLLE, Willi. O Brasil jagunço: retórica e poética.Revista do IEB n 44 p. 141-158. FFLCH-US, 2007.
COSTA, Márcia Hávila Mocci da Silva. Estética da Recepção e Teoria do Efeito. Disponível em: <http://abiliopacheco.files.wordpress.com/2011/11/est_recep_teoria_efeito.pdf>. Acesso em set. 2015.
 JAUSS,Hans Robert.A história da literatura como provocação à teoria literária, Editora Ática, São Paulo, 1994.
http://www.academia.org.br/academicos/joao-guimaraes-rosa/biografia, visitado em 17 de fevereiro de 2016,
Piglia, Ricardo Formas breves / Ricardo Piglia; tradução José Marcos Mariani de Macedo. Companhia das Letras, São Paulo, 2004.
ROSA, João Guimarães.PrimeirasEstórias”.Editora José Olympio. Rio de Janeiro.1962.
ZILBERMAN, R. A Estética da recepção e a história da literatura,Editora Ática São Paulo,1989.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando