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1 AS TRÊS ONDAS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: AGENTES ECONÔMICOS, ESTRUTURA DE MERCADO E PADRÃO TECNOLÓGICO Zionan Euvecio Lins Rolim O objetivo principal deste artigo é analisar as principais fases da Revolução Industrial e relacionar estas fases ao processo de industrialização ocorrido no Brasil. Para que isto seja possível, examinaremos os processos de industrialização ocorridos em muitos dos países que se tornaram economias industrializadas e salientaremos o papel representado pelos agentes econômicos, estrutura de mercado e padrão tecnológico, e isto nos dará o critério para que possamos dividir o processo de Revolução Industrial em três fases ou ondas. Além desta introdução, o artigo é composto de três seções. Na primeira seção apresentamos as principais características da primeira onda da Revolução Industrial, procedendo-se a uma discussão dos conceitos de preparação ou acumulação primitiva de capital e revolução industrial. Na segunda seção, discutiremos o caso dos países que chegaram tarde ao processo e apresentaram atraso econômico - a industrialização tardia ou segunda onda da Revolução Industrial. Na terceira seção sugerimos o conceito de terceira onda da Revolução Industrial para a explicação dos processos de industrialização ocorridos depois da I Guerra Mundial. Nos casos de segunda e terceira onda o conceito de industrialização está diretamente ligado aos conceitos de “big industrial spurt” e “take-off”. 1. A “PRIMEIRA ONDA” DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A Revolução Industrial pode ser definida como o processo de mudança nos meios de produção e tecnologia produzidos pelo surgimento do sistema fabril. Este processo é normalmente associado a mudanças na estrutura de classe, taxas de crescimento e padrões de vida. (Hobsbawn, 1969; Deane, 1978) O estabelecimento do sistema fabril foi o passo mais avançado de um longo processo que teve início no fim da Idade Média com o desenvolvimento do comércio e das cidades. Este movimento conduziu a reforma da agricultura em algumas áreas, o que provocou transformações 2 na estrutura política e social. Este processo foi desigual no tempo e espaço, e as suas condições particulares variavam de país para país. As características do processo de transição do feudalismo para o capitalismo são parte de um importante debate. Dobb (1963) afirmou que as causas que puseram em marcha o processo de transição podem ser encontrados dentro da própria economia feudal, onde ele aponta as crescentes necessidades da classe dominante que fez com que se aumentasse a pressão sobre os servos até o ponto em que aquela se tornou insuportável. Por outro lado, Sweezy, ao criticar as ideias de Dobb, sugeriu que o sistema feudal era estável ou estático e por isto era um sistema onde os métodos e as relações de produção tendiam a se reproduzir, dado que era um sistema de produção para o uso, não havendo pressão para o aperfeiçoamento contínuo nos métodos de produção do tipo em que existe no sistema capitalista. Sweezy conclui que o feudalismo desintegrou-se através do impacto do comércio de longa distância, o que deu início a um processo de produção para troca lado a lado do sistema feudal de produção para o uso (Sweezy, 1976, p.35). A Revolução Industrial teve início na Grã-Bretanha na segunda metade do século XVIII. O processo de estabelecimento e consolidação da indústria britânica durou cinquenta anos aproximadamente - 1780 até 1830. Durante este período, a economia britânica sofreu uma transformação completa na sua estrutura produtiva. O que era antes uma sociedade agrícola e pré-industrial, transformou-se em uma economia industrial (Deane, 1978). Neste ponto, a questão que surge é por que a Grã-Bretanha se tornou a primeira nação industrializada, ou em outras palavras, quais seriam os pré-requisitos e porque eles apareceram naquele país. Primeiro, foi devido ao fato de que a Grã-Bretanha pertencia a Europa, um continente que mostrava sinais de mudança desde o fim da Idade Média. Segundo, a resposta pode ser encontrada nas transformações sofridas pela economia britânica desde o século XVI. O crescimento das cidades e do comércio trouxe em consequência o uso do dinheiro, e estabelecimento de mercados e a criação de relações comerciais em escala mundial. Até o fim do século XVI foi o sul da Europa que mais se beneficiou com este processo de mudança. Contudo, depois da longa depressão do século XVI o locus deste processo mudo para algumas áreas do norte da Europa (os Países Baixos, França e Grã-Bretanha). Antes que o sistema fabril surgisse na segunda metade do século XVIII, dois fatores importantes ajudaram a preparar o caminho para a industrialização. Primeiro, a transformação no sistema agrário como um resultado da expansão do mercado que estava pondo pressão na terra 3 cultivada. Isto, por sua vez, teve duas consequências importantes: a) a terra se tornou uma mercadoria; b) a desagregação das relações feudais ciou uma população sem terras, que para sobreviver teria agora que vender a sua força de trabalho no mercado. Segundo, com a expansão do comércio e abertura de novas rotas, ficou difícil continuar com o artesanato. Esta forma de produção deu lugar ao sistema “putting out”. Neste sistema os trabalhadores possuíam o capital fixo e trabalhavam nas suas casas, e o capital circulante era providenciado pelos comerciantes (Deane, 1978, p. 173). A Grã-Bretanha foi o país que mais se beneficiou com este processo de mudanças, e por conseguinte a Revolução Industrial foi precedida de dois séculos de desenvolvimento, o qual preparou o país para as transformações subsequentes. Neste ponto, devemos também mencionar o sucesso deste país nas guerras coloniais contra os seus principais competidores: França e Países Baixos. O ambiente de riqueza e confiança no negócios levaram ao desenvolvimento de algumas inovações tecnológicas com o intuito de ajustar a produção à demanda crescente. Estas inovações tiveram efeito imediato sobre a indústria têxtil (Deane, 1979; Hobsbawn, 1969). Houve uma queda nos custos como resultado destas inovações, e isto fez com que a indústria têxtil se tornasse a mais importante do país no espaço de uma geração. Transformações importantes também ocorreram na indústria de ferro. O processo de Revolução Industrial que ocorreu na Grã-Bretanha, sendo o resultado de um longo processo de preparação, não necessitou da assistência do Estado. O principal agente econômico deste processo foi o empresariado privado nacional que no longo processo de preparação acumulou capital necessário para seus investimento – daí não sendo necessário recorrer aos bancos para financiamento de longo prazo. Isto em parte é explicado dado que o tamanho da firma era pequena, a estrutura de mercado era predominantemente competitiva e as firmas tinham acesso a mesma tecnologia. Este tipo de industrialização foi seguido pela França, Bélgica e Suíça. No debate sobre o processo de Revolução Industrial na Europa Continental, muito autores tendem a classificar todos aqueles países como tardios. Nós preferimos aplicar o conceito de país tardio para se referir aqueles países que não só chegaram mais tarde ao processo como também apresentavam atraso econômico no início de seus processos de industrialização, como foi o caso da Alemanha, Itália, Rússia e Japão. Todavia, em outros países europeus como a França, Suíça e Bélgica houve processo de preparação (ou acumulação primitiva de capital, ou de 4 estabelecimento dos pré-requisitos). Daí que não aceitamos a classificação destespaíses como tardios, desde que eles chegaram mais tarde mas não chegaram atrasados. Nestes países, o tipo de empresa, a escala de produção, o tamanho do investimento inicial, as fontes de financiamento e padrão tecnológico estava mais próximo do modelo britânico do que do modelo iniciado mais tarde pela Alemanha, Itália e Rússia. A “SEGUNDA ONDA” DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Nesta seção discutiremos o processo de Revolução Industrial naqueles países que não criaram os pré-requisitos, nem se prepararam através de um longo processo. O que vai definir estes processos de industrialização como segunda onda é o fato de que apesar de estarem despreparados, algumas circunstâncias vão cria as condições para que a indústria se estabeleça nestes países, e ao mesmo tempo, agentes e instrumentos que antes não tinham sido utilizados serão adotados para fazer face ao atraso econômico. Neste ponto é importante conceituar países atrasados (backward country). Gerschenkron nos deu uma clara definição quando afirmou que: “A situação típica existente em um país atrasado antes que um processo de industrialização se inicie pode ser descrita como aquela caracterizada pela tensão entre o estado real das atividades econômicas no país e os obstáculos existentes ao desenvolvimento industrial...” (Gerschenkron, 1966, p. 8). Assim que quando falamos de país atrasado (backward) nos referimos aos países que atingiram um estágio em que a industrialização aparece como uma opção concreta, tal como foi o caso da Alemanha e Itália nos anos anteriores a suas unificações políticas, ou mesmo a Rússia antes da Grande Reforma. A ideia de “backwardness” implica numa comparação entre os países que já se industrializaram e aqueles onde existiam possibilidades concretas de se vencer o atraso econômico. Como nós vamos ver ao longo desta seção o papel do Estado vai ser de fundamental importância para se modificar as condições econômicas, remover os obstáculos ao desenvolvimento industrial e criar ambiente de confiança para os negócios. 5 A Alemanha foi o primeiro país tardio a se tornar industrializado, e assim, começando a segunda onda da Revolução Industrial. No tempo da Revolução Francesa, a Alemanha, ou o Sagrado Império Romano-Germânico, era ainda dividido em 314 territórios independentes, e sendo basicamente uma economia agrária com 80 por cento de sua população empregada na agricultura. Mas mesmo assim, algumas novas ideias e técnicas pedidas emprestado a Grã-Bretanha e vizinhos ocidentais tinham aos poucos penetrado esta região. Esta velha estrutura política veio cair quando a França invadiu a Alemanha, e grande parte dos territórios ocidentais foram incorporados àquela. Esta região, submetida ao domínio francês, foi tocada pelos ideais democráticos liberais revolucionários e napoleônicos. No séculos XVIII um estado localizado na área oriental – a Prússia – se tornou poderoso e começou impor hegemonia sobre os estados vizinhos, e mesmo até anexando áreas não-alemães. Apesar disto, a Prússia também caiu diante do poder dos exércitos franceses depois da derrota de Jena em 1806. A Alemanha era então uma economia agrária e sem unidade territorial, e ainda mantendo relações feudais de produção. Por conseguinte, não havia um ambiente condizente com expansão industrial. Uma superestrutura política moderna teria que ser criada para que aquele ambiente pudesse florescer. Foi exatamente dentro das fronteiras de um de seus maiores estados – a Prússia – que o processo de mudança começou a mostrar os seus primeiros sinais. O Estado da Prússia, ou a sua classe dominante, levou adiante uma série de reformas “de cima” para estabelecer instituições políticas mais modernas e criar o necessário ambiente condizente com a expansão capitalista industrial. Estas reformas são conhecidas hoje como via prussiana para o capitalismo (Lenin, 1972). As reformas na Alemanha começaram na Prússia logo depois da derrota de Jena. O Governo começou a implementas um programa de reforma agrária que se estendeu por um período de 50 anos aproximadamente, e que não pode ser separado do caráter autoritário do processo de integração da Prússia a União Alemã (Zoliverein) em 1834. Depois do Congresso de Viena em 1815, a Confederação Alemã foi estabelecida sob a liderança da Áustria, um outro importante estado alemão. Nesta mesma época a Prússia começou a campanha para a sua dominação sobre a Confederação. Alguns fatores vieram a favorecer a ambição da Prússia, entre os quais podemos salientar o fato da prévia extensão do seu território que lhe deu o controle das mais importantes minas de carvão alemães e industrias importantes na Rhineland e Westphalia. Além disto, a Prússia controlava as mais importantes rotas comerciais. (Henderson, 1967, p. 15). 6 Em 1834, a Prússia conseguiu com sucesso estabelecer a Zoliverein, a qual representou a unificação dos estados alemães através de uma união aduaneira, e ao mesmo tempo, conseguiu excluir a Áustria desta união. Primeiro, por causa das obrigações Austro-húngaro para com áreas não- alemães, e segundo, através do poder dos exércitos prussianos na Guerra das Seis Semanas. Este eventos ajudaram a formação da Federação da Alemanha do Norte em 1867, e finalmente a Fundação do Império Alemão 1871, depois da derrota da França na Guerra Franco-Prussiana. A liderança da Prússia no processo de unificação da Alemanha, resultou na imposição das instituições políticas prussianas sobre o conjunto da nova nação unificada. Assim, o caráter autoritário e militarístico das instituições políticas prussianas prevaleceram sobre o resto dos estados alemães. A reforma agrária prussiana tinha sido implementada “de cima”. A classe dominante, os latifundiários “junkers”, sentindo que era necessário modernizar o país e, ao mesmo tempo, manter o controle sobre o processo de mudança implementaram esta reforma “de cima”. Na Alemanha, e especialmente na Prússia, os comerciantes e industrialistas não tinham consolidado posições durante os séculos de expansão mercantilista, assim, foi necessário a classe proprietária de terra reformar ela própria com medo de que estas transformações fossem feitas por forças políticas fora de seu controle. O junkers destruíram a estrutura feudal para com isto poder criar um ambiente onde as atividades industrias e capitalistas pudessem florescer. Todavia, os industrialistas e comerciantes representaram um papel secundário no estabelecimento do estado unificado, e em vista de duas fraquezas ele não puderam impor suas demandas por um estado democrático (Kemp, 1979, p.99). Até a criação da União Aduaneira em 1834, o desenvolvimento industrial da Alemanha tinha sido bastante modesto. Nesta década a Alemanha foi favorecida pelo “boom” das ferrovias que começou na Grã- Bretanha e se espalhou pelo continente. Em 1850 o norte, o sul, o leste e o oeste já estava ligados. Nesta mesma época o país começou a desenvolver motores ferroviários, o que mostra a importância do setor de bens de capital na fase inicial do processo de industrialização. Tentando acompanhar os passos dos países já industrializados, o governo prussiano interviu massivamente em alguns setores como o de ferrovias e mineração. Mais tarde, o próprio governo alemão começou a nacionalizar empresas, ferrovias, minas, dar assistência a bancos e empresas. Depois da unificação de 1871, acelerou-se o processo de industrialização. Este processo de implantação da grande indústria 7 exigiu a introdução de novos métodos de organização industrial, dado a rapidez do processo. A partir daí, dar-se-áuma tendência a concentração industrial, onde a fundação do Rheinish-Westphalian Coal Syndicate em 1893 aparece apenas como um exemplo (Borchart, 1978). Este tipo de industrialização definida como “big industrial spurt” foi o estabelecimento de uma estrutura industrial completa no espaço de duas ou três décadas (Gerschenkron, 1966), e apresentou muitas diferenças quando comparado com o modelo de industrialização dos países da primeira onda da Revolução Industrial. No modelo alemão o setor de bens de capital foi o líder no processo, e cresceu mais depressa que o setor de bens de consumo. O tamanho da planta e do investimento inicial das industrias de bens de capital era relativamente grande, mas ao mesmo tempo isto se fazia necessário se caso a Alemanha quisesse competir com os seus rivais já industrializados. Por outro lado, a escolha por indústrias de tecnologias sofisticadas e plantas maiores eram a opção mais barata para um país em processo de implantação de seu parque industrial do que para um país já industrializado como a Grã-Bretanha vir a substituir velhos por novos métodos de produção (Gerschenkron, 1966). Todavia, o outro lado da moeda da concentração e da escolha pelo setor de bens de capital se revelou na forma dos bancos de desenvolvimento. O banco de desenvolvimento foi o terceiro agente econômico no processo de industrialização da Alemanha, juntamente com o empresário privado nacional e o Estado. Dado a histórica carência de capital em um país atrasado como a Alemanha eles vieram a preencher esta lacuna. A ideia da criação deste banco surgiu inicialmente na Bélgica e na França (países da primeira onda), mas o tipo de industrialização destes países – baseada na pequena empresa e voltada para a produção têxteis – não permitiu que esta ideia se desenvolvesse. O Societe Generale e o Branque de Belgique foram fundados em 1822 e 1835 respectivamente. A ideia do banco de desenvolvimento ganhou mais suporte na França com a Fundação do Credit Mobilier dos irmãos Pereira em 1852. Porém foi na Alemanha que a ideia conseguiu pleno sucesso. O Darmstadter Bank e o Discontogeselischaft foram fundados em 1853 e 1856 respectivamente. Estes bancos combinavam funções de fornecer créditos de curto prazo, como um banco comercial normal, como as de fornecer créditos de longo prazo para a indústria. Estas instituições chegaram a exercer grande influência sobre as empresas industriais, e o surgimento dos cartéis fez com que esta influência aumentasse ainda mais. Assim no modelo de industrialização da Alemanha os agentes econômicos foram a empresa privada nacional, o Estado e o banco de desenvolvimento. O padrão tecnológico foi baseado na indústria pesada 8 (aço, química, máquinas, etc). Esta indústria teve que depender do mercado interno no período de sua implantação. Contudo, este fato veio a se modificar quando a economia partiu para a maturidade, e a Alemanha se tornou um grande exportador de produtos industriais, e quando soaram os primeiros tiros da I Guerra Mundial, o país já tinha ultrapassado a Grã-Bretanha em produção industrial, porém o preço pago por estas quatro décadas de rápida industrialização veio na forma de ausência de democracia e visíveis sinais de desigualdades regionais. Quando se considera o desenvolvimento alcançado pelo país, constata-se que as províncias localizadas na Prússia Oriental foram deixadas para traz no processo de industrialização, tais como Pomerania, Prússia do Leste, Prússia do Oeste, Silesia e Posen. A Itália é outro exemplo clássico de país tardio. Em 1860 quando o Reino da Itália foi fundado o atraso econômico ainda era muito grande, mas mesmo assim a província do norte, e especialmente Piedmont e Lombardia, estavam seguindo os passos dos vizinhos mais adiantados do norte. Porém depois da unificação, estas províncias tiveram suas sorte ligadas as províncias atrasadas do sul. O período de preparação para a industrialização na Itália está ligada a Revolução Industrial que se iniciou na Gr~-Bretanha, na medida em que a expansão industrial britânica aumentou a demanda por matérias primas no mundo inteiro. Assim, a Itália foi afetada por este desenvolvimento das trocas comerciais, e no caso italiano foi a seda o produto que ajudou a integrar o país neste processo de desenvolvimento capitalista. Latifundiários e banqueiros comerciais mostraram interesse nesta atividade, e mais tarde, o crescimento da produção da seda atraiu capitais e alemães. A produção da seda não era puramente agrícola. Ela ajudou a criação de uma infraestrutura de transporte e comunicações, expandiu o comércio e as cidades, e veio a fornecer capitais para a indústria que viria a nascer (Cafagna, 1978, p. 279). Na esfera política a Itália mostrou algumas semelhanças com a Alemanha. O atraso no processo de unificação e constituição de um estado nacional como também o fracasso da agricultura em se reformar em moldes capitalistas produziu uma superestrutura política muito próxima a “via prussiana”. Em relação aos agentes econômicos se pode afirmar que o “big industrial spurt” italiano de 1896-1913 teve a participação do empresariado nacional, do Estado e do banco de desenvolvimento. Tanto no caso da Alemanha como no caso da Itália houve um equilíbrio na participação destes agentes. No que diz respeito a tecnologia, as características do modelo italiano foi também semelhante a Alemanha. A 9 indústria estava baseada nos novos desenvolvimentos nas áreas de aço e produtos químicos. Entretanto, a indústria têxtil foi mais importante no caso italiano do que no caso alemão. Mesmo assim, um grande progresso foi registrado nas áreas de metalurgia, indústria de máquinas e o nascente ramo de alguns bens duráveis de consumo (automóveis). Apesar de ter tido sucesso na implantação da sua indústria pesada e em obter altas taxas de crescimento, a economia italiana apresentava no fim daquele período de rápida industrialização uma das mais graves disparidades regionais jamais mostradas por qualquer país. Mesmo que esta disparidade regional não foi criada durante o processo de industrialização, ela foi agravada por ele (Clough, 1965; Fua, 1965). O último dos países listado por nós para sintetizar as características da segunda onda da Revolução Industrial é a Rússia. A Rússia exemplifica o caso de país não só tardio (late comer), mas também extremamente atrasado. A Rússia preservou a servidão até 1861, quando a Emancipação (ou Grande Reforma) acionou o processo de implantação de uma estrutura política condizente com a expansão capitalista industrial. As causas da mudança de posição do estado russo podem ser entendidas quando se tem em mente que os governos sempre perseguiram a política imperialista de grande-potência. Sendo assim, a Guerra da Crimeia (1854- 1856) revelou ao mundo o atraso da economia russa em comparação com as economias ocidentais que já estavam caminhando na estrada da industrialização. Até então o poder da Rússia estava baseado em grandes exércitos e extenso território. Estes fatores mostrara-se insuficientes em tempos de revolução tecnológica e nos transportes. No mesmo ano da derrota na Guerra de Crimeia, o Czar Alexander II, falando a uma audiência dos nobres de Moscou, disse: “É melhor destruir a servidão de cima do que esperar até que ela comece a se destruir de baixo” (Kemp, 1979, p. 129) Esta declaração do Czar Alexander II mostra claramente que a Grande Reforma russa foi uma reforma de cima no mesmo modelo de via prussiana para o capitalismo, 1861, o ano em que o Czar Alexander II assinou a lei que emancipou os servos, podeser visto como um divisor de aguas na história econômica da Rússia. Da mesma maneira que no caso da reforma agrária prussiana, o governo russo pretendeu executar uma mudança radical na estrutura do país. A reforma tentou preservar os interesses da classe dominante, na medida em que fazia com que os servos ficassem presos a 10 terra, e com isto atendesse a necessidade da nobreza por mão-de-obra barata. Depois da Grande Reforma, podemos afirmar que dois pré-requisitos tinham sido estabelecidos – a conscientização por parte do Estado e a expansão agrícola e comercial provocada pela Revolução Industrial (este fator se deu da mesma maneira em outros países como a Itália, Suécia, etc). Todavia, em um país extremamente atrasado como a Rússia estes pré- requisitos são insuficientes para a implantação da indústria pesada, na medida em que outros pré-requisitos importantes tais como a acumulação de capital, formação de uma burguesia nacional forte, a transformação paulatina da agricultura, etc. são praticamente inexistentes. Em países atrasados deste tipo será necessário o uso de novos agentes e instrumentos econômicos – os chamados substitutos. Aqui, a intervenção do Estado vai ser de fundamental importância, e por intervenção n´s não queremos dizer apenas proteção tarifária e cambial, mas também o Estado intervindo na construção de ferrovias, explorando minas, providenciando crédito de longo prazo para a indústria, alterando a política monetária e tributária, dando garantia de lucros para as novas indústrias, estabelecendo o sistema de preferências para os produtores nacionais de material ferroviário, etc. (Gerschenkron, 1966, p. 19; Portal, 1966, p. 800-872). É importante mencionar que os setores mais dinâmicos no processo de industrialização russa foram aço e bens de capital, como no caso da Alemanha, e também aqui este tipo de produção industrial estava fortemente associado com a construção ferroviária. Entre 1860 e 1913 o produto industrial da Rússia cresceu a uma taxa de 5% ao ano, chegando a atingir 8% nos anos 1890-1900 – a década em que se deu o “big industrial spurt”. Em 1913 a Rússia dispunha do quinto maior complexo industrial do mundo, depois dos Estados Unidos, Alemanha, Grã-Bretanha e França. Apesar do atraso econômico em que a Rússia iniciou o seu processo de industrialização, pode-se afirmar que este processo se deu no modelo da segunda onda da Revolução Industrial, onde os agentes econômicos foram a empresa privada nacional o Estado e o banco de desenvolvimento. Porém, apesar de ter implantado sua indústria, a Rússia de 1913 permanecia sendo um país predominantemente agrário e pobre quando comparado a outras economias industrializadas. Em 1913, depois de cinco décadas de rápido crescimento e três de industrialização, a população urbana da Rússia representava menos de um quinto do total. A mesma coisa se pode afirmar em relação a força de trabalho industrial dentro da 11 composição setorial do produto – 80% da população ganhavam a vida na agricultura (Grossman, 1976, p. 492-493). 3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEBATE TEÓRICO E SOBRE A “TERCEIRA ONDA” DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Nas seções precedentes deste artigo, nós baseamos nossa metodologia teórica nos conceitos de “big industrial spurt” e “economia atrasada” desenvolvidos por Gerschenkron, e na noção de “estágios” de desenvolvimento industrial desenvolvida por Rostow. Nesta seção vamos mostrar que tipo de uso nós fazemos destes conceitos e quais são as nossas divergências em relação aos dois modelos. A análise de Gerschenkron sobre o processo de desenvolvimento industrial europeu o levou a rejeitar a ideia de que este processo se tinha dado da mesma maneira de país para país. O autor chega a esta conclusão ao comparar o processo de industrialização dos primeiros países a se industrializarem com o cados dos países tardios (backward countries). Nestes países, a industrialização se apresentou como um arranco (spurt), o que quer dizer um aumento considerável e súbito na taxa de crescimento industrial, e isto seria o resultado das condições específicas destes países tardios que fizeram com que houvesse uma pressão por industrialização acelerada. Neste caso, quanto mais atrasado fosse o país no início do seu “spurt” tanto mais rico e complexo seria o quadro da industrialização, uma vez que se supusesse uma dotação adequada de recursos e que os grandes obstáculos à industrialização tivessem sido removidos (abolição de relações sociais de produção pré- capitalistas, etc). No Quadro abaixo, Gerschenkron mostra as diferenças entro os diversos estágios (ondas) de desenvolvimento industrial em relação aos agentes econômicos (ou fontes de capital) (Gerschenkron, 1966, p. 8). Quadro 1 Estágios Área Avançada Área de Atraso Moderado Área de atraso extremo I Fábrica Bancos Estado II Fábrica Bancos III Fábrica Fonte: Gerschenkron, 1966, p. 355 12 Neste Quadro 1 se pode ver que Gerschenkron refuta a ideia de que todos os países teriam que passar pelos mesmos estágios de desenvolvimento industrial, dado o autor que trabalha com a noção de país atrasado, ou país que não se preparou para a industrialização, e portanto teve que recorrer a instrumentos diferentes. No Quadro acima ele estabelece a relação existente entre fontes de capital (agentes econômicos) e os diversos tipos de países. No processo de industrialização da área avançada o principal agente econômico foi a empresa privada nacional, que ele chama aqui de fábrica. Em seguida o autor divide os países atrasados em dois casos: área de atraso moderado e área de atraso extremo. Na área de atraso moderado o capital foi providenciado pelos bancos de desenvolvimento e pelas fábricas, e finalmente, na área de atraso extremo, o capital veio do Estado, bancos de desenvolvimento e das fábricas. Países como a Grã-Bretanha, Alemanha e Rússia exemplificariam estes três casos, respectivamente. A hipótese do autor de que quanto mais atrasado chega o “spurt” tanto maior seria o grau das transformações por ele produzidas não oferece uma explicação satisfatória para os casos dos países onde havia o clima favorável para o estabelecimento da indústria pesada e no entanto o spurt não se deu, como são os casos do Brasil e da Espanha no início do século XX. E não é totalmente certo que se aplique para explicar todos os casos que obtiveram sucesso em implantar a indústria pesada, e um exemplo disto é a Itália, que sendo mais atrasada do que a Alemanha, obteve taxas de crescimento menores do que aquela. Como se pode ver no Quadro anteriormente mostrado, Gerschenkron coloca a Rússia e a Itália como pertencentes a categorias diferentes. Países como Alemanha e Itália pertenciam a “área de atraso moderado” e a Rússia estaria na “área de atraso extremo”. A grande diferença entre elas, segundo o autor, seria o fato de que na área de atraso extremo o papel do Estado foi o instrumento mais importante no processo de industrialização, e no caso da área de atraso moderado este papel foi secundário. Nós preferimos colocar estes três países numa esma categoria, ou seja, como pertencentes a segunda onda da Revolução Industrial, visto que nós acreditamos que os países que implantaram as suas indústrias entre 1860-1914 enfrentaram os mesmos problemas em relação a tecnologia, tamanho da planta, tamanho do investimento inicial, estrutura de mercado, etc. Estes processos de industrialização se deram na mesma época do desenvolvimento e aplicação das tecnologias de aço, produtos químicos, e máquinas; e também quando se deuuma conscientização, por parte do Estado lutar contra os obstáculos ao desenvolvimento industrial e puderam 13 em prática um projeto de “reforma de cima”: finalmente, uma terceira característica que seria uma consequência direta das outras duas, seria que dado a escassez de capital, a escolha tecnológica, e o fato de que o Estado estava intervindo na economia, foi fácil se recorrer a novos métodos de organização industrial. Estes fatores se modificaram após a Primeira Guerra Mundial, na medida em que os métodos de centralização e concentração da produção que foram utilizados pelos países da segunda onda da Revolução Industrial passaram a ser adotados pelos países que tinham se industrializado anteriormente. Ao mesmo tempo se dá um aumento geral no processo de concentração industrial, e este aumento vem capacitar as empresas de por barreiras à entrada, que poderiam ter origem nas economias de escala, diferenciação do produto, custos absolutos e exigências de capital (Bain, 1967, p. 169). Estas mudanças na estrutura de mercado mundial vão tornar o processo de transferência de tecnologia muito mais difícil, especialmente nas áreas de ponta – as áreas que foram a base da industrialização da segunda onda e aquelas mais recentemente desenvolvidas e que só os países que tiveram suas indústrias implantadas até o período 1860-1914 puderem assimilar, como foram os casos dos bens duráveis de consumo. Os países onde existiram condições concretas para se dar um processo de industrialização – países em que alguns dos obstáculos ao desenvolvimento industrial tenham sido já removidos – vão ser afetados por essas mudanças. Estes processos de industrialização, enfrentando novas condições de produção e mercado, constitui a terceira onda da Revolução Industrial. Estes processos de industrialização exigirão novos agentes e instrumentos econômicos visto que agora o país industrializante enfrenta condições diferentes. Tendo isto em mente, reformularemos o Quadro de Gerschenkron e apresentamos o seguinte como alternativa. Ondas Agentes econômicos (fontes de capital) Período I Empresa privada (Grã- Bretanha, França, Bélgica, Suíça, etc) 1770-1860 II Empresa Privada, banco de desenvolvimento e Estado (Alemanha, Itália, Rússia, Japão, etc) 1860-1914 14 III Empresa Privada, banco de desenvolvimento e Estado e empresa multinacional (Brasil, México, Espanha, Coréia do Sul, etc) A partir de 1929 De acordo com a nossa classificação apresentada acima, aqueles seriam os agentes responsáveis pelo “big Industrial spurt” ou “take-off, e este spurt seria basicamente a implantação da indústria pesada. Por razões apresentadas ao longo deste artigo, só tem sentido a aplicação do conceito de “spurt” a países que se industrializaram durante e depois da segunda onda da Revolução Industrial. Entretanto, algumas classificações devem ser feitas. Algumas características do processo de industrialização geralmente aceitas como verdadeiras durante o estabelecimento da indústria pesada tendem a modificar a sua importância a sua importância relativa quando este processo se completa e a economia já marcha para a maturidade. Em relação aos países que se industrializaram durante a segunda onda diversas modificações se fizeram notar. Na Alemanha e na Itália, os bancos se desenvolvimento assumiram um papel crucial no estabelecimento da Indústria, quando estes bancos chegaram a assumir parte do controle acionário de muitas indústrias. Porém, quando a indústria já estava firmemente implantada se notou uma diminuição da importância destes bancos na economia, e as indústrias passaram a caminhar com as suas próprias pernas. A mesma coisa aconteceu em relação a importância do mercado interno para a indústria doméstica. Todas as economias que implantaram as suas indústrias durante a segunda onda tiveram que confiar no mercado interno para a realização da produção, onde o Estado interviu e pôs e prática um sistema eficaz de protecionismo. Mas uma vez implantada, as forças dinâmicas postas em movimento pelo estabelecimento da indústria pesada começou a empurrar as economias em direção a maturidade, e estas economias se tornam grande exportadores industriais e com capacidade de competição no mercado internacional. No que diz respeito a escolha tecnológica adotada também se nota modificações. Um exemplo interessante é o caso da Itália. Este país implantou a sua indústria na era do desenvolvimento da tecnologia do aço, e não desenvolveu tecnologia própria para a fabricação deste produto, a Itália adotou a fornalha Martin. No entanto, quando a economia italiana terminou de implantar os principais setores da indústria, 15 começou a ganhar competitividade no mercado internacional e começou a marchar para a maturidade, foi possível produzir um salto tecnológico, e assim, desenvolver tecnologia nas áreas mais avançadas da indústria no fim de seu período de “spurt”, como foi o caso das máquinas de datilografia, automóveis, pneus, etc. Em relação a terceira onda da Revolução Industrial, acontecimentos similares vem se registrando. Esta “onda” vem englobar os países que tiveram a sua oportunidade perdida durante a segunda onda como foi o caso do Brasil, ou mesmo países que perderam a oportunidade de se industrializarem durante a primeira e segunda, como foi o caso da Espanha (Nadal, 1979, p. 532-626). A estes casos mais notórios, podemos acrescentar a Coréia do Sul, México, Argentina, Formosa, etc. Todos os países acima referidos tiveram suas indústrias pesadas implantadas quando a estrutura oligopolista já era hegemônica no capitalismo mundial, e portanto as firmas tinham agora poder de impor barreiras à estrada, o que tornava muito mais difícil o processo de transferência de tecnologia e rápida absorção pela economia nacional, como tinha sido os casos da Rússia e da Itália – países que não desenvolveram tecnologia própria nos ramos mais dinâmicos da indústria, mas mesmo assim ainda havia condições para o Estado patrocinar a importação destas tecnologias. Depois da Guerra de 1914-18, e especialmente depois da crise de 1929 e II Guerra Mundial o poder das barreiras e controle tecnológico vem aumentar sensivelmente. Isto não quer dizer que a industrialização vai ser impossível desta data em diante, mas sim que as condições que tornaram possível os processos de industrialização que ocorreram durante a segunda onda não mais existirão, e daí ser necessário recorrer a novos agentes e instrumentos. O Brasil aparece como um exemplo de país que perdeu a oportunidade de implantar sua indústria pesada durante a segunda onda, se bem que as primeiras transformações (ou preparação para a industrialização) começaram a se dar bem antes disso. É bastante conhecido o fato de que o esgotamento das minas de ouro um período de decadência se abateu sobre a economia colonial brasileira, e o fato que veio a modificar este estado de coisas foi a chegada da família real portuguesa e a elevação da colônia ao status de Reino Unido. O surto de progresso provocado pela administração de D. João VI unido ao sentimento anti-colonialista que já tinha então raízes centenárias na Colônia ajudaram a precipitar os acontecimentos de 7 de Setembro de 1822. O país tinha conquistado sua independência política Todavia, o quid pro quo pelo reconhecimento desta independência foi a assinatura de acordos comerciais com a Grã-Bretanha, 16 que favoreciam mais a esta do que ao Brasil. Estes acordos só vem a terminar em 1844, e não mais são renovados (Manchester, 1973; Simonsen,1939). Desta data em diante, o país era livre para estabelecer suas tarifas em função das necessidades de sua economia. No plano econômico um novo produto – o café – vem integrar o país nas novas linhas de comércio abertas pela Revolução Industrial. E como no caso da seda para a Itália e do trigo para a Rússia, a produção do café não foi uma atividade puramente agrícola. Na medida em que a produção de café assumiu a liderança entre os produtos de exportação, a economia atraiu investimentos estrangeiros (principalmente ingleses), capitais foram investidos em infraestrutura (ferrovias, portos, etc), deu-se um crescimento urbano e comercial, a própria criação de um pequeno mercado consumidor interno fizeram necessárias as primeiras indústrias leves no país, e finalmente, a expansão na produção de café forçou uma mudança nas relações sociais de produção, de trabalho escravo para trabalho assalariado, primeiro através da importação de mão-de-obra europeia e depois com a abolição da escravatura. O período da abolição vem coincidir como uma melhoria nas relações de troca, saldos positivos na balança comercial, o Brasil chegando a ser responsável por 60% da produção mundial de café, e o que é mais importante, este progresso induziu a implantação da indústria leve e sua subsequente expansão. Roberto Simonsen já registra um surto industrial na década de 1880 (Simonsen, 1939, p. 22-25). Este progresso geral produzido pela expansão na produção de café insuficiente para levar a implantação da indústria pesada no Brasil durante a segunda onda da Revolução Industrial. O Brasil sendo um país tardio e extremamente atrasado (como a Rússia) que manteve relações sociais de produção pré-capitalistas até quase o final do século XIX, não se preparou ou não criou todos os pré-requisitos necessários para a industrialização. Sendo tardio, o Brasil teria que recorrer a substitutos. No caso brasileiro, política tarifária e cambial por Brasil estaria próximo ao caso da Rússia pré-Witte, onde o Estado teria que conscientizar-se sobre a necessidade de intervir diretamente na economia – criando bancos de desenvolvimento, explorando minas, dando garantia de lucros para as novas indústrias, produzindo material ferroviário, alterando a política monetária e tributária em favor da indústria, etc. Todavia, está bastante claro que esta não foi a política seguida pelo Estado brasileiro, que era liberal e que chegou a defender a “teoria das vantagens comparativas” e a noção de “indústria natural” em pleno 1900- 1910 (Ministério da Fazenda, 1897 e 1901; Presidência da República, 17 1892-1910). Aliado a ideologia liberal se somava o positivismo como outra fonte de inspiração ideológica de muitos segmentos da sociedade que tiveram influência no aparelho de Estado desta época (os militares, por exemplo). E como se sabe ambas as correntes nasceram em países que se industrializaram durante a primeira onda da Revolução Industrial – países onde existiu um longo processo de preparação, e consequentemente não foram necessário transformações econômicas rápidas. O argumento geralmente usado para se justificar a não intervenção do Estado para implantar a indústria pesada é que o Estado representava s interesses dos produtores de café, e portanto era impossível a implementação de uma política independente. Este tipo de argumento além de ser economicista, onde não se coloca a independência da política em relação à economia, via de encontro a pesquisas recentes que mostram a independência do Executivo em relações as pressões do setor cafeeiro (Frtsch, 1980, p. 160-274), principalmente nas administrações de Campos Sales e Rodrigues Alves. Outro argumento utilizado é a afirmação de nesta época apenas a tecnologia da indústria leve estava disponível no mercado mundial. As experiências da Rússia e Itália mostraram que era possível se industrializar mesmo sem desenvolver estas tecnologias, desde que houvesse um agente econômico capaz de juntar os recursos necessários para adquirir este tipo de tecnologia e pô-la a disposição de grupos empresariais nacionais, e dadas as condições de atraso dos países tardios só o Estado tinha condições de juntar estes recursos. A crise de 1929 vai ser o fator que provocará uma mudança neste estado de coisas. O novo Governo revolucionário que emergiu dos acontecimentos de 1930 demonstrou pela primeira vez uma preocupação verdadeira com relação a necessidade da indústria pesada no país. Em 1930 é criado o Ministério da Indústria e Comércio. Em 1934 é criado o Conselho Federal de Comércio Exterior, que a partir de 1937 vai discutir questões relacionadas com a industrialização do Brasil. Em 1941 a administração de Getúlio Vargas criou a Companhia Siderúrgica Nacional. Com a inauguração da usina siderúrgica de Volta Redonda em 1946, pode-se dizer que chegava ao fim do longo período de preparação para a indústria e o início do “spurt” brasileiro. Isto não é afirmar que a indústria tenha nascido nesta data. As primeiras unidade industriais surgiram no Brasil na segunda metade do século XIX, porém este crescimento industrial foi incapaz de produzir um “take-off” na economia e transformar o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro. De 1946 em diante o Estado vai intervir decisivamente na economia em favor da Indústria. O Governo cria o Banco Nacional de Desenvolvimento e a 18 Petrobras em 1952 e 1953 respectivamente. Com o Plano de Metas são criadas as condições para a implantação de indústrias importantes do setor de bens de capital e duráveis de consumo. A crise do início da década de sessenta veio assinalar o fim do “big industrial spurt” brasileiro. Os agentes econômicos deste processo foram o Estado, a empresa privada nacional, o banco de desenvolvimento e a empresa multinacional. O papel do Estado brasileiro veio a ser maior do que aquele desempenhado por outros estados durante a segunda onda, e isto é explicado não apenas pelo atraso da economia brasileira como também pelo fato de que quando o Brasil implantou a sua indústria pesada a intervenção do Estado na economia era uma prática aceita por todos os países capitalistas. Mas mesmo assim, dado o “atraso” em que a industrialização pesada se deu neste país, seria impossível para o Estado entrar para a produção de todos os bens de tecnologia de ponta (e permanecer nos marcos do capitalismo), dado que neste período a estrutura oligopolista já era hegemônica no sistema capitalista, e o poder das firmas de erigir barreiras à estrada bastante significativo. Neste período de “take-off” o papel representado pelo mercado doméstico foi de fundamental importância para a indústria. Depois da recuperação da crise da primeira metade da década de sessenta se percebe que o “take-off” brasileiro tinha sido irreversível. E algumas das modificação que se registraram quando as economias da segunda onda terminaram de implantar as suas indústrias e partiram para a maturidade também se fizeram notar no Brasil quando a economia parte para a maturidade. Em relação ao mercado interno houveram mudanças radicais. Em 1960 97% das exportações brasileiras eram constituídas por produtos primários. Em 1983, os produtos primários vão cair para 38% enquanto que os produtos industrializados atingirão 62% (PETROBRAS, 1986, p. 45). Durante o período de “take-off” o Brasil pediu emprestado tecnologia estrangeira para os seus setores mais dinâmicos (automóveis, por exemplo), porém quando a economia parte para maturidade, há bastante evidência de que a economia está dando um “pulo tecnológico”, na medida em que se está desenvolvendo no país tecnologiapara a produção de computadores (software e hardware), aviões, material bélico, química fina; avanços significativos tem se registrado na área de bio-tecnologia e engenharia genética. Alguns passos também foram dados nas área de robots e tecnologia de laser. Outra modificação importante é quanto ao papel dos agentes – os papéis as empresas nacionais e multinacionais. Durante o período do “take-off”, a empresa privada nacional se restringiria aos setores leves da indústria, mas quando se implanta a 19 empresa nacional entra na área dos duráveis de consumo, bens de capital, e de alguns setores de tecnologia de ponta. Estas transformações podem também ser notadas em outros países que se industrializaram durante a terceira onda da Revolução Industrial como a Coréia do Sul, Espanha, México, etc. Estas transformações ocorridas no processo de industrialização, especialmente na transição do “take-off” para a maturidade, vem claramente mostrar que as condições em que se dá a implantação da indústria não são estáticas. Uma vez implantada, a indústria começa a apresentar forças dinâmicas próprias capazes de impor modificações substanciais em relação ao tamanho do mercado, complexidade e controle tecnológico e em relação ao papel dos agentes econômicos. Isto se deu durante a segunda onda da Revolução industrial e está se dando agora durante a terceira onda (Rolim, 1988). Como pode ser visto ao longo deste artigo, fizemos uso dos conceitos Rostowianos de “pré-condições” (preparação). “take-off” e “direção à maturidade”, mas no sentido de que acreditamos que o desenvolvimento industrial de uma país está sujeito a fases distintas, do que cada país deva passar por estes estágios da mesma maneira e de forma inevitável, tal como Rostow tenta demonstrar (Rostow, 1979). 20 REFERÊNCIAS BAIN, J.S, 1967, Barriers to New Competition. Cambridge, Harvard University Press. BORCHARDT, K. 1978, “ The Industrial Revoltion in Germany 1700-1914” in Carlo Cipolia, The Fontana Economic History of Europe, IV, pt. 1, The Emergence of Industrial Societies, Glasgow, Fontana/Collins. CAFAGNA, L. 1978, “The Industrial Revolution in Italy” in Carlo Cipolia, op cit. CLOUGH, S.B. 1965, The Economic History of Italy. New York, Columbia University Press. DEANE, P. 1978, “The Industrial Revolution in Great Britain”, in Carlo Cipolia, op cit. 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