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HISTÓRIA E CULTURA
Comunidades Virtuais 
Peter Burke
	"Tudo tem uma história, incluindo o jornal que você está lendo. Começou há muito tempo o interesse pelas notícias -comunicadas por fofocas, rumores e discussões em tavernas, barbearias e farmácias-, mas os jornais diários só começaram a aparecer no século 17. Desde então ocorreram três viradas importantes em sua história, por volta dos anos 1800, 1900 e 2000.
	A eclosão da Revolução Francesa encorajou mais e mais pessoas, na França e fora dela, a ler os jornais. Jornalistas exerceram papel importante nos acontecimentos da época, notadamente Jean-Paul Marat, que era amigo de Robespierre, além de escrever para o ‘L’Ami du Peuple’. A revolução foi boa para a imprensa.
	E a imprensa, por sua vez, foi boa para a revolução, conferindo legitimidade a ela. Também desde uma perspectiva global, os anos por volta de 1800 foram um tempo de mudanças significativas. A América hispânica, por exemplo, viu o surgimento dos primeiros jornais independentes, entre os quais ‘Mercurio Peruano’ (1791) e ‘El Pensador Mexicano’ (1812). No Brasil, o ‘Diário de Pernambuco’ foi fundado em 1825.
	Em muitos casos, jornais eram fundados por estrangeiros: foi o caso do ‘British Packet and Argentine News’, fundado em Buenos Aires em 1826, ou do ‘Bombay Times’, fundado em 1838 para atender aos expatriados britânicos na Índia. No Oriente Médio, o primeiro jornal surgiu em francês, em 1795, quando o governo turco autorizou a embaixada francesa em Istambul a publicar o ‘Bulletin des Nouvelles’.
	Os jornais não apenas forneciam informações sobre fatos recentes, como encorajavam mudanças de atitude. Não foi por acaso que a ascensão dos jornais e a ascensão da consciência nacional ocorreram juntas na Europa e nas Américas no início do século 19. Os dois fenômenos estavam interligados, já que leitores em um país específico liam as mesmas notícias no mesmo momento. Igualmente importante, eles tinham consciência da simultaneidade, o que os incentivava a enxergar-se como membros de uma ‘comunidade imaginada’ de leitores.
	Outro momento importante na história do jornal ocorreu por volta de 1900. Novos meios de comunicação como o telégrafo e o telefone tinham começado a ser usados. Agências como a Havas, em Paris, e a Reuters, em Londres, recebiam reportagens de fatos recentes e vendiam a informação aos jornais.
	Outra mudança de importância foi a profissionalização do jornalismo. Foi apenas por volta do ano 1900 que começaram a existir papéis especializados, como os de repórter, editor, colunista ou correspondente no exterior. Foram fundadas associações profissionais de jornalistas, entre elas a Associação Nacional de Jornalistas (1886) na Grã-Bretanha e o Instituto Americano de Jornalistas (1889), enquanto a famosa escola de jornalismo da Universidade Columbia, em Nova York, abriu suas portas em 1912.
	Foi também na parte final do século 19 que se começou a fazer jornalismo investigativo. Na Grã-Bretanha, W.T. Stead descreveu a situação habitacional miserável dos pobres de Londres e a escala da prostituição juvenil, enquanto nos Estados Unidos Lincoln Steffens expôs o que chamava de ‘a vergonha das cidades’ -em outras palavras, a corrupção de muitas administrações municipais.
	Ainda outro avanço importante ocorrido por volta do ano 1900 foi a ascensão da imprensa popular, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Até aquele momento, os jornais tinham sido produzidos para as elites. Na Grã-Bretanha, por volta do ano 1900, o ‘Daily Mail’ e o ‘Daily Mirror’ vendiam 1 milhão de cópias por dia cada um.
	Na França, ‘Le Journal’ (1892) e ‘Le Matin’ (1885) seguiram o modelo anglo-americano e também passaram a vender mais de 1 milhão de cópias diárias cada um a partir de 1900, graças em parte a acontecimentos sensacionais como o caso Dreyfus e o escândalo do Panamá. Além de reduzir seus preços, os jornais populares mudaram o discurso do jornalismo, tornando-o mais dramático, ou, como diziam seus críticos, ‘sensacionalista’.
	Um terceiro momento importante na história da imprensa ocorreu cem anos mais tarde, por volta do ano 2000, com outro conjunto de transformações, incluindo a publicação on-line (alguns de vocês, sem dúvida, estão lendo este artigo on-line).
	Menos evidente, mas igualmente importante, é a globalização do jornalismo (incluindo o radiojornalismo e o telejornalismo). Hoje corporações multinacionais são donas de muitos jornais, revistas e canais de televisão. Os perigos dos monopólios na imprensa são evidentes, mas há outras consequências também.
	No mundo de fala espanhola, por exemplo, ao transmitir o que frequentemente são virtualmente os mesmos programas, tanto os noticiários quanto as telenovelas, a mídia contribui para a criação de comunidades imaginadas, como a América Latina, que extrapolam a nação.
	A globalização da mídia também abrange a ascensão de canais não ocidentais, notadamente a Al Jazeera, fundada no Qatar, em 1996, uma rede de jornalismo árabe hoje amplamente presente em versões em inglês e outras línguas. Pela primeira vez na história da mídia moderna, notícias produzidas fora do Ocidente são consumidas no Ocidente. A meu ver, a ascensão de canais como a Al Jazeera será um dos desenvolvimentos mais significativos no futuro próximo. 
PETER BURKE é historiador inglês, autor de ‘O Que É História Cultural?’ (ed. Zahar). 
Tradução de Clara Allain �
Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/folha-de-s-paulo--37649

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