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Uma história social da mídia: de Gutenberg à internet. cap. 5, p. 226-296. Informação, educação, entretenimento OS ELEMENTOS CONSTITUINTES DA TRÍADE que dá título a este capítulo nem sempre foram identificados na mesma linguagem usada no final do século XX. Nos séculos XVII e XVIII, a “informação” era geralmente descrita como “inteligência”; “educação” era “instrução”; e “entretenimento”, como “recreação”, “passatempo” ou “diversão”. Existiam termos semelhantes em outras línguas europeias. No século XIX, “distinto” e “elevado” eram duas outras palavras-chave no vocabulário da comunicação, e estabelecia-se uma diferença entre informação “útil” e “trivial”, principalmente em bibliotecas. O termo “entretenimento” era considerado “racional” ou “aviltante”. Tanto a educação quanto o entretenimento tiveram longos períodos de história, que remontam ao mundo antigo, e havia instituições especificamente dedicadas a ambos, algumas delas vistas no século XIX como “tradicionais”, outras como “modernas”. Incluíam escolas, universidades, academias, salões, campos, arenas ou estádios desportivos, além de teatros e salas de concerto. A “informação” também teve uma longa história. O verbo “informar”, derivado do latim, originalmente significava tanto em inglês quanto em francês não somente relatar os fatos, o que poderia ser incriminador, mas “formar a mente”, um dos elementos na educação (em alemão, Bildung). A importância prática da informação já era claramente apreciada antes do advento da industrialização, mas os efeitos da expansão do comércio e da indústria, descrita no capítulo anterior, finalmente transformaram as noções de tempo e espaço. Sydney Chapman escreveu em um livro sobre a indústria de algodão de Lancashire, publicado em 1904, que “durante o último século a quantidade e a exatidão de informação disponível para os revendedores aumentaram enormemente; além disso, o tempo passado entre um evento e o conhecimento a seu respeito diminuiu para uma pequena fração do que costumava ser”. A mesma afirmação foi ressaltada por Walter Bagehot, em Lombard Street (1873), que retratava uma rua do centro da cidade de Londres. Bagehot, que foi editor da Economist de 1861 até sua morte em 1877, citou uma vez um comentário de Dickens, que descrevia Londres como se fosse um jornal: na lista de nascimentos, casamentos e óbitos, “tudo está lá e tudo está desconectado”. Este capítulo e o próximo tratam mais de conexões, mesmo nos jornais, do que de desconexões. Também tratam de continuidades e descontinuidades. A computadorização, tema que encerra este capítulo, afetou profundamente a informação, a educação e o entretenimento, respectivamente, mas em 1972 ainda havia pouca percepção da profundidade que seu impacto teria. A princípio ela foi associada à automação dos processos industriais, incluindo a manufatura de armamentos, e o autor de um excelente verbete sobre automação publicado na edição de 1972 da Encyclopaedia Britannica sugeriu que a diferença entre esta e a mecanização era principalmente uma questão de grau. Ele deu atenção especial aos sistemas de controle digitais e ao desenvolvimento de instrumentos de controle, examinando em retrospecto o período anterior ao regulador centrífugo da máquina a vapor de Watt até a válvula de segurança de Denis Papin, no final do século XVII. Ele reconheceu o estudo norte-americano, historicamente pioneiro, de Norbert Wiener (1894-1964) intitulado Cybernetics, que tem como foco a ciência do controle automático e os processos de comunicação em animais e máquinas. Em The Human Use of Human Beings (1954) Wiener previu que os dispositivos de comunicação incluiriam não apenas mensagens entre homens e máquinas, mas também entre máquinas e máquinas. Bem antes que a automação se tornasse tema de discussão durante a década de 1950, os padrões de trabalho e lazer, os locais de trabalho (não apenas fábricas, mas também escritórios e aviões) e as instalações de lazer (incluindo centros especialmente planejados para essa finalidade) haviam mudado bastante, da mesma forma que a pesquisa sobre esses temas, frequentemente em instituições acadêmicas. Durante as décadas de 1960 e 1970, enquetes sobre o uso do tempo de lazer em países tão diferentes como Suécia e Japão, assim como nos Estados Unidos e na Grã- Bretanha, revelaram que um volume crescente de tempo estava sendo gasto tanto em receber informações quanto no entretenimento. A demografia era relevante, tal como tinha sido durante toda a história da industrialização. O tamanho médio das residências estava se reduzindo, enquanto os rendimentos familiares aumentavam. A linguagem e a organização também estavam mudando. As palavras “indústria”, já aplicada à agricultura depois da Primeira Guerra Mundial, e “trabalho”, não mais tratado como um evangelho do modo como Samuel Smiles (1812-1904) o fizera, começaram a ser usadas cada vez mais nas áreas do lazer e do esporte. Na Inglaterra e na Escócia, onde Smiles nasceu, a palavra esporte no singular tomou o lugar de esportes (embora o plural tenha sido mantido nos Estados Unidos); passou-se de entretenimentos a entretenimento (em ambos os lados do Atlântico); e as indústrias do turismo e depois do “patrimônio” ganharam âmbito global, assim como nacional (ou local). O esporte em particular ilustra essa tendência. “Amador” e de organização local no século XIX, ele se tornou amplamente profissional no século XX. No século XXI, os empresários profissionais, tão famosos quanto os talentosos e bem pagos jogadores que representam, contratam ou demitem os atletas com base não apenas em seu talento, mas por seu “esforço de trabalho”. Enquanto isso, os próprios empresários, alguns deles ex-jogadores, são julgados nos mesmos termos por outros empresários, por jogadores e seus agentes, assim como por jornalistas esportivos. Empresários e jogadores, embora não os agentes, são tratados como celebridades, e suas vidas privadas “fora dos campos” são o centro das atenções da mídia. Também ganham muito dinheiro, assim como os clubes para os quais trabalham, por meio da publicidade daquilo que vestem ou comem. A televisão é o principal meio de comunicação, mas gravações musicais também figuram na renda. Uma minoria de jogadores, dos quais nem todos pertencem a um time, tornam-se jornalistas televisivos ou da imprensa, recebendo altíssimos salários. As mulheres têm figurado cada vez mais nesse meio, tanto como participantes quanto como espectadoras – o tênis é o esporte que lhes abre as portas. Algumas delas também se tornam empresárias. A 29ª Assembleia Geral da European Broadcasting Union, que aconteceu em Atenas em 1978, marcou a primeira ocasião na Europa em que se discutiram todos os aspectos da organização do esporte; porém, no final da década de 1990, essa organização inteira se modificou. A antiga expressão “esporte para o público”, muitas vezes usada pejorativamente no século XIX, perdeu muito de seu sentido, já que as finanças de muitos esportes passaram a depender não de espectadores, mas de interesses empresariais, o mais importante dos quais sendo o da própria mídia, sobretudo a televisão. O esporte, incluindo sua transmissão e filmagem, tornou-se tão comercializado quanto as “cadeias de alimentação” sob a influência dos supermercados. O detalhe é especialmente interessante quando se comparam os esportes ao longo do tempo. Os apresentadores de programas esportivos passaram a contar com a música, da mesma forma que com palavras e imagens. Os patrocinadores influenciavam a programação e a agenda dos calendários esportivos, assim como as fortunas ligadas à economia do esporte. Pequenas modalidades tradicionais, como dardos e sinuca na Inglaterra, alcançaram audiências de massa. A televisão podia mostrar também esportes violentos, como a luta livre, que as emissoras transmitiam, embora não por muito tempo, apenas para fins deentretenimento. O atletismo conseguiu também atrair a participação de pessoas com deficiência, que se tornaram um elemento importante no esporte internacional. As drogas tornaram-se um problema recorrente na maioria dos esportes, incluindo o ciclismo. As estatísticas eram meticulosamente compiladas, e o adjetivo “histórico” foi acrescentado a eventos esportivos particularmente importantes; por exemplo, o dia do Derby, as finais da Copa ou o Superbowl, que passaram a integrar o próprio calendário da mídia. Diversos eventos internacionais, em particular os Jogos Olímpicos “revividos” em Atenas em 1896 (em 2004 voltaram a se realizar nessa cidade), tornaram-se matéria-prima de toda a mídia. Há tantas fofocas nos intervalos entre os jogos quanto há dramas durante eles. Em sua nova edição, este livro termina com as Olimpíadas de 2008, em Pequim, um espetáculo magnífico que atraiu grandes multidões e hordas de jornalistas de todo o mundo. Mais de quatrocentos funcionários da BBC estiveram na China para esse evento (ver p.381). A política não poderia ficar totalmente de fora. Como não ficou em 1936, quando a Olimpíada alemã, realizada e filmada pelos nazistas, recebeu atenção maciça. Os primeiros jogos em um país asiático, realizados na cidade de Tóquio, Japão, em 1964, poderiam ter acontecido antes, se não fosse a Segunda Guerra Mundial. Havia também uma dimensão tecnológica. As Olimpíadas de Estocolmo de 1912, por exemplo, testemunharam o primeiro uso de equipamento elétrico de medição de tempo em eventos de corrida. Câmeras novas e menores, agrupadas e colocadas de maneira cuidadosa, tornaram possível a visão de detalhes. Isso foi só o começo. Reprises em câmera lenta foram introduzidas, além de fascinarem os espectadores e servirem como base para estudo para os próprios atletas. A câmera podia se tornar um árbitro. Esse breve exame da relação entre mídia e esporte é parte de um quadro mais amplo. As linhas divisórias entre informação e entretenimento tornaram-se cada vez mais embaçadas durante as décadas de 1950 e 1960, tanto na imprensa escrita quanto na mídia eletrônica – mais tarde viriam a ser ainda mais indistintas. “Infotenimento” foi a feia palavra híbrida aplicada ao novo produto, tão feia, porém ao mesmo tempo tão reveladora, quanto “compunicações”. O elemento visual era predominante, mas essa função da imprensa não era um fenômeno novo, como se vê por sua própria história. Quando Alfred Harmsworth lançou o jornal Daily Mail, em Londres, em 1896, com o preço de meio centavo, foi com o objetivo explícito de entretenimento e informação. O Mail foi o primeiro jornal diário a incluir uma página para as mulheres e a divulgar “proezas” como parte da estratégia de Harmsworth. O terceiro elemento da tríade, a educação, foi incorporado à estratégia. Conforme observou um importante jornalista liberal, J.A. Spender, “Harmsworth e seus imitadores influenciaram o homem comum mais do que todos os ministros da Educação juntos”. O papel da imprensa Depois de Harmsworth a imprensa continuou tendo grande influência no século XX, embora fosse agora contrastada com a tecnologia eletrônica “não tradicional” e incorporada à categoria genérica da “mídia”. Ela fazia mais que refletir os interesses da sociedade: ela os moldava, investigando e ao mesmo tempo divulgando. Com efeito, a investigação tornou-se “a forma mais louvada e enaltecida de jornalismo, assumindo o papel de formar opiniões, o mais admirado no século XIX”. Essa foi a conclusão de Anthony Smith, então diretor do Instituto Britânico de Cinema, em seu livro Goodbye Gutenberg, publicado em 1980. Smith, que começara a carreira profissional na BBC e depois se tornara presidente do Magdalen College, de Oxford, combinava uma experiência em informação, educação e entretenimento. Embora mostrasse as maneiras pelas quais o computador havia salvo os jornais no final da década de 1960, Smith enfatizou que o destino do jornalismo popular não se baseava na tecnologia. Com efeito, suas demandas históricas pouco tinham a ver com tecnologia. O Times, órgão dominante da imprensa em Londres até a década de 1860 – Harmsworth o adquiriu em 1908 –, foi considerado um “quarto poder” (ver p.141). Na história da imprensa, cada país teve sua própria data histórica. A posição nos Estados Unidos, porém, foi desde o início constitucionalmente diferente daquela prevalecente na Europa. A Primeira Emenda, incorporada em uma lista de direitos aprovada pelo Congresso em 1791, dizia que: “O Congresso não fará lei alguma sobre qualquer estabelecimento religioso ou que resulte na proibição do seu livre exercício; ou que limite a liberdade de falar das pessoas ou da imprensa.” A linguagem parecia simples e influenciou toda a história norte-americana subsequente, mas o significado que a Emenda poderia trazer para mudar as circunstâncias foi deixado para os tribunais – e para a discussão pública. O juiz Learned Hand afirmava que “as conclusões corretas são provavelmente mais bem tiradas do conjunto de diversas línguas do que de qualquer tipo de seleção autoritária”; ao mesmo tempo, o juiz Oliver Wendell Holmes (1841-1935) introduziu a metáfora “mercado livre de ideias”. A radiodifusão (ver p.259) seria tratada diferentemente da imprensa e sujeita a regulamentação. Uma das alegações para essa atitude era que, por causa da escassez de espaço nas ondas de rádio, se não houvesse a regulamentação, o “conjunto de diversas línguas” soaria como algaravia. Na França, onde Paris era o centro do mundo da informação, educação e entretenimento, o marco temporal na história da imprensa foi 1881, quando, depois de debates infindáveis e abrangentes, surgiu uma nova lei de imprensa com as estimulantes palavras “La Presse est libre” [A imprensa é livre]. Restrições antigas foram abolidas, inclusive a que exigia que os jornais depositassem dinheiro em caução contra a possibilidade de multas por difamação ou outras ofensas. O jornal londrino Times, que nunca foi um jornal de massa, saudou a nova lei com as palavras “uma imprensa melhor torna as leis excepcionais desnecessárias”. Em 1848 foram retiradas todas as restrições à imprensa alemã, mas elas voltariam três anos depois. Em 1878 Bismarck, então chanceler do novo Império Alemão, rachou a imprensa socialista, e mesmo depois de perder o poder, em 1890, a imprensa não era totalmente livre. Alguns países, em especial a Rússia czarista, tinham uma imprensa clandestina que estava diretamente envolvida na política. Na Índia imperial, estavam sendo aprovadas novas leis repressivas no fim do século e, no mesmo ano, jornais em idioma local eram controlados. Três anos antes, a lei japonesa de imprensa, de 1875, especificava que “o ministro do Interior (pode) proibir a venda ou distribuição de jornais ou, se necessário, recolhê-los, quando julgar que os artigos perturbam a paz e a ordem ou ofendem a moral”. Em todos os países, não importando o tipo de lei, era difícil controlar a imprensa, considerada, em 1900, uma força social que deveria ser avaliada em uma democracia futura, tanto quanto havia sido em um passado autoritário. Mesmo depois do aparecimento da mídia eletrônica, a impressão gráfica permaneceu um meio de comunicação básico com o florescimento de jornais, panfletos, livros e enciclopédias. A tecnologia nunca foi o fator determinante, mas no século XX, longe dos centros urbanos e de seus subúrbios em expansão, onde os jornais eram impressos, as florestas eram derrubadas para produzir polpa de madeira. Os processos de mudança eram complexos, e com a queda dos custos de impressão e o aumento da massa de leitores, o conteúdo dos jornais que não se qualificavam como “jornais de qualidade” incluía mais entretenimento e menos informação. O estilo também era menos formal. No entanto, os chamados “tabloides” não constituíam um produto-padrão, como sugerem alguns historiadores da imprensa.Eles competiam não apenas entre si, mas também com o resto da mídia e outros produtos não associados à comunicação, sendo alguns deles a fonte de seu próprio lucro em publicidade. O papel dos jornalistas – homens que colhiam notícias (havia poucas mulheres antes da década de 1890) –, e dos editores que as selecionavam, compilavam, apresentavam e interpretavam, sempre foi controverso, e eles frequentemente mudavam de um jornal para outro. Também copiavam, com alguma frequência, o trabalho uns dos outros, por vezes deliberadamente. A controvérsia começou muito antes do aumento das vendagens. Em Nova York, o Sun, o bem-sucedido precursor dos tabloides baratos, lançado em 1833 por um esforçado gráfico de nome Benjamin Day, alcançou cinco anos depois uma tiragem de 34 mil exemplares. Grande parte das informações que ele trazia relacionava-se a pessoas comuns – e à polícia. Um relato totalmente fictício sobre a vida na lua, “The Moon Hoax”, era parte do entretenimento que o jornal proporcionava. Day não afirmava pretender que o Sun tivesse um papel educativo. James Gordon Bennett (1795-1872) desejava que o seu New York Herald fosse mais ambicioso. Nascido na Escócia, sua ambição era fazer da imprensa como um todo “o grande órgão e eixo do governo, da sociedade, do comércio, das finanças, da religião e de toda a civilização humana”. A religião tinha grande importância nessa lista: “Um jornal pode mandar mais almas para o céu e salvar mais almas do inferno do que todos os clubes e capelas de Nova York.” J.G. Bennett Jr. (1841-1918) manteve a mesma abordagem confiante: a missão à África de H.M. Stanley, em 1869, para encontrar o missionário-explorador David Livingstone foi financiada por ele. A tecnologia também fazia parte de sua visão, assim como da de muitos editores. Em 1854 experimentou um método de impressão usando uma placa de metal de tipos, em vez dos próprios tipos. Foi uma inovação genuína, e na década de 1870 a impressão por estereótipos já havia se difundido bastante. Em Paris, o jornal La Presse usava o processo em 1852. Desde o início, os jornais em Paris e em Nova York constituíam apenas um elemento na imprensa nacional, que jamais foi centralizada, e continuou a se sustentar sobre uma base local. Também foi esse o caso da Itália e da Inglaterra, onde em 1864 havia 96 diários regionais contra dezoito em Londres, e onde Edward Baines, proprietário não conformista do Leeds Mercury e de orientação liberal, podia proclamar orgulhosamente que, de uma tiragem total anual de 546 milhões de exemplares de jornais, 340 milhões eram de publicações do interior. Mas a imprensa regional inglesa iria perder grande parte de sua influência no final do século XIX e no século XX, quando, por diversas razões, o fornecimento de informações – e também de entretenimento – passou a se concentrar em Londres. Antes do final daquela que alguns observadores viram como a era de ouro da imprensa, um jornal do século XIX, o Manchester Guardian, que se transformara num tabloide em 1855, ganhou um público de âmbito nacional sob a direção talentosa e altamente responsável de C.P. Scott (1846-1932), mas antes de transferir sua gráfica para Londres, em 1960, já havia tirado de seu nome a palavra Manchester. Foi Scott quem disse sobre a televisão, numa frase memorável, que nada de bom poderia provir dela: o mundo era metade latino e metade grego. Em retrospecto, o que ocorreu nas décadas de 1880 e 1890 funcionou como um prelúdio à história da mídia no século XX. Foi quando a ideia de um público “informado” foi dando lugar na mídia, incluindo livros e periódicos, às realidades do “mercado”. Para alguns editores, seu ofício era um negócio como qualquer outro: dar (ou seja, vender) ao “público” aquilo que ele deseja. Uma característica comum ao Titbits, primeiro jornal segmentado, publicado por George Newnes (1851-1910), e ao Answers de Harmsworth era oferecer um seguro, juntamente com informação, entretenimento e educação: qualquer pessoa que sofresse um acidente ferroviário e estivesse portando um exemplar desses jornais poderia receber uma compensação financeira. Harmsworth, que subestimava o papel da publicidade no financiamento de sua empresa, saldou o Titbits como “o início de um avanço que vai mudar completamente a face do jornalismo”. Ele atingiria “centenas e milhares de meninos e meninas” que deixavam os internatos criados pela Lei de Educação de 1870. Esta foi uma lei tardia, e só após 1880 é que a frequência à escola na Inglaterra – e na França – se tornou obrigatória. Em função do interesse nacional, a alfabetização em massa era agora considerada essencial, da mesma forma que ocorreria com a educação continuada e o aprendizado de informática nas últimas décadas do século XX. A longo prazo, o avanço industrial também exigia maiores oportunidades de descontração, e apenas um ano após a aprovação da Lei de Educação Nacional de 1870, foi aprovada a primeira Lei do Feriado Bancário, estabelecendo que determinados dias deveriam ser feriados nacionais e os bancos estariam fechados e os Correios não funcionariam. Antes disso, tanto nos países católicos quanto nos protestantes, os feriados eram diretamente vinculados ao calendário religioso, e alguns tinham âmbito local. Cada vez mais, graças à mídia, eles foram sendo associados no século XX a novos ritmos de trabalho e diversão e, nesse processo, passaram a ser comercializados. No entanto, o Dia de Ação de Graças continuou sendo o grande festival doméstico nos Estados Unidos, da mesma forma que o carnaval no período que precede a Quaresma em lugares tão diferentes quanto Nova Orleans, Trinidad, Rio de Janeiro e Colônia. Na Grã-Bretanha, nenhum jornal era publicado no dia de Natal nem na Sexta- Feira da Paixão. No mundo muçulmano, que ganhou importância no início do século XXI, o grande período de jejum do Ramadã sobreviveu: ele comemora a primeira das revelações do Corão. Em países em que houve revoluções, suas comemorações, ou “dias nacionais”, agora entraram no calendário. Mas a expressão mundo muçulmano é tão válida quanto a afirmação de que o mundo é um só. É importante não simplificar demais os processos de longo prazo ou basear-se na linguagem de causa e efeito. Quando, em 1901, ano da morte da rainha Vitória, o então jovem historiador G.M. Trevelyan (1876-1962), descendente de Thomas Babington Macaulay, queixou-se no periódico The Nineteenth Century de que os filisteus haviam capturado a “Arca da Aliança”, nome com o qual se referia à imprensa escrita, ele tomava emprestado o termo “filisteu” de Matthew Arnold (1822-88), para quem a década de formação do século XIX havia sido a de 1860. Mas o próprio Arnold não tinha certeza de que, mesmo na década de 1860, a Arca da Aliança, uma descrição muito mais antiga do que “quarto poder” e que ele jamais usaria, estaria segura. Advogado “da doçura e da luz”, Arnold, essencialmente um intelectual, se sentia infeliz com o papel das comunicações em geral: Seu homem da classe média pensa haver o mais alto grau de desenvolvimento e civilização quando suas cartas são levadas doze vezes por dia de Islington para Camberwell … e se os trens passam por ele de quinze em quinze minutos. Ele pensa não significar nada se os trens o levam de uma vida não liberal e melancólica em Islington para uma vida não liberal e melancólica em Camberwell. Tal atitude em relação às comunicações era acompanhada, no caso de Arnold, por um medo daqueles que não tinham voz. Depois que alguns deles ganharam direito a voto em 1867 e 1884, ele ainda ficou pouco à vontade com os primeiros e novos eleitores – “a democracia, como as pessoas gostam de chamar”. “Têm muitos méritos, mas entre eles não está o de ser em geral pessoas razoáveis que pensam correta e seriamente.” O “novo jornalismo” – e Arnold pode ter sido a primeira pessoa a usar este termo – era, segundo ele, de “espírito cerebral”,pois tentava atrair leitores que acabavam de ganhar direitos civis. A influência de Arnold em escolas e universidades sobre os estudos culturais do século XX seria profunda. Mas na sua época ele não percebeu como era possível que o mais conhecido jornalista de seu país de meados do período vitoriano, G.A. Sala, um dos colaboradores do Household Words, de Dickens, escrevesse sobre sociedade e cultura da forma como o fazia no Daily Telegraph, um campeão de vendas. Para Arnold, os Estados Unidos eram um local de alerta, e se ele tivesse vivido o suficiente teria condenado proprietários de cadeias de jornais como William Hearst (1863-1951) e E.W. Scripps (1854-1926). Hearst, que também tinha interesses no cinema, terminou seus dias em um palácio de contos de fadas na Califórnia, não longe de Hollywood, morando com uma estrela de cinema, Marion Davies. Sua história levou Orson Welles a produzir um dos filmes mais fortes de todos os tempos, Cidadão Kane (1941). Os produtos da cadeia de Hearst foram atacados como “imprensa marrom”; os de Scripps poderiam ter sido atacados também pelo oposto, por serem “liberais e pró-trabalhistas”. Na Inglaterra, observadores favoráveis aos trabalhadores, que se julgavam “socialistas-cristãos”, eram mais otimistas sobre o futuro do que Arnold. De fato, em 1867 J.M. Ludlow sustentou que “os jornais baratos e periódicos” não podiam ser “definidos estritamente como educativos”. Para o bem e para o mal, e provavelmente, afinal, para o bem, eles são muito poderosos. … Apesar dos vários pecados e deficiências da imprensa escrita, o trabalhador de hoje, com sua folha de um centavo, é, com esta ajuda, um homem mais bem-informado, que sabe julgar melhor e tem mais compreensão do que o trabalhador de trinta anos atrás, que tinha de se contentar com fofocas e boatos. Certamente os trabalhadores mais articulados, inclusive os ex- cartistas, saudaram como uma grande vitória a revogação dos impostos sobre impressos em 1855, no aniversário da Carta Magna, e prosseguiram até aclamarem a revogação das taxas sobre o papel em 1861. Apesar de tudo, com a vitória garantida, havia mais do que um toque de ironia, até mesmo para os otimistas, no que viria a seguir. Circulavam mais fofocas e boatos em 1900 do que em 1800. Vários dos beneficiados pelos direitos civis recorriam à imprensa mais por diversão – e mesmo como escape – do que para obter informação e conhecimento. Thomas Wright, um “trabalhador” amigo de Arnold que amava a ironia, não acreditava nem mesmo na Lei de Educação de 1870. “A extensão da educação elementar … se deixada por si mesma nos dará um maior número de pessoas capazes de ler sobre os serviços policiais nos tipos pequenos dos jornais semanais e que não desejarão ler sobre quase mais nada.” O fundador do popular jornal de domingo Reynolds News – que alcançou grande circulação por tratar de assuntos diversos, inclusive o “serviço secreto da polícia”, e não de informação política – era um antigo cartista. Todavia, G.W.M. Reynolds não era mais um fundador do tipo de jornalismo que seria chamado de “novo” do que seria Harmsworth vinte anos depois. O adjetivo não estava certo. Mais para o início do século XIX, o entretenimento (ou a diversão) era tão importante quanto a informação em diversos jornais, sobretudo naqueles publicados aos domingos. Em 1812, havia dezoito deles, e poucos eram dirigidos a leitores da “classe trabalhadora”. O Bell’s Life in London and Sporting Chronicle, que apareceu em 1822, fazia propaganda de si mesmo, dizendo “combinar as notícias da semana com um rico repertório de moda, graça e humor, além de incidentes da vida social e cotidiana”. Em 1886, apropriadamente, seria incorporado ao Sporting Life. Uma outra produção de Bell, o Bell’s Weekly Messenger (1796-1896), concentrava-se também em crimes, escândalos, sexo, desastres, epidemias e turfe. O mesmo fazia o ainda sobrevivente News of the World, lançado em 1843, e muitas publicações de Edward Lloyd que não resistiram ao tempo. Lloyd (1815-90) começou sua vida profissional, assim como diversos cartistas, como vendedor de jornais e livreiro no East End de Londres. Sua primeira aventura no jornalismo foi Penny Sunday Times and People’s Police Gazette; dois anos depois lançou o Lloyd’s Illustrated Sunday Newspaper, o primeiro jornal a vender 1 milhão de cópias depois que mudou o título para Lloyd’s Weekly News. Lloyd levantou capital com a venda das pílulas laxativas Old Parr. À medida que avançava o século XIX, o acesso à mídia impressa passou a envolver muitos outros elementos, além do acesso à informação ou da melhoria da educação. O historiador e sociólogo suíço Sismondi (1773-1842), casado com uma Wedgwood, mas com uma visão europeia, observou com rudeza em 1823 que, enquanto a “imprensa diária é um poder” na Grã-Bretanha, seu objetivo não é “o bem público, mas conseguir o maior número de assinantes”; e John Stuart Mill (1806-73), filho de um dos mais íntimos amigos de Jeremy Bentham, James Mill – militante do utilitarismo que acreditava sinceramente na necessidade de mobilizar a opinião pública –, sugeriu que “são necessárias mais artificialidade e hipocrisia na profissão literária, em especial nos jornais, do que em um zelador de bordel”, imagem que voltaria a ser utilizada. Enquanto isso, sir Robert Peel (1788-1852), que se tornou um primeiro- ministro conservador em 1841, descreveu a opinião pública como compreendendo “um grande composto de insensatez, fraqueza, preconceito, sentimentos errados, sentimentos corretos, obstinação e parágrafos de jornais”. O Times, mesmo considerado um quarto poder, não deixou de ter vários críticos, entre eles o radical William Hazlitt (1778-1830), que escreveu um brilhante ensaio sobre “O espírito da época”, em 1823. Embora admitisse que o Times atribuía-se o direito de se intitular o “jornal líder da Europa”, Hazlitt não gostava dele. “Ele deve imaginar não apenas ser impresso, mas também composto de uma máquina a vapor.” Em contraste, Peel, alarmado pelo apoio dado por seu poderoso editor, Thomas Barnes (1785-1841), à reforma parlamentar durante os conturbados anos de 1830 a 1832, chamou o jornal de “principal, maior e mais poderoso advogado da reforma”, enquanto o Quarterly Review o descreveu como “o mais devasso dos jornais londrinos e o mais descaradamente inconsistente em tudo, exceto em malícia e maldade”. Com Barnes o Times era “O Trovejante”. Constituía para a literatura o que o conhaque é para a bebida. John Bull, cuja compreensão é bastante lerda … requer um estímulo forte. Ele consome seu bife e não consegue digeri-lo sem um trago de álcool; cochila tranquilamente sobre seus preconceitos, que sua presunção chama de opiniões; e deve-se dar uma grande sacudida no seu intelecto densamente compacto antes de fazê-lo compreender alguma coisa. Barnes estava de olho nos leitores da classe média, muitos dos quais defenderam o voto em 1832. Mas o que estava dizendo era para ser ecoado em linguagem alternativa por editores diversos, em uma grande gama de circunstâncias políticas e sociais. Doze anos mais tarde, Benjamin Disraeli (1804-81) colocou na boca de seus personagens do romance Coningsby frases como: “Deus fez o homem à sua própria imagem, mas a do público é feita pelos jornais”; “A opinião atualmente é suprema e fala pela imprensa”; e a representação da imprensa “é muito mais completa do que a do Parlamento”. Mas a um romancista muito diferente, Anthony Trollope, que odiava Disraeli e desejava ser político na época, não acreditava que “isso fosse uma coisa boa”. Para ele, o Times era Júpiter, o deus dos deuses, mas os jornalistas que trabalhavam lá não mereciam respeito ou estima. Foram por muito tempo considerados pouco sérios, mas agora estavam se tornando algo pior: “intrometidos e intrusos”. O número de jornalistas aumentaria a partir de 1860 com a participação de profissionaisformados em universidades, os “intelectuais”, termo pouco usado na Grã-Bretanha da época. Eles também se organizaram coletivamente, mas não tinham um treinamento profissional, como estavam começando a ter nos Estados Unidos. Em 1886, foi criada em Birmingham a Associação Nacional de Jornalistas, que mais tarde obteve licenciamento e foi renomeada como Instituto de Jornalistas, incluindo tanto editores quanto repórteres. Mas a União Nacional de Jornalistas, um verdadeiro sindicato, só foi fundada em 1907. Mesmo nos Estados Unidos, foi apenas em 1908 que a Universidade do Missouri abriu a primeira escola de jornalismo norte-americana dirigida por um decano. No Norte, em Nova York, a Universidade Columbia se tornaria a principal fornecedora de profissionais, depois de 1912, embora ela fosse uma escola de pós-graduação. O homem que concebeu um novo papel para essa universidade, Joseph Pulitzer (1847-1911), cujo nome designa uma quantidade de prêmios (oito para campos específicos do jornalismo, seis para “letras”), nasceu na Hungria e assumiu a direção do World em Nova York em 1883. Ele pensava que o treinamento dos jornalistas deveria se basear na contribuição que a imprensa podia dar à “ideia de progresso, especialmente progresso de justiça, civilização, humanidade, opinião pública, da noção e do ideal democráticos”. Um dos grandes nomes do panteão jornalístico norte-americano foi Walter Lippmann (1889-1974), colunista de jornal que ganhou dois prêmios Pulitzer. Sua coluna “Hoje e Amanhã”, iniciada em 1931, era publicada em 250 jornais, sendo um em cada dez fora dos Estados Unidos. “Muitas pessoas compram um jornal”, reconhecia Lippmann, “porque suas próprias vidas são tão desinteressantes que elas desejam uma emoção vicária, a leitura sobre um conjunto de pessoas imaginárias cheias de vícios magníficos com os quais, em suas fantasias, possam se identificar”. Todavia, ele investigava mais do que isso, e seu influente livro Public Opinion, lançado em 1922, e reeditado com frequência, continua sendo o mais conhecido volume sobre o assunto. Lippmann sugeria que o poder da imprensa era expresso menos pela personalidade do editor de um jornal do que pelo próprio fluxo de notícias. Em um mundo moderno e complexo as notícias eram inevitavelmente seletivas, e os leitores, dependendo do que era oferecido – “histórias condensadas” –, encontravam dificuldades enormes para construir julgamentos por conta própria. Ofereciam- lhes “estereótipos” – “pseudorrealidades” – sobre questões públicas quando precisavam ser inteligentemente informados. A ideia de Lippmann a respeito de “esfera pública”, como a de Habermas (ver p.83), dificilmente se sustenta, ao dar a impressão de que a mídia distorce e os anunciantes manipulam. A ideia permaneceu como um ideal, e várias escolas norte-americanas de jornalismo – havia 84 em 1917 e 812 em 1987 – acreditavam em manter os ideais no interior de uma cultura e de uma sociedade complexas. Foram fundadas a Associação Profissional de Jornalismo, em 1912, e a Associação para o Ensino de Jornalismo, em 1949; e em 1924 foi produzido um Journalism Bulletin, que se tornaria trimestral em 1930 e se faria seguir, em 1974, por um periódico, o Journalism History. Como relacionar o treinamento jornalístico às mudanças no mundo da comunicação, este permanecia – e permanece – sendo um assunto de debate mesmo na Grã-Bretanha, onde entre 1919 e 1939 o único diploma universitário de jornalismo era oferecido pela Universidade de Londres. Se os estudos universitários já fossem mais amplamente acessíveis, haveria muita experiência em que se basear, incluindo a notável carreira, anterior à Primeira Guerra Mundial, do jornalista W.T. Stead (1849-1912). Filho de um pastor congregacionalista, Stead começou sua carreira como colaborador regular do Northern Echo, um matutino sensacionalista de orientação liberal publicado em Darlington, tornando-se seu editor, com grande sucesso, em 1871. Nesse papel ele comprometeu seu jornal com a educação obrigatória, a barganha coletiva nas relações industriais, a jornada de oito horas para os trabalhadores das minas de carvão e o sufrágio universal masculino e feminino. Ele deixou o Northern Echo, em 1885, para se tornar editor-assistente do influente jornal londrino Pall Mall Gazette, muito lido nos clubes de Londres; o editor era o liberal John Morley (1838-1923), um tipo muito diferente de jornalista político e futuro biógrafo de Gladstone. Quando foi eleito para o Parlamento, Stead assumiu o cargo de editor. O próprio Morley sucedera um tipo de editor muito diferente, Frederick Greenwood (1830-1909), conhecido por seus contemporâneos como o “Príncipe dos Jornalistas”. Editor do Gazette por apenas cinco anos, Stead produziu uma mistura de lides instigantes com matérias bombásticas, muitas delas relativas a campanhas sociais e políticas, sendo a mais famosa a que teve por alvo a prostituição juvenil, que ele chamava de “escravidão branca”. Ele foi um pioneiro do jornalismo investigativo. Seus colaboradores incluíam Oscar Wilde, George Bernard Shaw e o romancista George Meredith. Em um artigo publicado em 1886 na Contemporary Review, intitulado “Government by Journalism”, Stead afirmou que a imprensa era muito mais do que uma forma de fiscalizar o Parlamento. Era uma “Câmara de Iniciativas”. Sua Gazette era “uma Tribuna do povo”. Em 1890, com a ajuda financeira de George Newnes, e mais tarde de Cecil Rhodes, Stead fundou o lucrativo Review of Reviews, indispensável para os historiadores do jornalismo mundial. Ele também escreveu um livro sensacional, If Christ Came to Chicago (1898), mas em 1904 falhou na tentativa de criar um jornal próprio – que chamou de “folha da casa”. Tendo previsto que iria morrer linchado ou afogado, ele foi um dos passageiros que faleceram no naufrágio do Titanic em 1912. No século XX, Harold Evans (1928-), que foi despedido do cargo de editor do Sunday Times em 1982 por seu proprietário, Rupert Murdoch, também começou sua carreira no Northern Echo. Poucos defensores do “direito que o público tem de saber” foram mais eloquentes do que Evans, autor de um comunicado de 1974 publicado pela TV Granada da Grã- Bretanha: Os governos, assim como os cidadãos, precisam de uma imprensa livre e investigativa. Com um eleitorado volátil, pluralista, e uma burocracia complexa, a imprensa livre proporciona um sistema indispensável de realimentação para governados e governantes, consumidores e produtores, periferia e centro, e também para os diversos setores da burocracia. Os contextos político e social desse comunicado eram muito diferentes daqueles de Stead. Os contextos estavam sempre mudando, fossem eles políticos, econômicos ou culturais. Fora muito diferente em 1860, quando o Times era editado por John Thaddeus Delane (1817-79) e a Punch, revista semanal ilustrada fundada em 1842, descrevia a si mesmo como “observador”, “curador”, “guardião”, “vingador” e “lanceiro”. Enquanto isso, Delane sustentava coerentemente que “oprincipal papel da imprensa é obter as informações mais atuais e corretas sobre os eventos do momento e, ao revelá-las instantaneamente, torná-las propriedade comum da nação”. Ele escreveu essas palavras em 1861, quando, depois de abolidas as taxas sobre o papel, o Daily Telegraph deu boas-vindas à possibilidade de a produção deste passar a ser feita “exclusivamente segundo regras comerciais”, prosseguindo para afirmar que “todo tipo de literatura vai beneficiar-se igualmente – Shakespeare, Milton e Shelley”, assim como a “literatura ferroviária disponível nos quiosques de livros de W.H. Smith”. A revogação, prosseguia o texto, abriu para os escritores “um campo proporcionalmente amplo de atividades de gênio e talento que eles nunca antes haviam desfrutado”. Fazendo eco a Richard Cobden – que fez da sustentação moral da liberdade de imprensa algo tão nobre quantoa defesa da redução das tarifas postais (p.170), e que acreditava que “a influência da opinião pública, tal como exercida pela imprensa”, era o “traço característico da civilização moderna” –, o Daily Telegraph, que viria a ter a maior tiragem de todos os jornais da Grã-Bretanha, acrescentou que no futuro um jornal poderia ser considerado “uma autoridade muito mais terrível e fidedigna do que um procurador-geral ou um censor oficial da imprensa”. Era uma observação em retrospecto da longa luta para abolir o que os radicais consideravam “impostos sobre o conhecimento”, quando os mais ativos editores e distribuidores da imprensa radical, trabalhando com jornais que não pagavam tributos, então ridicularizados nos círculos Whig e Tory como “imprensa dos pobres”, enfrentaram a prisão. Seu protesto foi engolido pelo cartismo, um movimento professadamente de trabalhadores que lutava por liberdades democráticas, por vezes em oposição à Liga Anti-Lei do Milho de Cobden, mas ocasionalmente em cooperação com esta. A maioria dos líderes da classe trabalhadora, pré e pós-cartista, acreditava que “conhecimento é poder”, lema estampado em todas as edições do Poor Man’s Guardian, jornal publicado pela primeira vez em 1831. No final do século XIX, com a ampliação do sufrágio e o voto por urna, o clima político mais uma vez havia mudado, e nas primeiras décadas do século XX as manchetes dos jornais eram mais uma característica dessa abertura da imprensa do que os longos lides ou mesmo as grandes reportagens sobre processos parlamentares. A ênfase agora era em entrevistas com pessoas que eram “notícia”, enquanto os jornalistas redigiam suas matérias com menos palavras e em parágrafos mais curtos; algumas delas também estavam encontrando o caminho da publicidade. É interessante observar que Harmsworth, que fazia publicidade do Daily Mail em outdoors e no céu, não gostava dos anúncios longos e cada vez mais ilustrados que atraíam na imprensa a atenção para os produtos nacionalmente “registrados”. Ele também minimizou o papel da publicidade na sustentação financeira de seu jornal. Não havia tais inibições nos Estados Unidos, onde as primeiras agências de publicidade se estabeleceram entre 1880 e 1914, e onde os gastos com anúncios, dos quais a imprensa dependia desde o século XVIII, quebravam todos os recordes. O total, que subiu de 40 milhões de dólares em 1881 para 140 milhões em 1904, alcançou a marca do bilhão em 1916. A luminosa Times Square, centro de entretenimento e sede do New York Times, não tinha equivalente na Grã-Bretanha. O mesmo se podia dizer da Madison Avenue. Foi uma inovação quando, em 1961, o Sunday Times, com Evans à frente, apresentou uma luxuosa e colorida revista, cheia de anúncios, logo copiada por outros jornais britânicos em suas edições dominicais. Enquanto isso, em ambos os lados do Atlântico, jornais regionais, amplamente sustentados por diferentes tipos de publicidade, eram distribuídos gratuitamente e periódicos assumiram algumas das antigas funções dos jornais. Os Estados Unidos lideraram esse processo com os periódicos chamados “muckrackers”, voltados à denúncia de escândalos e corrupção, e muitos jornalistas dessa linha, como Lincoln Steffens (1866-1936), firmaram suas reputações por meio tanto de jornais quanto de outros tipos de periódico, notadamente uma nova revista, McClure’s, muito diferente em estilo e conteúdo de revistas antigas como a Atlantic, Harpers e Century. Os muckrackers tinham a desconfiança de magnatas de todos os tipos, incluindo os da imprensa, cujos homólogos britânicos geravam mais suspeitas ainda pelo fato de muitos deles receberem favores de órgãos públicos. Harmsworth, que se tornou visconde em 1917, não foi o primeiro deles. Algernon Borthwick, proprietário do Morning Post e confidente de lorde Palmerston, foi ordenado cavaleiro em 1880 e depois alçado à posição de baronete por Salisbury e à de par do reino em 1898. Os magnatas da imprensa estiveram sob ataque no início do século XX não apenas da parte dos muckrackers, mas também dos chamados “novos liberais”, como L.T. Hobhouse (1864-1929). A imprensa em 1909, afirmava Hobhouse, era “cada vez mais o monopólio de um punhado de ricos”. Assim, longe de ser “o órgão da democracia” – a esperança dos radicais –, ela se tornara “em vez disso a caixa de ressonância de quaisquer ideias comprometidas com os grandes interesses materiais”. Esse era, porém, um contraste simplista a se estabelecer então e depois. Alguns proprietários ricos pensavam representar melhor o público do que o Parlamento, enquanto outros, como o quacre George Cadbury (1839-1922), que em 1899 adquiriu o Daily News, determinaram que ela deveria defender seus próprios princípios. Ele imediatamente eliminou do jornal informações e dicas sobre apostas, e Hobhouse foi seu primeiro candidato ao cargo de editor. Cadbury foi em frente e adquiriu jornais regionais na crença de que era melhor gastar dinheiro “tentando estimular meus compatriotas a assumirem uma ação política do que gastá-lo com instituições de caridade”. Outra grande família quacre, os Rowntree, acreditava nas duas coisas. O Northern Echo já era controlado pelo Rowntree Trust antes de 1914, assim como o influente semanário The Nation, que em 1931 se fundiria com o New Statesman, um dos mais importantes semanários no período do entreguerras, citado com frequência tanto na Índia quanto na Inglaterra. Seu editor, Kingsley Martin (1897-1969), que escrevia tanto sobre o passado (Palmerston e a Guerra da Crimeia) quanto sobre o presente, era um crítico contundente dos jornais ingleses e de seus editores e proprietários. Jornais e outros periódicos fundados antes de 1914 por C.A. Pearson (1866-1921), a começar pelo Pearson’s Weekly em 1890, que tinha por lema “Para interessar, elevar e divertir”, e continuando em 1900 com o Daily Express, passaram para outras mãos na década de 1920: as do canadense Max Aitken (1879-1964), que em 1917 se tornou lorde Beaverbrook. Tendo sobrevivido a Northcliffe, catorze anos mais velho que ele, Beaverbrook iria servir na Segunda Guerra Mundial no gabinete de Winston Churchill. Ele já havia escrito um estudo clássico sobre o papel dos políticos, incluindo Northcliffe, durante a crise da Primeira Guerra Mundial, quando Herbert Asquith foi substituído como primeiro-ministro por David Lloyd George. “Bravo, Lloyd George” foi a feliz manchete do Daily Mail. Northcliffe tivera um interesse profundo em investigar o poder da imprensa não apenas em relação à política, mas também ao avanço da nova tecnologia. Ele patrocinou o voo de Louis Blériot atravessando o canal da Mancha em 1909, assim como um novo veículo, o rádio, quando, em 1920, conseguiu que uma apresentação da cantora Dame Nellie Melba, o “rouxinol australiano”, fosse transmitida a partir de Chelmsford (ver p.195-6). As manchetes foram dignas do evento, já que no Daily Mail não havia fones de ouvido suficientes a que se recorrer naquela ocasião especial. Do outro lado do canal, em Paris, um registro fonográfico da performance de Melba foi produzido numa sala de rádio-operações embaixo da Torre Eiffel. Se Northcliffe não ficasse mentalmente perturbado, vindo a morrer em 1922, ano da fundação da BBC (ver p.202), poderia ter desempenhado um papel importante na história da radiodifusão, tal como o fizera na história da imprensa. Em contraste, Beaverbrook, que sobreviveu a Northcliffe, tinha uma atitude mais ambivalente em relação ao novo veículo. Ele se opunha a que “os fabricantes de aparelhos de rádio assumam o controle”, mas foi totalmente desmentido pelo primeiro gerente-geral da BBC, John Reith. Depois de Reith declarar, em 1923, que “a liberdade no ar resultaria no caos”, a manchete do Daily Express foi: “Lutando pela Liberdade”. Um crítico mais explícito de Beaverbrook do que Reith foi o então líder do Partido Conservador, Stanley Baldwin(1867-1947), que ganhou as manchetes no início de 1931, ano de crise financeira e drama político, ao acusar os jornais da Fleet Street de “aspirarem ao poder sem responsabilidade”, acrescentando que esse poder havia sido, através dos tempos, “a prerrogativa da concubina”. Apoiado pelo Times, cujo editor, Geoffrey Dawson, tinha intimidade com fontes oficiais do Partido Conservador, o próprio Baldwin, juntamente com Beaverbrook, havia sido um alvo do herdeiro de Northcliffe, o visconde Rothermere, que ameaçou fazer oposição nas eleições gerais seguintes aos candidatos conservadores que não prometessem engajar-se na campanha pelo “Livre Comércio no Império”. Durante a década seguinte, até a Segunda Guerra Mundial, Rothermere apoiaria o líder fascista sir Oswald Mosley (1896-1980) – “Vivam os camisas-pretas”, foi uma manchete do Daily Mail. O Daily Express, de Beaverbrook, órgão que expressava as opiniões do dono, chegou a prometer aos leitores, na véspera da invasão da Polônia por Hitler, que não haveria guerra. Na Grã-Bretanha, essa foi a época dos barões da imprensa que festejavam seu poder, bem descrita no segundo volume de um estudo magistral feito por um historiador norte-americano, Stephen Koss, e publicado em 1985, The Rise and Fall of the Political Press in Britain, que colocou o adjetivo “aparente” antes de “poder do baronato”. Na avaliação de Koss, a imprensa popular podia estimular ou produzir opinião, mas não conseguia determinar como os leitores reagiriam. Além da política, havia outras maneiras de interessar os leitores de jornal, como a oferta de palavras cruzadas, um novo passatempo popular, e, acima de tudo, de esportes (os bolões de apostas em futebol, uma espécie de loteria, e as apostas em corridas de cavalos não eram transmitidos pela BBC). A política muitas vezes vinha por último quando se tratava de escolher que jornal comprar. Embora a maioria das pessoas não fosse instruída o bastante para ler nas entrelinhas, como afirmou o poeta W.H. Auden, elas não compartilhavam necessariamente a posição política dos proprietários ou editores dos jornais. Isso ficou claro em 1945, quando, na eleição geral daquele ano, Winston Churchill, que fora altamente louvado pelo Daily Mail e pelo Daily Express, sofreu grande derrota, e o Partido Trabalhista ganhou a eleição geral. Nesse ponto da história da mídia é possível comparar a imprensa e o rádio como mídias que influenciam o fornecimento de informações e a formação da opinião pública. Havia muitos motivos para a vitória do Partido Trabalhista em 1945, e Churchill, célebre por seus pronunciamentos à nação, não deu o tom correto nas transmissões radiofônicas em favor de seu partido antes das eleições gerais, as primeiras desde 1935. E em nada o ajudou o fato de parecer estar recebendo conselhos de Beaverbrook sobre estratégia. Enquanto isso, Clement Attlee (1883-1967), que iniciara sua carreira como diretor-geral dos Correios, e seus colegas do Partido Trabalhista, surpresos eles próprios com a magnitude de sua vitória, desfrutavam em 1945 a poderosa ajuda do Daily Mirror, jornal lançado em 1903 que se tornou um tabloide genuíno em 1934. Dentre as histórias em quadrinhos veiculadas pelo jornal, o personagem preferido pelo público, Jane, era mais conhecido em 1945 do que Attlee. Independentemente das fontes de atrativo da imprensa em 1945 – e das limitações de sua influência –, a circulação de jornais nacionais havia crescido durante a guerra, aumentando vagarosamente durante a década de 1930, quando diminuiu a circulação dos jornais regionais. Koss terminou seu livro com a nomeação da primeira Comissão Real sobre Imprensa em 1947, que dedicou 150 páginas à educação e ao treinamento de jornalistas. Contudo, ele incluiu um pós-escrito sobre a extinção, na década de 1960, de dois jornais bem-estabelecidos. Em 1960 o News Chronicle, herdeiro do liberal Daily News do século XIX, desapareceu. Em 1964 o Daily Herald, fundado como jornal trabalhista em 1912, com o apoio de sindicatos, se transformou no Sun, que recebeu um novo e enganoso slogan: “Um jornal nascido na época em que vivemos.” (Três anos depois foi a vez do funeral do Reynolds News, um jornal que inequivocamente pertencia a uma outra época.) O Daily Herald havia entrado em dificuldades financeiras em 1930, durante a Depressão, quando 51% de suas ações foram adquiridas pela Odhams Press. O novo Sun perdeu ainda mais dinheiro, e depois de cinco anos de incertezas e esforços foi vendido em 1969 para Rupert Murdoch, que ainda se encontrava a meio caminho de se tornar um magnata da mídia. No mesmo ano Murdoch adquiriu o News of the World, com uma história muito mais longa que a do Daily Herald (ver p.240), e em 1981, seguindo o caminho de Northcliffe, comprou o Times do proprietário canadense Roy Thomson (1894-1976), que havia adquirido o jornal dez anos antes. Tendo começado a carreira no setor de jornais e rádio no Canadá, Thomson havia montado uma base britânica por meio da aquisição da maioria das ações de uma das primeiras companhias de televisão independentes da Grã-Bretanha, a Televisão Escocesa, fundada em 1956. Ela lhe fornecia, em suas inesquecíveis palavras, uma “licença para imprimir dinheiro”. A concentração de poder na mídia no século XX tornou-se uma fonte cada vez maior de preocupação pública entre 1961 e 1981. Ela embaçou não apenas a maioria das possíveis linhas divisórias entre informação e entretenimento (com um pouco de educação no meio), mas também a linha que separa os partidos políticos entre esquerda e direita e, por fim, as diferenças entre as mídias. O império de Murdoch estendeu-se ao cinema e à televisão. Thomson também havia incluído na lista de seus interesses o turismo, ramo em que finalmente se concentrou. Cecil King (1901-87), sobrinho de Northcliffe, havia adquirido o controle do grande grupo Daily Mirror em 1933, o qual seria renomeado como International Publishing Group (IPG) em 1963. Ele também tinha participação na Associated Television. Assim, após assumir a Odhams, o grupo ficou responsável por cerca de duzentos periódicos – semanais, mensais e trimestrais. Era, portanto, um conglomerado de mídia tão poderoso que King foi persuadido a se envolver numa trama conspiratória, em lugar da política partidária, contra Harold Wilson (1916-95), primeiro-ministro do governo trabalhista, em 1968. Foi uma ação tola de sua parte, o que o forçou a deixar a presidência do grupo. O periódico mais conhecido do IPG, Woman, havia sido lançado pela Odhams Press em 1937, ao preço de dois centavos, e tinha meio milhão de leitores no fim do ano. Em 1945 tinha três quartos de milhão e, no pico, no final da década de 1950, três milhões e meio. Fora do âmbito dos periódicos do IPG, a publicação mais característica havia sido Picture Post, fundada em 1938, com artigos sobre altos temas políticos e fotografias memoráveis; durante a Segunda Guerra Mundial ela não só refletia as atitudes da esquerda dos tempos de guerra, mas também as influenciava bastante. Por meio dela, Stefan Lorant (1901-97), refugiado da Alemanha nazista, usando uma pequena câmera Leica, elevou o jornalismo pictórico britânico a novas alturas. O proprietário do jornal, Edward Hulton (1906-88), que havia começado sua carreira de proprietário de jornais em 1937 com Farmer’s Weekly, foi sagrado cavaleiro em 1957, ano em que fechou o Picture Post. Dois anos depois, todo o grupo de periódicos de Hulton foi assumido pela Odhams, antes que esta, por sua vez, fosse incorporada ao IPG. A BBC adquiriu (temporariamente) a biblioteca de fotografias. É interessante comparar o Picture Post com a revista Life, fundada por Henry Luce (1898-1967) em 1936, treze anos depois do Time e quase simultaneamente ao jornal cinematográfico mensal March of Time. Seu prospecto era eloquente: “Ver a vida; ver o mundo; testemunhar os grandes eventos; observar as facesdos pobres e os gestos dos orgulhosos … ver coisas a milhares de quilômetros de distância, coisas escondidas atrás de paredes e dentro de salas, coisas perigosas de se obter … ver e ficar pasmado; ver e aprender.” Sem a motivação de Lorant, Hulton e Tom Hopkinson (1905-90), o último editor do Picture Post – que estava profundamente interessado na educação de jornalistas –, a revista Life vivia de acordo com o prospecto distribuído aos anunciantes antes de chegar ao público. Em telegrama enviado em 1936, o poeta e ensaísta Archibald MacLeish (1892-1982) escreveu a Luce dizendo que “as grandes revoluções do jornalismo não são as da opinião pública, mas as revoluções no modo como ela é formada”. A opinião pública seria formada de diversos modos, assim como a procura de entretenimento e educação seria moldada de maneiras diferentes. A própria Life, oferecendo um registro em cores e em tempo integral da feitura da história, morreria em 1972, depois de tentar competir frontalmente com a televisão, ainda em grande parte em preto e branco. Luce teve de concorrer não somente com a televisão mas também com revistas de notícias, com a sua própria revista Time e suas concorrentes – a Newsweek e a US News and World Report, cuja circulação combinada cresceu entre 1961 e 1970 de 5,38 milhões para 8,47 milhões de cópias. Depois da morte de Luce em 1967, a Time ficou como o centro do que se tornou um imenso conglomerado econômico, no início formado pela Time e pela Warner Brothers e mais tarde, em 1996, incluindo Ted Turner, que, de uma inviável base em Atlanta, havia criado contra todas as expectativas (e as antigas redes) uma rede global de notícias, a CNN (Cable News Network), construída a partir do nada. Nessas circunstâncias, os jornais norte-americanos tiveram de se adaptar, como fizeram quando chegou o computador. A antiga sede de um jornal – com uma sala de redação onde os repórteres usavam máquinas de escrever e em que os textos eram cortados e editados – mudaria tão radicalmente quanto os processos de impressão. O “tipo de chumbo quente” ainda não havia sido substituído em todos os lugares pela impressão em offset, e o primeiro terminal de editoria eletrônica já era inaugurado em 1973. Ainda havia velhos odores e antigos ruídos nos prédios dos jornais; e esses odores e ruídos mais tarde iam parecer curiosidades e serviriam de segundo plano para o brilhante filme político Todos os homens do presidente (1976). Como no século XIX, as páginas continuavam a sair em estágios diferentes do processo de produção. E as vendas caíam. O número de jornais vendidos por residência (menor em tamanho do que no século XIX) caiu de 1,12 em 1960 para 0,88 em 1974. Em termos sociais, a cidade em que se baseavam os antigos jornais locais perdeu seu poder para áreas mais extensas, incluindo agora, além dos subúrbios, os exurbia – que se estendiam para além deles. Este foi o contexto em que Anthony Smith (ver p.235) estudou as mudanças que estavam ocorrendo na publicação de jornais tanto nos Estados Unidos quanto em outros países. Como ele demonstrou, o que acontecia nos outros países não era diferente daquilo que se passava nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Na Suécia, que perdeu cinquenta jornais conservadores, trinta liberais e vários outros de vocação social-democrata entre as décadas de 1920 e 1960, o Estado introduziu em 1970 um fundo de empréstimo e descontos para distribuição em conjunto, seguidos por outros subsídios governamentais, principalmente para jornais pequenos. Foram também estabelecidas subvenções para jornais novos. A Noruega adotou política semelhante. A Dinamarca, não. Na Suécia e na Noruega, a extinção dos jornais dos partidos representou para a maioria dos militantes um desastre total. As comparações internacionais feitas no fim dos anos 1970 mostraram que, depois de uma década de adversidade econômica, os suecos “consumiram” mais jornais por mil habitantes do que qualquer outro povo (exceto o Japão) e chegaram perto dos Estados Unidos em número de telefones per capita. Além disso, 95% da população sueca tinha aparelho de televisão. Nesses tempos de comparação, a mídia era agora normalmente considerada uma só, sendo os Estados Unidos o principal ponto de referência. O crescimento das transmissões – primeiro de rádio e depois de televisão – levou ao declínio dos anúncios em jornal, de 45% de toda a propaganda em 1935 para 23% em 1995; mas a participação conjunta de jornais e televisão na propaganda total teve um número mais ou menos constante – 46%, comparados a 45%. Não foi somente a televisão que representou um desafio para a imprensa. Quando ela teve que se preocupar com outra mídia, tanto em termos culturais quanto de negócios, precisou examinar as possíveis mudanças futuras de seu próprio papel. Estas não eram questões novas. Na Grã-Bretanha, uma das primeiras pessoas a especular sobre as relações na mídia e suas implicações foi lorde Riddell (1865-1934), então proprietário do News of the World. Enfrentando o som do rádio, e não a televisão, Riddell, ao contrário de Beaverbrook, foi amistoso com o novo meio, mas levantou pontos interessantes, alguns dos quais estavam em ascensão do outro lado do Atlântico. Qual o efeito que o rádio terá na vida? (Aliás, não gosto da expressão “sem fio”; por que descrever uma coisa com uma negação?) Estarão as pessoas dispostas a ler menos? Falarão menos? Serão mais ou menos informadas? Irão menos ao teatro e a concertos de música? Os que moram em áreas rurais estarão mais ou menos satisfeitos? Quem pode dizer? Com sabedoria, Riddell continuou a colocar questões que permaneciam no tempo: No que concerne à geração atual, acredito que as pessoas acostumadas a ler e que gostam de ler continuarão a fazê-lo, usem elas o rádio ou não. E a nova geração que crescerá com o rádio? Preferirá se informar com um meio visual ou auditivo? A geração seguinte ia adquirir informação (e, mais ainda, entretenimento) na tela pelo meio visual, o “olho universal” da televisão, assim como pelo ouvido. Na realidade, no mesmo número de Radio Times em que Riddell expressava suas preocupações, um “ouvinte” – então palavra nova e controversa – sugeriu, em uma carta ao editor, que não era “profecia dizer que dentro de dez anos a televisão será tão avançada quanto a radiotelefonia hoje”. A palavra “espectador” ainda não havia sido pensada, mas a BBC – mais intelectual do que a Radio Times –, ao lançar um segundo periódico em 1929, chamou-o de Listener. Quando a televisão realmente chegou, ela levantou mais questões do que aquelas expressas por Riddell com respeito ao rádio. Como escreveu o então crítico de televisão do Evening Standard e editor associado de Television, Kenneth Baily, em 1949: Milhares de pessoas e depois milhões se tornarão súditas, em certo grau, da tela de suas casas. O que isso significará para elas? Um bem ou um mal? Com este novo poder parece não haver meias medidas; ele escolherá seu caminho e então fará o que não pode deixar de fazer. O determinismo tecnológico não era a resposta, como irá mostrar a próxima seção deste capítulo, mas outras tentativas foram feitas no sentido de fornecer respostas sobre as consequências sociais da televisão. Nunca antes indagou-se sobre as consequências sociais do rádio. Os dois veículos eram diferentes, mas a história da radiodifusão era uma só. A radiodifusão em perspectiva É necessário começar com o que a BBC sempre chamou de “transmissão de som”, em vez de iniciar com a televisão, tanto por seu interesse intrínseco quanto, pelo menos no início, pelo fato de que as mesmas instituições que conduziram a era da radiodifusão foram também responsáveis por introduzir a idade da televisão. Normalmente tratava-se mais de instituições do que de organizações; nos Estados Unidos, a NBC e a CBS se consideravam assim, e, na Grã-Bretanha, a BBC também. Em 1926, o arcebispo deCanterbury já dissera isso, e pouco depois a BBC seria comparada à Igreja anglicana que ele presidia. Em 1940 R.S. Lambert, um antigo editor do Listener, voltou-se para uma instituição diferente, afirmando em seu livro Ariel and All His Quality que, “no campo da arte, intelecto e política”, a BBC exercia pelo patrocínio “todo o poder antes exercido pela Corte”. O norte-americano Ed Murrow (1908-65), um dos grandes repórteres de rádio nos tempos da Segunda Guerra Mundial, famoso nos dois lados do Atlântico, era ele mesmo quase uma instituição, assim reconhecido graças às transmissões que fizera de Londres durante a batalha da Inglaterra. Para MacLeish, então bibliotecário do Congresso, essas transmissões foram responsáveis por “destruir a superstição da distância”. Hoje inestimáveis enquanto registro histórico, na época tornavam os acontecimentos mais vivos. O próprio MacLeish havia aberto um novo capítulo na rádio norte-americana com uma peça em versos transmitida em 1937: A queda da cidade tinha a presença de Orson Welles como locutor de rádio. Outro programa da CBS transmitido em 1938, em que Welles de novo figurava como locutor, foi uma versão muito modificada de A guerra dos mundos, de H.G. Wells. O anúncio da descida de marcianos na Terra gerou pânico, mas a transmissão de Welles foi descrita como “a notícia do século”, fornecendo “uma contribuição para o entendimento de hitlerismo, fascismo, stalinismo e todos os outros terrorismos de nossa época, maior do que todas as palavras escritas sobre o assunto por homens sensatos”. Em dois anos, a maioria das estações europeias de transmissão estava em mãos nazistas, e a demanda por notícias “reais” era maior do que nunca. Ao fornecê-las, o rádio pela primeira vez teve sensível vantagem sobre os jornais, uma vantagem de certa forma malvista nos Estados Unidos, mas muito apreciada na Grã-Bretanha. Antes da Segunda Guerra a BBC tinha sido restringida em seu noticiário, sobretudo no tempo e conteúdo, pela imprensa e pelas agências de notícias. Agora, com o apoio do Ministério da Informação, ela estava liberada, embora para exercer o papel de emancipador o ministério fosse novo e impopular, e não foi por meio dele, e sim mediante o Political Warfare Executive (PWE) que a BBC passou a abrigar muitos radialistas e organizações de radiodifusão europeus, eles próprios em busca da libertação política. Ficou conhecida como “Voz da Liberdade”, chegando, no auge da guerra, a fazer transmissões em 45 línguas, incluindo, para públicos de fora da Europa, o tâmil, o tai e o japonês. Em casa ela era responsável por manter o ânimo, e, entre os programas de entretenimento irradiados, o ITMA (It’s that man again!) de Tommy Handley tornou-se lendário. O modo como a BBC interpretava, no tempo da guerra, “opiniões” de um conjunto de radialistas, vários não profissionais, foi de especial importância. A rádio norte-americana também utilizou muitos voluntários de fora da profissão. A propaganda pela democracia era um tipo de propaganda que Hollywood dominava. A guerra fornece uma posição favorável – necessária, mas incomum – para examinar esses aspectos da radiodifusão, assim como mudanças tecnológicas, como o radar e os foguetes. Uma guerra de palavras estava sendo travada entre 1939 e 1945, e tanto nos países democráticos quanto nos totalitários o microfone tornou-se uma arma poderosa. Ele já havia sido utilizado durante a década de 1930 por Hitler e Goebbels, encarregado da máquina de propaganda nazista, e, anteriormente, pela União Soviética. Na primeira transmissão radiofônica nazista, em 1933, Goebbels, que estava empenhado em destruir a autonomia da imprensa, afirmou com convicção que o rádio seria para o século XX o que a imprensa fora para o XIX. Nos colossais comícios inteligentemente organizados em Nuremberg, o microfone seria usado como megafone – assim como aconteceu em praças públicas e prédios da União Soviética (figura 21). A radiodifusão, a que a BBC se opunha quase obsessivamente, tinha também a vantagem em países totalitários de poder ser controlada, e os aparelhos de rádio das pessoas, produzidos durante o fim da década de 1930, não captavam as transmissões de outros países. Nem Lênin nem Stálin (1879-1953), contudo, ambos associados a panfletos que traziam seus nomes, foram radialistas ativos, e os programas soviéticos eram maçantes, repletos de estatísticas dúbias, atraindo apenas a militância partidária. A imprensa era rigorosamente controlada. Nos Estados Unidos, onde grande parte dela era hostil a Franklin D. Roosevelt (1882-1945), que chegou ao poder no mesmo ano em que Hitler (1933), o presidente usava o microfone em suas “conversas diante da lareira” de um modo muito diferente do que fazia Hitler (ou Stálin), pretendendo fazer com que os ouvintes sentissem que estava presente, junto com eles em seus lares (figura 22). E esse não era o único uso do rádio. As oito conversas representaram somente 8% de suas falas radiofônicas entre 1933 e 1936: uma delas, transmitida em um feriado, foi ouvida por 64% dos aparelhos norte- americanos. Nenhum desses usos do rádio havia sido, contudo, parte da experiência britânica pré-guerra. A BBC, que durante os primeiros anos de sua história teve recomendações governamentais para ficar fora de transmissões controversas, na mudança da paz para a guerra teve de adaptar sua estrutura e suas políticas muito mais do que qualquer outra grande organização. Ela iniciara suas transmissões para o exterior com um serviço de ondas curtas para o Império em 1932, uma ideia de Reith, não do governo, e seis anos depois começou a transmitir em línguas estrangeiras com um serviço em árabe, voltado a transmitir “a verdade”. Em tempo de guerra ela precisava expandir suas transmissões para o exterior de maneiras inesperadas, e em sua programação doméstica achou necessário abandonar grande parte do que fora considerado fundamental nos primeiros anos – por exemplo, um padrão de programas aos domingos e a má vontade em transmitir “música popular” (autocensurada). No começo da guerra, obedecendo a instruções governamentais, a BBC transmitiu somente um único programa. Mas em janeiro de 1940 lançou nova programação (a chamada Forces Programme) como alternativa para o conjunto nacional anterior, a Home Service. Transmitida para todo o mundo, a estratégia mudou completamente o tipo de programação pré-guerra da BBC. FIGURA 21. No estádio: Adolph Hitler, com a coordenação de seu ministro da Propaganda Joseph Goebbels, usa o microfone como um megafone. Aqui, afastado do imenso público, ele fala em um grande comício. FIGURA 22. Diante da lareira. Franklin D. Roosevelt usa o rádio para conversar com seus concidadãos. Ele confiava naquilo que julgara ser comunicação democrática. Observe-se o seu público. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Forces Programme transformou-se na chamada Light Programme. Tratava-se de uma das três programações para o público britânico, sendo que a terceira (Third) era voltada para um aspecto cultural minoritário, talvez com mais prestígio no exterior do que na Grã-Bretanha. Com essas mudanças, o “grande público”, cujos elogios haviam sido cantados por Reith, assim como pelo crítico norte- americano Gilbert Seldes, estava agora se fragmentando, embora sir William Haley (1901-87), o diretor-geral que jamais usaria a palavra “fragmentação”, tivesse a esperança de que os ouvintes se educassem passando de uma programação para outra, Light a Home, Home a Third. A “fragmentação” completa só se tornaria possível depois de novas mudanças tecnológicas. Enquanto isso, nos Estados Unidos do pós-guerra, as grandes redes radiofônicas permaneceram firmemente no controle, embora durante o conflito o Departamento de Guerra tivesse sua própria rede com 1.800 postos em 1944, de modo que estrangeiros podiam ouvir programas norte-americanos em grande parte do planeta.Na União Soviética durante a guerra, apesar da propaganda radiofônica no exterior, nenhum esforço foi feito para apresentar programas amenos aos cidadãos soviéticos. A sustentação do moral nunca dependeu da provisão de entretenimento. As gráficas soviéticas estavam “competindo com armas e artilharia, com material de guerra”, e poetas, romancistas e letristas foram mobilizados para a causa. Os programas voltados para o exterior transmitiam a mesma mensagem. Não obstante, foi significativo o fato de Stálin ter usado as palavras “irmãos e irmãs”, e não “camaradas”, em sua primeira transmissão radiofônica, em 3 de julho de 1941, e algumas semanas depois um programa típico do rádio consistia na leitura de cartas de homens e mulheres escritas na frente de batalha. Depois da guerra haveria uma ênfase maior em “cultura”, definida e monitorada de cima por Andrei Zhdanov (1896-1948) e seus associados. Para examinar a expansão da radiodifusão britânica, norte-americana e russa, é necessário voltar ao começo. Na Grã- Bretanha, Reith, uma personalidade excepcional e ministro da Informação por curto período durante a guerra (1940-41), ao olhar para o passado podia combinar história pessoal e institucional. Reith tinha somente 33 anos em 1922, quando foi designado gerente-geral da British Broadcasting Company, cinco anos antes de se tornar diretor-geral da nova British Broadcasting Corporation, requisitada por uma Concessão Real para fornecer informação, entretenimento e educação. Ele permaneceu no cargo até 1938, quando se mudou para a Imperial Airways. Ele expôs suas visões sobre a radiodifusão, as quais nunca mudou, em seu Broadcast Over Britain (1924), escrito às pressas enquanto Reith estava sob grande pressão, como gostava. Reith escreveu que, quando entrou para o ramo, não havia “ordens lacradas para abrir”: “muito poucos sabiam o que [ela] significava; ninguém sabia o que poderia se tornar”. No entanto, mesmo em 1924, ele já previa os desafios da radiodifusão em uma perspectiva a longo prazo: Até o advento deste meio universal, extraordinário e barato de comunicação, uma grande proporção de pessoas não tinha acesso aos eventos que fazem história. Elas não partilhavam de interesses ou diversões com aqueles que possuem duas riquezas – lazer e dinheiro. Não tinham acesso aos grandes homens da época, e estes só podiam enviar suas mensagens a um limitado número de pessoas. Hoje, tudo isso mudou. Reith sentia que cumpria uma missão. Usar o rádio simplesmente como meio de entretenimento, acreditava, seria “prostituí-lo”. Ele não desejava oferecer às pessoas meramente o “que elas queriam”. Cumpria à BBC estabelecer padrões. “Ela deve levar para o maior número possível de lares … o que de melhor houver em cada setor de conhecimento, esforço e realização humanos.” Havia aqui mais do que um toque de Arnold, embora Reith provavelmente não tenha percebido. Em suas próprias palavras, “a preservação do tom moral” era “obviamente e [observe o advérbio] de capital importância”. Ele atribuía grande destaque à religião. Nunca usou os termos “mídia de massa” ou “comunicação de massa”. O monopólio era o instrumento natural para a missão de Reith, mesmo que fosse um monopólio “bruto” – ele próprio escolheu o adjetivo anos mais tarde –, pois somente esse tipo de organização poderia desafiar a lei cultural de Gresham, segundo a qual o mal expulsa o bem. O que significam mal e bem, naturalmente, isso era motivo de discórdia. Mesmo na época a posição de Reith, recusando a procura do “menor denominador comum”, parecia autoritária; com a passagem do tempo mostrou-se rígida e obsoleta. Todavia Reith recebeu apoio oficial e não oficial, como já acontecera com Vail, tomando a defesa do monopólio da AT&T nos Estados Unidos. Em agosto de 1922, uma manchete do Manchester Guardian afirmava, antes de Reith ser nomeado, que “a radiodifusão, de todas as indústrias, é a mais indicada para o monopólio”. Doze anos mais tarde, à luz da experiência, o Times observou que havia sido uma sábia decisão “confiar o rádio neste país a uma única organização, um monopólio independente, sendo o serviço público sua principal motivação” (figura 23). FIGURA 23. John Reith, arquiteto da radiodifusão britânica, foi objeto de diversas caricaturas, inclusive na Punch, onde podia mesmo figurar como Próspero (a revista interna da BBC chamava-se Ariel). “A ilha está repleta de música, sons, guloseimas e ares aprazíveis.” A caricatura mostra-o na fachada da então recente Broadcasting House. E mais ainda: o Comitê Crawford, indicado oficialmente em 1926 para avaliar o futuro da radiodifusão britânica, concordava com a linha de pensamento de Reith, de que o monopólio era mais uma questão de missão do que de tecnologia. Não era a resposta à exiguidade do espectro. Embora admitindo que “comprimentos de ondas especiais ou serviços alternativos” pudessem fornecer um derivativo do que chamava “o dilema da programação”, o comitê acreditava que eles “nunca seriam usados para contentar grupos de ouvintes, mesmo extensos, que pressionassem para a inclusão de programas triviais ou comuns”. No ano de 1927, quando se implementou a decisão do comitê de estabelecer uma empresa pública por meio de uma Carta Régia, a nova entidade foi saudada pelo socialista W.A. Robson como “uma invenção na esfera da ciência social tão admirável quanto a descoberta da radiotransmissão no campo da ciência natural”. Nos Estados Unidos, a radiodifusão havia-se desenvolvido em linhas diferentes, mas lá também o ano de 1927 foi um ponto de referência. Foi criada a Comissão Federal de Rádio, com o propósito de ser temporária, mas que acabou sendo renovada anualmente, com mudanças, até 1934, quando, em obediência a uma nova Lei Federal de Comunicações, a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) assumiu seu lugar. Já em 1927, o sistema de rádio norte-americano apresentava significativas divergências em relação ao modelo britânico. Ele proporcionava sobretudo entretenimento, embora a palavra “serviço” fosse amplamente usada naquilo que a Comissão Federal de Rádio afirmava sobre seu papel. Tal como as redes nacionais de empresas que moldaram o padrão da programação, ela rejeitava todos os sistemas de financiamento que dependessem de taxas de licença. O custeio da radiodifusão por meio da publicidade envolvia avaliar o interesse provocado por todos os programas patrocinados e tirá-los do ar se não atraíssem um número suficiente de ouvintes para satisfazer os anunciantes. Algumas estações especificamente educativas continuaram a operar, mas a publicidade é que dava o tom, da mesma forma que os termos da publicidade assim incorporada ao sistema empresarial norte-americano. Havia uma outra diferença entre Estados Unidos e Grã-Bretanha. O rádio norte-americano tinha uma atitude muito diferente em relação à sua utilização para fins políticos (incluindo eleições), pelo que os políticos, em sua visão, deveriam pagar. Para tentar manter o equilíbrio, a FCC desenvolveu uma “doutrina da equidade”, impondo aos radialistas um dever bilateral – propiciar um volume razoável de oportunidades para que pontos de vista contrastantes sobre esses temas pudessem ser ouvidos. Um modelo de negócios foi seguido por muitas organizações radiofônicas da América Latina, embora a radiodifusão política fosse tratada de modo diferente do que o era nos Estados Unidos. Dois modelos, o norte-americano e o britânico, foram adotados no Caribe. Apesar disso, os sistemas britânico e norte-americano foram apenas dois entre vários outros que apareceram nas décadas de 1920 e 1930. Havia muitos sistemas híbridos, como sempre houve em telecomunicações. O Canadá era um exemplo particularmente interessante, pois, mesmo tendo um poderoso vizinho, jamais quis segui-lo como modelo. A radiodifusão foi usada deliberadamente para reforçar a identidade nacional, como
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