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Pensar em tempos de morte do filosofar

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS – UFG
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FE
Disciplina: Fundamentos filosóficos e sócio-históricos da educação.
Curso: LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA – Carga Horária: 64h –				2014/1
Prof. Dr. Wanderley J. Ferreira Jr.
PENSAR CONTRA A FILOSOFIA E A MORTE DO DESEJO DE FILOSOFAR[1: Este texto é parte de um artigo meu publicado: As condições de possibilidade para o pensar e o agir ético - a experiência da diferença e do outro . In. Revista Conjectura - On-line - Pós Graduação em Filosofia - Univ. Caxias do Sul - Ano de publicação: 2012 - Revista do Programa de Pós-Graduação em Filosofia - Universidade Caxias www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conjectura/article/view/1793]
Wanderley J. Ferreira Júnior
Professor Adjunto III
Faculdade de Educação – UFG
Área: Filosofia
O que estamos fazendo em nossas aulas de filosofia, além de um exercício de erudição, que muitas vezes se degenera num monólogo ou num amontoado de belas citações? Na verdade, tanto na sociedade quanto nas salas de aulas, estamos matando o desejo de filosofar e suas condições: a revolta, a lógica, a universalidade e a aposta no acaso, no risco, no imponderável. Como consequência, não estamos propiciando condições para a experiência do pensar. Não conseguimos mais sequer desmascarar para nossos alunos os mecanismos que os fazem tomar o aparente, o dado imediato, como sendo o real e o verdadeiro. Em tal época não há realmente lugar para o ensino da filosofia como “experiência do pensar”. A ditadura do pensamento único, a imposição de um hiper-realismo (Adorno) que nos deixa como única alternativa a adaptação faz com que legitimemos os contratos, as instituições e as leis em vigor em nossos discursos e práticas, que só reproduzem a lógica da imitação, do reconhecimento, do “faça como eu faço”. (KOHAN, 2002, p. 25).
[...]
Não devemos mais nos contentar em mostrar a atualidade de determinado filósofo e em tentar “fazer como ele”, mas ler nossa própria época com ele, pensar com ele nosso próprio tempo, nossos desafios e tarefas. Mas como podemos conduzir nossos alunos e a nós mesmos para o âmbito mesmo do pensamento, se a maioria de nossos alunos, e muitos de nós professores, não sabemos mais ouvir, ler, escrever e falar com significação? Usamos as palavras como se realmente fossem cápsulas que comportam significados que devem remeter às coisas existentes (a um referente). Assim, uma das primeiras tarefas do ensino da filosofia, que tem como objetivo básico propiciar a experiência do pensar, seria problematizar e questionar essa avassaladora instrumentalização da linguagem, que deveria ser revertida já durante o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Isso evitaria essa massa de indivíduos que não exercem o direito de pensar e dizer com significação a sua própria realidade. 
O que poucos mestres, educadores e professores de filosofia sabem é que o que de maior temos a ensinar aos nossos alunos talvez seja o aprender. O grande mestre não ensina nada além do aprender, tornando dis-posto (aberto) o discípulo para novas experiências no âmbito do pensar. 
É bem sabido que ensinar é ainda mais difícil que aprender. Mas raramente se pensa nisso. Por que ensinar é mais difícil que aprender? Não porque o mestre deva possuir um acervo de conhecimentos e os ter sempre à disposição. Ensinar é mais difícil que aprender, porque ensinar significa DEIXAR APRENDER. Aquele que verdadeiramente ensina não faz aprender nenhuma outra coisa que não seja o APRENDER. (HEIDEGGER, apud FARIA, 1985, p. 54).
Mas como ensinar filosofia numa época que mata o desejo de filosofar e inviabiliza a experiência do pensar no mundo uniforme e previsível do cálculo e da repetição do mesmo? O espírito degrada-se em inteligência instrumental alimentada pela fúria da técnica em controlar toda práxis humana (HEIDEGGER, 1969). Vivenciamos o mal-estar de uma época que dificulta uma relação mais essencial, originária e interativa conosco mesmos, com as coisas, a linguagem e os outros. Tudo se mostra em sua disponibilidade ao cálculo enquanto estoque e recurso que alimenta o ciclo infindável da produção - consumo. Até mesmo o homem é visto, muitas vezes, como uma espécie de ruído que deve ser eliminado para a otimização do sistema. Em tal conjuntura, como recuperar ou salvar o desejo de filosofar e o ensino de filosofia como experiência do pensar?
O que presenciamos por todo lado é o chamamento: adaptem-se! O mercado, a sociedade administrada pelo “homem sério” quer nos convencer que a adaptação resignada ao estabelecido é a única coisa que nos resta a fazer diante da ditadura do pensamento único, que proclama a morte das utopias e da consciência histórica, eternizando o presente. Em tal tempo, a filosofia apresenta-se como um
[…] monólogo erudito de um passeador solitário, [...] ou oculto segredo de gabinete reduzido a inofensiva tagarelice entre anciãos acadêmicos. Ninguém ousa cumprir a lei da Filosofia em si mesma, ninguém vive filosoficamente. [...] Todo filosofar moderno e contemporâneo está política e policialmente limitado à aparência erudita, por governos, igrejas, academias, costumes, moda. (NIETZSCHE, 1978, p. 53).
Portanto, o que se observa é que na sociedade do espetáculo, a filosofia, enquanto experiência do pensar, não tem direitos. Mas, se deixássemos a filosofia falar, ela poderia nos dizer:
Povo miserável! É culpa minha se em vosso meio vagueio como uma cigana pelos campos e tenho de me esconder e disfarçar, como se fosse eu a pecadora e vós meus juízes? Vede minha irmã - a arte. Ela está como eu, caímos entre bárbaros e não sabemos nos salvar. Aqui nos falta, é verdade, justa causa, mas os juízes diante dos quais encontraremos justiça têm também jurisdição sobre vós, e vos dirão: Tendes antes uma civilização, e então ficareis sabendo o que a Filosofia quer e pode. (Nietzsche, 1978, p. 53).
Se a filosofia não tem direitos nesse mundo uniforme do cálculo, talvez isso se deva, em parte, a nós professores de filosofia, que muitas vezes não resistimos à tentação de sermos gurus guiados por modelos de pensamento mumificados ao longo da história. Mas como pensar contra uma certa imagem do pensamento que se consolidou ao longo da história da filosofia e numa época que inviabiliza e reprime o surgimento do próprio desejo de filosofar?
Pensar contra a filosofia e a morte do desejo de filosofar
Vivenciamos hoje uma situação paradoxal: parece não haver outra maneira de permitir o advento da experiência do pensar senão pensando contra a própria filosofia e uma determinada imagem do pensamento cristalizada nas obras e doutrinas dos filósofos. Essa atitude de suspeita em relação à tradição filosófica, própria de alguns arautos da chamada “crise da razão moderna” (Nietzsche, Marx, Freud, Heidegger, Adorno, Deleuze), não pode desconsiderar o fato de que a filosofia pensa pensando o já pensado, retomando sua própria história num diálogo incessante da razão consigo mesma e com os enigmas do mundo e da existência humana. [...]
Para Heidegger, resta ao homem, enquanto lugar de manifestação do próprio Ser na linguagem e no pensar, estar atento a isso que dá o que pensar e que independe do arbítrio humano, pois é na verdade um envio, um apelo do próprio Ser ao homem. Entretanto, na era do domínio planetário da técnica, o que dá a pensar é a própria ausência de pensamento num mundo esquadrinhado pelo cálculo e perpassado pela curiosidade pelo novo do mais novo – o que instaura o reino da substituição (Ersatz) de tudo por tudo no menor lapso de tempo possível. (HEIDEGGER, 1972; 1966; 1958). 
Esse estar atento ao que reclama ser pensado, ao que nos dá a pensar, não significa colocar a filosofia na ordem do dia, ou frequentar impunemente os textos dos filósofos, ou ainda insistir no estudo da lógica, que é uma forma de pensamento fixa, que a rigor não pensa. O filósofo Gilles Deleuze (1980, p. 17) garante que apesar da história da filosofia ser uma referência inevitável para o ensino da filosofia, tem se construído uma imagem do pensamentoa partir dela que se chama filosofia ou história da filosofia que impedem uma verdadeira experiência do pensar. Essa filosofia, enquanto conhecimento pronto e acabado depositado nas obras dos filósofos ao longo da história da filosofia, tornou-se a língua oficial do pensamento, mesmo por parte daqueles que a renegam. Essa tradição filosófica acaba por querer estabelecer as normas e as regras do pensar, inviabilizando assim o próprio pensar enquanto busca, procura, espanto, estranhamento diante do enigma da realidade e do homem para si mesmo. Assim, aqueles professores e alunos de filosofia que se dedicam ao estudo intensivo dos textos dos filósofos não têm garantias de que pensam, pior, podem inclusive nem se darem conta da ausência de pensamento naquilo que pensam, dizem ou fazem.
[...]
Apesar das circunstâncias adversas ao desejo de filosofar, a filosofia deve preservar seu o senso crítico e a sua revolta e hábito de pensar até mesmo contra si. A filosofia não pode abrir mão de seu papel desmistificador diante das ideologias vigentes, que teimam em passar uma visão homogênea, mascarando as contradições reais de nossa realidade. Através de seu ensino e aprendizado, a filosofia pode e deve contribuir para que possamos tornar explícitos os mecanismos que nos fazem tomar o aparente pela realidade. Isso certamente exigiria um processo de desbanalização do banal que deveria levar o aluno a se estranhar com a sua própria realidade imediata e experiências fragmentárias do senso comum. 
Para o pensador Alain Badiou (1994), ao refletirmos sobre o ensino de filosofia, não podemos deixar de nos perguntar em que medida vivemos em uma época que mata o desejo de filosofar, ou melhor, suas condições de possibilidades, tais como a revolta, a lógica, a universalidade e a aposta/risco. 
A filosofia deve ser não apenas um pensamento do que é, mas um pensamento do que surge, do que é improvável, indecidível. No fundo, a Filosofia só pode resistir no mundo tal como é se souber discernir as experiências que são heterogêneas à lei deste mundo: as experiências políticas radicais, as invenções da ciência, as criações da arte, os encontros do desejo e do amor. (BADIOU, 1994, p. 40).
A filosofia deve, assim, articular uma linguagem que lhe permita transitar pelas fórmulas científicas e pela lógica, pelos equívocos do poema e da arte, pelo acaso do desejo e encontros e pela política, enquanto criação de novas formas de convívio social e ruptura com o estabelecido. Isso pressupõe que a filosofia tem de abrir mão de um conceito unívoco, universal e necessário de verdade. Admitindo diferentes tipos de verdades pronunciadas e legitimadas por diferentes narrativas, para nada sacrificar do desejo de filosofar. Aqui a verdade não se esgota na mera adequação do pensamento à coisa, nem na coerência interna das proposições científicas. Ela não é um mero exercício do pensamento, ela depende do acaso de um evento. 
[...]
 Será que antes de ensinar a filosofar não temos de aprender a pensar “com” os pensadores, com nossos alunos e a própria vida? Para fazer do ensino de filosofia uma experiência do pensar, não teríamos que perceber que aquilo que há para pensar hoje é a própria ausência de pensamento no reino planetário da técnica? 
O inquietante é que esse domínio planetário da técnica não é resultado do fazer humano, não é um acontecimento que surge primeiramente dentro do âmbito-humano, nem é mesmo o homem o agente principal desse acontecimento. Pelo contrário, é o homem quem mais sofre as suas consequências. É ele a primeira vítima, o primeiro a ser explorado e provocado pela técnica. Como preparar novamente o mundo para que o homem possa novamente nele construir a sua casa, morar e pensar? Em último caso, cabe a nós decidir se da noite desse tempo de penúria e indigência surgirá um novo começo para o pensar. Enquanto isso, continuamos errando no mundo inóspito do cálculo, alheios ao fato de que já não pensamos.
Referências
BADIOU, Alain. A situação da Filosofia no mundo contemporâneo. In: BADIOU, A. Para uma nova teoria do sujeito: conferências brasileiras. RJ: Relume-Dumará, 1994.
______. Ética: Ensaio sobre a consciência do Mal. Rio de Janeiro:Aoutra, 1980.
DELEUZE, Gilles. Diálogos. Valência: Pré-textos, 1980.
______. Diferencia y repeticion. Gijon: Jucar, 1988.
FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses. Paris: Gallimard, 1966.
HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Petrópolis: Vozes, 1969.
 _____. Essais et Conférences. Tradução de A . Preau. Paris: Gallimard, 1958.
LEVINAS, E. Ética e infinito. São Paulo: Sem dados, 1987.
MONOD, Jacques. Acaso e Necessidade. São Paulo: Sem dados, 1986.
NIETZSCHE, Friedrich. A Filosofia na época trágica dos gregos. In: ______. Obras Incompletas. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 
_____. Vontade de poder. Tradução de Mario Ferreira dos Santos. São Paulo: Tecnoprint, 1985.
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