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Tese Josefa Jackline Rabelo

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INTRODUÇÃO
A nossa luta é para derrubar três cercas: a do latifúndio, a da ignorância e a do capital.
(João Pedro STÉDILE)
O MST é o mais importante movimento social e político do Brasil atual, fazendo renascer e ressurgir a luta dos trabalhadores do campo e convertendo-a no centro da luta política brasileira e da luta de classes.
(Ricardo ANTUNES).
Ao observarmos mais de perto a proposta de educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, através de uma visita� ao Instituto de Educação Josué de Castro em Veranópolis – RS, conhecido como a Escola Nacional de Formação de Professores do MST, além do exame dos documentos que tratam da problemática educacional, verificamos que o engajamento dos educadores do MST, oriundos dos próprios acampamentos, ocupações de terra, assentamentos e da luta pela reforma agrária em geral, atrelada aos desafios do cotidiano da sala de aula e às dificuldades próprias do processo de sua formação, é o que mais inquieta o quadro de intelectuais e militantes envolvidos no Setor de Educação desse Movimento. Nesse sentido, engajamento militante e prática educativa fazem parte de uma espécie de todo articulado, indivisível.
Nesses contatos, deparamo-nos concretamente com as formulações do Movimento sobre um projeto de formação de seus professores, presente em todos os seus documentos, depoimentos e na prática efetiva de seus militantes, principais líderes, intelectuais e educadores. 
Esse quadro vem se aprofundado e tornando-se mais complexo na medida em que os trabalhadores rurais mantêm em seus assentamentos escolas e projetos alternativos de educação que, de certo modo, exigem a formação de seus professores articulada às atividades de luta e organização política dos Sem Terra.
O Movimento considera que a formação continuada e em serviço dos professores se constitui em um dos mais sérios desafios para o projeto de educação desenvolvida no contexto dos acampamentos e assentamentos rurais do MST.
Historicamente, a educação no campo, ou seja, aquela destinada a atender à população da área rural, tem contado com professores que sequer possuem o ensino fundamental e/ou a qualificação profissional adequada. Nesse quadro, situam-se tanto professores de educação infantil e do ensino fundamental, como os de educação de jovens e adultos. 
Muitos destes professores, comumente denominados “leigos” por não terem uma formação específica para as atividades de ensino, viam-se diante da possibilidade de freqüentar os cursos destinados a superar essa lacuna de escolarização aliada à formação pedagógica. Programas governamentais do tipo “Logos I e II” e, mais recentemente, “Agora Eu Sei”, ao lado das denominadas licenciaturas breves, foram criados para, pelo menos formalmente, suprir as carências existentes na formação de professores do País, especialmente em áreas rurais.
Os professores leigos, vinculados ao MST, apresentam, todavia, uma singularidade que os diferencia dos demais existentes no triste cenário educacional brasileiro: são professores-militantes de um movimento que luta pela reforma agrária articulada, até certo ponto, conforme pressupomos, a uma crítica radical ao sistema capitalista.
Nesse sentido, a discussão sobre a formação de seu quadro de professores se intensificou a partir de 1987, aliada à procura de parcerias para viabilização da certificação dos professores que já atuavam como militantes na luta pela reforma agrária, mas que eram considerados leigos. O Movimento entendia que esse processo de titulação-formação� dos professores da zona rural era importante para que os mesmos pudessem concorrer aos concursos públicos estaduais e municipais, assumindo cargos nas escolas conquistadas pelo Movimento na sua luta pela escolarização. 
Para o MST, o desafio é uma formação ampla, crítica e aberta, que contribua efetivamente no engajamento de educadores e educandos nos processos de construção de um novo tipo de desenvolvimento rural, objeto dos projetos de assentamentos rurais.
Neste sentido, surge a experiência da Escola Nacional de Formação de Professores, iniciada em Veranópolis-RS em 1997, com o objetivo de garantir complementação de estudos e atuação como docentes nas áreas não atingidas pela ação do Estado.
Em todas as proposições do MST em relação à formação de professores, consta uma reivindicação pela adoção de uma nova forma de ensinar, que considere as especificidades do setor rural, a relação entre comunidade-escola, conjugadas a uma formação adequada dos trabalhadores da educação engajados na luta diária dos acampamentos e assentamentos do Movimento.
A luta pela escolarização é tratada como fundamental e prioritária pelos principais dirigentes, militantes e intelectuais ligados ao MST, assumindo um grau de importância gigantesco, visto que se defende claramente a articulação dessa luta com a luta pela conquista da terra, definindo o papel da educação como o acesso a determinados tipos de saberes, incidindo no processo de transformação social e de conquista da dignidade humana. 
Referindo-se ao Encontro Nacional dos Educadores da Reforma Agrária – ENERA - marco histórico no âmbito da formação docente do MST- que reuniu mais de 700 educadores, em sua maioria professores do Ensino Fundamental I das escolas de assentamentos, realizado em julho de 1997, na Universidade de Brasília (UNB) e organizado pelo Setor de Educação, em parceria com a Unesco e Unicef, João Pedro Stédile�, um dos principais dirigentes do Movimento, afirma que o Encontro representara um salto de qualidade, no sentido de passar para a sociedade a importância da educação para o Movimento, além de contribuir diretamente na organização desse Setor, na estrutura do Movimento. Segundo STÉDILE, tal Encontro cumpriu um papel importante em relação aos militantes do MST: convencê-los de que a guerra pela educação é tão importante quanto a luta pela terra.
Nesse contexto, o líder em foco, apresenta a clássica formulação que pretende traduzir a orientação distintiva desse Movimento em relação ao conjunto de movimentos que participam da luta no campo:A frente da batalha da educação é tão importante quanto a da ocupação de um latifúndio ou de massas. A Nossa luta é para derrubar três cercas: a do latifúndio, a da ignorância e a do capital... (STÉDILE, 2000:74) �
Em sintonia com a tese do reconhecimento da importância da educação no processo de derrubada do capital e do latifúndio, Stédile, nos informa, outrossim, que, no programa agrário, construído a partir de um debate ideológico entre os anos de 1993 a 1995, aprovado no III Congresso Nacional�, expressa uma proposta de reorganizar o meio rural, aliando à questão das formas de luta e de organização da produção no campo a do conhecimento (educação).
Nosso programa agrário/..../representa uma proposta de como reorganizar o meio rural no Brasil, para democratizar a terra e o conhecimento. Pela primeira vez aparece o acesso à educação e à organização das escolas como uma meta necessária, como parte de um programa agrário, de uma reforma agrária... Para nós tão importante quanto distribuir terra é distribuir conhecimento... (id. p. 76).�
Ainda sobre o projeto de educação do MST e de formação de seus professores, Bernardo Mançano Fernandes, outro importante intelectual do Movimento, afirma,
O Setor da Educação passa a ter uma grande responsabilidade, porque o professor daquela escola rural é um trabalhador rural. Os pesquisadores que vão trabalhar em determinado assentamento também são trabalhadores rurais. Essa escola rural desenvolve conhecimentos voltados para o benefício e o bem-estar dos trabalhadores a partir de uma nova concepção de vida rural. Em decorrência disso, o MST enfrenta uma luta difícil, que é a de tentar explicar aos educadores, aos governos, enfim, às pessoas que desenvolvem políticas públicas, que a escola não pode ser na cidade, que a escola tem que ser no assentamento... Podemos dizer, por exemplo, que o MST ao desenvolvera luta pela terra, vai construindo conhecimento, experiência. Em relação à ocupação da terra, criou uma forma de luta popular que mudou a história da reforma agrária no Brasil. (1999:77-78.).
Em suma, o MST atualmente é entendido como um movimento rural e de massas que não se restringe apenas à luta pela reforma agrária, extrapolando o seu campo de atuação para as esferas da alimentação, da educação e da saúde. Desta forma, segundo Stédile e Fernandes (1997), o Movimento se transforma em uma organização política e social de massas, trazendo, inclusive, novas referências que podem levar a um repensar sobre o conceito de movimento de massas. 
Quanto à problemática de formação dos professores do MST, vale atentarmos para os estudos e posições desenvolvidos por Roseli Caldart, uma das mais reconhecidas e influentes teóricas da área de educação no campo. Segundo a autora,
Tratar de formação de educadoras e educadores [...] que atuam em atividades educacionais nos assentamentos e acampamentos de agricultores sem terra [...] significa compreender os processos através dos quais estes mesmos passam a se constituir em sujeitos sociais da construção de uma proposta de educação vinculada com as necessidades e os desafios da luta pela reforma agrária e pelas transformações sociais mais amplas em nosso País. Significa também pensar sobre as práticas formativas que podem levar à transformação da ação política e pedagógica destas pessoas, de modo que cheguem a esta condição de sujeitos 1997:15).
No seio da particular e complexa situação do MST, torna-se oportuno assinalar a política nacional de formação docente, abrindo um parêntese para uma breve análise conjuntural acerca dessa problemática. 
Nesse sentido, interpretamos que o conjunto eclético de paradigmas vem invadindo o campo da formação e da prática docente, promovendo um distanciamento de um número considerável de teóricos da educação da perspectiva crítica e contextualizada, fato que denuncia e revela o ajustamento e o envolvimento manipulatório da educação às demandas (im)postas pela crise estrutural do capital.
Um marco decisivo da articulação desses novos paradigmas foi o relatório da Conferência de Jomtien (1990), que introduziu o lema do aprender a aprender, o qual, afirmando o modelo da pedagogia das competências, assume proposições educacionais afinadas com o projeto neoliberal, legitimando, por sua vez, as concepções ideologicamente articuladas à sociedade capitalista, ou seja, à ideologia da sociedade regida pela lógica da mercadoria.
Conforme Duarte, as pedagogias centradas no lema “aprender a aprender” são, antes de qualquer coisa, pedagogias que retiram da escola a tarefa de transmissão do conhecimento e a alternativa de possibilitar aos educandos o acesso à verdade. Em suas palavras:
[...]À escola não caberia a tarefa de transmitir o saber objetivo, mas sim a de preparar os indivíduos para aprenderem aquilo que deles for exigido pelo processo de sua adaptação às alienadas e alienantes relações sociais que presidem o capitalismo contemporâneo (2000:09).
Os novos paradigmas tomam como eixo definidor das ações educativas a competência, entendida como um conjunto de aptidões, habilidades e conhecimentos que orientam a resolução de problemas e a tomada de determinadas decisões. Assim, as competências teriam três dimensões básicas, 
Quando a realização de uma tarefa envolve fundamentalmente destreza técnica ou mecânica, fala-se em competência técnico-operacional. Quando o desempenho profissional exige um conjunto de conhecimentos, conceitos e princípios técnicos-científicos articulados a habilidades de caráter genérico necessárias, tais como capacidade de abstração, de análise e de síntese, é porque está fundamentado em competências cognitivas. Já se a ênfase está em valores e atitudes que interferem no relacionamento do indivíduo em seu ambiente de trabalho, a competência sociocomunicativa está em primeiro plano. (SENAC, 1997:22-23).
Esses paradigmas, que dominam hoje o campo da formação docente, se fundam numa concepção que leva a sujeição das ações materiais à dimensão da linguagem, da cultura, das atitudes e valores, recebendo forte influência do idealismo mais tacanho, que advoga como centralidade das suas formulações o resgate da individualidade, voltando as costas a uma análise do real a partir do campo do materialismo histórico dialético que, com Marx e Engels, como bem sabemos, encontra as principais lições de que as desigualdades sociais são frutos das relações de produção do sistema capitalista, as quais dividem os homens em proprietários e não-proprietários dos meios de produção e que constituem o fundamento da formação das classes sociais, de interesses antagônicos e que resultam das relações de oposição entre capital e trabalho. 
Assumindo como referencial teórico-metodológico de nosso trabalho a crítica marxista, abriremos um breve parêntese para analisar o ideário educacional presente na Pedagogia do Capital (competências) que vem se constituindo no carro-chefe da campanha ideológica atual tecida pelo capital frente à administração de sua crise estrutural e que propõe como função social da educação a formação para a cidadania que, em seus termos, contribuiria com a solidificação das relações democráticas nos moldes da sociedade atual.
Como contraponto a esse ideário que camufla e nega a luta de classes, é justo lembrar Marx, quando assinala que as diferenças entre as classes sociais não se reduzem a uma diferença quantitativa de riqueza, mas a uma diferença de existência. Os indivíduos de uma mesma classe partilham de uma mesma situação de classe, que inclui seus valores, regras e interesses. Percebe-se, no entanto, que a classe trabalhadora, em geral, acaba por aceitar os valores e regras da cultura dominante, apesar de não usufruir dos “benefícios materiais” que, de fato, são frutos da exploração a que é subjugada cotidianamente pelos detentores dos meios de produção.
Essa subordinação da classe não proprietária aos valores da classe proprietária operada no sistema capitalista é bem trabalhada por Rubin, quando este reconhece que o fenômeno da alienação é fundado na dimensão da existência, ou seja, é ontológico e que pode ser entendido através do que ele denomina de “a teoria marxista da alienação”. Para Rubin, a teoria da alienação é fundamental para análise da teoria do valor formulada por Marx, visto que “a teoria do fetichismo é, per se, a base de todo o sistema econômico de Marx, particularmente de sua teoria de valor” (1980 p.20).
O fetichismo das relações que os não-proprietários vivenciam não é, prioritariamente, um fenômeno da consciência, mas da existência social. Dessa forma, é possível entender como uma classe proprietária se impõe enquanto identidade majoritária sobre a outra, mesmo que, na essência, seus interesses se contraponham aos daqueles. Na aparência, deturpa-se a percepção da ordem capitalista. O que tem um caráter social aparece como natural. Uma relação de exploração aparece como uma relação natural e justa...
Isto não significa negar o papel da subjetividade na implementação dessas relações sociais de produção e cair no materialismo mecanicista, determinista, economicista. Ao contrário disso, é necessário compreender as relações entre subjetividade e objetividade. A objetividade sempre é construída em inter-relação com a subjetividade humana. É necessário o distanciamento das análises equivocadas das formulações marxianas que se baseiam no economicismo e determinismo grotesco que matam a subjetividade, categoria tão cara ao campo do marxismo.
Com efeito, no marxismo rigoroso, a subjetividade humana tem papel preponderante na construção da própria objetividade material. Subjetividade que tem como eixo central o trabalho, protoforma do ser, contando com mediações importantes e imprescindíveis da subjetividade, tais como a linguagem e a educação, que configuram dialeticamente a totalidade desse ser. Trabalho útil, concreto que põe finalidades humanasao processo de construção do ser social. Trabalho que resulta de um processo teleológico, no qual se configura um ato consciente.
Na Ontologia do Ser Social,� de Lúkács, por exemplo, encontramos expressa a relação entre subjetividade e objetividade de forma rigorosa, dialética e, principalmente, coerente com as formulações marxianas. Segundo ANTUNES (1996, p. 97), “depois de Marx, o esforço intelectual de Luckács é um dos mais férteis no interior do marxismo a buscar a verdadeira apreensão das complexas relações e determinações existentes entre objetividade e subjetividade, entre materialidade e consciência de classe”.
Referindo-se à Ontologia do Ser Social de Lúkács, ANTUNES conclui, ademais:
Quero ressaltar [...] que a tematização luckacsiana da categoria trabalho, presente na Ontologia, recupera e, com isso, opera um salto qualitativo: a dimensão dada pela vida cotidiana, como ponto de partida para a genericidade para-si dos homens. Ou seja, é central partir do universo da vida cotidiana quando se quer avançar do âmbito e das ações próprias da consciência espontânea, imediata, contingente, para as formas de consciência emancipada, autêntica, livre e universal. (idem, p. 100).
Em Marx, na obra Ideologia Alemã�, temos a afirmação de que o mundo material dos homens é a base de todo o mundo sensível e, conseqüentemente, a forma como os homens se organizam para a produção determina o seu modo de vida. Marx, no entanto, não sufoca a subjetividade humana na formação do ser social. Ele assegura essa presença quando afirma que as relações de produção pressupõem um intercâmbio dos indivíduos uns com os outros... Diz MARX,
A forma como os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente aquilo que são. O que são coincide portanto com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como a forma como produzem. Aquilo que os homens são depende portanto das condições materiais da sua produção...Essa produção pressupõe um intercâmbio dos indivíduos uns com os outros e a forma desse intercâmbio é, por sua vez, condicionada pela produção. (1986, p. 27 e 28)
Com arrimo no próprio Marx, podemos questionar até que ponto uma mudança apenas de caráter valorativo e subjetivista, alicerce dos novos paradigmas do campo educacional, pode levar a humanidade a uma condição de liberdade plena. A citação a seguir, uma das pedras de toque das formulações marxianas, convida-nos a refletir sobre a necessidade de considerar a relação dialética entre o contexto de produção das idéias de uma época e o contexto da produção material:
As idéias da classe dominante são em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. Os pensamentos dominantes são apenas a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de idéias e, portanto, a expressão das relações que fazem parte de uma classe, a classe dominante. (1985:72).
A discussão do ideário pedagógico predominante atualmente no campo educacional nos leva, conseqüentemente, à análise da crise estrutural do capital. Esse ideário é uma combinação de diversas linhas de pensamento, destoando-se da perspectiva de classe, pois propõe uma formação eclética, de base não radical, do ponto de vista da construção de um projeto socialista de mundo e de educação. 
Para melhor situar a análise dos pressupostos desse ideário, que toma como central a questão do resgate da subjetividade, articulada às dimensões da cultura e da ética (valores), recorremos à análise de Lukács, apresentada de forma magnífica por Antunes, que, ao contrário, toma como base a centralidade do trabalho na constituição da vida social e que, depois de Marx, foi o intelectual que “buscou a verdadeira apreensão das complexas relações e determinações existentes entre objetividade e subjetividade, entre materialidade e consciência de classe”. (ANTUNES, 1996- 97). 
	De acordo com Antunes, na sua obra Ontologia do Ser Social, Lukács compreende a gênese histórico-social a partir da dimensão do ser social dada pela vida cotidiana. Nesse sentido, a forma imediata do ser aparece como a base de todas as ações e reações dos homens em relação ao seu ambiente social, pois, para Lukács, “[...] A vida cotidiana possui uma universalidade extensiva”.� 
	Nas próprias palavras de Lukács, conforme é apresentado por Antunes, temos a expressão da vida cotidiana, imediata como ponto de partida para a genericidade para-si dos homens, o que garantiria a sua emancipação, fundada no trabalho e na contínua realização de posições teleológicas:
A sociedade só pode ser compreendida em sua totalidade, em sua dinâmica evolutiva, quando se está em condições de entender a vida cotidiana em sua heterogeneidade universal. A vida cotidiana constitui a mediação objetivo-ontológica entre a simples reprodução espontânea da existência física e as formas mais altas de generecidade agora conscientes, precisamente porque nela, de forma ininterrupta, as constelações mais heterogêneas fazem com que os dois pólos humanos apropriados da realidade social, a particularidade e a generericidade, atuem em sua inter-relação imediatamente dinâmica. Conseqüentemente, um estudo apropriado desta esfera da vida pode lançar luzes sobre a dinâmica interna de desenvolvimento da generecidade do homem, precisamente por tornar compreensíveis aqueles processos heterogêneos que, na realidade social, dão vida às realizações da genericidade.�
	Como vemos, as críticas que o marxismo recebe, no sentido de desconsiderar a dimensão da vida cotidiana e da subjetividade, são, em Lukács, rebatidas com propriedade, haja vista que esse teórico parte da cotidianeidade dessa esfera do ser, tomada como fundamento ontológico das relações entre o mundo da materialidade e a vida humana e, para ele, “[...] É nesta “zona de mediação” que se pode superar o abismo entre genericidade em-si, marcada pela relativa mudez ( genericididade biológica�) e a genericidade para-si , espaço da vida autêntica e livre” (ANTUNES, op. cit. p. 101).
Em conformidade com os ideais de resgate da subjetividade, da construção de uma identidade no seio da diversidade cultural e de uma ética centrada em valores humanistas, que fazem parte das concepções dos autores e interlocutores do modelo “aprender a aprender” consignados na pedagogia das competências (do capital), o objetivo principal que a educação assume no contexto atual de avanço tecnológico e da proclamada e ilusória sociedade do conhecimento, é a formação para a cidadania.
Essa forma de recorrer à cidadania como objetivo maior da educação é fruto de uma concepção da chamada esquerda democrática brasileira que, após o golpe militar, inicia um divórcio com a proposta do chamado socialismo real. O resultado é que hoje a esquerda denominada moderada ou reformista vem defendendo o projeto do socialismo democrático - surgido em oposição ao chamado socialismo autoritário do leste-europeu - o qual casa com a noção de cidadania como o norte e objetivo principal da educação.�
 Essa concepção da esquerda democrática elege a cidadania como resultado da luta de classes, enviesando a discussão pela perspectiva política, ética e moral, na qual fica subsumida a auto-construção humana cujo ato fundante é o trabalho. 
Percebemos, ao contrário, que, para entender a relação entre educação e cidadania, é necessário articulá-la com a discussão do projeto histórico da classe trabalhadora e, necessariamente, analisar as concepções de democracia e de socialismo, situando a discussão em torno da educação, cidadania e emancipação como afirmação e/ou negação destes projetos antagônicos de sociabilidade humana.
Observamos uma duplicidade de propostas conflituosas na essência. A educação humanista, a rigor, toma o princípio da formação de homem, baseada numa ética e moral burguesa que efetivamente não contempla o caráter de classe presente na experiência social. A mudança na concepção humanista passa pela subjetividade epelos valores que, de certa forma, contribuem para a formação de homens aprisionados às formulações do tipo: sociedade da livre concorrência; igualdade natural entre os homens e defesa da propriedade privada.
	Por sua vez, a concepção socialista tem como fundamento a ruptura radical com o modo de produção capitalista. Traça como objetivo maior a libertação da humanidade do jugo do capital e toma como horizonte a emancipação plena.
	Como forma de demonstrar de onde vem nossa crítica sobre a contradição, presente nessas duas propostas, recorremos a duas importantes afirmações de Mészáros, 2002�. Primeiramente, a que analisa a produção de riqueza para o capital e em seguida, a que apresenta a formulação de uma sociedade conscientemente controlada pelos produtores associados:
O modo capitalista de reprodução social não poderia estar mais distante desta determinação original de produção e propriedade. Sob o comando do capital, o sujeito que trabalha não mais pode considerar as condições de sua produção e reprodução como sua própria propriedade. Elas não mais são os pressupostos auto-evidentes e socialmente salvaguardados do seu ser, nem os pressupostos naturais do seu eu como constitutivos da “extensão externa de seu corpo”. Ao contrário, elas agora pertencem a um “ser estranho” reificado que confronta os produtores com suas próprias demandas e os subjuga aos imperativos materiais de sua própria constituição. Assim, a relação original entre sujeito e o objeto da atividade produtiva é completamente subvertida, reduzindo o ser humano ao status desumanizado de uma mera “condição material de produção”. O “ter” domina o “ser” em todas as esferas da vida. (MÉSZÁROS, 2002, P. 611)
	Vê-se na análise de Mészáros a impossibilidade real e concreta de se trabalhar a formação do homem na perspectiva da omnilateralidade a partir de uma proposta de conciliação entre a democracia (cidadania) e o socialismo. 
Dentro da lógica do capital, as necessidades de existência da humanidade são postas em último (inatingível) plano. O que interessa são as necessidades de reprodução e acumulação do capital. Articular socialismo com uma proposta de humanismo de viés liberal, em vez de esclarecer os trabalhadores quanto as complexas e contraditórias determinações do real, pode gerar uma confusão ainda maior nas suas mentes e concepções. Ao contrário, é mister se trabalhar a omnilateralidade na perspectiva da emancipação humana, articulada essencialmente com o socialismo, em que o sujeito será reconhecido em sua totalidade e a riqueza da produção é realizada em função das necessidades dos produtores associados livremente. 
A produção ou é conscientemente controlada pelos produtores associados a serviço de suas necessidades, ou os controla impondo a eles seus próprios imperativos estruturais como premissas da prática social das quais não se pode escapar. Portanto, apenas a auto-realização por meio da riqueza da produção (e não pela produção da riqueza alienante e reificada), como a finalidade da atividade-vital dos indivíduos sociais, pode oferecer uma alternativa viável à cega espontaneidade auto-reprodutiva do capital e suas conseqüências destrutivas. Isto significa a produção e a realização de todas as potencialidades criativas humanas, assim como a reprodução continuada das condições intelectuais e materiais de intercâmbio social. (MÉSZÁROS, op. cit. p. 613)
Nesse sentido, a educação emancipatória é articulada a um projeto histórico revolucionário que deve se pautar pelo estabelecimento de determinados requisitos fundamentais que desenvolvam uma prática educativa que contribua para a construção de uma sociedade plenamente livre, plenamente justa e plenamente igualitária.
	Na verdade, estamos nos referindo a uma forma concreta de sociabilidade que atingiria o patamar mais elevado para a humanidade. Essa sociedade é algo que é possível de ser realizada e não se constitui apenas numa idéia reguladora. Não seria o fim da história, mas o começo da verdadeira história humana. 
	Para isso, não basta nutrir um sentimento contra as injustiças, contra a perversidade do mundo contemporâneo, porque, até mesmo os capitalistas nutrem, à sua maneira, tal sentimento. É preciso fundamentar-se nas questões estruturais que permitem compreender o funcionamento da sociedade capitalista. É essa fundamentação que nos mostra que não existiria um terceiro caminho, baseado na defesa da democracia social. O que existe de fato é a regência do capital com todas as suas formas históricas concretas e a regência do trabalho. São essas duas formas que devem ser discutidas.
	É o trabalho enquanto ato fundante da sociabilidade humana - em seu sentido ontológico - que estará sempre presente, não importando em qual forma social e histórica estamos: comunidade primitiva, escravismo, feudalismo, capitalismo, socialismo...O trabalho é a matriz de qualquer forma de sociabilidade.
O capital deve ser entendido como uma relação contraditória entre capital-trabalho. Não existe capital sem trabalho. Essa relação funda ontologicamente classes sociais com interesses antagônicos. A classe burguesa se põe plenamente como o fundamento de uma concepção de mundo, de uma forma de sociabilidade econômica, política, social, ideológica, cultural e jurídica. É a fundação de uma perspectiva de mundo e de uma forma de sociabilidade datada historicamente.
As formas concretas dessas classes mudam continuamente, mas a relação fundante é a compra e venda da força de trabalho. É essa geração de valor, essa extração da mais-valia, esse ato de compra e venda da força de trabalho, que põe duas classes sociais fundamentais em luta e que dá origem a duas concepções de mundo, dois entendimentos a respeito da sociabilidade humana, dois projetos de sociedade inconciliáveis...
	A respeito dessa relação de classe antagônica, própria da regência do capital, MÉSZÁROS analisa o caráter desumanizador do sistema do capital, que prioriza a produção e acumulação de riquezas em detrimento das reais necessidades humanas:
Naturalmente, em tais circunstâncias e determinações, os seres humanos produtivamente ativos não podem ocupar, como seres humanos, seu lugar legítimo nas equações do capital, e muito menos ser considerados, nos parâmetros do sistema do capital, como a verdadeira finalidade da produção. A relação social mercantilizada e reificada entre os sujeitos produtivos e seu controlador agora independente - que, como questão de direitos materialmente constituídos e legalmente imposto, age como o único proprietário das condições de produção e auto-reprodução dos trabalhadores - apresenta-se de maneira mistificada e impenetrável. Igualmente, a tarefa da reprodução social e do intercâmbio metabólico com a natureza é definida de modo fetichizado como a reprodução das condições objetivadas/alienadas de produção, das quais o ser humano que sente e padece nada mais é senão uma parte estritamente subordinada, enquanto um "fator material de produção". E já que o sistema produtivo estabelecido, sob a regência do capital, não pode reproduzir a si próprio, a menos que possa fazê-lo em uma escala sempre crescente, a produção deve apenas ser considerada a finalidade da humanidade, mas - enquanto um modo de produção ao qual não pode haver alternativa - deve ser tomada como premissa que a finalidade da produção é a multiplicação sem fim da riqueza. ( 2002:611-612)
Na verdade, o socialismo é, em sua essência, um projeto humanista quando toma como finalidade primeira a emancipação do homem. Dessa forma, recorrer a um humanismo de cunho idealista e subjetivista é desconhecer que no marxismo a dimensão da subjetividade é considerada na sua relação com a objetividade, através do trabalho, ato fundante da sociabilidade humana. 
	Baseados em Lukács, na obra Ontologia do Ser Social, entendemos que o homem não é homem só porque pensa. Não é só a razão que faz o homem. O que dá origem ao homem, o que determinou o salto ontológico do ser natural para o ser social é o ato do trabalhocomposto de duas dimensões: consciência e realidade objetiva, ou, nos termos de Lukács, teleologia e causalidade. Subjetividade e objetividade têm, nesse sentido, o mesmo estatuto ontológico.
	No trabalho, enquanto ato fundante da sociabilidade humana, temos essa articulação essencial entre subjetividade e objetividade, entre espírito e matéria. São essas duas dimensões que concorrem para a formação do ser social. Foi o encontro da subjetividade com a objetividade através do trabalho, que propiciou à humanidade o salto ontológico e o afastamento das barreiras naturais. 
	ANTUNES sintetiza de forma apropriada a conceituação de trabalho desenvolvida por Lukács a partir do referencial marxista:
1.Enquanto fonte originária, primária de realização do ser social, protoforma da atividade humana, fundamento ontológico básico da ominilateralidade humana. Nesse plano mais simples e abstrato, para lembrar a caracterização de Marx, presente no capítulo V de O Capital, parece desnecessário dizer que Luckács não está se referindo ao trabalho assalariado (labour), mas ao trabalho como criador de valores de uso, o trabalho na sua dimensão concreta, enquanto atividade vital (work), como "necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio entre o homem e a natureza"., ainda nas conhecidas palavras de Marx... 2. O trabalho é um momento efetivo de colocação de finalidades humanas dotado, portanto, de intrínseca dimensão teleológica. No sentido dado por Luckács: "o simples fato de que no trabalho se efetiva uma posição teleológica é uma experiência elementar da vida cotidiana de todos os homens...". Disso resulta que todo processo teleológico implica uma finalidade, um ato consciente que põe um fim. (1996:99-100)
No marxismo, a subjetividade tem papel preponderante na construção da própria objetividade material. Marx não dissolve a categoria da essência da natureza humana. Pelo contrário, observa determinados elementos que vão se pondo como resultado da própria atividade humana e que têm um grau de continuidade muito maior do que apenas a análise dos fenômenos. O processo social é tomado em sua contraditoriedade, complexidade e totalidade. Processo social que é articulado pelas dimensões da essência e do fenômeno, ambas resultantes da prática consciente dos homens.
	O homem, na acepção marxista, é sempre resultado da teoria e da prática que leva ao surgimento de uma natureza humana que vai se modificando ao longo da história e tem um caráter de continuidade. Na interpretação de Duarte (1993), o homem é um ser que se faz através da apropriação e da objetivação. Apropriação do patrimônio genérico da humanidade que permite ao homem ser membro do gênero humano, que, ao se apropriar desse patrimônio, se objetiva, e ao se objetivar, se apropria.
	Essa dupla articulação é fundamental para o entendimento da constituição do ser social ou, como diz Mészáros (2002), do indivíduo social. Esse ser social é ontologicamente ativo, pois se faz homem na dialética de, ao transformar a natureza, transformar a si mesmo, articulação que tem como núcleo fundamental o trabalho, que norteia, assim, o processo de autoconstrução humana.
	Com base nesse referencial teórico, acreditamos que estamos vivendo atualmente uma miopia no campo da educação, mais especificamente, da formação docente, quando se reserva para a educação a preparação dos indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança. Esse modelo de pedagogia é funcional à acumulação capitalista, pois tem como núcleo fundamental a formação de indivíduos predispostos à adaptação e ao ajustamento à sociedade regida pela lógica do capital, como bem assinala Duarte:
O caráter adaptativo dessa pedagogia está bem evidente. Trata-se de preparar os indivíduos, formando neles as competências necessárias à condição de desemprego, deficiente, mãe solteira etc. Aos educadores caberia conhecer a realidade social não para fazer a crítica a essa realidade e construir uma educação comprometida com as lutas por uma transformação social radical, mais sim para saber melhor quais competências a realidade social está exigindo dos indivíduos. (2003: 12)
Diante desse quadro, assumimos como objetivo do presente estudo analisar criticamente a proposta de formação do professor do MST no contexto dos paradigmas hoje dominantes no campo da formação docente, mais especificamente, na pedagogia das competências, no sentido de examinar até que ponto tal proposta supera o referido paradigma, reafirmando a centralidade do trabalho e da luta de classes; apontando para a formação omnilateral; e indicando o socialismo como condição de plena articulação entre teoria e prática. 
Para o alcance desse objetivo de natureza mais ampla, torna-se imperativo, no percorrer de nosso trabalho, atentar para os objetivos específicos abaixo relacionados:
pontuar os princípios norteadores da educação do MST, consignados na chamada Pedagogia do Movimento Sem Terra;
analisar as concepções em torno das relações entre educação, escola e sociedade embutidas na proposta de formação do professor do MST;
situar os pontos fundamentais do debate em torno dos paradigmas dominantes no campo da formação docente;
avaliar os pontos de encontro e desencontro entre a proposta de formação do professor do MST e os pilares da educação consignados no modelo das competências; firmados pela Unesco–ONU. 
Ainda que, reconhecidamente, nos encontremos hoje, imersos num tempo de superficialidade, quando tudo pode ser dito e aceito, sem que se questionem seus fundamentos, estamos ao contrário, tentando fundamentar nossa análise em pressupostos téorico-metodológicos que nos permitam construir determinadas concepções. Para tanto, optamos pela pesquisa materialista e histórico-dialética, no plano da ontologia marxista, que compreende o movimento da realidade social em questão, articulando-o às suas especificidades e singularidades, reconhecendo, outrossim, a relação entre subjetividade e objetividade como constituidora do ser social e afirmando o trabalho enquanto ato fundante da sociabilidade humana em seu sentido ontológico.
Esta perspectiva teórico-metodológica nos permite buscar as categorias mais gerais e abstratas que respondem pela determinação do objeto para progressivamente mapear, passo a passo, suas manifestações mais concretas e reais. Nesse sentido, as categorias que guiaram nosso trabalho são aquelas que nos permite desvendar as determinações da crise estrutural do capital: trabalho e luta de classes são assim, categorias particularmente centrais nessa pesquisa.
Em suma, o processo de análise tomou como indicação teórico-metodológica a perspectiva do materialismo histórico-dialético, tecendo reflexões à luz da categoria trabalho enquanto central para uma atividade humana verdadeiramente emancipatória. Sobre esse referencial teórico-metodológico, é mister recorrer, por exemplo, ao que lembra Mészáros sobre as noções de determinações sociais:
Aqui chegamos a uma questão crucial: a complexidade na metodologia dialética de Marx. Em uma concepção mecanicista, há uma linha de demarcação definida entre o “determinado” e seus “determinantes”, mas não é o que ocorre no quadro de uma metodologia dialética. Nos termos dessa metodologia, embora os fundamentos econômicos da sociedade capitalista constituam os “determinantes fundamentais” do ser social de suas classes, eles são também, ao mesmo tempo, “determinantes determinados”. Em outras palavras, as afirmações de Marx sobre o significado ontológico da economia só fazem sentido se formos capazes de apreender sua idéia de “interações complexas”, nos mais variados campos da atividade humana. Desse modo, as várias manifestações intelectuais da vida humana não são simplesmente “construídos sobre” uma base econômica, através de uma estrutura própria, imensamente intricada e relativamente autônoma. (1993:77)
Para tanto, procuramos relacionar as peculiaridades da situação com a proposta mais ampla de educação consignadas na teoriadas competências, relacionando ainda esse objeto com a totalidade, na pretensão de que a análise mais aprofundada dessa singularidade contribua, por sua vez, para melhor compreensão do todo e ainda investigar como e por quais caminhos se manifestam os pilares e as concepções do projeto de formação de professores do MST.
Coerentemente com essa perspectiva, buscamos revelar as manifestações qualitativas, situando-as historicamente, a partir da análise de um conjunto de elementos e dimensões que compõe o nosso campo de investigação. Assim, no percurso dessa investigação, realizamos uma pesquisa de campo que foi enriquecida com as significativas contribuições dos depoimentos e do acesso aos documentos do MST, o que contribuiu para o desvelamento dos pressupostos da proposta do educador do MST que se insere na chamada Pedagogia do Movimento. 
No desenvolver dessa pesquisa de campo, que se iniciou com a análise documental, a pesquisa bibliográfica e a observação contextualizada, despertamos para a necessidade de entrevistar os próprios militantes e dirigentes do MST que se encontram à frente do Setor de Educação, no sentido de conhecermos mais de perto suas concepções, sem a interferência mais elaborada dos textos produzidos por seus teóricos mais importantes. É claro que referidos militantes trazem, sem dúvida, uma bagagem de discussão acumulada com esses intelectuais e com os demais militantes, mas certamente valeu o esforço de tentarmos apurar o que é mais original de suas concepções. 
As entrevistas foram realizadas com o apoio de um roteiro aberto e semi-estruturado, previamente elaborado, que abordava as concepções desses educadores em relação aos seguintes aspectos: história pessoal do envolvimento com o MST e especificamente, com o Setor de Educação; as concepções de sociedade, escola e educação; a relação entre socialismo, cidadania e democracia; o horizonte político-ideológico da proposta de educação; a orientação teórico-metodológica e os princípios norteadores da proposta de formação de professores; os principais teóricos inspiradores do MST, dentre outros aspectos.
Dentre os documentos analisados, ressaltamos o exame dos projetos do Curso de Magistério de Nível Médio e do Curso de Pedagogia desenvolvidos pelo Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária - ITERRA-MST em Veranopólis – RS. Nossa escolha é justificada pelo fato de que esse Instituto abriga atualmente o Instituto de Educação Josué de Castro, onde se desenvolvem o Curso de Magistério do MST e o Curso Superior em Pedagogia, este último em parceria com Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS. Essa peculiaridade nos levou à visita e à observação dessa atmosfera privilegiada de complexas e ricas experiências no campo de formação de professores vinculadas ao MST.
Não pretendemos analisar o MST como um todo, nem poderíamos, considerando sua extensão e complexidade. Focalizamos a sua expressão/dimensão educativa, ressaltando os aspectos reveladores das questões mais universais referentes à sua proposta de formação de professores.
Esta foi a nossa trajetória: investigar a obra educativa do MST, relacionando-a com a especificidade da formação de seus professores, elegendo como eixo de investigação o questionamento sobre até que ponto essa proposta sofre influências dos novos paradigmas educacionais.
Em suma, procuramos identificar as especificidades da proposta de formação de professores do MST, através da análise dos documentos, da pesquisa bibliográfica e da realização de entrevistas com os diversos educadores envolvidos na proposta, além da observação de campo implementada no Instituto de Educação Josué de Castro – IEJC/ITERRA.
Assim, no capítulo 1, iniciamos nosso trabalho com uma breve contextualização sobre a gênese e a evolução histórica do MST, e sua relação/aproximação com os chamados “novos movimentos sociais”, situando esta última discussão no contexto da crise estrutural do capital, que apresenta enormes conseqüências para o mundo do trabalho, para a organização social e para a formação do trabalhador.
No capítulo 2, tecemos uma discussão mais ampla em que abordamos criticamente os chamados “novos paradigmas educacionais”, que apresentam uma proposta de educação do século XXI, implementada através das ações ideológicas e manipulatórias dos consultores da Unesco-ONU, que se utilizam da tese da chamada Sociedade do Conhecimento para justificar e fundamentar seus discursos. Nesse contexto, discutimos os alcances e limites da teoria das competências que se pauta e se justifica nesses novos paradigmas.
Em seguida, com base na crítica marxista, examinamos as relações desses novos paradigmas com a defesa da cidadania planetária e a construção da escola cidadã, focalizando nessa discussão, a relação entre socialismo, democracia e cidadania.
Nos capítulos 3 e 4, nos aproximamos do nosso objeto de estudo, ou seja, da problemática específica que trata do projeto de formação de professores do MST, quando visualizamos a realidade concreta da Pedagogia do Movimento. Assim, no capítulo 3, expomos os princípios da educação do MST, que caracterizam a proposta ampla de formação humana em movimento, apresentados nos principais documentos e na fala dos educadores envolvidos no trabalho do Setor de Educação do MST.
No capítulo 4, registramos os elementos fundamentais de compreensão da gênese e trajetória do projeto de formação do educador militante do MST, focalizando a própria história de ocupação da escola pelo Movimento e a contribuição da professora Roseli Caldart nesse processo. 
Como desdobramento, abordamos a estrutura e os princípios organizativos dos cursos desenvolvidos pelo Instituto de Educação Josué de Castro, situado em Veranópolis – RS, destacando suas propostas curriculares e as falas dos educadores envolvidos diretamente nesses programas de formação.
Por fim, encerramos o trabalho com as considerações finais, em que resgatamos questões direta ou indiretamente ligadas às expostas no corpo do trabalho no intuito de fazermos um exame crítico sobre a Pedagogia do Movimento, abordando seus pontos e contrapontos.
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CAPÍTULO 1
GÊNESE E EVOLUÇÃO DO MST: FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA DE LUTA PELA TERRA
...Quando chegar na terra. Lembre que tem outros
passos pra dar. Mire o olhar na frente.
Porque atrás vem gente querendo lutar
Neste caminho obscuro.
Está o futuro para preparar.
Caminhe, não desanime.
Trabalhe, se alinhe no passo de andar.
Quando chegar na terra.
Não está completa tua liberdade.
Este é o primeiro passo.
Que damos na busca de outra sociedade...
(ADEMAR BOGO, MST)�
Para entendermos a proposta de educação do MST, é necessário situarmos, ainda que de forma sintética, a história desse Movimento, enfocando seus princípios de luta e sua forma de organização. 
Nesse sentido, vamos nos apoiar em alguns trabalhos que tomam como objeto de estudo o MST e, mais especificamente, a sua história de luta, apresentando os principais marcos do seu processo de gênese e formação.
O MST nasceu a partir das lutas pela terra iniciadas no final dos anos 1970, numa conjuntura de organização e luta pela redemocratização do País, que se travava contra a ditadura militar. O marco de sua fundação só se deu em janeiro de 1984, no primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais Sem-Terra, realizado em Cascavel-PR, que teve como lema: "Terra para quem nela trabalha".
A partir desse Encontro, que contou com a participação de 150 delegados, os trabalhadores rurais resolveram se organizar nacionalmente para lutarem conjuntamente em defesa da conquista da terra.
Organizaram-se diversas ocupações e acampamentos em todo o Território nacional, principalmente nos estados de RS, SC, PR e MS, o que resultou no surgimento do MST como um movimento social de grande visibilidade nacional tendo como marca fundamental o enfrentamento e a resistência contra a política agrária brasileira em que as terras ficam concentradas nas mãos de uma minoriade fazendeiros, industriais e empresas multinacionais, enquanto a maioria dos trabalhadores rurais fica excluída de seu acesso.
Essa é, em síntese, um ponto central no surgimento do MST, sendo, no entanto, importante articular sua história, que é recente, à própria história de luta, organização e resistência dos camponeses brasileiros. Nesse sentido, iniciamos este esforço de articulação de forma abreviada, pois o desenvolvimento mais detalhado e preciso de tais elementos seria aqui impossível, dadas a amplitude e a complexidade dessas questões além da própria natureza do trabalho, cujo recorte está centrado na proposta de formação de professores.
Nosso trabalho de composição sobre a natureza, as raízes históricas e a gênese do MST, é respaldado na análise de Fernandes, contando, nessa exposição, com a colaboração de outros autores. Esse autor apresenta como preocupação fundamental de seu trabalho registrar a gênese do MST em cada unidade da Federação e as principais lutas construídas no seu processo de formação, envolvendo todo essa trajetória rica e complexa.
Nos últimos 20 anos, as ocupações de terra tornaram-se uma das principais formas de acesso à terra[...]Esta forma de luta pela terra tem se intensificado, resultando em milhares de assentamentos rurais por todo o Brasil e determinando essa realidade que chamamos hoje, incorretamente, de reforma agrária.. (2000:19).
O autor relaciona a gênese do MST com essa forma de organização e luta pelo acesso à terra. A apreensão de sua formação só é possível articulada ao entendimento da ocupação da terra no Brasil. A ocupação para o Movimento representa um espaço de luta e resistência em que se torna possível a realização de um sonho, mediante o enfrentamento com os latifundiários e o Estado. Nas palavras do autor:
O MST nasceu da ocupação da terra e a reproduz nos processos de espacialização e territorialização da luta pela terra. Em cada estado onde iniciou a sua organização, o fato que registrou o seu princípio foi a ocupação. Essa ação e sua reprodução materializam a existência do Movimento, iniciando a construção de sua forma de organização, dimensionado-a. (2000:19)
	
Nesse sentido, a ocupação de terra é uma realidade determinadora, estabelecendo uma cisão entre o latifúndio e o assentamento, dando significado especial à resistência do MST por meio do seu permanente processo de recriação.
Segundo Stédile, no processo de organização do MST, a ocupação é um ponto chave fundamental. Consiste na essência do Movimento, porque aglutina as pessoas em um acampamento sem que seja necessário recorrer a um cadastro.
Nenhuma reforma agrária do mundo foi feita com cadastro. Nem as capitalistas nem as socialistas[...]Foram feitas com o ato prático das pessoas[...]A ocupação dá esse sentido de unidade às pessoas, para lutarem por um mesmo objetivo[...]Passar pelo calvário de um acampamento cria um sentido de comunidade, de aliança. (2000:114-115)
Esse processo contínuo de resistência e ocupação incide sobre a própria estrutura organizativa do MST, que vem ampliando os espaços territoriais e os espaços de luta pela conquista de outros direitos, mantendo, no centro da pauta política, a questão agrária. Como explicita o autor:
Nessas duas décadas, [últimos vinte anos] no desenvolvimento desses processos, os sem-terra se organizaram em vinte e duas unidades da federação e construíram uma estrutura organizativa multidimensionada em suas instâncias representativas e nas formas de organização das atividades. Dessa forma, ampliaram a luta pela terra em luta por outros direitos: educação, política agrícola, saúde etc., construindo condições para conquistá-los. (2000:19)
A respeito do desenvolvimento de outras dimensões presentes na luta dos sem-terra, que procuram expandir as possibilidades de suas lutas e conquistas, Fernandes recorre a José de Sousa Martins para subsidiar a tese de que o MST não deseja só a reforma agrária, intenta, outrossim, o atendimento de suas necessidades sociais.
Querem mais que a reforma agrária encabrestada pelos agentes de mediação. Querem uma reforma social para as novas gerações, uma reforma que reconheça a ampliação histórica de suas necessidade sociais, que os reconheça não apenas como trabalhadores, mas como pessoas com direito à contrapartida de seu trabalho, aos frutos do trabalho.Querem, portanto, mudanças sociais que os reconheçam como membros integrantes da sociedade. Anunciam, em suma, que seus problemas são problemas da sociedade inteira. Que a derrota política de seus agentes de mediação não os suprime historicamente. A falta da reforma agrária não acaba com o camponês, com o pequeno agricultor, com o trabalhador rural. Ao contrário, multiplica as responsabilidades das elites políticas porque suprime uma alternativa de integração política social e econômica de milhões de brasileiros que vivem no campo, em condições cada vez mais difíceis. (MARTINS, 1994:56, apud FERNANDES, op. cit. p.21)
As experiências do MST, de acordo com seus principais analistas, vêm sendo construídas na persistência da autonomia política dos sem-terra, transformando-se numa organização ampla e atuante em diversas dimensões da vida, lutando em todas as regiões brasileiras contra a exclusão e a exploração. Esta forma de organização reproduz, assim, não só a lógica do desenvolvimento das relações econômicas, mas também a construção de relações políticas, envolvendo várias instituições, entre elas o Estado, por meio da ocupação de terras, agências bancárias e prédios públicos, considerada a sua principal estratégia.
Analisando o MST enquanto um movimento popular e de massa que busca trabalhar as questões econômicas articuladas a uma prática política consistente e crítica, Vendramini (2000:50), acredita que este já brotou com a premissa de que a luta pela terra tem de ser de massa, o que o torna um dos “mais inovadores fenômenos políticos da América Latina, à medida que busca enfrentar os problemas do campo atacando as causas estruturais. Nesse sentido, a reivindicação da terra é importante e válida”.
Olhando para as raízes históricas mais antigas, a origem dos sem-terra ocorreu com fim do trabalho escravo, no final do século XIX, com a chegada do imigrante europeu e em pleno desenvolvimento do capitalismo, estabelecendo-se uma outra relação social baseada na venda da força de trabalho. Nos períodos de escravidão, o negro era vendido como mercadoria e como produtor de mercadoria. Com a instituição do trabalhador livre, representado agora pelos sitiantes (pequenos proprietários ou posseiros), os agregados e os negros, conservaram-se a separação entre o trabalhador e os meios de produção, por meio da subordinação da venda da força de trabalho ao fazendeiro, ao capitalista. Dessa forma, ao imigrante europeu, banido de sua terra, livre por possuir a sua força de trabalho, restara-lhe a luta pela terra. 
A gênese dos trabalhadores sem-terra se encontraria nessa nova composição do trabalhador camponês, que confrontava seus interesses com os dos fazendeiros que grilavam� a terra.
Ao mesmo tempo, enquanto os trabalhadores fizeram a luta pela terra, os ex-senhores de escravos e fazendeiros grilaram a terra. E para realizarem seus interesses por meio da trama que construiu o domínio das terras, exploraram os camponeses. Estes trabalharam a terra, produziram novos espaços sociais e foram expropriados, expulsos, tornando-se sem-terra. Nessa realidade, surgiu o posseiro, aquele que possuindo a terra não tinha o seu domínio. A posse era conseguida pelo trabalho e domínio pelas armas e poder econômico. Desse modo, o poder do domínio prevaleceu sobre a posse. Evidente que esse processo de apropriação das terras gerou conflitos fundiários, de modo que a resistência e a ocupação eram perenes[...]A maioria dos trabalhadores, ex-escravos e imigrantes começaram a formação da categoria, que na segunda metade do século XX seria conhecida como sem-terra. Lutaram pela terra, pelo desentranhamento da terra, numa luta que vemsendo realizada até hoje. (FERNANDES, idem, p.27-28).
Desde o final do século XIX e todo o século XX, registraram-se diversas formas de resistência do campesinato brasileiro ocorridas por meio da organização de movimentos messiânicos e de grupos de cangaceiros, que lutavam contra o cerco à terra. 
Nessa história de cerco à terra, temos no Brasil uma história de resistências de movimentos de camponeses, constituídos de trabalhadores imigrantes e ex-escravos, que se organizaram no sentido de lutarem pela terra. Temos, assim, a história de luta e resistência dos seguintes movimentos: a guerra de Canudos, de Antônio Conselheiro (Bahia, 1893-1897); a guerra de Contestado (no sul do Brasil, Paraná e Santa Catarina, 1908-1914); O cangaço (região Nordeste, nas primeiras décadas do século XX); e as Ligas Camponesas (criadas em quase em todos os Estados do Brasil, 1945-1964).	
	A propriedade privada da terra no Brasil, fundamental para o desenvolvimento do modo capitalista de produção, foi uma condição para a existência do trabalho livre, que, conseqüentemente, muniu essas formas de luta e organização dos agora trabalhadores livres.
	A lei de terras, elaborada em 1850 pela monarquia brasileira, promoveu o cerco à terra, intensificado por mecanismos de grilagem e expropriação de posseiros. O latifúndio característico do Brasil-colônia monárquico se estabelece também com força no Brasil republicano. Esta lei privatizou a terra, cercada e apropriada pelos grandes latifundiários. As terras que não foram cercadas deveriam ser devolvidas ao Governo, daí o termo terras devolutas.
	No processo de elaboração da lei de terras no Brasil, foram apresentados dois projetos (o de José Bonifácio de Andrada e Silva e o do Padre Diogo Antônio Feijó) que de certa forma limitavam o tamanho da propriedade e possibilitavam aos camponeses o acesso à terra por meio de mediações. Esses projetos, no entanto, jamais saíram do papel porque arranhavam os interesses dos grandes proprietários. 
Este fato intensificou a construção do Brasil do latifúndio, propiciando a grilagem da terra pelos coronéis, o trabalho nas fazendas, a matança de posseiros e o extermínio de povos indígenas. Registra-se, pois, na história do Brasil-colônia e agora, no Brasil República, o cativeiro da terra. (FERNANDES, op. cit. 2000).
No final dos anos 1970, mais precisamente em 1979, o nascimento do MST, fruto do processo histórico de resistência do campesinato brasileiro, é a extensão da história de luta dos movimentos dos camponeses brasileiros, citados nos parágrafos anteriores principalmente, do movimento das Ligas Camponesas, reprimidas violentamente com o golpe militar de 1964. 
Nesse contexto de aliança política de que participaram diferentes setores da burguesia: latifundiários, empresários, banqueiros, etc, os movimentos camponeses foram aniquilados, através da perseguição, humilhação, assassinato e exílio dos trabalhadores rurais.
	Dessa forma, todo o processo de organização dos trabalhadores foi desestruturado, impossibilitando os camponeses de ocuparem espaços políticos de luta por seus direitos. Como efeito, registra-se a elaboração de políticas que
Aumentaram a concentração de renda, conduzindo a imensa maioria da população à miséria, intensificando a concentração fundiária e promovendo o maior êxodo rural da história do Brasil.[...] Em seu pacto tácito, os militares e a burguesia pretendiam controlar a questão agrária, por meio da violência e com a implantação de seu modelo de desenvolvimento econômico para o campo, que priorizou a agricultura capitalista em detrimento da agricultura camponesa. Ainda, o governo da ditadura ofereceu aos empresários subsídios, incentivos e isenções fiscais, impulsionando o crescimento econômico da agricultura e da indústria, enquanto arrochava os salários, estimulava a expropriação e a expulsão, multiplicando os despejos das famílias camponesas.(FERNANDES, 2000: 41).
	Todas essas ações políticas tiveram conseqüência na questão agrária, registrando-se uma alteração na estrutura fundiária brasileira, com uma intensificação do modelo concentracionista, ampliando os conflitos e as lutas no campo. Nessa conjuntura, a questão agrária tornou-se um dos principais problemas do governo militar.
	Esse modelo de desenvolvimento econômico para o campo priorizou a agricultura capitalista e fez aumentar a miséria, a acumulação e a concentração de riquezas, transformando o meio rural com a intensificação da mecanização e a industrialização, aliados à modernização tecnológica de alguns setores da agricultura, expropriando e expulsando da terra trabalhadores rurais, causando o crescimento do trabalho assalariado e fazendo surgir a categoria de bóia-fria.
	No intuito de superar os problemas dos conflitos fundiários para desmobilizar os camponeses e evitar que a questão agrária se transformasse num problema nacional, os militares criaram no início da ditadura, o Estatuto da Terra. Pretendiam ter o controle sobre a questão agrária, utilizando-o conforme a sua concepção de reforma agrária, em que constavam a utilização de tributação e os projetos de colonização e em que a desapropriação era uma exceção. "A colonização foi imposta como forma de controlar a questão agrária sem fazer a reforma agrária”.(FERNANDES, op. cit. 2000:45).
	No entanto, devido ao aumento dos conflitos no campo, no final da década de 1970, o governo militar foi obrigado a usar a estratégia de desapropriação de terras, como forma de evitar a expansão dos conflitos fundiários, que se multiplicaram por todo o território nacional. Para exercer o controle da organização dos camponeses os militares determinaram a militarização do problema da terra. Criou-se o Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT) e o Grupo do Baixo Amazonas (GEBAM), que tinham como função fundamental a administração dos conflitos, aliada à prisão dos camponeses “subversivos” e “revoltosos”...
	A militarização proporcionou diferentes e combinadas formas de violência contra os trabalhadores. A violência do peão, que é o jagunço da força privada, muitas vezes com o amparo da força pública. A violência da polícia, escorada na justiça desmoralizada, que decretou ações contra os trabalhadores, utilizando recursos dos grileiros e grandes empresários, defendendo claramente e tão-somente os interesses dos latifundiários. Aumentaram os números de violência e colidiram com a relutância camponesa, que não se entregou e a cada dia realizava novas lutas. No ano derradeiro do governo militar, 1985, os jagunços dos latifundiários e a polícia assassinavam um trabalhador rural a cada dois dias. (idem, p. 44)
	Alguns movimentos se rebelaram contra esse explícito e violento processo de militarização da questão agrária. Temos inicialmente a Comissão Pastoral da Terra - CPT, atrelada à Igreja Católica, que trabalhava junto às paróquias nas periferias das cidades e nas comunidades rurais, sendo a articuladora dos novos movimentos de camponeses no período da ditadura militar, reiniciando um novo período da história da formação camponesa. A estratégia de luta consistia em evidenciar as artimanhas dos militares camufladas pelo discurso oficial e organizando frentes de luta pela terra e pela reforma agrária.
	Segundo Fernandes, essa luta no campo foi se desenhando em três frentes:
A luta dos assalariados por melhores condições de trabalho e reivindicações salariais. As lutas de resistência dos posseiros contra a grilagem e rapinagem dos latifundiários e das grandes empresas capitalistas, e as lutas crescentes dos sem-terra, no final da década de 70, na realização das ocupações, acampamentos, caminhadas e conquista da terra. (idem, p.45-46).
Encontramos na leitura de Fernandes um conceito de sem-terra, amparado em Martins, que constitui uma articulação da luta entre os assalariados (bóias-frias) e os posseiros, que contribui para o entendimento da origem do MST.
Os sem-terra são camponeses expropriados da terra, ou com pouca terra, os assalariadose os desempregados. São trabalhadores na luta pela reinserção nas condições de trabalho e de reprodução social, das quais foram excluídos, no processo desigual de desenvolvimento do capitalismo. Suas lutas são pela conquista da terra, pela reforma agrária e pela transformação da sociedade. Questionam o modelo de desenvolvimento e o sistema de propriedade, lutam contra o modo de produção capitalista e desafiam a legalidade burguesa, em nome da justiça (MARTINS, apud FERNANDES, 2000:45)�.
	Durante o período da ditadura, os trabalhadores resistiram à repressão dos governos militares que objetivavam restringir o avanço do movimento camponês, construindo a alternativa da ocupação da terra. A origem do MST é fruto dessa luta contra o processo de militarização da questão agrária. 
Com a implantação do atual modelo de desenvolvimento econômico da agropecuária, apostou-se no fim do campesinato. No entanto, por causa da repressão política e da expropriação resultantes do modelo econômico, nasceu um novo movimento camponês na história da formação camponesa do Brasil. Aos que acreditaram no fim do camponês, não atentaram para o fato que o capital não comporta somente uma forma de relação social, ou seja: o assalariamento. Ainda, a propósito, o próprio capital, em seu desenvolvimento desigual e contraditório, cria, destrói e recria o campesinato. É por essa lógica que podemos compreender a gênese do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. (FERNANDES, op. cit. p. 46-47)
	Esse processo, denominado de modernização conservadora, combinou desenvolvimento e modernização da agricultura com aumento de concentração da propriedade da terra, expropriando e expulsando do campo mais de 30 milhões de pessoas que migraram para as cidades.
O MST é fruto de um processo histórico de resistência do campesinato brasileiro. É, portanto, parte e continuação da história da luta pela terra[...] Nesse processo, os fatores econômicos e políticos são fundamentais para a compreensão da natureza do MST. Na década de 1970, os governos militares implantaram um modelo econômico de desenvolvimento agropecuário que visava acelerar a modernização da agricultura com base na grande propriedade, principalmente pela criação de um sistema de créditos e subsídios. [...]De um lado, aumentou as áreas de cultivo da monocultura da soja, da cana-de-açúcar, da laranja entre outras; intensificou a mecanização da agricultura e aumentou o número de trabalhadores assalariados. De outro lado, agravou ainda mais a situação de toda a agricultura familiar: pequenos proprietários, meeiros, rendeiros, parceiros etc., que continuaram excluídos da política agrícola. (idem, p.49)
	A gênese do MST aconteceu no interior dessas lutas de resistência dos trabalhadores contra a expropriação, a expulsão e o trabalho assalariado. Segundo o relato de Fernandes,
O Movimento começou a ser formado no Centro-Sul, desde 7 de setembro de 1979, quando aconteceu a ocupação da gleba� Macali, em Ronda Alta no Rio Grande do Sul. Essa foi uma das ações dos trabalhadores sem-terra, que aconteceram nos Estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, fazem parte da gênese e contribuíram para a formação do Movimento[...] De 1979 a 1984 aconteceu o processo de gestação do MST[...] Em 1984�, [temos] o nascimento do MST ao ser fundado oficialmente pelos trabalhadores em seu Primeiro Encontro Nacional, realizado nos dias 21 a 24 de janeiro, os sem-terra realizaram o Primeiro Congresso, principiando o processo de territorialização do MST pelo Brasil. (2000:50).
	A respeito da gênese e natureza do MST, Stédile compartilha da tese, exposta há pouco, afirmando que o surgimento do Movimento Sem Terra foi determinado por vários fatores:
O principal deles foi o aspecto sócioeconômico das transformações que a agricultura brasileira sofreu na década de 1970[...] os camponeses expulsos pela modernização da agricultura tiveram fechadas essas duas portas de saída – o êxodo para as cidades e para as fronteiras agrícolas. Isso obrigou-os a tomar duas decisões: tentar resistir no campo e buscar outras formas de luta pela terra nas próprias regiões onde viviam. É essa base social que gerou o MST. Uma base social disposta a lutar, que não aceita nem a colonização nem a ida para a cidade como solução para os seus problemas. O segundo [fator] é o ideológico. Quero ressaltá-lo porque é importante na formação do movimento. É o trabalho pastoral, principalmente da Igreja Católica e da Igreja Luterana. (STÉDILE, 2000, p. 15,17 e 19).
Nesse sentido, o processo de formação contou com a interação dessas instituições que tinham como pauta de luta a questão da reforma agrária, especialmente da Igreja Católica, por meio da Comissão da Pastoral da Terra (CPT), uma das principais articuladoras das diversas experiências que construíram uma nova realidade do campo, através da organização de espaços de socialização política, como por exemplo, as Comunidades Eclesiais de Base – CEB’ s - uma organização impulsionada pelo movimento de renovação da Igreja: a Teologia da Libertação.
Nos registros do próprio MST, encontra-se a informação de que a primeira ocupação que marcou a resistência dos camponeses, e que deu origem ao processo de formação do MST, foi a que ocorreu no dia 7 de setembro de 1979, quando 110 famílias ocuparam a gleba Macali�, no Município de Ronda Alta - Estado do Rio Grande do Sul. 
	Vendramini, sintetiza desta forma o processo de organização que culminou com o nascimento do MST:
O MST existe, nos estados do sul do País, desde 1979, quando seu lema era “Terra para quem nela trabalha”.No 1o Congresso, em 1985, consolidou sua organização nacional, levantando a bandeira: “Ocupação é a única solução”. A orientação atual é continuar a ocupar os imóveis em desapropriação, sob o lema “Ocupar, resistir e produzir”. No congresso de 1995, o MST reforçou tal lema e conclamou “a união dos trabalhadores do campo e da cidade:”Reforma agrária: uma luta de todos”. A bandeira de luta atual consagrada no mais recente congresso, em 2000, é a seguinte: “Reforma agrária: por um Brasil sem latifúndio”. (2000:50-51)
	Desde seu nascimento, o MST fez a opção pela autonomia política do Movimento, recusando alternativas e projetos que significassem controle e manipulação das lutas. Houve também a definição de incluir e envolver todos os que querem lutar pela terra, envolvendo desde as famílias do MST até profissionais e militantes de outras categorias. A respeito disso, Fernandes nos informa:
Essa experiência foi além da participação da família. Pode entrar todo o mundo que quiser lutar pela reforma agrária. Pode entrar o professor, o padre, o engenheiro agrônomo, o advogado, o técnico, o administrador etc. Essa condição deu consistência ao MST, que ao se abrir para a participação superou as características típicas do movimento camponês, quando participavam predominantemente os homens que trabalhavam na terra. Procurando ampliar a luta, o MST criara diversas experiências de participação, sem perder sua identidade camponesa. (2000:84-85).
	Como um movimento de massa bem organizado local e nacionalmente, pressupõe o envolvimento de todos os seus integrantes, das crianças, mulheres, jovens e adultos em todos os diferentes momentos de luta: acampamentos, assentamentos, marchas nacionais, conseguindo a adesão e simpatia de expressivos setores da sociedade nas suas mobilizações.
	Segundo Vendramini (2000), o MST se diferencia de outros movimentos sociais, pois se mantém em permanente articulação e organização quando conquista a terra. Isso ocorre quando os trabalhadores já assentados permanecem em contínua e persistente luta pela organização da produção agrícola junto aos assentamentos, em função de uma exigência da própria evolução histórica que pode levar os já assentados a um processo de exclusão futura. 
Trata-se de uma forma de reação frente à perda constante do espaço e meio fundamental do trabalho das famílias atingidas pela violenta “modernização” empresarialda agricultura. Dessa forma, o MST apresentaria um duplo caráter que aponta uma heterogeneidade da base do movimento. 
Os assentados têm de concretizar esforços no sentido de consolidar economicamente a sua permanência na terra, enquanto o movimento, que é dos sem-terra, tem de operar pressionando pelo atendimento da demanda por terra. Aqui entre a discussão do peso a atribuir às lutas econômicas (por créditos, insumos, comercialização etc.) e às lutas políticas. (VENDRAMINI, 2000:55).
Segundo Fernandes, o caráter político do MST é compreendido pelo próprio Movimento, como sentido de pluralidade e da coerência, porque é a política que sustenta a convivência na diversidade, marca principal do MST, pois envolve pessoas de todos os credos, culturas e regiões. Os princípios de sua organização foram elaborados à luz de suas experiências e das leituras da história de luta dos trabalhadores do campo. Esses princípios passaram a reger o MST, o que o diferencia dos outros movimentos sociais. 
O MST, em seu desenvolvimento, reúne o povo pobre do campo e da cidade disposto a lutar[...]os camponeses sem-terra foram percebendo que a luta pela terra e a luta pela reforma agrária só se desenvolvem se forem feitas no contexto da luta de classes[...] Em seu desenvolvimento, o MST sempre teve como referências estes princípios: lutar contra o capital na construção de uma sociedade sem exploração; lutar pela terra e pela reforma agrária, para que a terra esteja sempre a serviço de toda a sociedade; lutar pela dignidade humana, por meio da justa distribuição da terra e das riquezas produzidas pelo trabalho; lutar sempre pela justiça com base nos direitos humanos; lutar contra todas as formas de dominação e procurar em todo o tempo e lugar a participação igualitária da mulher. (2000:85-86)
	Nesse sentido, O MST é, hoje, um dos mais conhecidos movimentos sociais no Brasil. Apresenta um alto grau de articulação interna e uma organização em âmbito nacional. A disciplina entre seus militantes e a homogeneidade nas suas formas de luta são características dessa organização. Conta com o envolvimento de um número cada vez maior de trabalhadores Sem Terra e com assalariados que perderam seus empregos nas grandes indústrias agrícolas. Vendramini nos apresenta alguns índices relativos ao ano de 2000, que representam esse crescimento na organização do MST.
A importância do MST pode ser ilustrada pelo número de acampamentos no Brasil. Existem hoje mais de dois mil acampamentos espalhados pelo País, envolvendo 368.325 famílias. Só em 1999 foram organizados 538 acampamentos, enquanto em 1990 totalizavam 119 (cf. MST, 2000). Percebe-se o crescimento do movimento na mobilização de famílias sem-terra na luta pela reforma agrária. Ao mesmo tempo evidencia-se a lenta desapropriação de terras por parte do governo federal. Há aproximadamente 1.5000 projetos de assentamentos no País, com 160.000 famílias, porém 39% das famílias assentadas estão concentradas nos estados do Maranhão, Pará e Mato Grosso, e apenas 12% no Sul e no Sudeste, o que revela a prioridade do INCRA pela fronteira agrícola (MST, 2000)�. 
 
	Tratando da questão da nomenclatura do Movimento (MST)�, esta foi aprovada em 1985 no Primeiro Congresso do Movimento. Incorporaram-se as palavras: movimento e sem-terra, já bem conhecidas na história de luta dos camponeses. Procurou-se contextualizar essas expressões no âmbito do caráter de classe, introduzindo o termo trabalhador rural.
	Sintetizando um pouco da história organizacional do MST, considerado como uma das principais forças propulsoras dos processos sócio-políticos que resultaram nas experiências de marchas nacionais, acampamentos e assentamentos rurais, ocupação de prédios públicos, dentre outras ações, encontramos em Navarro, Moraes e Moreira, um registro da primeira fase da constituição histórica do MST:
Em uma perspectiva geral, pode-se segmentar a história do MST em três momentos principais. O primeiro refere-se aos anos formativos, do início da década de 1980, quando os primeiros grupos de sem-terra foram mobilizados, principalmente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, passando por sua estruturação formal, em 1984, e estendendo-se até o emblemático ano de 1986, que concluiu esta primeira fase, quando o movimento era ainda principalmente sulista. (1999:28)
	
A origem do MST é fruto da organização histórica dos camponeses em luta permanente pela conquista da terra e pela reforma agrária. No Brasil, esse Movimento toma forma e consistência no final da década de 70 do século passado.
 Enquanto um movimento social e de massas, é o que apresenta maior grau de articulação e aparente coesão interna com atividades planejadas e realizadas de forma articulada em todo o País. A partir dessa organização em âmbito nacional, o Movimento se faz presente na maioria dos municípios e estados brasileiros. 
O MST tem a adesão de diversos segmentos da sociedade, como intelectuais, professores, representantes da igreja católica e demais igrejas, profissionais liberais dos mais variados campos. Sua base social abrange as famílias sem terra, os assalariados das grandes indústrias agrícolas e os desempregados do campo. 
A respeito desse movimento, que ganha em relevância nacional, frente aos outros movimentos, é importante tecer uma análise sobre sua relação, aproximação ou distanciamento com os paradigmas dos chamados “novos movimentos sociais”, que tomam como centro de sua organização categorias tais como cultura/diversidade cultural, subjetividade, conciliação de classes e tolerância, contrapondo-se à perspectiva marxista que permitiria situar suas lutas nas categorias trabalho e luta de classes.	
1.1. O MST e os “novos movimentos sociais” no contexto da crise estrutural do capital.
Para desenvolvermos a análise sobre as relações do MST com os “novos movimentos sociais”, torna-se necessário atrelar esse estudo às questões que envolvem a crise do capital e as principais tendências do mundo do trabalho que incidem na organização dos trabalhadores em geral.
 A análise dessa temática não é o centro do nosso trabalho, o que nos limita no sentido de desenvolver um estudo mais aprofundado sobre os mecanismos estruturais que fundam essa problemática. O nosso esforço constitui-se na tentativa de situar/contextualizar o MST nesse panorama atual de crise do movimento sindical e social, que não toma mais o conflito de classes como base de seu trabalho formativo/político. 
Para tanto, iremos nos ancorar em análises realizadas por estudiosos que privilegiam as questões relativas ao sindicalismo (Ricardo ANTUNES e James PETRAS), ao MST e aos “novos movimentos sociais”. (Célia VENDRAMINI, Bernardo Mançano FERNANDES, Zander NAVARRO et al, e BEZERRA NETO).
Segundo Vendramini (2000), para compreender a natureza desses “novos movimentos sociais”, é necessário investigá-los, tomando como referência o questionamento se os mesmos são opostos aos conflitos de classes; ou se podem ser definidos como ação de classe, o que os levaria a tomar como central a categoria trabalho como base de sustentação do conceito de classe.
Analisando o cenário dos movimentos sociais, Vendramini acredita que existe uma diferenciação entre o MST e os sindicatos operários.
[...]Assistimos a setores excluídos da sociedade da produção organizando-se em torno de movimentos sociais, como o Movimento dos Sem-Terra, que questiona as relações de propriedade, enquanto os sindicatos operários são levados a fazer acordos com as classes proprietárias, em função, principalmente, das ameaças de desemprego. (2000:47)
Com efeito, a crítica marxista vem apontando uma lacuna importante nesses “novos movimentos sociais” surgidos na década de 1980, os quais se afastariam de uma crítica radical, estrutural da sociedade capitalista, buscando, ademais, substituir os conceitos classistas, históricos e totalizantes por categorias que priorizam o caráter individual e específico de alguns grupos organizados. Representam, assim, um refluxo

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