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 UniCEUB – Centro Universitário de Brasília 
 Curso Introdutório de Ciência Política 
 
 Prof. Cleber Fernandes Pessoa 
 
ÍNDICE 
 
 
1- Ciência Política e Direito ................................................................................................................ 5 
 
2- O Estado ........................................................................................................................................... 13 
2.1 – Introdução ......................................................................................................................... 13 
2.2 - Elementos constitutivos e definição do termo-conceito .................................................... 15 
2.3 - Do Estado antigo ao Estado moderno ............................................................................... 16 
2.4 - Instituição e desenvolvimento do Estado liberal ............................................................... 22 
2.5 - O significado moderno de liberalismo............................................................................... 23 
 
3- Democracia....................................................................................................................................... 27 
3.1 – Introdução: por que democracia? ..................................................................................... 27 
3.2 – Do liberalismo individual à democracia social ................................................................. 32 
3.3 - Democracia e governabilidade .......................................................................................... 40 
 
4- Legalidade e Legitimidade do Estado e do poder político ........................................................... 43 
 4.1 – Introdução: legalidade e legitimidade .............................................................................. 43 
 4.2 – Do princípio da legalidade: fundamentos do Estado de Direito ....................................... 43 
 4.3 – As cartas constitucionais: constituição formal e constituição material ............................ 45 
 
5- Legitimidade: consenso e dominação ........................................................................................... 51 
 5.1 – Introdução ......................................................................................................................... 51 
 5.2 – Oposição e legitimidade.................................................................................................... 56 
 5.3 – O encontro entre legalidade e legitimidade...................................................................... 58 
 5.4 – Max Weber: as três formas de autoridade legítima.......................................................... 59 
 
6- As formas de governo ..................................................................................................................... 62 
6.1 – Introdução ......................................................................................................................... 62 
6.2 – Aristóteles ......................................................................................................................... 66 
6.3 – Maquiavel ......................................................................................................................... 73 
6.3.1- Introdução ............................................................................................................. 73 
6.3.2 – A obra de Maquiavel: militância política e ciência política ................................ 74 
 
 3 
 6.4 - Montesquieu e a Separação dos Poderes: mito e realidade .............................................. 79 
6.4.1 – Introdução............................................................................................................. 84 
6.4.2 – Montesquieu e a Separação dos Poderes .............................................................. 85 
6.4.3 – Separação dos Poderes: ascensão e decadência de um mito ................................ 88 
6.4.4 – Conclusão ............................................................................................................. 90 
 6.5 - Karl Marx ......................................................................................................................... 92 
6.5.1 – Introdução............................................................................................................. 92 
6.5.2 – A dialética da história/materialismo histórico...................................................... 93 
6.5.3 – A obra de Karl Marx como instrumento de análise a serviço da ideologia.......... 96 
6.5.4 – Conclusão: comunismo teórico e comunismo real............................................... 101 
 
7- Sistemas de governo: presidencialismo e parlamentarismo....................................................... 105 
7.1 – Introdução ......................................................................................................................... 105 
7.2 – O Presidencialismo ........................................................................................................... 108 
7.2.1 – Poderes constitucionais do presidente no Brasil e nos EUA: quem pode o 
quê, quando e como ........................................................................................................................ 111 
7.2.2 – Presidencialismo norte-americano: o presidencialismo que funciona bem?........ 116 
7.2.3 – Brasil: presidencialismo de coalizão .................................................................... 118 
7.3 - O Parlamentarismo ............................................................................................................ 121 
7.3.1 – Desenvolvimento do parlamentarismo: do parlamentarismo dualista ao 
parlamentarismo monista................................................................................................................ 121 
7.3.2 – Premissas do parlamentarismo ............................................................................. 123 
7.3.3 – Dinâmica do parlamentarismo: qual o mais estável e por quê ............................. 125 
7.3.3(a) – O parlamentarismo britânico (sistema de gabinete) ...................................... 126 
7.3.3(b) – O parlamentarismo sob controle partidário ................................................... 127 
7.3.3(c) – O parlamentarismo Assembleísta .................................................................. 129 
7.4 - Conclusão: presidencialismo, parlamentarismo e governabilidade................................... 130 
7.5 – O semipresidencialismo.................................................................................................... 132 
 7.5.1 – Uma terceira via?.................................................................................................132 
 
8- Sistemas eleitorais e sistemas partidários .................................................................................... 137 
8.1 – Introdução ......................................................................................................................... 137 
8.2 - Sistemas majoritários: eleições legislativas e executivas .................................................. 139 
8.2.1 – O processo de escolha do sistema eleitoral .......................................................... 143 
 
 4 
8.2.2 - Eleições majoritárias para prefeitos, governadores e presidente da república...... 147 
 
8.3 - Sistemas proporcionais ...................................................................................................... 151 
8.3.1 – Coligação para eleições de representantes no sistema proporcional.................... 155 
8.3.2 – A cláusula de exclusão e o quociente eleitoral..................................................... 156 
8.3.3 – Perspectivas e considerações sobre a reforma política: o sistema eleitoral e 
partidário no Brasil................................................................................................................ 158 
 
9- Partidos Políticos ............................................................................................................................ 165 
9.1 – Introdução ......................................................................................................................... 165 
9.2 – De facção a partido: o surgimento dos partidos modernos ............................................... 168 
9.3 – A tipologia dos partidos .................................................................................................... 171 
9.4 – A função dos partidos ....................................................................................................... 175 
 
10- Referências bibliográficas............................................................................................................ 179 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 5 
1- CIÊNCIA POLÍTICA E DIREITO 
 
 “As instituições e não o homem constituem 
 o tema de estudo próprio da política” 
 John Plamenatz. 
 
 
 “Quem só sabe Direito, não sabe (d)Direito”. Mesmo tendo sido proferida por quem a 
proferiu, esta frase não deixa de ser uma provocação. Mas, o provocador, ninguém mais ninguém 
menos que o célebre jurista Pontes de Miranda, não parou por aí. Em tom de apelo, esse 
humanista que, além de ter sido matemático, diplomata, filósofo, professor, advogado e ensaísta, 
também foi e continua sendo um dos maiores juristas brasileiros de todos os tempos, mesmo 
passados mais de 30 anos de sua morte, disse que “não deve transpor as portas de uma faculdade 
de Direito aquele que não for um sociólogo”. 
 Ante o impacto dessas declarações, resta legítimo ao noviço universitário de Direito 
questionar se as impiedosas impressões de Pontes de Miranda são mesmo dotadas de 
racionalidade, e se não são injustas perante o pragmático interesse daquele que deseja, acima de 
tudo, obter seu diploma na área jurídica. Assim considerando, o perplexo estudante calouro se 
depararia com uma questão a ser resolvida: “O que quer dizer o Jurista com ser ‘sociólogo’? Será 
que ele acreditava de verdade que devo concluir um curso de Sociologia e só então estar apto a 
ingressar na faculdade de Direito?”. Com a devida vênia, não parece ser possível que o 
entendimento de Pontes de Miranda fosse tão rigoroso assim, pois a problemática por ele 
abordada não é de ordem formal, mas sim material, ou seja, de conteúdo. Explicando melhor: a 
essência de sua preocupação tinha origem na frágil bagagem intelectual que muitos estudantes 
portavam naqueles tempos, comprometendo irremediavelmente a qualidade da justiça no Brasil 
que, sabidamente, inundava o “mercado” com profissionais de capacidade tão duvidosa que, ao 
invés dos ilustres juristas com que a sociedade merecia ser agraciada, na verdade aqueles 
profissionais do Direito não passavam de genuínos “rábulas” que infestavam os tribunais e os 
escritórios de advocacia, a distorcer a real concepção que comporta o sentimento de justiça, 
construído pelo homem contemporâneo. Infelizmente, a realidade do tempo de Pontes de Miranda 
não faz parte do passado apenas. Pelo contrário, não só não desapareceu como vem 
transformando o cenário do setor educacional brasileiro num quadro um tanto bizarro, porquanto 
a proliferação das faculdades de Direito mais se assemelha a um complexo organizacional cujo 
objetivo principal parece ser o de fabricar diplomas em escala industrial. 
Então, alheio a preocupações que no primeiro momento se apresentam um tanto 
abstratas, os estudantes calouros, especialmente os mais jovens, ao iniciarem suas atividades 
 
 6 
acadêmicas no curso de Direito, se põem a questionar acerca do porquê de estudar certas 
disciplinas, como exemplo a Ciência Política, e do porquê de esta matéria ser obrigatória no 
Curso. 
Como se sabe, em função da redemocratização brasileira, uma certa preocupação com o 
aparelhamento do poder judiciário vem ocorrendo gradativamente, em razão de crescente 
demanda pela prestação jurisdicional do Estado. Esta demanda por justiça acontece 
fundamentalmente porque a recente aquisição de um novo tipo de cidadania tem encorajado os 
novos cidadãos a peticionar perante o judiciário. Consequentemente, o “mercado”, lembrando o 
velho e imortal Adam Smith, com sua teoria da “mão invisível”, naturalmente buscará regular a 
fricção entre oferta e procura. Contudo, até que haja o esperado equilíbrio entre a bendita “lei” 
da oferta e da procura, a proliferação das faculdades de Direito no Brasil já podem ter lesado 
irreparavelmente o conjunto da sociedade. 
De todo modo, é fato inegável que a formação jurídica vem se transformando em uma 
carreira cada vez mais promissora, acenando com portas abertas para o mercado de trabalho 
com mais facilidade aos seus profissionais do que a maioria das outras formações acadêmicas. 
Então, o estudante de Direito, recém-ingressado na faculdade, ali se encontra a fim de preparar-
se para ser advogado, delegado, analista judiciário, juiz, procurador, defensor público, 
eventualmente ministro de tribunal, ou mesmo para seu deleite pessoal ou, ainda, quem sabe, 
prestar contas à sociedade, porque hoje em dia, em quase todas as “tribos”, das mais variadas 
classes sociais, quase todos se encontram matriculados em um curso de nível superior. Mas... 
“política - dirá o leitor-acadêmico - não é a minha praia, pois não gosto de política, não gosto 
dos políticos e, mais que isso, não pretendo me envolver com política e, menos ainda, ser 
político”. Enfim, a partir da exposição desses argumentos preliminares, e admitindo uma 
possível divergência de campos de atuação da Ciência Política em relação ao Direito, cabe 
perguntar mais uma vez: deveria a Ciência Política realmente ser matéria obrigatória para o 
curso de Direito? 
Esse questionamento faz parte de uma série de outros tantos, no vasto cabide de dúvidas 
que abalam a estrutura de valores acadêmicos de um estudante calouro. No que diz respeito à 
Ciência Política em particular, algumas considerações acerca de sua finalidade e posição da 
matéria no curso de Direito merecem ser aqui destacadas. 
Em primeiro lugar, deve ser resgatada a abordagem inicial acerca do conceito de 
“sociólogo”, cuja definição, não por coincidência, opera uma ligação da Ciência Política com o 
próprio Direito, haja vista que ambos os cursos, em sua essência e em sua mais profunda 
camada reflexiva, estão profundamente ligados aos fenômenos sociológicos, à sociologia, 
 
 7 
enfim. Portanto, em sentido amplo, o “sociólogo” em referência muito se assemelha ao que 
Aristóteles classificou como sendo o zoom politikós, o homem político e social por excelência, 
cuja sensibilidade deve ser capaz de lançar um olhar crítico sobre a comunidade em que vive 
com o intuito de interpretar e de ser elemento cooperativo na resolução dos sucessivos 
problemas afetos à dinâmica das sociedades contemporâneas, pois entre os objetivos gerais de 
um curso de Direito destaca-se o de “formar bacharéis aptos ao exercício ético das diversas 
profissões jurídicas, atuantes na construçãoda cidadania, implementação da democracia e 
proteção do Estado Democrático de Direito”.1 
Neste contexto, a Sociologia e a Ciência Política se vêem conceitualmente associadas, 
podendo ser definidas, tanto uma quanto a outra, em poucas palavras, como uma ciência geral 
das sociedades, cujos objetos de estudo se deparam com os mais variados fenômenos 
sociopolíticos, portanto disciplinas constituídas de vasto interesse do conhecimento acadêmico, 
além de marcante natureza dinâmica quanto à duração de seus paradigmas científicos. Os 
fenômenos sociopolíticos são movimentos que muitas vezes ocorrem de forma conflituosa, e 
esses conflitos geralmente objetivam transformações, mas também produzem profundas marcas 
nas estruturas do Estado, podendo levá-lo a um estágio de debilidade, até mesmo ao colapso, 
repercutindo decisivamente no papel estatal de operar como árbitro capaz de assegurar a 
estabilidade, independente de qual seja a ordem ideológica dominante. Por essa razão, a 
evolução dos conhecimentos da política como arte e como ciência, legou ao Estado, por meio da 
evolução de suas instituições, o papel de sujeito legitimado a monopolizar os instrumentos de 
coerção, a fim de assegurar a ordem e pacificar a sociedade, em que pese todos os seus 
antagonismos – legítimos ou não -, por meio do Direito. 
Na sequência dessa ordem de ideias, o Direito legislado viria a ser uma decorrência da 
imposição do poder, que é o poder político. E o poder político, ao longo do processo 
civilizatório, vem se tornando cada vez mais sofisticado, sendo que o suporte para sua evolução 
se realiza por meio da sabedoria dos estudiosos da área, quando avança do estágio de mera arte 
para o estágio filosófico e deste para o científico, que surpreendentemente só se realiza na área 
de humanidades quando surge a Sociologia, a primeira das ciências sociais. Então, a política 
enquanto ciência, com a sua inexorável capacidade para explicar, possui também instrumentos 
que possibilitam contribuir para apontar os meios mais eficazes e eficientes de atingir o 
consenso, a conciliação pela promoção da paz, da segurança e do desenvolvimento social. 
Como se pode perceber, as advertências de Pontes de Miranda tinham como fundamento 
uma problemática que não se limitava ao seu tempo. Pelo contrário, parece não restar dúvida de 
 
1 In: Proposta Pedagógica do Curso de Direito: Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, p. 4. 
 
 8 
que ainda continua sendo uma equação a ser resolvida, que transcende aos nossos dias como 
comprova o contínuo aconselhamento de autoridades preparadas e de prestígio no assunto 
relacionado aos estudantes, futuros profissionais do Direito. Os diagnósticos não surpreendem 
quando se detecta em parte considerável dos acadêmicos, profunda deficiência da necessária 
capacidade de abstração dos fatos. E essa deficiência intelectual se mostra muito evidente 
quando operadores do Direito são indiscretamente flagrados confessando suas paixões 
obsessivas por quaisquer dogmas jurídicos, tomando partido por causas em questão sem o 
devido exame das consequências, não raro danosas para si e para todo o corpo social. Paixão 
cega semelhante àquela que foi “denunciada” pelo compositor, em determinada canção, em que 
um tal pescador, insensível, parecia mais encantado com a sua rede de pesca do que com o 
próprio mar. Ou seja, aquele pescador, envolvido no cotidiano de seu trabalho, devotava mais 
atenção à engenhosa ferramenta de trabalho e sobrevivência, do que ao esperado 
comportamento de contemplação da exuberância e imensidão do mar, que estava à sua frente, 
todos os dias, imutável e eterno. A ferramenta, como um dogma, que não carecia de reflexão, 
fazia com que o pescador ignorasse que o mar era a fonte de seu sustento, assim como o rábula 
enxerga o exercício da profissão jurídica como um meio em si mesmo, ignorando a essência da 
justiça. 
A reflexão imprescindível da teleologia do Direito (correlação entre meios e fins: e.g. a 
lei posta e seus objetivos) que é uma dos princípios da Ciência Jurídica, encontrou em Rui 
Barbosa um devoto incansável. Apelava ao estudante das letras jurídicas, e por extensão ao 
operador do Direito, a fim de que todos se engajassem como “soldados” na luta pelo direito. 
Porém, com a ressalva de que quando o direito conflitasse com a justiça, o “soldado-cidadão”, 
guardião do direito, deveria lutar pela supremacia da justiça. 
As palavras do eminente jurista baiano repercutiram intensamente no mundo do Direito, 
em que pese os poucos que a elas aderiram, pois não se ignora que raros foram aqueles que 
compreenderam tão bem quanto ele que o Direito, por sua própria natureza, sempre esteve 
elevado à categoria de disciplina dogmática, e, enquanto tal, tem exercido atração irresistível 
sobre muitos de seus militantes, atração que conduz a efeitos colaterais degenerados quando 
recai sobre bacharéis mal-formados, deficientes do discernimento necessário para se comportar 
de outro modo que não um “rábula”, aquele temerário “aplicador autômato da lei que se 
posiciona acriticamente em relação às soluções jurídicas criadas pelo Estado”.2 Por isso, o 
estudante de Direito deve estar sempre compromissado com a responsabilidade social; dotado 
 
2 ALMEIDA FILHO, Agassiz. In: Por que estudar Ciência Política e Teoria Geral do Estado? In: 
www.forense.com.br. [?], p. 27. 
 
 9 
de capacidade de investigação dos fenômenos que ocorrem na sociedade, de espírito analítico e 
capacidade de ordenação metódica. 
Ao contrário do dogmatismo característico do Direito, a Ciência Política, como uma 
ciência dinâmica, existe para explicar os fenômenos e não apenas para descrevê-los e, além da 
explicação, a Ciência Política procura estabelecer com rigor e racionalidade a previsão de fatos, 
pois a previsão é a principal finalidade prática da ciência.3 Nesse sentido, o Direito não retém a 
capacidade de estudar os fenômenos de forma isenta, científica, com a necessária suspensão de 
juízos de valor, pois “a cultura política não pode ser estudada pelo Direito. Também foge à sua 
esfera de abrangência a dinâmica dos partidos políticos, o funcionamento dos sistemas 
eleitorais, a maior ou menor representatividade do Poder Legislativo ou a própria relação 
quotidiana entre as instituições. Essas questões devem ser tratadas como realidades concretas 
que muitas vezes não seguem os padrões normativos previamente determinados pelo 
ordenamento jurídico (...) a Ciência Política faz parte da formação do estudante de Direito em 
virtude da sua aptidão analítica para enfrentar esse tipo de problema. Ela aproxima da realidade 
com o fim de estudar aquilo que realmente acontece no âmbito das relações e das instituições 
políticas. Seu objeto é o sistema político concebido de forma dinâmica”.4 
Como uma ciência de síntese, a Ciência Política está constantemente presente para 
explicar, e também prever, a ocorrência dos fenômenos sociais. Por extensão, tal ocorrência 
pode ser confirmada nas relações da Ciência Política com o Direito, desenvolvidas 
principalmente por meio do Direito Constitucional que, como afirmara Paulo Bonavides,5 fora o 
Direito Constitucional no passado uma das ciências políticas, ainda antes de a Ciência Política 
se transformar em ciência autônoma. 
Assim como a sociologia, a Ciência Política concebida como uma teoria sociológica, 
como não poderia ser de maneira diferente, está intimamente envolvida com todas as outras 
ciências sociais, que, como objetos de especulação da Ciência Política, são classificados como 
seus subsistemas. Na posição de ciência de síntese, atrai para seu campo de pesquisa as mais 
variadasáreas de humanidades como a História, Filosofia, Economia, Psicologia, 
Administração, Sociologia, Antropologia, Relações Internacionais e, claro, o Direito. Sendo 
uma disciplina dinâmica e de síntese, como foi definida anteriormente, não pode prescindir das 
outras ciências sociais para se desenvolver. Mais que isso, as outras disciplinas já mencionadas 
emprestam à Ciência Política um vasto “banco de dados” para que esta possa progredir. Como 
 
3 BOBBIO, Norberto. In: Dicionário de Ciência Política. Verbete: Ciência Política, p. 164-169. 
4 ALMEIDA FILHO, Agassiz, op. cit., p. 27. 
5 In: Ciência Política. A Ciência Política e as demais Ciências Sociais, cap. 2, p. 46-53. 
 
 10 
fruto dessa associação ou fusão da Ciência Política com as outras ciências sociais, a Ciência 
Política constituiu subsistemas essenciais para a sua evolução. Por exemplo, associando-se à 
área de seu interesse dentro da Filosofia, originou-se a Filosofia Política; com relação à 
Economia surgiu a Economia Política; uma das áreas da Psicologia correlata à Ciência Política é 
a Psicologia Social; da Administração, a Administração Pública; e da Sociologia a Sociologia 
Política. Enfim, essas sub-áreas das ciências humanas estão relacionadas aos fenômenos 
políticos e do poder, sendo, consequentemente, campo de interesse teórico para a Ciência 
Política. 
Quanto ao Direito, suas relações com a Ciência Política são estreitas, e a disciplina de 
maior proximidade é o Direito Constitucional, que simboliza o elo do Direito com a Ciência 
Política. Miguel Reale denomina de Política do Direito o ponto de interseção entre Política e 
Direito. Este ponto, explica, “situado realisticamente, é de importância prática fundamental, 
inclusive porque implica o problema da legitimidade do poder”.6 
Em que pese o Direito Constitucional aparecer como um ramo do curso de Direito, na 
verdade sua ligação provém do mesmo tronco que a Ciência Política, e as raízes deste tronco 
retiram sua seiva na fonte inesgotável da filosofia, fonte inesgotável de ideias, cujo fruto mais 
concreto foi o contemporâneo Estado de direito, hoje de Direito e ao mesmo tempo 
Democrático. Paradoxalmente, o Direito Constitucional não é uma criação germinal do curso de 
Direito, como por exemplo são o Direito Civil e o Direito Penal, pois esses dois ramos do 
Direito foram criações impositivas do próprio Estado, ainda nos seus primórdios, para que 
aquelas sociedades subjugadas e órfãs de direitos obedecessem às leis como pressuposto 
inquestionável de manutenção da ordem social e, consequentemente, meio de perpetuação do 
domínio político de modo inescapável. 
Na contramão do Direito Civil e Penal, a teoria constitucionalista, responsável 
diretamente pela criação da disciplina Direito Constitucional, enveredou por caminhos 
contrastantes aos do status quo ante, combatendo a imposição da velha ordem arbitrária, 
afirmando-se como instrumento das ideias revolucionárias e de auxílio para o aniquilamento do 
absolutismo. Esse tripé formado pela Filosofia, Ciência Política e Direito Constitucional 
configurou-se como alicerce de ação para o surgimento e consolidação de uma nova era. Nova 
era composta por uma nova geração de filósofos e teóricos do Estado, da fase do Iluminismo, 
que reescreveram a história ao fomentar as rebeliões contra a opressão dos autocratas europeus, 
culminando com o processo revolucionário disseminado por todo aquele continente e pelo norte 
da América. De modo que o Direito Constitucional surgiu como uma disciplina do curso de 
 
6 In: Lições Preliminares de Direito, p. 331. 
 
 11 
Direito como fator de adequação da nova realidade: uma nova ordem social, o liberalismo 
(Estado de direito), instituído por meio do constitucionalismo; constitucionalismo esse que foi a 
base filosófica para as modernas constituições que limitariam os poderes do Estado e dos 
governantes obrigando-os a se sujeitarem aos primados do “império da lei” e, ao mesmo tempo, 
garantindo direitos aos governados, direitos desde muito filosoficamente consagrados como 
inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis. 
Dessas relações entre Ciência Política e Direito Constitucional, são seus objetos de 
interesse o conhecimento e compreensão das instituições do Estado, do poder legislado e 
estabelecido. Enquanto o Direito Constitucional é definido como uma disciplina estática que 
objetiva informar a sistematização das constituições, descrever e esclarecer ao acadêmico as 
funções e atribuições dos poderes do Estado, a Ciência Política é classificada como uma 
disciplina dinâmica, que fornece ao Direito Constitucional dados sobre os reflexos e 
investigação das práticas e da luta pelo poder político. Dentro da Ciência Política, a análise 
política é um de seus instrumentos mais fundamentais, é o que faz o debate sobre política deixar 
de ser meramente “crônica política” e tornar-se “ciência política”. Na descrição de Manuel 
Gonçalves Ferreira Filho, enquanto a Ciência Política é a ciência do poder, o Direito 
constitucional é a disciplina que informa a organização jurídica do poder.7 
Com base na correlação de ligações tão íntimas, deduz-se que a Ciência Política é um 
Direito Constitucional em constante movimento, pois ela não apenas descreve como também 
investiga e analisa os fenômenos e as consequências do exercício do poder. Além de descrever e 
analisar, também lança mão de outros métodos das ciências sociais explicando as contradições 
entre o que propõe uma constituição e a realidade existente no meio social. Assim, a Ciência 
Política se habilita a propor meios de solucionar problemas sociopolíticos, o que não ocorre 
com o Direito em si, pois o pragmatismo do positivismo jurídico não tem preocupação 
investigativa e explicativa. Enfim, como observou o jurista R. Friede, corrente expressiva em 
amplitude sustenta “ser o direito, em essência, um subsistema da Ciência Política, e não 
propriamente uma verdadeira ciência autônoma (...) o direito (e a denominada ciência jurídica) 
nada mais seria que um instrumento para a consecução dos objetivos primordiais da Ciência 
Política, ou seja, a convivência harmônica em sociedade, ou, em outras palavras, a manutenção 
da paz social (através da permanente ratificação da ordem estabelecida).8 
Da política em si, é prudente lembrar que ela não cria, necessariamente, vínculos diretos 
com a política partidária, o mesmo podendo ser dito da própria Ciência Política, pois o 
 
7 In: Curso de Direito Constitucional, p. 17. 
8 In: Curso de Ciência Política e Teoria Geral do Estado, p. 6. 
 
 12 
substantivo política, difundido por Aristóteles, em essência se refere a tudo o que está ligado à 
polis, isto é, a tudo o que é civil, que for positivo para a cidade, porque para este pensador grego 
o homem é, por natureza, um animal social, um animal político. Então, a luta pelo poder e a 
disputa entre facções e partidos até que pode ser um dos meios, mas nunca o único meio de 
promoção do bem-comum. Por consequência, legítimo é deduzir que a própria condição de 
aluno em uma faculdade até sua participação em encontros com finalidades lúdicas, de 
divertimento, como em um festival de música, na balada do fim de semana, no churrasquinho da 
turma, enfim, essa constelação toda de eventos que fazem parte das relações sociais do homem-
cidadão são fatos que podem ser classificados como atos políticos. O que dizer então do 
frenético e revolucionário movimento das "redes sociais", tal como o Facebook, Orkut e Twitter 
que está fazendo a cabeça de todas as "tribos" e "guetos", de todas as idades, notadamente os 
jovens,que mais do que nunca - talvez ainda desconhecendo suas reais dimensões - têm a seu 
alcance uma ferramenta com poder ainda imensurável, possível de produzir mudanças 
“copernicanas” no rígido e conservador mundo do Direito, e também no escandaloso mundo dos 
corrompidos costumes políticos, causando estupor o comportamento de autoridades que ainda 
resistem no poder, ainda que por meio de costumes e hábitos insolentes e arcaicos. Essas redes 
virtuais têm se transformado em ferramenta para mobilizações on-line, sem a tutela de 
instituições tradicionais como partidos ou sindicatos e sem lideranças hierárquicas formais, 
arregimentando legitimidade e capazes de paralisar cidades europeias e de tirar o sono e até 
derrubar ditadores no, até então inabalável, mundo árabe. 
Resumindo, não custa lembrar o sugestivo slogan dos estudantes rebeldes daquele 
"utópico", agitado e não muito distante ano de 1968, cujos movimentos de protesto mobilizaram 
grande parte do planeta contra o conservadorismo da ordem legal vigente, abalando as 
estruturas do poder nas democracias ocidentais, do qual simbolicamente se podia interpretar que 
aquelas mensagens conduziam à idéia de que “tudo é política e que a política é tudo!”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 13 
2- O ESTADO 
 
2.1 – Introdução 
 "Aquela comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, 
de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima". Aí está provavelmente a 
mais conhecida e, talvez, a mais citada e recitada definição do conceito de Estado. Esta é a 
conceituação do não menos conhecido, citado e recitado sociólogo alemão Max Weber. No 
entanto, outras definições - de juristas, filósofos, cientistas políticos em geral -, enquanto meras 
definições conceituais, atendem satisfatoriamente as necessidades do público acadêmico. Ocorre 
que a proposta deste texto não é a de simplesmente dar nome ao "animal", mas também de 
ampliar o debate para descrever e melhor conhecer sua estrutura e modos de ação. 
 Analogicamente, presume-se que um pesquisador de biologia animal não se contentaria 
em informar-se e/ou transmitir para seus discípulos que certa espécie "animal" foi definida 
como Crotalus terrificus. Por suposto, tal estudioso buscará aprofundar o máximo possível os 
seus conhecimentos sobre tão temeroso membro do reino animal, a cobra Cascavel. Do mesmo 
modo, o cientista social irá proceder com relação àquela outra tipologia de "monstro" - que 
eventualmente assim já foi concebido por muitos -, que é o Estado. 
 Por se tratar de tema tão complexo quanto vasto, a proposta deste capítulo é de proceder a 
uma concisa análise introdutória acerca da Teoria do Estado com a finalidade de constituir 
suporte elementar de argumentação para as abordagens posteriores, aqui examinadas, 
relativamente às instituições políticas e estatais. 
 Em linhas gerais, a apreciação do pensamento clássico acerca do papel do Estado é 
multifacetada, embora a corrente majoritária o avalie positivamente como um instrumento capaz 
de concretizar os valores mais expressivos concebidos por uma comunidade humana, buscando 
sobreviver em ambiente o mais pacífico e estável possível. Se realizado o compromisso desta 
aspiração, o filósofo Platão interpreta o Estado como o sujeito ativo da consolidação da suprema 
vigência da justiça; Aristóteles como da materialização do bem-comum; para John Locke o 
império da igualdade formal entre indivíduos livres; para Kant a realização da liberdade e, para 
Hegel, a supremacia da ética como momento absoluto do espírito humano. 
Por outro lado, vozes contrastantes se levantaram para denunciar o papel opressor do 
Estado, como o fez Karl Marx afirmando ser atributo do Estado o de puro e simples instrumento 
de dominação de um grupo/classe (governantes) sobre os demais (governados). Seguindo 
parcialmente o fio condutor desta linha de raciocínio, a escola do realismo político (realpolitik) 
melhor representada por Maquiavel e Thomas Hobbes compreendia o Estado como um mal, 
 
 14 
mas um mal necessário que, ao invés de ser erradicado como sustentava Marx, seria um 
mecanismo de pacificação e civilização, uma válvula de escape para resgatar o homem da 
barbárie. Hobbes conferiu ruidosamente ao Estado o título de Leviatã, monstro mitológico que, 
encarnado em uma autoridade com poderes absolutos, essa autoridade onipotente e onisciente 
seria a única entidade possível de apaziguar e resgatar o gênero humano que, se encontrando 
fora de seu raio de alcance, viveria no seu estado mais natural (o estado de natureza, portanto 
fora do Estado) como um lobo, um animal traidor, sanguinário e eternamente conflituoso. 
 Embora com uma concepção divergente, positiva portanto, na era medieval os doutores da 
Igreja compreendiam ter o Estado, de certo modo, um compromisso com a redenção da 
humanidade. Na obra de Santo Tomás de Aquino, as relações entre Igreja e Estado são 
prescritas sob a imperiosa necessidade de perfeita sintonia, não necessariamente hierárquicas, 
existindo a subordinação do poder terreno ao poder divino apenas na medida em que o Estado, 
regulado pelas leis naturais para a concretização do bem-comum, exerceria a função 
complementar ao legítimo poder sobrenatural da Igreja. Santo Agostinho, que precedeu Santo 
Tomás, defendeu tese quase idêntica, pois via no poder terreno - a cidade dos homens (o 
Estado) - o caminho natural para chegar à cidade de Deus, a salvação. Em outras palavras, o 
Estado se associava figurativamente a um “embaixador” de Deus na terra, simbolizado por uma 
espada, por ele empunhada, pairando sobre a cabeça dos maus cristãos e não-cristãos, a fim de 
redimi-los do pecado eterno. Em síntese, praticamente todas as correntes ideológicas, seja a 
realista, a pluralista, a elitista, a idealista, comungaram a percepção básica do Estado como um 
fetiche, que exerce na consciência do indivíduo e no inconsciente coletivo uma força-tabu 
simbolizada pela onipotência, por uma realidade absoluta e invencível da natureza, resultante 
das mais variadas mistificações teóricas. Sendo retratado como o monstro Leviatã ou o Deus 
terreno, a despeito de ser uma criação do homem à sua imagem e semelhança, a fé supersticiosa 
depositada no Estado o projeta como força sobrenatural materializando-o como entidade 
imutável, perante a qual a humanidade caminha de forma passiva e impotente, destituída de 
meios para contestar sua supremacia. 
No recém-terminado século XX, as modernas utopias despóticas que brotaram por todos 
os continentes produziram uma nefasta espécie de dirigentes tais como Lênin, Stálin, Hitler, 
Mao Tse-tung e outros tiranos de baixo calibre, apontados como responsáveis pelos mais 
variados e escatológicos modelos de “engenharia social”. Segundo estimativas, até a década de 
1980 o Estado do século XX, em suas manipulações com a humanidade, sacrificou mais de 100 
milhões de vidas, a grande maioria composta por pessoas inocentes ou indefesas. Esse número é 
 
 15 
considerado bastante superior a toda a soma de execuções dos milênios anteriores, desde a 
criação do Estado, na antiguidade, até o fim do século XIX. 
Esses fatos, dentre tantos outros semelhantes registrados pela história, recentes ou 
antigos, são comprovações cabais de que o descomunal monstro/leviatã, ou deus-terreno, seja 
como for, não é um caso de entidade que o ser humano precavido, racional, possa desdenhar, e 
menos ainda ignorar. Se a participação dos governados na política é baixa, se parte significativa 
ou a maioria esmagadora da população se encontra alienada do processo político, pelas mais 
variadas motivações, é de se esperar, no mínimo mais atenção com relação àqueles que seencontram no vértice do poder, pois se a parcela numericamente mais significativa da população 
não participa, porque não gosta ou porque não quer, pelo menos deve saber que é governada 
pelos que gostam de política e, claro, gostam de exercer e usufruir do poder. Gostando ou não 
do Estado, da política e dos políticos, amando-os, deificando-os, ignorando-os, debochando-lhes 
gestos e comportamentos, costumeiramente afetados, a eles, pois, considerações. 
 
2.2 - Elementos constitutivos e definições do termo-conceito 
Os elementos que constituem um Estado são: território, população, povo, nação e poder 
político. O território é elemento geográfico, e os dois seguintes (população e povo) 
genericamente são considerados elementos materiais, e especificamente definidos como 
elemento humano ou demográfico. O elemento nação também compõe o gênero demográfico, 
mas se classificando como espécie cultural. Por último, e absolutamente fundamental, por se 
constituir em essência da manutenção do Estado, o poder político (poder formal). 
Entre as muitas definições clássicas do conceito de Estado, a de Karl Marx e a de Max 
Weber estão entre as mais conhecidas e citadas. Marx, que tinha uma concepção negativa do 
Estado, o apresenta como pura e simples “superestrutura”, um instrumento técnico de que se 
serve a classe dominante para manter o seu domínio. No polo oposto do pensamento marxiano, 
o filósofo grego Aristóteles e o alemão Hegel consideravam o Estado como o responsável pela 
formação do homem civil. O primeiro interpretando-o como o provedor do bem comum e o 
segundo considerando o Estado como um Deus terreno, o promotor da ética entre os homens. 
Não obstante a acepção do sociólogo liberal Max Weber ser considerada mais realista, 
sua definição não chega a ser tão divergente do clássico posicionamento marxista. Para ele, 
tanto quanto para Karl Marx, por razões intrínsecas, de sua própria sobrevivência, todo Estado 
é, enfim, uma ditadura. Weber concorda, inclusive, com a definição do comunista Trotsky, ao 
admitir que “todo Estado se fundamenta na força”. Mas Weber ressalva que o recurso à força 
 
 16 
(violência física, poder coercitivo) não é o instrumento natural e único, mas o que lhe é 
específico. 
Em resumo, se comparada às mais variadas definições, seria plausível admitir que a 
conceituação weberiana poderia ser consagrada como uma síntese das mais clássicas referências 
quando proferiu aquela definição citada no início deste capítulo.9 
 
2.3 - Do Estado antigo ao Estado moderno 
A transição do Estado antigo para o Estado moderno foi um período de longas e 
contínuas rupturas operadas por intermédio do período medieval que levou o Estado antigo ao 
esfacelamento e forjou lentamente a construção de uma nova ordem política. Com relação a esta 
nova ordem que florescia, o italiano Nicolau Maquiavel seria aclamado como o mais brilhante 
intérprete do Estado moderno em gestação. Ainda no início do século XVI, quando Maquiavel 
introduziu o vocábulo Estado para substituir o vocábulo civitas, polis etc., muitos séculos já 
separavam o princípio do viver bem e do bem-comum aristotélico como definição de poder 
político do moderno princípio de soberania, que caracterizaria a existência de uma moderna 
organização política. Os gregos da polis não lograram êxito em estabelecer o poder político da 
forma modernamente conhecida, estruturando a centralização do poder, exercendo o monopólio 
da função coercitiva sobre uma determinada população, mantendo um exército permanente e 
profissional, dentro de um território especificamente delimitado. Essas prerrogativas 
começaram a ser aplicadas um pouco mais tarde pelos romanos, ainda assim de modo um tanto 
incipiente para a manutenção da indivisibilidade da soberania. O sucesso quanto à 
indissolubilidade vai se consolidando a partir da assunção do novo formato de Estado - daí a 
origem do termo Estado moderno - que sistematicamente coloca em prática os postulados da 
recente e polêmica teoria conhecida como Razão de Estado, tendo por significado que na nova 
ordem política o poder estatal teoricamente estará acima de tudo e de todos, e que em razão de 
sua sobrevivência todos os meios disponíveis, como ultima ratio, serão justificáveis para atingir 
os fins, isto é, a partir de tal realismo, obter com sucesso a sobrevivência da comunidade, a 
integridade do Estado, enfim. 
Ainda na antiguidade, no mundo oriental, com a fundação dos primeiros Estados, todas 
as comunidades tinham em comum o fato de se submeterem a regimes políticos de natureza 
despótica. Com embasamento nesse cabedal histórico, a fim de entender e explicar com maior 
rigor metodológico os acontecimentos de seu tempo, muitos dos grandes pensadores políticos 
 
9 Outras conhecidas definições - Kant: "a reunião de uma multidão de homens vivendo sob as leis do Direito"; G. 
Del Vecchio:"o sujeito da ordem jurídica na qual se realiza a comunidade de vida de um povo"; Jellinek: "é a 
corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando". 
 
 17 
ocidentais, desde Aristóteles e Maquiavel até Montesquieu, Hegel e Marx se puseram a estudar 
o despotismo como forma de governo. Esses filósofos utilizaram os mais variados métodos de 
estudo, como exemplo o método histórico e o comparativo, convencionalmente chegando à 
conclusão de que o despotismo seria um regime mais apropriado para povos asiáticos, mas não 
para povos europeus, pois de acordo com tais métodos, então aceitos como científicos, estaria 
provado que os europeus, em razão de uma série de fatores não suportariam, isto é, não 
legitimariam, a não ser depois de muita resistência, esta forma de governo. 
Aristóteles, estudioso de muitas constituições, afirmava que os povos do oriente eram 
naturalmente servos e, portanto, se resignariam em submeter a regimes violentos. Maquiavel, ao 
estabelecer sua teoria das formas de governo, considerava impraticável o despotismo para o 
mundo ocidental convencido de que o último estágio político da Europa seria a consolidação 
das repúblicas democráticas. Formulador do conhecido determinismo geográfico, Montesquieu, 
com sua rica e curiosa sistematização de fatores climáticos, religiosos, físico-naturais e culturais 
chegou à conclusão de que as populações do meio-dia (de clima quente, dos trópicos) estariam 
mais adaptadas para suportar regimes autocráticos. Entre outras argumentações, tais regimes 
seriam aceitos pelos súditos em razão da necessidade de controle da produção de alimentos das 
vastas planícies, a fim de evitar a indolência e a tendência a cupidez desencadeada pelo clima da 
região. Até mesmo Karl Marx, propagandista libertário, admitiu a necessidade de as nações 
orientais – também chamadas de sociedades hidráulicas – serem colonizadas, temporariamente, 
pelos Estados ocidentais. Justificava Marx que aquelas comunidades inertes só poderiam sair do 
imobilismo secular em que se encontravam se fossem objeto de impulso dos Estados europeus. 
A teoria socialista de Marx que se baseia no método histórico - a dialética da história - julga o 
capitalismo uma fase de transição necessária e obrigatória que todo Estado deve atingir para, 
mais adiante, no processo dialético, chegar ao comunismo (uma sociedade igualitária sem 
Estado). Assim, a Europa capitalista seria o único vetor de desenvolvimento para que as 
sociedades orientais pudessem atingir o socialismo (ditadura do proletariado), e mais tarde o 
comunismo - a abolição total do Estado. 
Na Europa, segundo o entendimento da maioria dos pensadores clássicos, poderia 
eventualmente existir regimes tirânicos, mas não despóticos, com a diferença de que as tiraniasseriam devidamente derrubadas através da insurreição popular porque povos com as 
características dos europeus dificilmente iriam conferir legitimidade para regimes de força. 
Despotismo e tirania são dois conceitos que, para o senso comum, são concebidos 
como sinônimos, mas na linguagem política, embora ambos estejam semanticamente associados 
à concepção de regimes autoritários, comportam uma distintiva dicotomia. A distinção reside 
 
 18 
substancialmente no sentido de que o despotismo é um regime autocrático/autoritário que tem 
aceitação, obediência e consentimento (legitimidade) por parte dos governados enquanto que a 
tirania, sendo também um regime autocrático/autoritário não é aceito pelos governados, 
portanto não legítimo, ou como ensina Maquiavel, o déspota é um rei que aceitamos e o tirano é 
um inimigo do povo, cujo fim será seu próprio fim – o de ser destituído do poder. 
Nos trabalhos analíticos envolvendo o Estado moderno, Maquiavel foi um dos que mais 
contribuiu para sua efetiva compreensão. O modo de ação do moderno Estado foi, por séculos, 
uma exclusividade das instituições políticas do Ocidente porque apenas os Estados ocidentais 
foram capazes de operacionalizar os instrumentos fundamentais para se enquadrar na definição, 
que o historiador Eric Hobsbawn descreveu: “em termos de geografia política, a Revolução 
Francesa pôs fim à Idade Média. O típico Estado Moderno, que estivera se desenvolvendo por 
vários séculos, é uma área ininterrupta e territorialmente coerente, com fronteiras claramente 
definidas, governada por uma só autoridade soberana e de acordo com um só sistema 
fundamental de administração e de leis”.10 
Pelo visto até agora, a expressão Estado moderno, em razão do qualificativo “moderno”, 
aparenta ser um pouco confusa, passível de ambígua interpretação. Na verdade, todo Estado 
moderno teve como método procedimental, em sua fase de desenvolvimento, regimes políticos 
de natureza absolutista (autoritário/autocrático). No entanto, é considerado moderno porque há 
uma variedade de instrumentos que apenas esse Estado soube utilizar com competência, ainda 
que com gigantescos esforços, na medida em que conseguia monopolizar progressivamente a 
centralização do poder, unificar o território, organizar um exército permanente, e operar 
gradativamente a ruptura com o poder policêntrico da velha ordem feudal. A vitória da 
afirmação do poder político sobre o poder religioso se deu com a supremacia da realpolitik 
(realismo político), em outras palavras, a assunção do poder racional-burocrático sobre a res 
publica christiana. 
N’O Leviatã, principal obra política de Thomas Hobbes, onde os argumentos realistas 
sustentam os fundamentos do absolutismo, percebe-se a preocupação com a necessidade de a 
soberania do Estado se concentrar em uma só pessoa,11 com poderes ilimitados, não devendo ser 
divididos, com a autoridade exercendo ao mesmo tempo todas as funções fundamentais de 
 
10 HOBSBAWN, Eric. In: A Era das Revoluções, p. 106. 
11 Hobbes admite que o poder soberano possa se concentrar, também, em um pequeno grupo de pessoas (colegiado), 
desde que os poderes do Estado (p.ex.: executivo, legislativo e judiciário) sejam exercidos conjuntamente por 
todos. Não admite a divisão da atribuição dos poderes (separação de poderes) porque, segundo ele, a separação 
divide o Estado, e um Estado dividido não é soberano e, não sendo soberano, impera a anarquia; e onde a anarquia 
impera, outro Estado mais forte e organizado (soberano) estaria, recorrendo à linguagem darwinista, apto a dominar 
aquele Estado anárquico. 
 
 19 
poder (executivas, legislativas e judiciárias). Capaz de interpretar com sensatez a realidade de 
seu tempo, Hobbes se viu amaldiçoado por seus adversários e críticos, da política e da Igreja, 
mesmo não sendo o primeiro formulador das ideias absolutistas. Em razão das intransigentes e 
bem estruturadas formulações do absolutismo e, por conseguinte, do moderno Estado, a obra de 
Hobbes inspirou universalmente a designação Leviatã para definir todo e qualquer Estado 
moderno, não importando sua qualificação, desde que soberano. 
Contudo, a despeito da suprema importância de Hobbes para a doutrina do absolutismo, 
ele não foi o único e nem o primeiro entre seus defensores. Jean Bodin, entre outros, foi um de 
seus mais respeitados teóricos, embora seu absolutismo não fosse tão extremado quanto o de 
Hobbes. Em sua obra De la République, editada quase um século antes de O Leviatã, Bodin 
defendia que o absolutismo deveria se concentrar apenas na esfera política ou pública, sendo 
que na esfera civil, relativa aos assuntos privados, o Estado deveria garantir os direitos naturais 
e divinos, justificando que as leis da natureza foram criadas por Deus e não pelo homem, 
portanto anteriores à existência do próprio Estado, não portando o Soberano direito de violá-las, 
devendo por conseguinte guardar obediência a elas. Em relação às leis do Estado sustentava que 
o soberano tem ilimitados poderes para editá-las pois, segundo seu entendimento “a primeira 
marca do príncipe soberano é o poder de dar leis a todos em geral, e a cada um em particular. 
Mas isso não basta, e é necessário acrescentar: sem o consentimento de maior nem igual nem 
menor que ele”. 12 
Neste Estado, se o poder está concentrado em basicamente uma pessoa, que o exerce de 
forma absoluta, por que pode ser considerado moderno? A consistência dos argumentos de 
Thomas Hobbes parece ser suficiente para desfazer a dúvida. Considerado o principal pensador 
e defensor do absolutismo, suas teses causaram um novo e revolucionário modo de conceber o 
Estado. Em primeiro lugar, Hobbes contraria toda a lógica aristotélica ao perceber o indivíduo 
com suas carências e necessidades particulares, negando o caráter de comunitarismo inato do 
homem. 
Aristóteles, em contraste, afirmava ser o homem um animal social por excelência, 
naturalmente um animal político - zoom politikós - e que, portanto, sendo por natureza sociável, 
a sociedade seria um construto anterior ao indivíduo, uma realidade natural e não uma criação 
artificial como defendem os liberais modernos. 
Na organização social aristotélica, os homens vivem em regime estritamente 
comunitário recebendo, portanto, a adequada denominação de comunidade. Ao contrário do 
conceito de sociedade, que é relativa a uma organização social moderna – capitalista – o 
 
12 BODIN, Jean. De la République, apud Lebrun, G. In: O que é poder, p. 28. 
 
 20 
significado de comunidade é oposto ao individualismo (liberalismo). Na comunidade, o 
indivíduo se encontra submetido a uma ordem coletiva (p.ex.: a religião da cidade ou do Estado, 
língua, rituais, modo de produção e distribuição das riquezas etc.), privado de meios de se tornar 
autônomo, limitado na capacidade de usufruir livremente da suposta condição de indivíduo. 
Resumindo, Aristóteles queria dizer que o homem é um ser gregário, sendo a cidade (polis) seu 
berço natural e, na condição de cidadão, a polis era concebida como seu meio eterno de 
relacionamento, impossibilitando qualquer desenlace futuro. Na conceituação aristotélica, a 
correlação entre sociedade e indivíduo, induz a compreensão de que o todo (a sociedade) é 
anterior às partes (indivíduos). Assim, é coerente deduzir que o todo é um corpo, ou um 
organismo, e que o indivíduo, como parte do corpo, não pode sobreviver fora do organismo. Em 
poucas palavras, convencionou-se chamar toda organização social aristotélica de corporativista 
(relativo a corpo) ou organicista (relativo a organismo). Então, a tese de Aristóteles, que 
perdurou por séculos, começa a ser criticadacom argumentos mais contundentes e racionais a 
partir de era moderna. 
 Thomas Hobbes, uma das mais proeminentes personalidades da teoria política moderna, 
refutava a afirmação aristotélica de ser o homem/indivíduo um animal social e naturalmente 
político, mas, pelo contrário, assegurava que era ao mesmo tempo a-social e apolítico. Como 
filósofo do jusnaturalismo (escola do direito natural), Hobbes, ao fundamentar sua Teoria de 
Estado, desenvolveu uma tão complexa quanto polêmica fundamentação do estado de 
natureza, uma tese que disseca a condição de todo homem antes do surgimento do aparelho 
estatal e político. Nesse estado de natureza hobbesiano, o homem se encontrava em um estágio 
de conflito constante com seus semelhantes, uma guerra de todos contra todos (bellum omnium 
contra omnes), explicada pela sua célebre máxima de que “o homem é o lobo do homem” 
reafirmando sua concepção pessimista relativa à natureza humana. 
A causa de toda a beligerância existente no estado de natureza era pela conquista da 
propriedade. Como o Estado político ainda não havia sido criado, não poderia haver qualquer 
espécie de segurança jurídica relativa à propriedade privada, que, logicamente era inexistente, 
ou, compreendida de forma inversa, se havia como ius in omnia, isto é, seria um direito de todos 
e, por isso mesmo, sendo um direito de todos, termina por não ser de ninguém ao mesmo tempo, 
entende ele. O homem, naquele estado de natureza, era classificado como um animal antissocial 
e antipolítico, só se aproximando de outro homem para obter o máximo de vantagens daquela 
relação bilateral ou multilateral com o outro, e por não existir um árbitro imparcial (Estado) 
para julgar os conflitos, a guerra se generalizava. 
 
 21 
No desenrolar dessa guerra, alguém, o mais forte, torna-se o vencedor, submetendo 
todos os outros. A seguir, as partes constituídas por vencedor e vencidos se conciliam por meio 
de um acordo, pacto selado por meio da celebração do contrato social, que na teoria hobbesiana 
é especificado como pactum subiectionis (pacto de submissão), em que o vencedor se torna o 
soberano, incumbido de garantir a sobrevivência dos demais, e todos os demais como seus 
súditos, prometeriam - para garantir a vida e a propriedade - a submissão perpétua ao novo 
soberano. Superada a fase do estado de natureza, após a celebração do contrato social, a nova 
ordem política seria materializada por meio de regimes monárquicos. As monarquias, de 
natureza absolutista, surgem como realidade inescapável, o único sujeito ativo da história, do 
recém-estabelecido Estado político-civil. 
Paralelamente à sua dissertação teórica, ideologicamente autoritária, Hobbes, defensor 
intransigente do absolutismo, curiosamente é, de algum modo, apresentado como um dos 
precursores do liberalismo econômico ao descrever o indivíduo, no estado de natureza, lutando 
impiedosa e inescrupulosamente pela propriedade privada. Reconhece ele que a propriedade é 
necessária, mas por razão de Estado, pela manutenção da ordem, entende que ela só pode 
existir sob a tutela do Estado, cujos poderes devem estar concentrados nas mãos de um soberano 
absoluto dotado de todos os instrumentos para garanti-la. Nega que o homem seja naturalmente 
comunitário porque a tese aristotélica do bem-comum não se realiza naturalmente, mas por 
meio do uso da força, do poder coercitivo estatal. Assim, ao contrário de Aristóteles, a função 
do governante para Hobbes não é de proporcionar uma vida boa, o bem-comum para seus 
súditos, e sim à de garantir a propriedade, a vida, a paz e a ordem, em que os instrumentos 
utilizados para alcançar o objetivo serão de seu livre arbítrio. Para conseguir esses objetivos, o 
soberano deve se amparar em poderes ilimitados, ser um legibus solutus constituído de poderes 
para impor arbitrariamente leis que os súditos devem observar rigorosamente, mas ele próprio, o 
soberano, não se submete às leis que estabeleceu, explicando que “o soberano de uma república, 
seja ele uma assembleia ou um homem, não está absolutamente sujeito às leis civis. Pois tendo o 
poder de fazer ou desfazer as leis, pode, quando lhe apraz, livrar-se dessa sujeição revogando as 
leis que o incomodam e fazendo novas”.13 Prossegue Hobbes afirmando que “é a autoridade, 
não a verdade, que faz a lei” e a razão “não é a razão do mais sábio ou de qualquer outro, é a 
razão do Estado”. 
É digno de nota que as contradições do Estado absolutista acontecem tanto no campo 
filosófico quanto no campo político. O Estado moderno das monarquias absolutas é composto 
por sociedades onde imperam o organicismo e o corporativismo, em que o indivíduo é 
 
13 HOBBES, Thomas. O Leviatã, apud Lebrun, Gérard. Op. cit., p. 28. 
 
 22 
obrigado a se submeter à ordem hierárquica estabelecida. Portanto, no Leviatã hobbesiano, ao 
contrário do que ocorre no Estado liberal, a esfera privada (civil) se dissolve na esfera pública 
(política/estatal). Mas este mesmo Estado teria convivido com fragmentos dos princípios 
doutrinários do liberalismo, garantindo liberdades econômicas à classe burguesa em formação, 
liberdades essas que serão o fermento das contradições do absolutismo porque a classe 
burguesa, ansiosa pelo completo domínio dos pressupostos do laissez faire, não se conforma 
com o poder opressor, arbitrário e imprevisível do monarca. 
 
2.4 - Instituição e desenvolvimento do Estado Liberal 
A formação e desenvolvimento do Estado-nação e da moderna soberania acontecem 
simultaneamente no interior do Estado absolutista. Paralelamente a este processo, forças 
antagônicas, contrárias à concentração de poderes da parte dos governantes também se 
organizam para combater as restrições de liberdades. Neste período, na Inglaterra, as ideias 
filosóficas que darão origem ao constitucionalismo14 do século XVIII vão se propagando. Em 
termos práticos, os barões feudais impõem ao monarca inglês, no século XIII, a Magna Carta 
Libertatum limitando os poderes do rei e mais tarde, no século XVII, o Lorde Protetor Oliver 
Cromwel, formalmente, expede mais um documento político que ligará a Inglaterra mais 
intimamente ao constitucionalismo. As ideias do constitucionalismo, vinculadas ao desejo dos 
governados de limitar os poderes dos governantes e ao mesmo tempo garantir um conjunto de 
direitos, serão secundados, na Inglaterra, por alguns escritores políticos como John Locke, que 
vincula tais ideias à filosofia jusnaturalista, sustentando que os indivíduos possuem direitos 
inalienáveis e imprescritíveis anteriores à existência do Estado. Na economicamente poderosa 
Inglaterra, Locke – oriundo da classe burguesa - defendera inflexivelmente as premissas do 
individualismo liberal em sua obra-prima Os dois Tratados sobre o Governo Civil. Nesta obra, 
dividida em duas partes, Locke cuida de refutar os pressupostos do Absolutismo no Primeiro 
Tratado e de estabelecer os fundamentos do Liberalismo no Segundo Tratado, que Norberto 
 
14 O Constitucionalismo é considerado a doutrina político-filosófica das liberdades fundamentais porque surge do 
desejo de limitar o poder onde o poder é absoluto. Na era do racionalismo europeu, na fase do iluminismo, esta vai 
ser a era da paixão pela razão. Tais ideias têm como fundamento o estabelecimento do Estado de Direito (Rule of 
Law) para garantir aos governados um grau de certeza de que os governantes só poderão agir de acordo com o 
estatuto jurídico estabelecido. Além de impor limites aos poderes dos governantes, o constitucionalismo garante 
direitos individuais aos governados. Esta nova ordem jurídica-constitucional se materializa com a criação de 
constituições escritas –a lei como a expressão da vontade geral para Rousseau, a legitimidade do poder (Racional-
Legal) para Max Weber. A teoria Constitucionalista, eminentemente liberal, não aceita a definição de Constituição 
para textos legais que não limitem poderes dos governantes e não garantam direitos individuais aos governados. 
Em relação às ditaduras constitucionais, vários autores refutam a existência de uma Constituição para esses Estados 
considerando que tal conjunto de leis deveria ser denominado de “leis constitucionais”, como a Constituição 
brasileira de 1824, que assim se define expressamente. 
 
 23 
Bobbio julga ser “a primeira e a mais completa formulação do Estado Liberal”.15 Na prática, O 
Segundo Tratado sobre o Governo Civil será uma justificativa ex post facto da Revolução 
Gloriosa (liberal) de 1688, porque a institucionalização dos direitos individuais garantidos nessa 
reforma da Constituição inglesa foi inspirada na obra lockiana, quando da edição da Bill of 
Rights. 
Os novos ideais praticados na Inglaterra migraram para o continente por intermédio de 
filósofos iluministas do século XVIII – Montesquieu, principalmente - e contaminaram 
irremediavelmente a Europa absolutista. Baseados no “direito de resistência”, teoria elaborada 
por John Locke, os colonos da América do Norte e os parisienses de 1789 concretizaram 
aquelas ideias em bases definitivas para a formação do Estado de Direito no Ocidente. O Estado 
de Direito, marcadamente liberal, mas ainda não democrático, é definido como um Estado com 
poderes limitados e funções mínimas. Mais tarde, a partir da década de 1830, primeiramente nos 
EUA e Inglaterra, o avanço das franquias democráticas, conduziu o Estado liberal para o posto 
de liberal-democrático, conservando a limitação dos poderes, mas dilatando suas funções, que 
foram se tornando máximas. 
 
2.5 - O significado moderno de Liberalismo 
Não é fato raro os leitores e ouvintes se depararem na crônica política cotidiana com os 
comentários dos “especialistas” dos meios de comunicação de massa confundindo os 
significados de liberalismo com democracia e vice-versa. Hoje em dia, liberalismo e 
democracia são conceitos compatíveis e complementares, mas suas relações, especialmente na 
primeira fase do Estado liberal (Estado de direito), foram tão conflituosas que, para a corrente 
liberal, a existência de um regime democrático significava a extinção do liberalismo e para os 
defensores das ideias democráticas um regime liberal expressava a impossibilidade do 
surgimento, ou então a morte da democracia. Conceitualmente, liberalismo e democracia são 
antitéticos porque o liberalismo é, primordialmente, uma concepção econômica de Estado - 
onde impera uma economia de mercado - enquanto a democracia, expressada em uma de suas 
ideias mais corriqueiras, é uma das formas de governo em que a maioria, senão todos, 
governa(m) ou participa(m) das decisões de governo. Paralelamente à teoria econômica, o 
liberalismo também guarda uma relação com princípios morais, como resposta a questões de 
valor intrínseco entrosadas com a necessidade de elevação moral e espiritual do homem, quanto 
à sua sustentação e sobrevivência. No que diz respeito ao exercício do poder político, defende as 
funções de governo particularmente limitadas, pois suas premissas são as liberdades individuais 
 
15 In: Os Clássicos da Política, p. 84. 
 
 24 
em todos os sentidos, devendo o Estado, segundo os primados de sua pureza teórica, se afastar 
de qualquer tentativa de competir e interferir nas atividades que o ideal liberal considera como 
exclusiva dos indivíduos. A democracia, enquanto teoria política, sob sua ótica instrumental, 
define-se como um método de participação política que responde fundamentalmente à questão 
de quem deve governar e com quais procedimentos. 
 Quanto ao liberalismo, por dedução, não deixa de ser uma teoria proveniente de algum 
gênero de liberdade. No exercício de distinguir o significado moderno de liberalismo, de 
antemão é imperioso ter em mente que o liberalismo dos modernos é antitético ao liberalismo 
dos antigos. Portanto, a prática da liberdade no Estado moderno guarda significativas diferenças 
com a da liberdade existente no Estado antigo. 
A essência do liberalismo dos modernos está diretamente vinculada à liberdade 
econômica, chegando ao extremo de fazer com que a economia de mercado seja celebrada como 
um ícone por seus defensores. Mais que isso, as liberdades da economia de mercado, de acordo 
com os guardiães do liberalismo, possuem a faculdade de resguardar todas as outras liberdades 
inerentes ao homem enquanto indivíduo. A doutrina jusnaturalista (escola do direito natural), 
cujas premissas afirmam que todo indivíduo tem direitos naturais inalienáveis e imprescritíveis, 
segundo Locke, são anteriores ao Estado e que o Estado não pode violar sob nenhum pretexto. 
Este liberalismo moderno, em contraposição ao organicismo, afirma que o indivíduo se encontra 
em uma unidade superior à sociedade e ao Estado, deixando de ser obrigatoriamente o “animal 
político” aristotélico para se transformar no “homo œconomicus” do capitalismo, se libertando 
da obrigação da participação política, que passa a ser eventual, para cuidar de seus interesses 
privados. 
A doutrina dos direitos do homem concretizada com as revoluções liberais, consagrou a 
afirmação da hegemonia do parlamento burguês sobre a monarquia absolutista. Esta supremacia 
representou não apenas a vitória das liberdades burguesas no campo econômico, mas também 
das liberdades políticas e religiosas. Para John Locke, principal contratualista do liberalismo, o 
contrato social que daria origem ao Estado liberal seria um contrato de consentimento entre 
indivíduos livres, que constituem na origem e razão de ser de todo o poder legítimo. 
Como jusnaturalista, Locke também desenvolveu uma filosofia do estado de natureza 
como ponto de partida para elaborar sua teoria de Estado. Mas, diferente da guerra de todos 
contra todos existente no estado de natureza hobbesiano, Locke descreveu ali um homem 
pacífico, vivendo em liberdade e harmonia com seus semelhantes. Para Locke, a criação do 
Estado é necessária apenas para que haja um árbitro, que seja imparcial quando a propriedade 
privada (direitos individuais) for violada. Por tais considerações, sua única função é a de 
 
 25 
garantir a propriedade privada que, em geral, significa o direito que tem o indivíduo de gozar de 
forma independente das liberdades individuais, como o direito à vida, de ir e vir e ao livre 
usufruto dos bens materiais. 
Em sua fase clássica, desde as revoluções liberais até, mais ou menos, a metade do 
século XIX, o Estado liberal se confundia com o Estado mínimo em razão de suas reduzidas 
funções e dos poderes limitados, suficientes apenas para a sobrevivência da comunidade 
política. Adam Smith, economista liberal, resumiu o papel do Estado em apenas três deveres: “a 
defesa da sociedade contra os inimigos externos; a proteção de todo indivíduo das ofensas que a 
ele possam dirigir os outros indivíduos; e o provimento das obras públicas que não poderiam ser 
executadas se confiadas à iniciativa privada”. 
Por volta da década de 1840, no auge do Estado mínimo, chegou-se a cogitar sobre o 
desaparecimento do Estado. Na era do absolutismo, o Estado monopolizava o poder político, o 
poder econômico e o poder ideológico. Com o estabelecimento do liberalismo, o Estado foi 
perdendo gradativamente esses poderes. O poder econômico migrou para as mãos da burguesia, 
o poder ideológico transitou para a universidade e meios de comunicação de massa e o exercício 
do poder político, em decorrência das liberdades individuaisconquistadas, sofreu limitações 
nunca antes vistas. 
De fato, é possível observar que, desde a criação do Estado, houve uma progressiva 
evolução da condição humana em relação à liberdade, expressa da seguinte maneira pelo 
filósofo Hegel: “o Oriente fora a liberdade de um só, a Grécia e Roma a liberdade de alguns, o 
mundo germânico, ou seja, o mundo moderno, a liberdade de todos”.16 No estágio inicial do 
Estado, na antiguidade oriental, onde imperava o despotismo como forma de governo, a 
liberdade era apenas do senhor, o déspota, enquanto todos os súditos eram servos; na 
democracia dos antigos – na Grécia e em Roma – apenas os cidadãos, minoritários socialmente, 
eram livres; e no mundo moderno, após as revoluções liberais, todos os indivíduos conquistam a 
liberdade. As liberdades do liberalismo são, em primeiro lugar, de ordem jurídico-
constitucional, ideológicas, evoluindo mais tarde para formas mais concretas como direitos 
políticos, sociais e coletivos, isto é, partem da fase dos direitos de primeira geração até a 
conquista dos direitos de segunda e terceira gerações. Esses direitos são aqueles que fizeram 
parte do lema da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – e foram 
consagrados na lendária Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. À primeira 
vista parecendo ser meramente abstratos, as décadas seguintes comprovaram ser o lema 
revolucionário uma formidável profecia, pois os três princípios, gradualmente, vão se tornando 
 
16 BONAVIDES, Paulo. In: Ciência Política, p. 268. 
 
 26 
realidade. O primeiro deles, o princípio da liberdade, de aplicabilidade constitucional imediata, 
dá vida ao Estado de direito ou liberal, importando em direitos concretos e de 1ª geração; o 
princípio da igualdade, com os direitos de 2ª geração, emerge quando o liberalismo se associa à 
democracia (liberal-democracia). São considerados direitos difusos porque de aplicabilidade 
constitucional mediata, dependente de programas de governo. Trata-se de direitos sociais como 
educação, saúde, previdência etc. Por fim, o princípio da fraternidade é classificado como a 
fonte dos direitos de 3ª geração, mais que difusos, com o significado de que os povos devem ter 
assegurados, em sentido amplo, o direito ao desenvolvimento, incluídos neste rol os direitos 
humanos. 
Ainda antes da Revolução Francesa, Montesquieu, ao classificar as três fontes do direito, 
assinalou que as leis positivas formam o Direito Civil, o Direito Político e o Direito das Gentes. 
Além de sua inegável contribuição ideológica ao processo revolucionário, esta formulação 
também revela um Montesquieu inspirador do lema dos revolucionários de 1789. Esta 
correlação aponta claramente que o lema liberdade se insere nas leis do direito civil (direitos 
individuais); o lema igualdade se relaciona com os direitos políticos, que só a democracia 
liberal foi, até agora, capaz de afirmar, e, por último, mas não menos importante, a fraternidade, 
que se traduz em direitos das gentes, formalmente uma matéria do curso de Direito estudada, 
por exemplo, em Direito Internacional Privado, mas genericamente relacionada aos direitos 
transnacionais como os direitos humanos e humanitários etc.17 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
17 Montesquieu. In: O Espírito das Leis, p. 44. 
 
 27 
3- DEMOCRACIA 
 
3.1 – Introdução: por que democracia? 
Embora admitido que a democracia participativa, em seu sentido mais estrito, ainda é 
uma aspiração de parte significativa da humanidade, uma utopia, também é inegável que alguns 
valores e conquistas universais só a democracia foi capaz de garantir, ainda que não na sua 
plenitude. 
Conforme enumerou Robert Dahl, um de seus mais importantes estudiosos, a 
democracia liberal (capitalista) tem algumas vantagens materiais e espirituais que nenhum outro 
regime conhecido ainda foi capaz de garantir. Sustenta ele que só um regime democrático: 
a) pode impedir o governo de autocratas cruéis e perversos; 
b) assegura aos cidadãos uma liberdade individual mais ampla que qualquer alternativa 
viável; 
c) ajuda a proteger os interesses fundamentais das pessoas; 
d) proporciona aos indivíduos viverem sob leis de sua própria escolha; 
e) promove um grau relativamente alto de igualdade política; 
f) países democráticos não entram em guerra uns contra os outros, e; 
g) tendem a ser mais prósperos que os não-democráticos”.18 
No entanto, a democracia representativa está associada ao capitalismo de mercado 
(liberalismo), que tem como efeito colateral a produção da desigualdade, e a desigualdade, 
essência do capitalismo, leva a algumas degenerações que, no máximo, podem ser relativamente 
sanadas, mas não totalmente superadas. Com a desigualdade, "recursos importantes como 
educação, informação, infraestrutura etc., se tornam também desigualmente distribuídos".19 
A abordagem sobre as vantagens e desvantagens da democracia poderia se estender à 
democracia socialista, mas esta, embora sendo possível teoricamente, ainda não se materializou 
na história, de forma minimamente convincente. Continua sendo uma utopia a promessa de 
socialistas concretizarem seus projetos de uma sociedade igualitária, incluindo a participação 
política. 
 Dentre os cerca de 200 Estados independentes que hoje formam o planeta, raríssimos 
são aqueles que não professam sua fé na democracia20. Todavia, nem sempre foi assim. Para 
ficar em dois exemplos ilustrativos, basta lembrar que Platão e Aristóteles - especialmente o 
 
18DAHL, Robert. In: Sobre a Democracia, p. 195. 
19 Idem, ibidem. p. 73-74. 
20 Lista de países que se declaram não-democráticos: Vaticano, Arábia Saudita, Mianmar, Brunei, Tonga e Fiji. 
 
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primeiro - não faziam questão de esconder suas resistências com os governos democráticos. 
Com relação a Aristóteles, descontente com os rumos da democracia de seu tempo, desafiou a si 
mesmo ao extremo de levar a termo um monumental estudo, em que comparou mais de 150 
constituições políticas, cujo legado à civilização foi a edição de uma teoria democrática tão 
profética que ela só logrou encontrar terreno para ser aplicada mais de 20 séculos mais tarde, em 
plena era contemporânea. 
Contemporaneamente, por mais paradoxal que possa parecer, até os primeiros embates da 
Segunda Guerra Mundial, autocratas de toda espécie exibiam satisfação em se apresentar 
publicamente como ditadores. Somente após o desbaratamento das ditaduras mais cruéis, como 
o nazifascismo e o stalinismo, é que começaria a haver escrúpulo por parte dos tiranos, que se 
apressaram em vestir o figurino de “democratas”. A partir de então, a democracia seria 
convertida em sinônimo de forma de governo, confundida com os próprios regimes autoritários, 
que atendiam pela obscura denominação de “centralismo democrático” ou "democracia 
orgânica". Todavia, as manobras empreendidas pelos mandatários despóticos encontraram na 
moderna Ciência Política explícitas barreiras às estas categorias de contorcionismo retórico. R. 
Dahl, detectou apenas 65 países democráticos em sua célebre classificação, levantamento 
sustentado em princípios meramente formais, que ele designou de “democracia poliárquica”, ou 
simplesmente poliarquia21, expressões que o senso comum melhor entenderia se traduzidos por 
"democracia eleitoral" ou "democracia política". 
Desde a antiguidade, com Aristóteles, até o final do século XVIII, a comunidade 
acadêmica se envolveu em um intenso debate filosófico acerca das formas de governo. Muito se 
discutiu sobre a superioridade de uma delas

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