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A FILOSOFIA NA ÉPOCA TRÁGICA DOS GREGOS - NIEZTSCHE

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Nietzsche (1844-1900), 
 A Filosofia na Época Trágica dos Gregos 
 
A palavra grega que designa o “sábio” prende-se etimologicamente a sapio, eu saboreio, sapiens, o 
degustador, sisyphos, o homem do gosto mais apurado; um apurado degustar e escolher, um significa-
tivo discernimento constitui, pois, segundo a consciência do povo, a arte própria do filósofo. Este não é 
prudente, se chamamos de prudente àquele que, em seus assuntos próprios, sabe distinguir o bem. A-
ristóteles tem razão ao dizer: “Aquilo que Tales e Anaxágoras sabem será chamado de insólito, assom-
broso, difícil, divino, mas inútil, pois não se importavam com os bens humanos”. Ao eleger e discrimi-
nar assim o insólito, assombroso, difícil, divino, a filosofia marca o limite que a separa da ciência, as-
sim como, ao preferir o inútil, marca o limite que a separa da prudência. A ciência, sem essa discrimi-
nação, sem esse refinamento do gosto, precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de 
querer conhecer a todo preço; o pensar filosófico, ao contrário, está sempre no rastro das coisas dignas 
de serem sabidas, dos conhecimentos grandes e importantes. Ora, o conceito de grandeza é mutável, 
tanto no domínio moral quanto no estético: assim, a filosofia começa com uma legislação sobre a 
grandeza, traz consigo uma doação de nomes. “Isto é grande”, diz ela, e com isso eleva o homem aci-
ma da avidez cega, desenfreada, de seu impulso ao conhecimento. Pelo conceito de grandeza, ela re-
freia esse impulso: ainda mais por considerar o conhecimento máximo, da essência e medula das coi-
sas, como alcançável e alcançado. Quando Tales diz: “Tudo é água”, o homem estremece e ergue-se 
do tatear e rastejar vermiformes das ciências isoladas, pressente a solução última das coisas e, com 
esse pressentimento, supera o acanhamento comum dos graus inferiores de conhecimento. O filósofo 
busca fazer ressoar em si mesmo o clangor total do mundo e tirá-lo de si para expô-lo em conceitos; 
enquanto é contemplativo como o artista plástico, compassivo como o religioso, à espreita de fins e 
causalidades como o homem de ciência, enquanto se sente dilatar até a dimensão do macrocosmo, 
conserva a lucidez de se considerar friamente como o reflexo do mundo, essa mesma lucidez que tem o 
poeta dramático quando se transforma em outros corpos, fala a partir deles e, contudo, sabe projetar 
essa transformação para o exterior, em versos escritos. O que o verso é aqui para o poeta é para o filó-
sofo o pensar dialético: é deste que ele lança mão para fixar-se em seu enfeitiçamento, para petrificá-
lo. E assim como, para o dramaturgo, palavra e verso são apenas o balbucio em uma língua estrangeira 
para dizer nela o que viveu e contemplou e que, diretamente, só poderia anunciar pelos gestos e pela 
música, assim a expressão daquela profunda intuição filosófica pela dialética e pela reflexão científica 
é, decerto, por um lado, o único meio de comunicar o contemplado, mas um meio miserável, no fundo 
uma transposição metafórica, totalmente infiel, em uma esfera e língua diferentes. Assim Tales con-
templou a unidade de tudo o que é: e quando quis comunicar-se, falou da água. 
 
Nietzsche, Friedrich. A Filosofia na Época Trágica dos Gregos. 
Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 
1974, p. 40-41. Col. Os Pensadores, v. XXXII

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