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CASADORE M.M. Considerações acerca da Psicanálise enquanto teoria ligada às configurações sociais na atualidade

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295
Considerações acerca da Psicanálise 
enquanto teoria ligada às 
configurações sociais na atualidade 
Marcos Mariani Casadore1
Não é o escopo desse capítulo problematizar ou elucidar a configuração 
social atual (isso exigiria um outro tipo de recorte de pesquisa), mas, sim, lan-
çar um olhar acerca da Psicanálise enquanto teoria que se vincula diretamen-
te à análise social: desta maneira, a interpretação do social (considerando, por 
exemplo, os mecanismos inconscientes inerentes às experiências e fenômenos 
coletivos) dirão respeito, diretamente, às configurações subjetivas e permitirão, 
de certo modo, uma maior aproximação acerca de uma problemática própria 
do indivíduo (ou, grosso modo, da maneira como este interioriza e estrutura 
componentes sócio-culturais e relacionais)
A Psicanálise completou seu primeiro século de existência – mas pode, 
muito bem, ser reconhecida pelo caráter “inconcludente”, relacionado ao seu 
desenvolvimento teórico, que sempre a acompanhou nesse tempo. A teoria psi-
canalítica foi construída (e reconstruída) durante a vida de Freud pelo seu cria-
dor; depois de sua morte, muitos psicanalistas buscaram complementar, revisar 
ou mesmo aprimorar as postulações freudianas, que também se expandiram 
1 Marcos Mariani Casadore - Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação da Uni-
versidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de Ciências e Letras de 
Assis (2011). Doutorando, pelo mesmo programa. Psicólogo (2009), pela mesma instituição. 
Professor de Psicologia (ensino superior) das Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO). E-
-mail: mmcasadore@yahoo.com.br
Asus
Typewriter
REFERÊNCIA:nullCASADORE, M.M. "Considerações acerca da Psicanálise enquanto teoria ligada às configurações sociais na atualidade". In: CASSOLI, T. (org.) Percursos: formação em psicologia. Bauru: Canal6, 2014
Asus
Typewriter
296
M A R C O S M A R I A N I C A S A D O R E
no que se refere ao seu campo de atuação. Tais contribuições que, por vezes, 
inclusive, se contrapõem, acabam por ilustrar o quão rico pode ser esse todo da 
construção teórica psicanalítica. 
Tais pressupostos já seriam os primeiros a caracterizarem a Psicanálise 
como uma ciência – aqui, especificamente no que diz respeito à sua disposição e 
construção, pautada num método bastante particular e original. Ao abdicar da 
pretensão de se atingir uma verdade estruturada e definida (tal qual, para Freud, 
eram as da Religião e a Filosofia, por exemplo) e manter-se aberta às reestrutu-
rações necessárias, conforme estas se apresentem (uma espécie de “incomple-
tude constante”), a Psicanálise compartilha da mesma construção de conheci-
mento e interrogação próprios das Ciências que, de maneira geral, estendem-se 
a todos os campos referentes à atividade humana2. Freud (1923/1996) salientará 
que a Psicanálise se acha incompleta e está sempre pronta para modificar ou 
corrigir suas teorizações, deixando sempre os resultados mais precisos e defi-
nidos para um trabalho futuro; tal afirmação só reitera a posição psicanalítica 
de almejar insistentemente – reconhecendo, porém, a impossibilidade do seu 
alcance – uma teoria conclusiva e definida.
Enriquez (2005) salienta alguns aspectos bastante particulares do desenvol-
vimento da ciência psicanalítica:
[...] a psicanálise não é unicamente um procedimento terapêuti-
co; ela é, também (ou, para ser mais exato, ela é tornada, pouco 
a pouco) uma ciência, aquela do psiquismo, aquela dos processos 
inconscientes que se desenrolam não apenas no indivíduo isola-
do, mas também nos grupos, nas instituições, nas produções do 
espírito. [...] O trabalho de Freud se apresenta sempre sob o modo 
de fragmentos, de documentos, de quebras, de idas e vindas, de hi-
póteses avançadas, mal desenvolvidas, às vezes abandonadas pro-
gressivamente no desenrolar do texto, de repetições, de sugestões 
ou, ainda, diálogos (ENRIQUEZ, 2005, pp. 154; 160).
Há, ainda, outros aspectos relevantes a serem considerados, nesse ínterim 
que se refere à relação entre Psicanálise e Ciência. A técnica psicanalítica, ou, 
2 Sobre o assunto, conferir os textos de Mezan (2007) e do próprio Freud (1932/1996).
297
Considerações acerca da Psicanálise enquanto teoria ligada às configurações sociais na atualidade
melhor referindo, o método a partir do qual a Psicanálise atuaria e, não obstan-
te, proporia sua “construção” de saber, aparece como um dos pilares que legiti-
mariam, também, essa característica científica à teoria freudiana. A observação, 
interpretação e as associações (que consideram os determinismos inconscientes) 
seriam as únicas ferramentas possíveis que teríamos para nos aproximar de algo 
referente ao nosso funcionamento aquém da consciência – é a partir da análise 
de “consequências” resultantes e externalizadas que podemos ter algum aces-
so, mesmo que aproximativo, à origem/gênese de determinado comportamento 
(seja este uma ação, um pensamento/ideia, ou, simplesmente, algo que se apre-
sente e refira-se ao sujeito). Freud (1917/1996) salientaria esse ponto, em uma de 
suas conferências introdutórias:
O que caracteriza a psicanálise como ciência não é o material de 
que trata, mas sim a técnica com a qual trabalha. Pode ser aplicada 
à história da civilização, à ciência da religião e da mitologia não 
em menor medida do que à teoria das neuroses, sem forçar sua 
natureza essencial. Aquilo a que ela visa, aquilo que realiza, não 
é senão descobrir o que é inconsciente na vida mental (FREUD, 
1917/1996, p. 389).
Freud reviu diversos conceitos (fundamentais, inclusive) ao longo de sua 
obra. Tais releituras, porém, não eram incoerentes ou irresponsáveis: apresen-
tavam-se sempre como uma espécie de “aprimoramento” ou complemento que 
atualizava a teoria psicanalítica, de acordo com o que podia ser constatado; a 
construção basal e os pressupostos mantinham-se sempre. Podemos dizer que 
o mesmo ocorreu, em proporções maiores, após a morte de Freud: a teoria psi-
canalítica ganhou espaço e visibilidade, e muito de sua teoria foi “ampliada” 
ou revisitada por grandes psicanalistas – pudemos perceber, com maior acen-
tuação, uma “divisão de escolas” psicanalíticas com prioridades diferenciadas e 
formulações próprias. 
Vivemos, atualmente, num período que parece ter superado as décadas 
nas quais havia certo “enrijecimento” referente às grandes escolas psicanalíti-
cas pós-freudianas; de maneira geral, mais do que um confronto entre grupos 
pragmáticos e paradigmáticos, o que vemos com maior frequência, nos estudos 
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M A R C O S M A R I A N I C A S A D O R E
atuais, é um diálogo entre estes saberes “escolares” que podem muito bem se 
complementar. Figueiredo (2009), inclusive, salienta que essa nova articulação 
não se apresenta simplesmente como uma nova possibilidade de posicionamen-
to dentro da teoria psicanalítica, mas sim como necessária e essencial para o 
trabalho com a psicanálise. A ideia não se refere a uma mistura irresponsável 
entre pontos de vista qualitativamente diferentes, formulados a partir de vieses 
diversos, mas, antes disso, a uma maior aceitação e tolerância voltados ao saber 
psicanalítico como um todo, sem tanta prioridade às “fronteiras” de escolas, 
mas, sim, aos engendramentos possíveis, a partir de leituras mais abrangentes 
e maiores considerações. O contexto atual é muito diferente daquele no qual 
Freud e os precursores da ciência psicanalítica atuavam: esse é outro fator que 
também contribui significativamente para “releituras” conceituais e novas pos-
tulações acerca dos processos de subjetivação contemporâneos.
Quando Freud começou a se interessar pelo tratamento das histéricas (que, 
num primeiro momento, vinculava-seestreitamente com um posicionamento 
médico de “doença-e-cura”), propunha uma terapêutica bastante original ba-
seada na prática de outros médicos contemporâneos a ele (Charcot e Breuer, por 
exemplo), mas que não encontrava suporte em nenhuma teorização preceden-
te. A Psicanálise, assim, recém-criada a partir da proposta clínico-interventiva, 
viu-se obrigada a construir, paralelamente aos seus “experimentos” técnicos, 
toda uma teoria que pudesse sustentar o que era vivenciado na clínica. Houve 
a necessidade da construção de uma “metapsicologia”, denominada freudiana, 
que pudesse abranger a dimensão psicanalítica mais teórica – mesmo que, por 
vezes, Freud se refira à sua metapsicologia como ficcional (ou mesmo como uma 
“feiticeira”), ela não deixa de estar intrinsecamente ligada à experiência práti-
ca, clínica, da Psicanálise – ao mesmo tempo em que é construída justamente 
a partir destes resultados mais “fatuais”, também tem como objetivo fornecer 
uma espécie de “estrutura teórica” capaz de fornecer informações e se reportar 
aos “fatos empíricos”. Segundo Fulgencio (2003), Freud não se limitou a pautar 
sua teoria numa simples descrição de fatos clínicos que poderiam ser abordados 
empiricamente, mas complementou-a com um espaço para explanações especu-
lativas que pudessem estabelecer um diálogo com aquilo que se apresentava e, 
de certo modo, enriquecer a apreensão e compreensão da experiência.
299
Considerações acerca da Psicanálise enquanto teoria ligada às configurações sociais na atualidade
A construção metapsicológica não descaracterizaria a Psicanálise enquanto 
ciência, muito pelo contrário: a partir dela há a possibilidade de se formular 
(e reformular, constantemente) esquemas teóricos que possibilitem o trabalho 
da Psicanálise aplicada. Por mais “ficcional” que sejam os sistemas teóricos e 
especulativos psicanalíticos, eles não surgem do nada: Freud que, às vezes, bus-
ca a ajuda da chamada “feiticeira-metapsicologia” para alcançar algum tipo de 
resposta acerca de um fato ou resultado clínico, também a compõe a partir das 
experimentações. A construção da ciência psicanalítica pressupõe algumas es-
truturas basilares que são, essencialmente, especulativas (como o próprio Freud 
se referiria à teoria das pulsões como a mitologia mais fundamental da Psica-
nálise, ou a seus escritos em Totem e Tabu como “ficção histórica”) – mas, por 
mais “hipotético” que seja o referencial metapsicológico (e Freud, certa vez, ad-
mite que quase se referiu à conceituação como uma espécie de fantasia), ele se 
mostrou necessário à evolução da Psicanálise: “sem especulação e teorização 
metapsicológica – quase disse ‘fantasiar’ –, não daremos outro passo à frente” 
(FREUD, 1937/1996, p. 241). Segundo o autor (1925/1996), é tão legítimo quanto 
necessário “completar” as teorias diretamente expressadas da experiência com 
hipóteses apropriadas a uma espécie de “controle” do material, que se repor-
tariam àquilo que se mostra como fatual e pode se tornar, a partir da leitura 
metapsicológica, um objeto de observação imediata.
Para além da metapsicologia, postulada por Freud essencialmente como es-
peculação desde o princípio, a ciência psicanalítica também “acumulou” enquan-
to bagagem teórica as discussões referentes aos casos clínicos, uma metodologia 
investigativa, de pesquisa, formulada a partir do atendimento individual, mas 
generalizável para outros campos de prática e estudo e, ainda, textos interdisci-
plinares que aliavam a Psicanálise a outras esferas de conhecimento – mais espe-
cificamente, às demais ciências sociais. O próprio Freud dedicou alguns de seus 
textos às problemáticas que se referiam mais às discussões sociais do que aquelas 
essencialmente individuais – porém, não estabelecia distinção alguma: defendia, 
sim, que toda psicologia era, antes de tudo, uma psicologia social e, direta ou 
indiretamente, é perceptível o quão forte acaba sendo o papel da sociedade e da 
cultura na sua leitura da subjetivação e do estabelecimento de relações.
Deste modo, Freud manteve o que estruturava a investigação psicanalítica 
enquanto tal, mesmo quando seus objetos de estudo vinculavam-se mais à área 
300
M A R C O S M A R I A N I C A S A D O R E
dos estudos sociais: o método interpretativo, a consideração acerca das associa-
ções e dos determinismos, e a “base” analítica, teórica, formalizada enquanto 
metapsicologia. A Psicanálise, não obstante, se mantém atada às teorizações que 
concernem aos recortes sociais e culturais a partir da relação que estes estabele-
cem com a subjetividade.
Considerando que qualquer grupalização ou coletivo seria compostos por 
sujeitos e suas relações estabelecidas, sua mútua influência e construção social 
consequente (considerando, ainda, recortes contextuais e temporais), a Psica-
nálise propõe também um estudo da vida social (inerente, por fim, à constitui-
ção e estruturação da personalidade) – tal como salienta Enriquez (2005), seria 
impossível considerarmos um estudo psicanalítico que se situe fora do campo 
social (ou deixe de considerá-lo), já que tomaríamos o sujeito constituído en-
quanto tal justamente pela sua “entrada” no social.
A relação entre a Psicanálise e as Ciências Sociais
Ao propor um estudo original acerca do sujeito e da sua relação com o in-
consciente, a Psicanálise não só revolucionaria o pensamento referente ao in-
divíduo – traria, consequentemente, uma leitura teórica diferenciada sobre a 
cultura e os laços sociais. 
Como muito bem salienta Kehl (2002):
A psicanálise não é, como pode parecer, uma teoria do indivíduo, 
mas principalmente uma teoria das relações que se estabelecem 
entre esses sujeitos que se acreditam individuais. Embora surgida 
das condições do individualismo moderno, a psicanálise é uma 
crítica do indivíduo, uma psicologia de grupo, e não a afirmação 
triunfante de um sujeito que se acredita self-made, autor de seu 
destino e, ao mesmo tempo, desde sempre culpado pelo fracasso 
da empreitada individualista (KEHL, 2002, p. 38).
A partir das considerações da autora, podemos pensar não apenas sobre 
a relação entre sujeito e cultura – indissociáveis, de certo modo, e necessários 
301
Considerações acerca da Psicanálise enquanto teoria ligada às configurações sociais na atualidade
para a compreensão um do outro –, mas, ainda, considerar como essencial o 
recorte social para qualquer tipo de trabalho que se volte ao individual. Freud já 
postulava, desde o início da criação da Psicanálise, que seu interesse científico 
não se limitaria a um trabalho individual e voltado às configurações psicopato-
lógicas (cf., por exemplo, “O interesse científico da Psicanálise”, de 1913: ali, por 
exemplo, o autor salientava as contribuições que a “nova” ciência psicanalítica 
poderia oferecer aos demais campos das ciências sociais).
Com o passar dos anos, Freud demonstrou cada vez mais interesse pela aná-
lise das configurações sociais – justamente pelo determinismo destas, intrínse-
co ao desenvolvimento psicossexual do sujeito. Ao se voltar para a análise da 
cultura e de suas conjunturas, concluía, também, algo sobre as consequências 
refletidas nos modos de subjetivação de um determinado local, numa determi-
nada época. 
Tal configuração “contextual”, como já discutido, demonstraria, também, o 
caráter científico do movimento psicanalítico – além de toda a configuração de 
sua investigação. Esse posicionamento construtivo de saber que considera ora 
o indivíduo, ora o social, mas ambos sempre presentes, e sempre numa leitura 
complexa, se mantém desde o início da história da ciência psicanalítica – mas, 
segundo Enriquez (2005), ganhará maior “legitimidade” e espaço, por parte de 
sociólogose também de psicanalistas, somente a partir dos anos 1960. O autor 
defende, ainda, a ideia de que atualmente não haveria nenhum domínio da vida 
humana e social que não pudesse ser submetida a uma investigação psicanalítica.
A Psicanálise já nasce graças a uma compreensão interpretativa do sujeito 
enquanto inserido num determinado funcionamento coletivo. A histeria, no fi-
nal do século XIX, se apresentava como um “sintoma social” consequencial da-
quele recorte de sociedade moderna, patriarcal, burguesa: as histéricas, de certo 
modo, representavam uma postura contrária, mesmo que inconscientemente, 
às configuração de uma sociedade extremamente moralista. Como coloca En-
riquez (2005, p. 156), naquele determinado espaço, “o inconsciente e a sexuali-
dade são legíveis por toda parte. Restava desnudar seus mecanismos. Freud se 
aplicará a esta tarefa”.
Como afirma Kehl (2002), há uma relação muito forte entre o “funcionamen-
to social” e o “funcionamento subjetivo”, a partir do que há de compartilhado:
302
M A R C O S M A R I A N I C A S A D O R E
A tradição, a educação, as religiões, as grandes mitologias são 
formações da cultura que tentam garantir uma certa estabilidade 
(simbólica) e uma credibilidade de base imaginária no que concer-
ne à transmissão da lei de geração a geração. A transmissão, assim 
como a origem da lei, se inscrevem no inconsciente (...). A incidên-
cia da lei sobre os sujeitos rouba-lhes uma parcela de gozo que é 
tributada à linguagem e à vida em sociedade (KEHL, 2002, p. 13).
Para além desta configuração “primeva” de sociedade, um tanto quanto ba-
sal/fundamental, outras características particulares de determinadas épocas e 
culturas também afetam a relação do sujeito com o convívio coletivo. A origem, 
transformações e configurações dos laços sociais passaram a ser questões cen-
trais na teorização psicanalítica atual. A Psicanálise “aplicada”, ou, por vezes, 
chamada “Psicanálise extramuros” – proposta por Laplanche (1992) e bastante 
desenvolvida, por exemplo, por Mezan (2002) – aparece como uma forte pers-
pectiva de pesquisa contemporânea que privilegiaria a leitura do social como 
base estruturante pra se pensar os modos de subjetivação de determinado espa-
ço, ou mesmo para trabalhar com um “recorte” mais específico (leitura analítica 
em outra área ou configuração, como uma instituição, por exemplo). 
O método psicanalítico de pesquisa surge, assim, como fundamento para 
estudos dos fenômenos sociais e busca, a partir destes, pensar e problematizar 
as configurações do sujeito e das relações intersubjetivas como próprias de um 
contexto. A abordagem freudiana se apresenta, essencialmente, de maneira bas-
tante semelhante – mas volta seu olhar para configurações interrelacionais sig-
nificativamente diferentes. Para um rápido remate acerca da presente discussão, 
uma última passagem do artigo de Enriquez (2005):
Deve-se constatar que jamais a abordagem freudiana esteve tão 
viva quanto hoje e jamais inspirou tantos trabalhos explorando o 
campo social, sejam da autoria de psicanalistas interessados pelo 
funcionamento social, sejam de psicossociólogos e sociólogos for-
temente marcados pelo pensamento psicanalítico. Eles estão sen-
síveis às causas mais profundas da vida social, a saber: o amor e 
o ódio do outro, o desejo de criar e aquele de destruir; e eles se 
303
Considerações acerca da Psicanálise enquanto teoria ligada às configurações sociais na atualidade
esforçam por dar conta disso, permanecendo, mais ou menos, fiéis 
ao pensamento freudiano (ENRIQUEZ, 2005, p. 172).
Considerando, assim, a defesa de uma leitura indistinta no que concerne às 
questões do sujeito e da cultura – leitura inerente, ainda, à configuração básica 
da construção psicanalítica de conhecimento –, não teríamos como deixar de 
colocar em pauta a importância de se discutir os problemas sociais contempo-
râneos para que alcancemos uma melhor contemplação acerca daquilo que se 
reporta ao indivíduo.
A implicação social da Psicanálise: à guisa de conclusão
Podemos inferir, a partir do que já foi exposto até então, que a Psicanálise 
não só se apresenta como uma prática clínica e uma ciência, ambos inteiramen-
te correlacionados, mas, ainda, se situa num espaço distinto que abarcaria, ao 
mesmo tempo, o sujeito e a sociedade – melhor dizendo, teoriza sobre estrutura-
ções e desenvolvimentos individuais e sociais, sem necessariamente estabelecer 
uma ruptura entre os dois constructos. 
Atualmente, muitos são os estudos que colocam em discussão as caracterís-
ticas básicas das configurações culturais a partir de uma análise psicanalítica 
dos laços sociais: numa interface com trabalhos sociológicos (desde a cunhada 
sociedade “do espetáculo”, por Debord, ou sociedade “do consumo”, por Bau-
drillard, até os mais recentes livros acerca de uma sociedade narcísica, como 
denomina Lasch, ou a modernidade líquida de Bauman – somente para citar 
alguns dos exemplos mais presentes), a psicanálise aparece como teoria de fun-
do que sustentaria a possibilidade de um olhar interpretativo acerca dessas for-
matações coletivas. 
Se delinearmos, por exemplo, a questão do desamparo como algo não só 
característico da construção de um projeto civilizatório e do desenvolvimento e 
estruturação do sujeito ao longo de sua história particular, mas também como 
marca fundamental e característica de nossa sociedade contemporânea (a partir 
de uma leitura referente ao declínio de uma figura de proteção, de valores mo-
dernos tradicionais ou da fragmentação de discursos que pretendiam sustentar 
304
M A R C O S M A R I A N I C A S A D O R E
grandes e incontestáveis verdades), podemos pensar sobre as experiências do 
sujeito num cenário que insistiria em depará-lo com a obrigatoriedade de se 
lidar com sua própria condição desamparada.
Birman (1999), importante psicanalista brasileiro que, com bastante fre-
quência, escreve trabalhos que pressuponham a interação sujeito/contexto para 
ponderar sobre ambos os constructos num determinado recorte, irá expor, em 
linhas gerais, a relação do sujeito com seu desamparo numa configuração social 
contemporânea:
Sob o desamparo, o sujeito se encontra diante da pressão constante 
das forças pulsionais, que o perpassam em diferentes direções e 
o inundam. O sujeito é tomado pelo excesso; é obrigado, por um 
lado, realizar um trabalho de ligação daquelas forças irruptivas, 
constituindo um campo de objetos capazes de oferecer um hori-
zonte possível de satisfação e, por outro, deve se impor a exigência 
de nomeação daquelas forças. Portanto, na experiência do desam-
paro, cabe ao sujeito a tarefa imperiosa de construir circuitos pul-
sionais estésicos para dominar satisfatoriamente as intensidades 
que lhe perpassam, assim como tecer derivações simbólicas para 
os excessos pulsionais (BIRMAN, 1999, p. 44).
Fazendo uso de duas noções psicanalíticas importantes da obra de Freud 
(a saber, a noção de desamparo e o conceito de feminilidade), Birman arrema-
ta seu posicionamento com uma conclusão acerca do sujeito – de certo modo, 
responsável pela sua própria condição – e uma maneira positiva de se lidar com 
situações-problema que seria não só aquela a ser alcançada num processo de 
análise pessoal, mas também possível de ser delineada como modo de atuação 
num viés de leitura social:
Conseguir permanecer e suportar a dor provocada pela posição de 
desamparo e de feminilidade é o grande desafio colocado para o 
sujeito em uma análise (...); colocado nessa posição limite, entre 
a vida e a morte, o sujeito pode construir efetivas possibilidades 
de sublimação e de criação, pela construção de uma forma singu-
305
Consideraçõesacerca da Psicanálise enquanto teoria ligada às configurações sociais na atualidade
lar de existência e de um estilo próprio para habitar seu ser (BIR-
MAN, 1999, p. 45).
É, portanto, bastante evidente a necessidade de consideração do contexto 
social para pensarmos no sujeito inserido em determinada situação. Há outras 
questões bastante pertinentes que tratariam sobre nossa configuração social 
atual (como, por exemplo, a questão da cultura da imagem e do estético, em 
detrimento da leitura ética e política, ou a cultura dita do narcisismo ou do 
autocentramento, contraposta às questões comunitárias, públicas e/ou sociais 
– apenas para citar algumas), mas, como já explanado, não é nossa pretensão 
abordá-las aqui. De qualquer modo, a Psicanálise, nesse ínterim, não se limita-
ria simplesmente a analisar e taxar as características de determinada cultura: 
também há uma implicação psicanalítica enquanto possibilidade de desenvolvi-
mento subjetivo (e também social) em prol de um envolvimento maior do sujei-
to enquanto participante ativo de suas próprias experiências. A ética da Psicaná-
lise buscaria, assim, possibilitar uma inserção atuante do sujeito inserido num 
círculo social, já que pressuporia um trabalho do sujeito consigo mesmo, numa 
busca pela aproximação de elucidações referentes ao seu próprio desejo, mas 
também relacionado ao seu posicionamento enquanto parte de uma sociedade. 
Quando este se dá conta de que o mal-estar é inerente à cultura (portanto, estru-
tural e insuperável em sua totalidade), e que tem de lidar com a incompletude e 
o desamparo que lhe habitam e constituem, é capaz de compreender e suportar 
de maneira mais tolerante, consentida e até prazerosa as configurações dos laços 
sociais que lhe circundam – inclusive, agindo de maneira direta na formação e 
reformulação de determinado recorte cultural. A busca, portanto, é sempre pela 
possível harmonia – na medida do possível – entre a realização das demandas 
sociais e de suas exigências subjetivas: uma árdua tarefa.
Referências
BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetiva-
ção. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
306
M A R C O S M A R I A N I C A S A D O R E
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1913/1996.
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. Um estudo autobiográWco. In: Edição Standart brasileira das 
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tão de uma Weltanschauung. In: Edição Standart brasileira das obras psicológicas 
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. Análise terminável e interminável. In: Edição Standart brasileira 
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FIGUEIREDO, L. C. As diversas faces do cuidar. São Paulo: Escuta, 2009.
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