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SILVA, Virgílio Afonso da - Direitos Fundamentais (2011)

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.. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA é Profes-
sor Titular de Direito Constitucional e
Direitos Fundamentais na Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo
SP.
É Mestre em Direito do Estado pela
Universidade de São Paulo, Doutor em
Direito pela Universidade de Kiel, Ale-
manha, e Livre-Docente em Direito
Constitucional pela Universidade de
Paulo.
É autor de vários trabalhos - artigos,
monografias e coletâneas - no Brasil e
^no Exterior, dentre os quais:
• Grundrechte und gesetzgeberische
Spielrãume, Baden-Baden
9 (Alemanha), Nomos, 2003.
* *
0 Pela Malheiros Editores publicou,
interiormente:
' A constitucionalização do direito
• ( l aed. ,4 a t i r . , 2014);
' Interpretação constitucional (Org.),
• (Ped.,33tir.,2010);
• Sistemas eleitorais (1999);
^ Teoria dos direitos fundamentais,
de Robert Alexy (tradução e notas,
* 3a ed., 2014).
teoria & direito público
DIREITOS FUNDAMENTAIS
conteúdo essencial, restrições e eficácia
Obras da Coleçao*
coleção dirigida por
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA JEAN PAUL C. VEIGA DA ROCHA
Faculdade de Direito Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo da Universidade de São Paulo
L, ROBERT ALEXY - Teoria dos Direitos Fundamentais
2. WILSON STEINMETZ - A Vinculação dos Particulares a Direitos
Fundamentais
3. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA (org.) - Interpretação Constitucional
4. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA - A Constitucionalização do Direito
5. MARCO AURÉLIO SAMPAIO - A Medida Provisória no
Presidencialismo Brasileiro
6. MARCOS NOBRE E RICARDO TERRA (orgs.) - Direito
e Democracia — Um Guia de Leitura de Habermas
7. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA - Direitos Fundamentais - Conteúdo
Essencial, Restrições e Eficácia
teoria & direito público
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA
DIREITOS FUNDAMENTAIS
conteúdo essencial, restrições e eficácia
2a edição, 3a tiragem
DIREITOS FUNDAMENTAIS
conteúdo essencial, restrições e eficácia
© VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA
7a edição: 2009; 2tí edição, l" tiragem: 2010; 2" edição, 2" tiragem: 20/1.
ISBN: 978.85.392.0031-3
Direitos reservados desta edição por
MALHEIROS EDITORES LTDA.
Rua Paes de Araújo, 29. conjunto 171
CEP 04531-940 - São 1'aido - SP
Tel.:(ll) 3078-7205 - Fax: < II) 3168-5495
URL: www.malheiroseditores.com.hr
e-mail: inalheiroseditorcs(a> terra .coni.br
Composição
Acqua Estúdio Gráfico Ltcla.
Capa
Criação'. Vânia Lúcia Amato
Arte: PC Editorial Ltda.
À MAC/M,
conteúdo essencial e absoluto
cia minha vida.
Impresso no Brasil
Printed in Bra~.il
08.2014
"Ich wollte Dir,
nur mal eben sagen,
dal} dn das GrõBte fiir mich bist."
(Sportfreunde Stiller)
SUMARIO
Agradecimentos .*. 15
"A essência da essência é desconhecida."
(NiKLAS LUHMANN, Grundrechtí! ais Instilurion.
Berlim, Duncker & Humblot, 1965).
CAPÍTUIJ) l - INTRODUÇÃO
1.1 Delimitação do tema 21
1.1.1 Conteúdo essenc •ial c constituição rígida 23
IJ .2 Previsões constitucionais 25
l .1.3 Teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos funda-
mentais 26
1.3.1.1 Enfoques objetivo e subjetivo 26
l. l .3.2 Conteúdo essencial absoluto e relativo 27
1.1.3.3 Conteúdo essencial e objeto da pesquisa 27
1.2 Esclarecimento quase desnecessário 28
1.3 Método 30
l .3.1 O papel da jurisprudência 32
l .3.2 O papel da doutrina 34
1.3.3 Elaboração de modelos 37
1.3.4 O método analítico e a proteção dos direitos fundamen-
tais 37
1.4 Desenvolvimento do trabalho 38
1.5 Tese 40
CAPÍTULO 2 - PONTO DE PARTIDA: A TEORIA DOS PRINCÍPIOS
2.1 Introdução 43
2.2 A distinção entre regras e princípios 44
X n iKHHOS I-VNUAMKNTAIS: CONTHIIDO FISSKNCIAL, RKS TKIÇÕKS E liRCACIA
2.2. / Direitos definitivos e direitos prima facie 45
2.2.2 Mandamentos de otimização 46
2.2.3 Conflitos normativos 47
2.2.3. l Conditos entre regras 47
2.2.3.2 Colisão entre princípios 50
2.2.3.3 Colisão entre regras e princípios 5 l
2.3 A crítica de Humberto Ávila 56
l 2.3. l Ponderação de regras 56
2.J.2 O "peso" das regras 60
2.3.3 Conclusão 62
CAPÍTULO 3 -O SUPORTE F ÁTICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
3.1 Introdução 65
3.2 Conceitos de suporte fático 67
3.2.1 Elementos do conceito de suporte fático 69
3.2.2 Suporte fático, âmbity de proteção e intervenção 70
3.2.2.1 Âmbito de proteção 72
3.2.2.2 Intervenção estatal 73
3.2.2.3 A composição do suporte fático 73
3.2.3 Um modelo alternativo 74
3.2.4 Direitos a prestações 76
3.2.4. l Direitos sociais 77
3.2.4.2 Direitos a prestações em sentido amplo 78
3.3 Suporte fático amplo e suporte fático restrito 79
3.3.1 Suporte fático restrito 79
3.3.1.1 A definição do conteúdo do suporte fático res-
trito 82
3.3.1.1.1 Interpretação histórico-sistemática ... 83
3.3.1.1.2 Âmbito da norma e especificidade
(Friedrich Miiller) 86
3.3.1.1.3 A prioridade das liberdades básicas
(John Rawls) 89
SUMARIO 9
3.3. l . 1.4 Laurence Tribe e os dois caminhos da
liberdade de expressão 92
3.3.2 Suporte fático amplo 94
3.3.2. l Ponto de partida: problemas do suporte fático
restrito 95
3.3.2.1. l Conservadorismo 95
3.3.2. l .2 Exclusão a priori de condutas 97
3.3.2.1.3 Regulação e> restrição 100
3.3.2. l .3. l Análise de caso: direito de reunião e
ADI 1.969 101
*
3.3.2.1.3.2 Regulamentações restritivas 102
3.3.2.1.3.3 Restrições permitidas 104
3.3.2.2 Suporte fático amplo: características e conse-
quências 108
3.3.2.2.1 Características 109
3.3.2.2.2 Efeitos 111
3.3.3 Análise de casos 113
3.3.3. l Liberdade de imprensa (ADI/MC 2.566) 114
3.3.3.1.1 Suporte fático restrito l 14
3.3.3.1.2 Suporte fático amplo l 16
3.3.3. l .2. l Suporte fático amplo e vedação de
censura 116
3.3.3.1.2.2 Suporte amplo e possibilidade de
restrição 118
3.3.3.2 Sigilo bancário (MS 21.729) 119
3.3.3.2.1 Suporte fático restrito 120
3.3.3.2.2 Suporte fático amplo 121
3.3.3.3 Análise de casos: conclusão 123
CAPÍTULO 4 - RESTRIÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS
4.1 Introdução 126
4.2 As teorias externa e interna 127
10 niRtrros FUNDAMF.N CAIS: CONTF.ODO F.SSFNCIAL. RKSTRIÇÕHS H F.FICÁCIA
4.2.1 Teoria interna
4.2.1.1 Limites imanentes
4.2.1.2 Teoria institucional dos direitos fundamentais ..
4.2.2 Teoria externa
4.2.2. l Ponto de partida: a teoria dos princípios como
' teoria externa
4.2.2. l . I Restrições por meio de regras
í 4.2.2. l .2 Restrições baseadas em princípios ....
4.2.2.2 Críticas à teoria externa
4.2.2.2.1 Contradição lógica
4.2.2.2.2 /lusão desonesta
4.2.2.2.3 Racionalidade
4.2.2.2.4 Segurança jurídica
4.2.2.2.5 Inflação judiciária
4.2.2.2.6 Direitos irreais
4.2.3 Diferentes teorias e .fus efeitos
4.2.4 Teoria externa e suporte feitiço
4.2.4.1 Pieroth/Schlink
4.2.4.2 Jurisprudência: o caso Osho
4.3 Limites imanentes, direitos prima facie e sopesamento
4.3.1 Canotilho e os limites imanentes
4.4 A regra da proporcionalidade
4.4.1 Questões ter/ninológicas: princípio, máxima, regra
ou postulado
4.4.2 Adequação
4.4.3 Necessidade
4.4.3. l Necessidade e grau de eficiência
4.4.4 Proporcionalidade em sentido estrito
4.4.4. l Proporcionalidade em sentido estrito e subjetivi-
dade.
4.4.5 Regra da proporcionalidade e sopesamento
128
130
133
138
139
141
142
143
144
145
146
148
150
153
156
158
159
162
164
166
167
168
169
170
173
174
177
178
SUMARIO
4.4.6 Proporcionalidade, limites imanentes, restrições e regu-
lamentações '80
4.4.7 Proporcionalidade e conteúdo essencial dos direitos fun-
damentais 181
CAPÍTULO 5 -O CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS: TEORIAS E POSSIBILIDADES
5.1 Introdução t 183
5.2 Ponto de partida: possíveis dimensões do problema 185
5.2.7 Dimensão objetiva 185
5.2.2 Dimensão subjetiva 186
5.3 Conteúdo essencial absoluto 187
5.3.1 Conteúdo essencial absoluto-dinâmico 188
5.3.2 Conteúdo essencial absoluto-estático 189
5.3.3 Conteúdo absoluto e dignidade 1915.4 Conteúdo essencial relativo 196
5.4.1 Conteúdo essencial relativo e proporcionalidade 197
5.4.2 Conteúdo essencial relativo e dignidade 200
5.5 Sobre o caráter constitutivo ou declaratório das previsões
constitucionais 202
5.6 Direitos sociais, conteúdo essencial e mínimo existencial... 204
5.7 Resultado 206
5.8 Desenvolvimento 207
CAPÍTULO 6 - EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
6.1 Introdução 208
6.2 Aplicabilidade e eficácia 210
6.3 Eficácia das normas constitucionais segundo José Afonso
da Silva 211
6.3.7 Normas de eficácia plena 212
6.3.2 Normas de eficácia contida 213
6.3.3 Normas de eficácia limitada 214
12 DIREITOS FUNDAMENTAIS: C'ON TEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES li. EFICÁCIA
6.4 Classificações alternativas 215
6.4.1 Maria Helena Diniz e Pinto Ferreira 216
6.4.2 Celso Bastos e Carlos Ayres Britto 218
6.5 Os problemas do critério tríplice de José Afonso da Silva ... 218
6.5.7 Problemas relativos às normas de eficácia contida 219
6.5.1.1 O problema terminológico 219
6.5.1.2 O problema classificatório 221
< 6.5.1.3 O problema existencial 223
6.6 A classificação de José Afonso da Silva e os limites imanentes.. 224
6.6.1 Liberdades públicas como normas não-restringíveis.... 225
6.6.2 Liberdades públicas como normas não-regidamentáveis .. 227
6.7 Eficácia e efetividade 228
6.7.1 " Capacidade de produzir efeitos jurídicos " 229
6.7.2 Liberdades públicas, direitos políticos e direitos sociais:
dependência da ação estatal 231
6.7.2. l Exemplo l: direito ao sufrágio e direito à saúde .. 232
6.7.2.2 Exemplo 2: liberdades públicas e direitos sociais.. 234
6.7.2.3 Normas de eficácia plena e de eficácia limitada:
conclusão 238
6.7.2.4 As dimensões da dogmática e a contraposição
entre eficácia e efetividade 238
6.7.3 Digressão sobre a efetividade e justiciabilidade dos di-
reitos sociais 240
6.7.3. l O custo dos direitos, ou por que a efetividade
das normas de direitos sociais é mais baixa 241
6.7.3.2 Justiciabilidade 242
6.8 Teoria externa, suporte f ático amplo e eficácia dos direitos
fundamentais 244
6.9 Conclusão: eficácia e garantia dos direitos fundamentais... 246
6.9.1 Normas de eficácia plena 247
6.9.2 Normas de eficácia contida 249
6.9.3 Normas de eficácia limitada 249
SUMARIO
CAPÍTULO 7 - CONCLUSÃO
7.1 Introdução
7.2 Restrições aos direitos fundamentais .
7.3 Proteção aos direitos fundamentais ...
7.4 Eficácia das normas constitucionais..
252
252
253
254
BIBLIOGRAFIA CITADA 257
CASOS CITADOS
ÍNDICB ALFABÉTICO REMISSIVO .
273
277
AGRADECIMENTOS
É comum que se pense que enfrentar um concurso para a t i tulari-
dade é algo que só pode ser feito em total isolação, segredo e em clima
de desconfiança, dadas as situações especiais de concorrência. Embo-
ra fazer uma tese seja, sempre, um trabalho também solitário, isso não
implica necessariamente silêncio, segredo e desconfiança. O presente
trabalho nada mais é que a continuação de uma linha de pesquisa, de
um trabalho que vem sendo desenvolvido ao longo do tempo. Nunca
houve nada de secreto nela, e a linha de pesquisa na qual se insere é
pública e foi aprovada em reunião do Departamento de Direito de Esta-
do e no Conselho Técnico-Administrativo da Universidade de São Pau-
lo. Não é, portanto, a despeito da necessária originalidade, um traba-
lho "inventado" para um concurso isolado, mas algo que vem sendo
pensado e discutido há muito tempo. Nesse sentido, muitas foram as
pessoas e instituições que, ao longo desses anos, contribuíram para o
aperfeiçoamento de minhas ideias. A algumas delas eu gostaria de agra-
decer nominalmente.
Ao professor Dr. Robert Alexy mais uma vez agradeço não somen-
te os ensinamentos durante a elaboração da minha tese de Doutorado na
Universidade de Kiel, feita sob sua orientação, que foram fundamentais
também para o meu desenvolvimento intelectual subsequente, como,
além disso, a disposição para o diálogo - pessoalmente ou à distância
- durante a elaboração desta tese de titularidade, com relação à qual não
tinha qualquer obrigação formal.
Também mais uma vez tenho que agradecer ao Instituto Max
Planck de Direito Público Comparado e Direito Internacional Público,
em Heidelberg/Alemanha, especialmente ao seu diretor, professor Dr.
Armin von Bogdandy. Foi nesse Instituto, graças a uma bolsa a mim
16 DIREITOS FUNDAMRNTALS: CONTEÚDO F.SSFNCIAL, RESTRIÇÕES L EFICÁCIA
concedida pela Sociedade Max Planck, que pude concluir, em julho
de 2005, a pesquisa realizada para a elaboração deste trabalho.
Agradeço também à FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo, instituição que sempre me apoiou e que cus-
teou parte das despesas da viagem a Heidelberg.
Muitas foram as pessoas - professores, alunos, amigos - que me
incentivaram a escrever este trabalho — que há muito já vinha sendo
pensado — para participar do concurso ao cargo de Professor Titular
na|Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A todos eles
tenho que agradecer a solidificação de algumas crenças que eu mesmo
já possuía mas que, sem essas pessoas, talvez não fossem fortes o su-
ficiente para me motivar ainda mais. A principal delas é a certeza de que
a participação em um concurso académico não pode ter relação direta
com antiguidade, mas apenas com mérito e dedicação à pesquisa.
Aos membros da Banca Examinadora do mencionado concurso
- Luís Roberto Barroso, Clèmerson Merlin Clève, Ricardo Lobo Tor-
res, Vicente Greco Filho e Maria Sylvia Zanella Di Pietro — agradeço
não apenas a aprovação e, em alguns casos, a indicação de meu nome
para o provimento do cargo de professor Titular de Direito Constitu-
cional da Faculdade de Direito da USP, mas também a oportunidade
que me proporcionaram, cada um a seu modo, de defender meus pon-
tos de vista não apenas sobre este trabalho, mas também sobre minha
linha de pesquisa e minha concepção de carreira académica.
Aos amigos e leitores críticos de sempre, Marco Aurélio Sampaio,
Jean Paul Rocha, Otávio Yazbek e Diogo R. Coutinho, agradeço a
leitura e os comentários críticos à versão final deste trabalho. A eles e
a Conrado H. Mendes, Luís Renato Vedovato e Guilherme Leite Gon-
çalves agradeço também o incentivo, as críticas, as sugestões e, sobre-
tudo, a presença e o auxílio sempre que foram necessários nos últimos
anos.
Aos amigos da chamada Kieler Bande - Martin Borowski, Mat-
thias Klatt, Rodolfo Arango, Peng-Hsiang Wang, Hidehiko Adachi,
Carlos Bernal Pulido, Alfonso Garcia Figueroa, Carsten Bàcker, Nils
Teifke e todos os outros -, que sem dúvida constituem, já constituíam
ou irão constituir uma importante parte da comunidade académica
internacional, fica o agradecimento pelas conversas sempre instigan-
tes e o constante apoio mútuo. Es lebe die Kieler Bandel
AGRADECIMENTOS 17
A Odete Medauar agradeço o apoio incondicional e a coragem que
sempre demonstrou nas lutas mais difíceis na Faculdade de Direito da
USP. E a Irany Novah Moraes (in memoriani) agradeço a atenção, os
conselhos, a paciência e até mesmo os cochilos, que fizeram com que
a cada concurso - desde o meu processo seletivo de ingresso na carrei-
ra académica da USP- eu tentasse me aperfeiçoar cada vez mais. Sem
tudo isso, eu, com certeza, teria ficado no meio do caminho.
Mais uma vez gostaria de repetir o agradecimento aos juristas da
nova geração, que se esforçam em demonstrar - com cada vez mais
sucesso — que é possível e frutífero dedicar-se exclusivamente à do-
cência e à pesquisa.
AosTneus alunos na Faculdade de Direito da USP, especialmente
nos cursos de Direitos Fundamentais e Liberdades Públicas, tenho que
agradecer o espírito sempre crítico e a não-satisfação com a "opinião
da cátedra". Ao incentivá-los à discordância, recebo em troca, muitas
vezes, um questionamento de meus próprios pontos de partida, o que
me leva a sempre refletir sobre elese nunca me acomodar. Muitas
"correções de rumo" em minhas ideias surgiram de perguntas de alu-
nos em sala-de-aula.
O mesmo agradecimento vale também aos meus monitores e aos
meus orientandos, que desde cedo - e semanalmente - são incentivados
à discordância. Eu gostaria de agradecer nominalmente a Thomaz Hen-
rique Pereira e a Paulo Macedo Garcia Neto em razão de seu interesse
e da atenta leitura que fizeram deste trabalho. Uma leitura atenta tam-
bém foi feita por Gustavo Dantas Ferraz, a quem também agradeço.
Às funcionárias e aos funcionários das bibliotecas da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo agradeço a disponibilidade, a
prontidão e o empenho de sempre. Uma universidade sem uma boa bi-
blioteca e bons bibliotecários não é uma boa universidade.
A Álvaro Malheiros e a todos na Malheiros Editores agradeço não
somente a paciência que sempre tiveram com meus constantes atra-
sos e pedidos, mas sobretudo o apoio que vem desde a publicação
de minha dissertação de Mestrado e que culminou com a aceitação em
patrocinar uma coleção como a teoria & direito público, a despeito de
todos os riscos que seu caráter pouco comercial implica.
Aos amigos Murilo Celebrone, Alexandre Suguimoto, Cassius
Medauar, Andres Lustwerk Santos e Gustav Lustwerk Santos agrade-
18 D IKHI IOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES E EFICÁCIA
ço a amizade de longa data e o fato de não terem qualquer relação
com a área jurídica. É sempre bom continuar a poder sair com os ami-
gos e falar sobre qualquer outra coisa, menos sobre Direito, teses e
concursos.
A Lennon, McCartney, Harrison e Starr, a Jagger, Richards, Wy-
man e Watts, a Page, Plant, Jones e Bonham, a Joey, Johnny, Dee Dee
e Tommy c a todos os outros que me acompanham desde a infância
agradeço as horas intermináveis de muita música. O mesmo vale para
Mingus, Miles, Coltrane e outros, descobertos um pouco mais tarde.
Embora não exista melhor forma de liberar as tensões que antecedem
a um concurso do que ouvir Wart Hog (Ramones), Holidays in the Sun
(Sex Pistols) ou Helter Skelter (Beatles) no volume máximo, a elabo-
ração deste trabalho ocorreu, em seus momentos decisivos, ao som de
algo mais suave e quase minimalista: Alina, do estoniano Arvo Pàrt.
Em todos os casos, porém, é possível acompanhar Sancho Panza e
afirmar: "Donde hay música no puede haber cosa mala" (Miguel de
Cervantes, Dou Quijote de Ia Mancha, II, XXXIV).
O espírito crítico e o prazer por novas descobertas são, na minha
opinião, clois elementos essenciais de todo trabalho académico. A Qui-
no, Bill Watterson, Goscinny, Uderzo, Sempé, Hergé, Morris, Will
Eisner, Laerte, Angeli e Fernando Gonsales, a Júlio Verne, Mark Twain,
João Carlos Marinho, Robert Louis Stevenson, Jack London, Ferenc
Moinar, Arthur Conan Doyle, Herman Melville e Alexandre Dumas
agradeço mais horas intermináveis, desta vez de muita contestação,
prazer, aventuras e descobertas. Enfrentar os problemas e as bibliogra-
fias mais complexas que o trabalho académico exige só foi - e conti-
nuará sendo - possível graças à sólida "base teórica" que esses autores
me proporcionaram. E isso não teria sido possível sem o incentivo à
leitura desde cedo e sem as maravilhosas visitas com meu pai à Livra-
ria Brasiliense da rua Barão de Itapetininga, nas manhãs de sábado.
À comunidade Linux e àqueles que apoiam o software livre agra-
deço mais uma vez o apoio e, mais que isso, a luta incansável para
oferecer alternativas a programas de computador de empresas mono-
polistas. Trabalhar com programas gratuitos e, sobretudo, estáveis,
como o sistema operacional Linux e programas como o OpenOffice e
o Mozil/a, continua economizando tempo e momentos de mau humor.
AGRADECIMENTOS
À minha família, que me acompanha nos diversos passos da mi-
nha carreira académica, agradeço o apoio e o incentivo que nunca
faltaram. Sem ela, nada teria sido possível. Os momentos de ansieda-
de, nervosismo e apreensão valeram a pena.
À Magda, por fim, porque nenhum agradecimento seria suficiente,
dedico todo este trabalho. Desde os invernos cinzas, gelados e chu-
vosos de Kiel, onde nos conhecemos, até os verões ensolarados, quen-
tes e ainda mais chuvosos de São Paulo, é alguém que sempre me
apoiou, a despeito de todas as privações, que uma carreira académica
e, sobretudo, a elaboração de teses sempre significam. Abrir mão de
todas as oportunidades que a Alemanha poderia lhe proporcionar, para
começar.uma vida nova no Brasil, demonstra, por fim, que sopesar e
decidir o que é essencial é algo inafastável em nossas vidas.
São Paulo, verão de 2008
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA
Capítulo l
INTRODUÇÃO
1.1 Delimitação do tema: 1.1.1 Conteúdo essencial c constituição
rígida ~ l.1.2 /'revisões constitucionais - l.1.3 Teorias sobre o con-
teúdo essencial dos direitos fundamentais: 1.1.3.1 Enfoques objetivo
e subjetivo ~ l.1.3.2 Conteúdo essencial absoluto e relativo - l.1.3.3
Conteúdo essencial e objeto da pesquisa, l.2 Esclarecimento quase
desnecessário. 1.3 Método: 1.3.1 O papel da jurisprudência - 1.3.2
O papel da doutrina - l .3.3 Elaboração de modelos — l .3.4 O método
analítico e d proteção dos direitos fundamentais, l .4 Desenvolvimen-
to do trabalho, l.5 'lese.
1.1 Delimitação do tema
A ideia de que os direitos fundamentais têm um conteúdo essen-
cial é algo que vem sendo sustentado pela doutrina e pela jurisprudên-
cia brasileiras com frequência cada vez maior. Em um dos casos mais
polémicos na jurisprudência do STF, o chamado "caso Ellwanger",
decidido em 2003, o Min. Celso de Mello fez menção a essa ideia nos
seguintes termos: "Entendo que a superação dos antagonismos exis-
tentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pe-
lo STF, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, hic et nunc,
em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica
concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a
situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do
método da ponderação de bens e interesses não importe em esvazia-
mento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como ad-
verte o magistério da doutrina".1
1. RTJ 188/858 (912) (sem grifos no original). Referências idênticas podem ser
encontradas em: Inq. 1.957 e MS 24.369.
22 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CON THUDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES l i EF ICÁCIA
Em decisão ainda mais recente, o Min. Gilmar Mendes, ao tratar
do embate entre a individualização da pena, garantida pelo disposto
no art. 5Q, XLVI, da constituição, e a previsão do art. 2", § l-, da Lei
8.072/1990, que exige que os condenados pelos crimes chamados
"hediondos" cumpram toda a pena em regime fechado, afirmou: "O
núcleo essencial desse direito, [à individualização da pena] em rela-
ção aos crimes hediondos, resta completamente afetado. Na espécie, é
certo que a forma eleita pelo legislador elimina toda e qualquer possi-
bilidade de progressão de regime e, por conseguinte, transforma a
illéia de individualização enquanto aplicação da pena em razão de
situações concretas em maculatura".2
Mesmo quando o STF não fala, expressamente, ern "conteúdo
essencial" ou "núcleo essencial", a ideia é utilizada em um sem-núme-
ro de julgados, quando alguns votos ressaltam, por exemplo, que "na
ponderação de valores contrapostos, (...) a restrição imposta nunca
pode chegar à inviabilização de um deles";' ou que "(...) a garantia
constitucional da ampla defesa tem, por força direta da Constituição,
um conteúdo mínimo essencial, que independe da interpretação da lei
ordinária que a discipline";4 ou quando se fala em um direito a um "mí-
nimo existencial".5
Também na doutrina o recurso ao conceito de "conteúdo essen-
cial dos direitos fundamentais" não é desconhecido. Já há algum tem-
po Carlos Ari Sundfeld fazia menção ao "princípio da mínima inter-venção estatal na vida privada", que exigiria, entre outras coisas, que a
interferência estatal não atingisse "o conteúdo essencial de algum di-
reito fundamental".6 Mais recentemente, Daniel Sarmento, tratando de
tema conexo ao do presente trabalho, manifestou-se sobre a existência
de um conteúdo mínimo dos direitos fundamentais, de um "núcleo
2. HC 84.862 (sem grifos no original), j. 15.4.2005. Cf. também HC 82.959
(A/í/ 4.10.2005) e HC 85.687 (DJU 5.8.2005) e MS 24.045 (DJU 5.8.2005 - voto
Min. Joaquim Barbosa).
3. ADI 1.969 - Ementário STF 2.142, 282 (319) - voto Min. Sepúlveda Pertence.
4. RE 427.339 (DJU 27.5.2005). Cf. também RE 431.121 (DJU 28.10.2004).
RE 345.580 (DJU 17.8.2004), RE 266.397 (RTJ 190, 724 [727]) e RE 255.397 (DJU
7.5.2004).
5. ADPE 45 (DJU 4.5.2004).
6. Carlos Ari Sundfeld, Direito administrativo ordenador, 1a ed.. 3-' t ir . . São
Paulo: Malheiros Editores. 2003, pp. 67 e ss.
INTRODUÇÃO 2.1
essencial [que] traduz o ' l imite dos limites', ao demarcar um reduto
inexpugnável, protegido de qualquer espécie de restrição".7 No âmbi-
to do chamado "mínimo existencial" a referência obrigatória é sempre
aos trabalhos de Ricardo Lobo Torres, que defende ser esse o conteú-
do dos direitos sociais.8 Mas trabalhos mais extensos sobre a questão
são quase inexistentes.9
Que direitos, em geral, contenham um conteúdo mínimo pode ser
algo intuitivo, que decorre da própria noção de que, sem a garantia
desse mínimo, a garantia do próprio direito seria de pouca valia. Na
forma como utilizada pelo Min. Celso de Mello, o recurso a um supos-
to conteúdo mínimo dos direitos fundamentais parece decorrer desse
pensamento. Mas há questões extremamente complexas, ligadas a essa
ideia simples, que não podem passar despercebidas nem pela doutri-
na, nem pela jurisprudência. O objetivo deste trabalho é analisar essas
questões.
/ . / . / Conteúdo essencial e constituição rígida
É importante ressaltar que a existência de um conteúdo essencial
dos direitos fundamentais, o qual deve ser respeitado pelo legislador,
não é contra-senso algum, ao contrário do que afirmava Mortati, se-
7. Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituirão Federal. Rio
de Janeiro: Lumen Júris. 2000. p. 1 1 1 . Cf. também Daniel Sarmento, "Os princípios
constitucionais e a ponderação de bens", in Ricardo Lobo Torres (org.). Teoria dos
direitos fundamentais, 2a ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 60.
8. Ricardo Lobo Torres, "Fundamentação, conteúdo e contexto dos direitos sociais:
a metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial", in Ingo Wolfgang Sarlet
(org.). Direitos fundamentais sociais. Rio de Janeiro: Renovar. 2003, pp. 11 e ss.
9. Há algumas poucas exceções, como a monografia de Cláudia Perotto Biagi, A
garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na jurisprudência constitu-
cional brasileira. Porto Alegre: Sérgio António Fabris, 2005. Além disso, há alguns
artigos, em geral bastante resumidos, como os de Ana Maria D'Ávila Lopes, "A oa-
rantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais". Revista de informação Legis-
lativa 164 (2004): 7-15 e Sandro Nahmias Melo, "A garantia do conteúdo essencial
dos direitos fundamentais". Revista de Direito Constitucional e Internacional 43 (2003):
82-97. Além dos trabalhos citados nas notas anteriores, é possível encontrar menções
ao conceito de conteúdo essencial, por exemplo, em: Wilson Steinmetz, Colisão de di-
reitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado, 2001. pp. 160 e ss.; Ana Paula de Barcellos, Ponderação, raciona/idade e ativi-
dade /urisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 139 e ss.
24 DIKHITOS l I N D AM l i M A I S : (ONTHUDO HSSBNCIAI . . RbS TRICOIÍS K HHCACIA
gundo o qual: "(...) proclamar a inviolabilidade [cie um conteúdo es-
sencial dos direitos fundamentais] em face da lei ordinária não faz
sentido, já que a Constituição, por sua própria natureza, é intangível
pelo legislador ordinário".10
No mesmo sentido de Mortati vai o pensamento de Gilmar Fer-
reira Mendes, segundo o qual prever um conteúdo essencial dos di-
reitos fundamentais, nos moldes das constituições alemã e portugue-
sa, seria "preocupação exagerada do constituinte, pois é fácil ver que
t proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais deriva da
supremacia da Constituição e do significado dos direitos fundamen-
tais na estrutura constitucional dos países dotados de Constituições
rígidas"."
Ora, quando as constituições alemã e portuguesa, entre outras,12
expressamente declaram a proteção de um conteúdo essencial dos di-
reitos fundamentais, não estão elas, nesses dispositivos, fazendo refe-
rências a possíveis reformas constitucionais que possam alterar a con-
figuração desses direitos. Hrn geral, essa é tarefa de dispositivo diverso,
que garante as chamadas "cláusulas pétreas".13
A declaração de um conteúdo essencial destina-se, sim, ao legis-
lador ordinário, pois é esse que, em sua tarefa de concretizador dos
direitos fundamentais, deve atentar àquilo que a constituição chama
de "conteúdo essencial". É essa acepção do conceito de conteúdo es-
sencial, e não outra, que constitui o objeto deste trabalho.14
10. CostatiiK) Mortati. istitu~oni di diritto pubblico. vol. II, 8'' cd.. Padova: Ce-
dam. 1969, p. l 127, nota 1.
l 1. Gilmar Ferreira Mendes. Direitos fundamentais c controle, de constititciona-
lidude, 2" ed.. São Paulo: Celso Bastos Editor. 1999. p. 39.
12. Cf., abaixo (tópico 1 .1 .2) , alguns outros exemplos de constituições com
menções expressas à proteção do conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
13. Na Constituição alemã. cf. art. 79, 3: "É vedada qualquer emenda a essa
Constituição que afete (...) os princípios consagrados nos arts. l'J e 20". Na Constitui-
ção portuguesa, cf. art. 288: "As leis de revisão constitucional terão de respeitar: (...)
d) os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos". No sentido defendido aqui. cf.
Horst Dreier. "Artikel 19. II", in Horst Oreier (org.). Grundgesetz: Kommeníar, vol.
l .Tiibingen: Mohr. 1996, p. 1084.
14. O STF. no entanto, em casos em que estão em jogo as chamadas cláusula.f
pétreas, fa/ uso também da expressão "núcleo essencial". Cf., por exemplo, ADI 2.024
(RTJ 176. 160 |166|).
INTRODUÇÃO 25
l .1.2 Previsões constitucionais
Ao contrário do que ocorre com a constituição brasileira, que não
disciplina a possibilidade de restrições e regulamentações a direitos fun-
damentais, há no direito estrangeiro uma grande quantidade de exemplos
de constituições que, além de se referirem expressamente a possibili-
dades de restrições nesse âmbito, também prevêem, de forma expressa,
uma necessária garantia a um conteúdo essencial dos direitos fundamen-
tais. A primeira constituição a conter um dispositivo nesse sentido foi a
constituição alemã, cujo art. 19, 2 dispõe: "Em nenhum caso pode um
direito fundamental ser afetado em seu conteúdo essencial".
A constituição portuguesa, em vários aspectos fortemente influen-
ciada péla constituição alemã, dispõe, em seu art. 18Q, 3, que: "As leis
restritivas cie direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral
e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão
e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais".
Também a Constituição da Espanha, em seu art. 53, l , traz dispo-
sitivo muito semelhante, nos seguintes termos: "Os direitos e liberda-
des (...) v inculam todos os poderes públicos. Somente por lei, que, em
qualquer caso, deverá respeitar seu conteúdo essencial, poderá ser
regulado o exercício de tais direitos e liberdades (...)".
A inf luência constitucional alemã ocorreu, no entanto, com ainda
maior intensidade no período de redemocratização do Leste Europeu.
Quase todas as constituições do antigo bloco socialista, e também suasinstituições, foram fortemente marcadas, por diversas razões, pela ex-
periência constitucional alemã. Diante disso, não é difícil encontrar em
várias das constituições desses países dispositivos sobre o chamado
"conteúdo essencial dos direitos fundamentais", como é o caso, por
exemplo, da constituição polonesa, que, em seu art. 31 , 3 , dispõe:
"Qualquer limitação ao exercício de uma liberdade ou de um direito
constitucional poderá ser instituída somente por lei e somente quando
necessária ao Estado Democrático para a proteção de sua segurança ou
da ordem pública, ou para proteger o meio ambiente, a saúde, a moral
pública ou as liberdades e os direitos de outras pessoas. Tais limitações
não poderão violar a essência das liberdades e dos direitos".15
15. Para outras constituições do antigo bloco socialista do Leste Europeu que
contêm dispositivos semelhantes, cf, por exemplo, as Constituições da Estónia (art.
l l ) , da Hungria (art. 8. 2). da Roménia (art. 53, 2) e da Eslováquia (art. 13, 4).
26 l>IKI- ; iTOS l UN I JAMI - .N I A I S : rONTh tHX ) I -SSI - .N( I A I . . RI ,S IkK/ÕHS l. U K AC1A
Por fim, e a despeito dos fortes abalos que sofreu com sua rejei-
ção parcial, via plebiscito, na França e na Holanda, também o projeto
de constituição europeia tem dispositivo no mesmo sentido. Seu art.
112"' dispõe: "Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberda-
des reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei c res-
peitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades".
Essa preocupação dos legisladores constituintes com um conteú-
do essencial dos direitos fundamentais é normal sobretudo - mas não
exclusivamente - em constituições promulgadas após períodos auto-
rifários ou totalitários, como é o caso de todas as constituições aqui
mencionadas (com exceção, claro, da constituição europeia). Mas
mais importante que reconhecer esse fenómeno constituinte é exami-
nar qual é seu significado para a dogmática dos direitos fundamentais.
Esse é, como já delineado acima,'7 o objeto deste trabalho, e a questão
da previsão expressa acerca do respeito ao conteúdo essencial dos
direitos fundamentais será ainda analisada em tópico específico, no
capítulo 5.18
l .1.3 Teorias sobre o conteúdo essencial
dos direitos fundamentai
O debate sobre o chamado "conteúdo essencial dos direitos fun-
damentais" é marcado por duas grandes dicotomias. A primeira delas
é aquela entre o enfoque objetivo e o enfoque subjetivo para o proble-
ma. A segunda é aquela entre uma teoria absoluta e uma teoria re-
lativa do conteúdo essencial. Como primeira aproximação, e como
forma de fixar alguns conceitos, abordo cada uma delas nos tópicos
seguintes. A elas voltarei com mais detalhes no Capítulo 5.
1.1.3.1 Enfoques objetivo e subjetivo
Se se parte de um enfoque apenas objetivo, o conteúdo essencial
de um direito fundamental deve ser definido a partir do significado
16. O art. 112 do Projeto de Constituição Europeia corresponde :io art. 52 da
Car!a dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
\ Cf. tópico 1 .1 .
18. Cf. tópico 5.5.
INTRODUÇÃO 27
desse direito para a vida social como um todo.19 Proteger o conteúdo
essencial de um direito fundamental , nesse sentido, significa proibir
restrições à eficácia desse direito que o tornem sem significado para
todos os indivíduos ou para boa parte deles. Como se percebe, esse
enfoque assemelha-se muito à própria ideia de cláusulas pétreas, já
mencionadas anteriormente.20 A partir de um enfoque subjetivo, a ga-
rantia do conteúdo essencial de um direito fundamental não tem rela-
ção com o valor e a extensão desse direito para o todo social; em cada
situação individual deveria haver, segundo esse enfoque, um controle
para se saber se o conteúdo essencial f<Si, ou não, afetado.
essencial absoluto e relativo
Além da diferença de enfoques esclarecida brevemente acima, há
duas formas principais de se determinar o conteúdo essencial dos direi-
tos fundamentais. Uma primeira forma, talvez até mais intuitiva, de-
fende que cada direito fundamental tem um conteúdo essencial abso-
luto. Isso significa que no âmbito de proteção do direito em questão
deve existir um núcleo, cujos limites externos formariam uma barrei-
ra intransponível, independentemente da situação e dos interesses que
eventualmente possa haver em sua restrição
Já as teorias relativas rejeitam essa possibilidade e sustentam
que a definição do que é essencial - e, portanto, a ser protegido - de-
pende das condições fáticas e das colisões entre diversos direitos e
interesses no caso concreto. Como consequência, o conteúdo essen-
cial de um direito não será sempre o mesmo e irá variar de situação
para situação, dependendo das circunstâncias e dos direitos em jogo
em cada caso.
1.1.3.3 Conteúdo essencial e objeto da pesquisa
Expostas as principais teorias e possíveis enfoques sobre o objeto
desta pesquisa, é necessário fazer alguns outros esclarecimentos, que
19. Cf., nesse sentido, Konrad Hesse, (jritndziix? dês Verfassungsrechtx der
Bundesrepublik Deutschland, 19a ed., Heidelberg: C. K Miiller, 1993, § 334, p. 141.
20. Cf. tópico 1 .1 .1 .
2X DIREITOS Fi;,\l)AMKNTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES E EFICÁCIA
ficarão ainda mais precisos adiante, quando da exposição da tese aqui
defendida.21
Este não é um trabalho no qual se pretende simplesmente fazer
uma análise de teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos funda-
mentais para, ao final, decidir qual delas é a melhor. Isso seria um tanto
quanto empobrecedor. Quando se define parte do objeto deste trabalho
como "o conteúdo essencial dos direitos fundamentais", quer-se fazer
referência a urn fenómeno complexo, que envolve uma série de pro-
blemas inter-relacionados. Esses problemas, que compõem o objeto
principal do trabalho, são: (a) a definição daquilo que é protegido pe-
las normas de direitos fundamentais; (b) a relação entre o que é pro-
tegido e suas possíveis restrições; e (c) a fundamentação tanto do que
é protegido como de suas restrições. É da relação dessas variáveis - e
de todos os problemas que as cercam - que se define, na visão deste
trabalho, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais?2 Uma outra
parte do objeto deste trabalho, definida no subtítulo como "eficácia
[dos direitos fundamentais]", pretende relacionar as conclusões da
análise do conteúdo essencial dos direitos fundamentais com teorias e
classificações acerca da produção de efeitos das normas que garantem
esses direitos. Uma exposição jpais detalhada do desenvolvimento de
todo o trabalho será feita no tópico 1.4 ("Desenvolvimento do traba-
lho"); e a definição sintética da tese defendida será feita no tópico 1.5("Tese").
1.2 Esclarecimento quase desnecessário
Uma tese, qualquer que seja, necessariamente implica uma con-
tribuição original ao ramo do conhecimento em que se insere. E difi-
cilmente há contribuição original sem que alguma tese anterior seja
colocada em questão. Todo o desenvolvimento de qualquer ramo da
ciência baseia-se nessa premissa. Ocorre que "colocar em questão
uma tese" ou, ainda, "tentar superar uma tese" não significa qualquer
desrespeito à tese que se procura questionar ou superar. Na maioria
dos casos o contrário é o que acontece, já que é a própria existência
21. Cf. tópico 1.5.
22. É nesse sentido, portanto, que o subtítulo deste trabalho deve ser com-preendido.
INTRODUÇÃO 29
de uma teoria que cria as condições para que aqueles que vêm depois
possam desenvolvê-la ainda mais, questioná-la ou tentar superá-la.
Para usar uma expressão famosa, utilizada por Isaac Newton, poder-
se-ia dizer que enxergar mais longe só é possível quando se pode es-
tar nos ombros de gigantes.23
Contemporaneamente, talvez o exemplo mais acabado do que
Newton queria dizer possa ser encontrado na relação entre H. L. A.
Hart e RonaldDworkin. Dworkin, ao construir parte de sua distinção
entre regras, princípios e políticas, usa £omo alvo a ser combatido o
positivismo jurídico. Seu objetivo declarado era, assim, "um ataque
geral ao positivismo" e, quando necessário, um ataque específico ao
positivismo hartiano.24 Dworkin, curiosamente o sucessor do próprio
Hart em sua cátedra na Universidade de Oxford, não negava a impor-
tância da obra e das teses de Hart no debate jurídico do século XX. Ao
contrário, quando se propõe a examinar a solidez do positivismo jurí-
dico, Dworkin concentra-se naquilo que chama de "forma poderosa"
com que Hart desenvolveu tal teoria do direito.25 E, ao justificar tal
escolha, Dworkin afirma: "Escolhi concentrar-rne em sua posição não
somente por causa de sua clareza e elegância, mas também porque
aqui, como em qualquer outro caso na filosofia do direito, o pensa-
mento construtivo tem necessariamente que começar com uma consi-
deração dos pontos de vista de Hart".26
Qual é a razão, contudo, dessas considerações, que, como visto
acima, seriam quase que desnecessárias? A resposta é simples. Ao se
tentar reconstruir dogmaticamente um problema por meio de um en-
foque predominantemente analítico21 é muito comum que as diferen-
23. Newton usou essa expressão em carta endereçada a Robert Hooke, de 6.2.1676,
afirmando que, "(-••) se eu pude ver mais longe, foi por estar nos ombros de gigantes".
Essa ideia, porém, é bem anterior a Newton, e costuma ser atribuída a John of Salis-
bury, nos seguintes termos: "Nós somos como anões sentados no ombro de gigantes.
Nós vemos mais - e coisas que estão mais distantes - que eles, não porque nossa
visão é superior ou porque somos mais altos que eles, mas porque eles nos engrande-
cem, já que sua grande estatura soma-se à nossa" (John of Salisbury. The Mctalogicon,
1159).
24. Cf. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 1977, p. 22.
25. Idem, p. 16.
26. Ibidem.
27. Cf. tópicos 1.3 e 1.3.4.
30 DIRF.ITOS FVNDAMFNTAIS: CONThÚDO HSSHNCIAL. KFSTRICÕHS E F.FICÁCIA
ças conceituais entre a tese que se defende e as teses com ela incom-
patíveis fiquem muito patentes. Nesse sentido, uma tese analítica é
usualmente repleta de pontos de vista que divergem das teorias com as
quais dialoga. Essa tem sido a tónica da minha produção académica.
Isso, no entanto, nem sempre tem sido encarado da forma como de-
veria, ou seja, da forma como a citação de Nevvton propõe ou como o
exemplo paradigmático da tensão entre Hart e Dworkin comprova ser
possível. Muitas vezes as divergências têm sido encaradas como "fal-
ta de respeito", seja pessoal, seja a tradições consolidadas. Como se
(percebe por esse esclarecimento, não é o caso.
Este é um trabalho que foi apresentado para um concurso de pro-
vimento do mais alto cargo da carreira académica na Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, o cargo de Professor Titular.
Parte substancial dele, como se verá, dialoga com outro trabalho,
também apresentado a um concurso à titularidade, também na área de
direito constitucional, há quase 40 anos, na mesma Faculdade.28 Por
todas as razões apresentadas - e por outras mais, inclusive afetivas -,
não se imagina que as discordâncias entre ambos os trabalhos, que são
profundas, signifiquem algum tipo de desrespeito. Pelo contrário,
minha tentativa de ver um pouco além - espero que, pelo menos em
parte, bem-sucedida - só terá sido possível ao subir no ombro de gi-
gantes, e não ao tentar derrubá-los.
1.3 Método
Como já salientei em outras oportunidades, quando se fala em
método na ciência do direito é necessário diferenciar entre forma de
trabalho e abordagem metodológica.29 Não é à primeira acepção que
aqui se quer fazer menção neste tópico, até porque isso seria de menor
importância, no presente caso.
Muito mais importante é, aqui, delinear a abordagem metodoló-
gica. Como já mencionado no tópico anterior, o enfoque por excelên-
28. Cf. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, tese
apresentada ao concurso de provimento de cargo de Professor Titular de Direito Cons-
titucional na Faculdade de Direito da LJSP, 1968. Atualmente o livro está na 7a edição,
2a tiragem (São Paulo, Malheiros Kditores, 2008).
29. Cf., por exemplo. Virgílio Afonso da Silva, A constitiicioruilização do direi-
to, 1a ed., 2a tir.. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 25.
INTRODUÇÃO 31
cia do presente trabalho é analítico. Nesse sentido, o enfoque é essen-
cialmente um enfoque dogmático. Para usar a divisão proposta por
Ralf Dreier e Robert Alexy, a dogmática jurídica poderia ser dividida
em três dimensões: a analítica, a empírica e a normativa.-"
Na dimensão analítica o foco central é a análise dos conceitos
básicos e mais elementares envolvidos no objeto da pesquisa. Sobretu-
do no capítulo 3 essa faceta da dimensão analítica ficará muito clara,
a partir da desconstrução e da reconstrução do conceito de suporte
fático no âmbito dos direitos fundamentais. Mas também é parte da
dimensão analítica da dogmática jurídica uma minuciosa investigação
sobre as relações existentes entre os diversos conceitos estudados. Isso
ficará parente especialmente na primeira parte do capítulo 4, na qual
será estudada a relação existente entre o direito fundamental em si e
as suas restrições. Por fim, como último componente ainda da dimen-
são analítica da dogmática jurídica, o exame das formas de fundamen-
tação jurídica também desempenha um papel importante neste traba-
lho, sobretudo na segunda parte do capítulo 4, na qual serão estudadas
as formas de fundamentação às restrições a direitos fundamentais.
Mas, além da dimensão analítica que, sem dúvida, compõe o cer-
ne do método do presente trabalho,31 também as outras duas dimen-
sões - empírica e normativa - desempenham o seu papel.
No caso da dimensão empírica, ela vem à luz sobretudo a partir
do exame da aplicação do direito na visão do STF e também, especial-
mente no capítulo 6, na tentativa de relativização da distinção entre os
conceitos de eficácia e efetividade das normas constitucionais, quando
se tentará demonstrar que sem o componente empírico presente no
conceito de efetividade o conceito de eficácia jurídica perde muito de
seu valor.
30. Cf. Ralf Dreier, Recht - Moral - Idcologie, Frankfurt am Main: Suhrkamp,
1981, pp. 8 e ss. e Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 2a ed., Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1994, pp. 23-25 [tradução brasileira. Teoria dos Direitos Fundamentais,
São Paulo: Malheiros Editores, 2008, pp. 33-36].
3 l. A identificação desse trabalho com a dogmática jurídica - sobretudo em sua
dimensão analítica - fica ainda mais clara a partir da definição que Wolfram Cremer
dá ao conceito: "Dogmática jurídica tem como objetivo a reconstrução sistemática de
um dado material jurídico". Cf. Wolfram Cremer, Freiheitsgrundrechte: Funktionen
iind Strukturen, Tiibingen: Mohr, 2003, pp. 17-18.
32 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES fi EFICÁCIA
Por fim, a dimensão normativa é, em muitos casos, a própria ex-
pressão do conceito de trabalho académico: fornecer uma resposta
adequada ao problema analisado.
1.3.1 O papel da jurisprudência
No Brasil, com raríssimas exceções, nunca houve uma tradição,
entre os trabalhos académicos," de utilizar a jurisprudência como
material de trabalho.33 Quando muito, algumas decisões são citadas
l como forma de argumento de autoridade, mas difici lmente se vê em
trabalhos académicos uma pesquisa extensiva na jurisprudência de
determinado tribunal. Há diversas explicações possíveis para esse fe-
nómeno: (1) No Brasil há uma crença — baseada na dicotomia entre as
famílias da common law e do direito codificado continental europeu
— segundo a qual os precedentes judiciais têm valor apenas para a pri-
meira, mas não para a segunda;(2) dentre outras, essa é uma das ra-
zões pelas quais a tradição jurídica brasileira é baseada sobretudo na
doutrina; (3) isso pode ser percebido até mesmo nas decisões judi- __
ciais, que, em inúmeros casos, baseiam seus argumentos quase que
<
32. Com "trabalhos académicos" quer-se fazer menção a monografias (disser-
tações e teses) defendidas em faculdades de Direito. Essa ressalva é necessária, por-
que há trabalhos jurídicos em que a jurisprudência tem papel relevante. No âmbito do
direito constitucional esse é o caso, sobretudo, das Constituições anotadas. Nesse
sentido, cf., por todos, Luís Roberto Barroso, Constituição da República Federativa
do Brasil anotada, 4" ed., São Paulo: Saraiva, 2003. Há também, no âmbito da ciência
política, trabalhos baseados em pesquisas jurisprudenciais de fôlego. Cf., por exem-
plo, Luiz Werneck Vianna et a/., A judicialização da política e das relações sociais
no Brasil, Rio de Janeiro: Revan, 1999, em que os autores analisam iodas as ações
diretas de inconstitucionalidade ajuizadas de 1988 a 1998.
33. Algumas exceções que, no âmbito do direito constitucional, poderiam ser
mencionadas - sem demérito a qualquer outra existente - são: Oscar Vilhena Vieira,
Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. 2a ed.. São Paulo: Malheiros Edi-
tores, 2002; Oscar Vilhena Vieira/Flávia Scabin, Direitos fundamentais: uma leitura
da jurisprudência do STF, São Paulo: Malheiros Editores/FGV, 2006; Luís Roberto
Barroso, Interpretação e aplicação da constituição, São Paulo: Saraiva, 1996; Gilmar
Ferreira Mendes, "A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-
ral", in Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de constitucionali-
dade: estudos de direito constitucional, 2a ed., São Paulo: Celso Bastos Editor. 1999,
pp. 71 e ss.; e Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade. 2a ed.,Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
INTRODUÇÃO 33
exclusivamente na doutrina, e não em seus próprios precedentes; (4)
no Brasil, especialmente no âmbito do STF, a despeito das melhoras
constantes ocorridas nos últimos anos, o acesso à informação é extre-
mamente complicado e restrito, em muitos casos, às informações cons-
tantes das ementas dos acórdãos ou a algumas palavras-chaves;34 (5)
os tribunais brasileiros, sobretudo o STF, julgam uma quantidade enor-
me de ações, o que dificulta ainda mais o acesso à informação.35
Não se quer, aqui, defender essa ou aquela forma de se usar a ju-
risprudência no direito constitucional brasileiro, já que este não é um
trabalho sobre metodologia de pesquisa. O que se quer aqui ressaltar
é a tentativa, neste trabalho, de utilizar a jurisprudência de forma um
pouco mais sistemática, e não apenas como exemplificação de ideias
ou, sobretudo, não como argumento de autoridade."' Mas esse uso sis-
temático também esbarra nos problemas mencionados acima - ou se-
ja: em muitos casos o acesso à informação ficou aquém do necessário
para que a devida análise pudesse ser mais abrangente, e em vários
outros as próprias decisões analisadas não dão ensejo a aprofunda-
mento, já que não se reportam a uma prática jurisprudência! reiterada
do tribunal, limitando-se, em muitos casos, a fundamentações exclu-
sivamente doutrinárias.
34. A pesquisa no teor integral dos acórdãos só é possível para decisões poste-
riores a dezembro/2004. Mesmo assim, o mecanismo de busca ainda apresenta muitos
problemas, pois, em muitos casos, acusa resultados que não se ajustam à expressão
pesquisada.
35. Nesse sentido, é possível falar que em outros países, sobretudo nos Estados
Unidos e na Alemanha, além da tradição de acompanhamento de jurisprudência, há
uma facilidade não existente no Brasil, que é a pequena quantidade de processos
julgados nos tribunais superiores (Suprema Corte e Tribunal Constitucional). Assim,
enquanto o STF julgou, em 2004, 101.690 ações, a Suprema Corte dos Estados Uni-
dos julgou 83 e o Tribunal Constitucional alemão julgou 145 (no caso do Tribunal
Constitucional alemão foram considerados como processos julgados apenas aqueles
aceitos para julgamento e efetivamente julgados; além desses, houve outras 5.219
decisões pela não-aceitação de ações. sendo que parte delas - 3.809 - nem ao menos
tem fundamentação). Fontes (respectivamente): STF, U. S. Snpreme Court e Bundes-
verfassungsgericht.
36. Isso não exclui, claro, que algumas decisões sejam utilizadas com uma fun-
ção exemplificativa. O fundamental, no entanto, é que tal uso não seja um mero ar-
gumento de autoridade. Pelo contrário, mesmo nos casos em que as decisões são
usadas de forma exemplificativa o exemplo é submetido a uma análise que não se
prende à inegável autoridade hierárquica do STF7.
34 niRF-:iTos Hi .viMMiíNTAis: roNTHÚno ES.SKNCIAL. RHSTRIÇÕRS i-, EFICÁCIA
A despeito dessas ressalvas, será possível perceber uma tentativa
constante de acompanhamento crítico37 da jurisprudência do STF, es-
pecialmente - mas não exclusivamente - das decisões mais recentes.-18
Talvez este seja um caminho para maior acompanhamento da ativida-
de jurisprudência! do mais alto tribunal brasileiro. E, para marcar essa
opção metodológica, este trabalho não tem apenas uma "bibliografia",
mas também-uma lista de "casos citados", quase todos eles da juris-
prudência do STF.
l.3.2 O papel da doutrina
Não será difícil perceber que a análise doutrinária ocupa um es-
paço importante neste trabalho. Isso é perfeitamente normal e, por si
mesmo, não exigiria um tópico para salientar esse papel. A função
37. Cf., nesse sentido, acerca do papel da doutrina de direito constitucional em
face da jurisprudência, Wolfram Hõfling, "Kopernikanische Wende ruckwãrts?", in
Stefan Muckel (org.), Kirclic und Religion im sozialen Rechtsstaat, Berlin: Duncker
& Humblot. 2003, p. 340, Segundjj ele, urna das tarefas da doutrina é acompanhar
criticamente o desenvolvimento da jur isprudência do tribunal constitucional. Mais
incisivo: não basta lazer positivismo judiciário, o que se faz necessário é análise
crítica.
38. E, dada a grande quantidade de decisões utilizadas neste trabalho, parece-me
importante deixar clara a forma como elas serão citadas aqui. Nos casos em que houver
publicação na Revista Trimestral de Jurisprudência (RTJ), dar-se-á sempre precedên-
cia a essa fonte oficial de informação. Nesses casos, as decisões serão citadas da se-
guinte forma: RTJ volume, página inicial da decisão (página do trecho mencionado)
- por exemplo. RTJ 188, 858 (912). Nos outros casos, quando se quiser fazer menção
apenas a uma decisão como um todo, mencionar-se-á pura e simplesmente o tipo e o
número da ação e sua data de publicação no Diário de Justiça: por exemplo, ADI-MC
2.566 (OJ 27.2.2004). Sempre mais complicados são os casos em que se quer fazer
menção a um trecho específico de uma decisão não publicada em um repertório de
jurisprudência. Nesses casos, dada a disponibilização do teor integral das decisões na
página do Supremo Tribunal Federal na internet (www.stf.gov.br), parece-me que o
melhor modo de indicar a fonte, de forma a possibilitar a sua precisa e fácil localiza-
ção, é a menção ao número e à página do ementário de jurisprudência do STF. Assim,
por exemplo, quando se está falando da ADI-MC 1.969 e se quer mencionar um ponto
específico da decisão, será usada a seguinte formatação: Ementário STF 2.142, 282
[295] para se reportar à página 295 dessa catalogação interna do tribunal ("282" é a
página inicial da decisão). Todas as decisões disponíveis na internet contêm esse nú-
mero da paginação "carimbado". Não há, então, porque não utilizá-lo para facilitar alocalização do leitor.
INTRODUÇÃO 35
deste tópico é, contudo, um pouco diversa. Uma breve passada de
olhos na bibliografia deste trabalho mostrará que a doutrina em língua
alemã - sobretudo da Alemanha, mas também da Áustria e da Suíça_ tem um peso considerável. O que se quer deixar claro é que não se
pretende, aqui, fazer "direito constitucional alemão no Brasil", práti-
ca que sempre critiquei." Não será feita, portanto, análise legal ou
jurisprudencial alemã, como se isso tivesse validade direta para o
direito constitucional brasileiro.40 A bibliografia em alemão também
não decorre de um modismo ou de unia mera preferência pessoal do
autor do trabalho. A razão é temática e metodológica. (1) Temática,
porque o problema do conteúdo essencial dos direitos fundamentais
é tema tradicional no direito alemão, sobre o qual a doutrina já se
debruçou com bastante frequência. (2) Metodológica, porque o enfo-
que dogmático-analítico, na forma como exposto nos tópicos anterio-
res, tem grande tradição no direito alemão, o que se reflete em sua
produção bibliográfica. A soma desses dois fatores — tema e metodo-
logia - tem como consequência natural uma bibliografia que tende
para o direito alemão.41 Tanto isso é assim que a bibliografia sobre o
tema objcto deste trabalho em outros idiomas também se utiliza em
grande extensão da bibliografia em língua alemã, seja em Portugal,42
39. Cf., por exemplo, Virgílio Afonso da Silva, "Interpretação constitucional e
sincretismo metodológico", in: Virgílio Afonso da Silva (org.), Interpretação consti-
tucional. l ; l ed., 2a tir., São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 141.
40. A única exceção é um breve tópico deste trabalho que se ocupa de recente
debate sobre a construção do suporte fático dos direitos fundamentais em decisões
recentes do Tribunal Constitucional alemão. Em todas as outras ocasiões, "análise de
decisões" significa "análise de decisões do STF".
41. Isso é perceptível sobretudo no Capítulo 3 e na primeira parte do Capítu-
lo 4. Nessa parte do trabalho, a recepção de um debate travado sobretudo na Ale-
manha é bastante pronunciada. Isso não significa, mesmo assim, "fazer direito
constitucional alemão no Brasil". Como se verá, o debate alemão serve sobretudo
para a construção de modelos teóricos. Quando a análise passa da construção de
modelos para sua avaliação prática o material de análise é sempre a jurisprudência
do STF.
42. Cf., por todos, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da Repú-
blica Portuguesa anotada, 3a ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1993; J. J. Gomes Ca-
notilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, 2a ed., Coimbra: Almedina,
1998 e Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamen-
te autorizadas pela Constituição, Coimbra: Coimbra Editora, 2003.
.ÍIS DIRli lTOS rCNDAMF.NTAIS: C'ON TfU IDO FíSSHNCIAl. . RHSTKI^ÕfiS l:. KMCACIA
na Espanha,4 ' na Itál ia,44 em países da América Latina4^ e também no
Brasil.4"
Essa tradição do debate no direito alemão sobre restrições a direi-
tos fundamentais, sobre seu conteúdo essencial, sobre seu suporte ía-
tico, sobre a distinção entre regulação e restrição não implica, por
fim, um simples transplante de um debate antigo, como uma forma de
"requentá-lo"' para o caso brasileiro. Em primeiro lugar porque não se
trata de recepção pura e simples, mas de diálogo com a produção
feita em outros lugares (isto é, não somente na Alemanha). Ern segun-
< cio lugar, por fim, porque, ainda que o debate tenha tido seu início na
década de 1950, o foco principal da literatura deste trabalho não é
essa origem, mas o debate contemporâneo, que tem ocupado a doutri-
na alemã nos últimos meses17 e que passará a ocupar cada vez mais a
doutrina europeia como um todo, dada a redação do ait. l 12 do pro-jeto de constituição da Europa.48
43. Cf., por exemplo. Ignacio de Otto y Pardo. "La regulación dei ejercicio de
los derechos y libertades", in Lorenzo Martín-Retortillo Baquer/Ignacio de Otto y
Pardo. Derechos ftindamentales y Constitución, Madrid: Civitas, 1988, pp, 95-170;
Antonio-Luis Martínez-Pujalte, La^arantía dei contenido esencial de los derechos
fundainentales, Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales. 1997; e Magdalena
Lorenzo Rodríguez-Armas. Análisis dei contenido esencial de los derechos fnnda-
nientales. Granada: Cornares. 1996.
44. Cf'., por todos. Pierfrancesco Grossi, Introduzione ad uno sliidio sui diritti
inviolahili nel/a Costitnzione italiana, Padova: Cedam, 1972. pp. 145 e ss.
45. Cf., por exemplo. César Landa, "Teorias de los derechos fundamentales",
Cuesliones Constitucionales 6 (2002), pp. 62 e ss.
46. Cf., por todos. Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de
fonstitucionalidade, 2J ed.. São Paulo: Celso Bastos Editor. 1999.
47. Sobre a atualidade do debate, cf. por exemplo, Claudia Drevvs, Die Wesens-
xehaltsgarantie dês Art. 19 II Gd, Baden-Baden: Nomos. 2005; Wolfram Hòfling,
"Kopernikanísche Wende riickwàrts? Zur neueren Grundrechtsjudikatur dês Bundes-
verfassungsgerichts", in Stefan Muckel (org.), Kirche und Religion i/n sozialen Re-
clitsstddt. Berlin: Duncker & Humblot, 2003; Wolfgang Kahl, "Vom weiten Schulzbe-
reich /uni engen Gewáhrleistungsgehalt", Der Staat 43 (2004). pp. 167-202; Wolfgang
Hoffmann-Riem, "Grundrechtsanwendung unter Rationalitãtsanspruch: eine Brwide-
rung auf Kahls Kritik". Der Staat 43 (2004), pp. 203-223; do mesmo autor. "Gesetz und
Geset/esvorbehalt im Umbruch", Archiv dês õffentlichen Kec/its 130 (2005), pp. 5-70 e
Mattl i ias Cornils. Die Anss>estaltiins> der Gnindrechte, Tiibingen: Mohr, 2005.
48. Sobre o início desse debate, cf. por exemplo Tânia Groppi, "Portata dei di-
r i t t i garantiti", in Raffaele Bifulco et ai. (a cura di). L'Europa dei diritti, Bologna: II
Miilirto, 2001. pp. 351 e ss.; António Ruggiero, // bilanciamento degli interessi nella
Carta dei Diritti Fondarnentali deU'Unione Europea, Padova: Cedam, 2004; Carolin
INTRODUÇÃO 37
l .3.3 Elaboração de modelos
Como foi mencionado acima, a dimensão normativa da dogmática
jurídica preocupa-se em fornecer resposta adequada a um dado proble-
ma. "Fornecer uma resposta adequada" não pode ser encarado, contudo
pelo menos, não neste trabalho -, como uma espécie de parecer, no
qual a resposta "adequada" já é dada previamente e todo o desenvolvi-
mento do trabalho nada mais é que uma forma de legitimá-la. A respos-
ta adequada, aqui, pressupõe uma abordagem analítica e empírica, como
ficou claro nos tópicos anteriores. Mas não é apenas isso. O presente
trabalho, ao se ocupar de problemas que se situam no âmbito analítico,
não se ocupa em dar resposta a esse ou àquele caso concreto, mas em
desenvolver um modelo de análise que - aí, sim - poderá servir como
instrumento na discussão sobre casos concretos. Como já salientei em
outra oportunidade: "Desenvolver um modelo é, de um lado, uma tarefa
analítica de alto grau de abstração que pretende, por outro lado, fornecer
elementos para concreta interpretação e aplicação do direito".4''
Isso não significa, contudo, que este trabalho pretenda ser apenas
um exercício de abstração analítica, sem preocupação com a prática
dos operadores do direito. Pelo contrário, a multidimensionalidade da
dogmática jurídica, expressa nos tópicos anteriores, está necessaria-
mente vinculada a um caráter prático. Não se trata de análise teórica
que se esgota em si mesma. O que se pretende, portanto, é, além de
contribuir para a discussão teórico-geral sobre direitos fundamentais,
também fornecer subsídios para a atividade jurisprudencial. espe-
cialmente a atividade do STF.
l .3.4 O método analítico e a proteção dos direitos fundamentais
Ao método analítico é muitas vezes imputado um certo formalis-
mo, um certo exagero nas análises conceituais ou, por fim. uma certa
Kisncr. Die Schrankenregelung der Grundrechtecharta der Eitropiiische Union. Ba-
den-Baden: Nomos, 2005; Margit Biihler. Einschrãnkung vou Grundrechten nach der
Enropiiischen Grundrechtecharta, Berlin: Duncker & Humblot, 2005. Ressalte-se, no
entanto, que referênciasa um conteúdo essencial dos direitos fundamentais são en-
contráveis, há tempos, na jurisprudência da Corte Europeia de Justiça. Nesse sentido,
cf, por todas, a decisão no caso No/d v. Conunission, de 14.5.1974.
49. Virgílio Afonso da Silva, A constitucionalizarão do direito, p. 176.
3 S D IKLI IOS I -VXDAMh.NTAIS. CONTFÚIX) HSSKNriAL. RFSTRIÇÒHS F 1:1 IC.ÁCIA
"distância da realidade". E possível que esses riscos existam, mas não
em um trabalho que complementa esse enfoque com os outros men-
cionados acima. Durante todo o desenvolvimento do trabalho ficará
cada vez mais claro que os ganhos analíticos têm sempre também im-
plicações mui to reais e concretas na atividade de proteção aos direitos
fundamentais. Isso porque o método analítico tende a trazer à luz di-
versas pré-çompreensões, quase sempre mal-esclarecidas, que, via de
regra, acabam por escamotear restrições a direitos fundamentais como
se se tratasse de meras delimitações conceituais sem qualquer ligação
J com o grau de proteção e de realização desses direitos. Como ficará
claro durante o transcorrer deste trabalho, é justamente a partir do mé-
todo analítico que se criam todas as condições teóricas para a constru-
ção de um modelo que tenha seu foco central em exigências reais de
fundamentação e na criação de ónus argumentativos claros para qual-
quer atividade que implique restrição a um direito fundamental ou para
qualquer omissão que implique uma não-realização de um desses di-
reitos. Esse ganho em transparência na análise dos direitos fundamen-
tais é. segundo a tese que aqui se defende, exigência de uma consti-
tuição de um Estado Democrático de Direito.50
T
l.4 Desenvolvimento do trabalho
Não é incomum em trabalhos de dogmática constitucional ou de
direitos fundamentais que um problema seja analisado com base ex-
clusivamente em exposição de teorias e modelos para que, por fim, o
autor decida por uma delas. No caso do conteúdo essencial dos direi-
tos fundamentais isso significaria uma exposição das teorias absolutas
e relativas com suas imbricações com as teorias objetívas e subjeti-
vas" para que, diante das possibilidades existentes, seja escolhida uma.
Dependendo do objetivo do trabalho, esse é um enfoque possível. Não
o é. contudo, em um trabalho académico.
50. A ênfase no "ganho democrático" que decorre do enfoque analítico aqui
adotado e da criação de ónus argumentativos para a atividade de restrição a direitos
fundamentais é produto de conversas com Diogo R. Coutinho. Ficam, aqui, o crédito
c o devido agradecimento.
51. Sobre essas teorias, cf. o Capítulo 5.
INTRODUÇÃO .W
Como foi esclarecido em tópico anterior, ao definir o objeto des-
te trabalho como "o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a
eficácia das normas constitucionais", quer-se fazer menção a um fe-
nómeno complexo, que envolve uma série de variáveis inter-relacio-
nadas. O desenvolvimento desta investigação pretende seguir o cami-
nho necessário para a análise dessas variáveis.
Após esta introdução, no capítulo 2 será exposto um dos pontos
de partida deste trabalho, que é a distinção entre regras e princípios.
Hsse capítulo 2 tem como função principal sobretudo deixar claro em
que acepção tais conceitos serão utilizados neste trabalho, para evitar
alguns possíveis mal-entendidos.
No*capítulo 3 será analisado um problema central na investiga-
ção, que é a definição da amplitude do suporte fático dos direitos
fundamentais - ou seja, em linhas gerais, quais são os elementos que
deverão ocorrer para que as consequências jurídicas de cada direito
fundamental também ocorram. Como se perceberá, esse capítulo tem
estreita relação não apenas com a discussão subsequente, mas é capa/,
também de fornecer subsídios para uma melhor compreensão do pon-
to de partida, a distinção entre regras e princípios.
O capítulo 4 é dedicado ao problema das restrições aos direitos
fundamentais. Esse problema decorre diretamente do analisado no ca-
pítulo 3: um modelo de suporte fático amplo é um modelo que tem
que estar pronto para lidar com a colisão entre direitos fundamentais
e a necessária restrição deles em algumas situações. No capítulo 4
essa questão será abordada em duas grande partes principais: a pri-
meira delas é dedicada a uma análise dos dois enfoques mais impor-
tantes na reconstrução da relação entre o direito e suas restrições (ou
seus limites): as assim chamadas teorias interna e externa: uma se-
gunda parte é dedicada, a partir do ponto de vista da teoria externa, à
investigação sobre a principal forma de controle às restrições aos di-
reitos fundamentais: a regra da proporcionalidade.
Às teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos fundamentais
é dedicado o capítulo 5. Como ficará claro, nesse ponto da investiga-
ção já não é mais possível imaginar que a definição de uma teoria
nesse âmbito seja mera questão de escolha. A escolha do capítulo 5,
portanto, é não apenas influenciada, mas determinada pelos resul-
tados dos capítulos 3 e 4. Ou seja: quando se tomam por correios os
40
DIRHITOS FCNDAMIi.MTAlS: CONTFÍÚIX) KSSHNCIAI. . RE:STR1(,T>I-S h Hl [CACIA
termos de uma teoria relativa acerca do conteúdo essencial dos direi-
tos fundamentais, isso não é uma decisão adhoc, mas uma consequên-
cia natural do desenvolvimento do trabalho.
No capítulo 6 todos os resultados da pesquisa serão contrapostos
à forma tradicional de se definir e classificar as normas constitucio-
nais quanto à eficácia. Nesse capítulo ficará claro que. a partir de um
modelo que'pressupõe que direitos fundamentais são. por natureza e
necessidade, tanto restringíveis quanto regulamentáveis, não é possí-
. vel aceitar que normas constitucionais — sobretudo aquelas que garan-
tem direitos fundamentais - sejam classificadas em categorias que às
vezes rejeitam, às vezes aceitam, essa restringibilidade e necessidade
de regulamentação.
À conclusão geral do trabalho é dedicado, por fim, o capítulo 7.
/.5 Tese
O objeto e o método deste trabalho já foram delineados nos .
tópicos anteriores. Aqui, pcetende-se enunciar, de forma sintética,
as teses que serão desenvolvidas e fundamentadas no decorrer da
investigação.
(1) Em primeiro lugar, a distinção entre regras e princípios, da
qual esse trabalho parte, supõe que direitos fundamentais tenham um
suporte fático amplo. Isso significa duas exigências principais: (a) o
âmbito de proteção desses direitos deve ser interpretado da forma
mais ampla possível - o que significa dizer que qualquer ação, fato,
estado ou posição jurídica que, isoladamente considerados, possam
ser subsumidos ao "âmbito temático" de um direito fundamental de-
vem ser considerados como por ele prima fade protegidos. Isso im-
plica, necessariamente, uma rejeição a exclusões a priori de condutas
desse âmbito de proteção; (b) também o conceito de intervenção esta-
tal nos direitos fundamentais faz parte do suporte fático. Por isso, por
se tratar de modelo baseado em um suporte fático amplo, o conceito
de intervenção também deverá ser interpretado de forma ampla. Isso
implica, entre outras coisas, a rejeição de teorias que defendem que
meras regulamentações no âmbito dos direitos fundamentais não cons-
tituem restrições. É sobretudo a partir dessa conclusão que se defende.
AO 41
neste trabalho, a impossibilidade de se distinguir entre restrições e re-
oulamentações ou regulações52 nesse âmbito.
(2) Uma primeira consequência importante do pressuposto acima
descrito é a constatação de que, muitas vezes, restrições a direitos
fundamentais são levadas a cabo sem que isso seja reconhecido nesses
termos. Isso pode ocorrer de duas formas principais: (a) ou se nega,
de antemão, a proteção a uma conduta ou posição jurídica que, isola-
damente considerada, deveria ser considerada como protegida; ou (b)
embora se considere tal conduta ou pó*siçãojurídica como protegida
por um direito fundamental, defende-se que a eventual restrição nessa
proteção não decorre de uma real restrição, mas de mera regulamen-
tação no exercício do direito fundamental em questão. Ambas as es-
tratégias devem ser rejeitadas, pois ambas, como será visto, têm um
alto déficit de fundamentação e possibilitam uma real restrição à pro-
teção de um direito sem que isso seja acompanhado de uma exigência
de fundamentação por parte daquele que o restrinje, seja o juiz ou o
legislador. O modelo aqui defendido, por alargar o âmbito de proteção
dos direitos fundamentais ao máximo e considerar toda e qualquer
regulamentação como uma potencial — ou real — restrição, ao mesmo
tempo em que coloca os termos do problema às claras - direitos fun-
damentais são restringíveis —, impõe um ónus argumentativo àquele
responsável pela restrição, que não está presente em modelos que es-
camoteiam essas restrições por meio de definições de limites quase
jusnaturalistas aos direitos fundamentais ou que escondem restrições
atrás do conceito de regulamentação.
(3) Os dois pontos descritos anteriormente conferem transparência
às atividades de intervenção nos direitos fundamentais que possibilita
sustentar que tais direitos não têm um conteúdo essencial definido a
priori e de caráter absoluto. Uma tal concepção - absoluta - prende-se
aos mesmos pressupostos que se pretende aqui rejeitar - ou seja, de-
finição a priori de conteúdos, essenciais ou não, que excluem, por
consequência e também a priori, diversas condutas, atos, estados e
posições jurídicas da proteção dos direitos fundamentais, deixando-os
52. A despeito da possibilidade de usos diversos para os termos "regulamenta-
ção" e "regulação", nos termos deste trabalho ambos os termos serão utilizados como
sinónimos.
42 R X|,AV11:MAIS: CONT^UX) HSSLNC.AL, RHSTR.ÇÕES H
ao capricho de meros juízos de conveniência e oportunidade políticas,
para os quais não se exige qualquer fundamentação constitucional.
(4) As teses defendidas neste trabalho acerca das restrições e da
proteção dos direitos fundamentais têm, além das consequências men-
cionadas acima, um enorme efeito na compreensão da eficácia das nor-
mas constitucionais. Como se sabe, a principal classificação das normas
constitucionais quanto à sua eficácia é aquela que as distingue em nor-
mas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficá-
cia limitada.'" Como será esclarecido no capítulo 6, essa forma de
classificar as normas constitucionais é incompatível com o modelo e
os pressupostos aqui defendidos. Em linhas gerais, isso ocorre porque
essa classificação é baseada em duas dicotomias que são rejeitadas
neste trabalho: (a) a primeira delas é aquela entre as normas que não
podem e as que podem ser restringidas (normas de eficácia plena vs.
normas de eficácia contida)', (b) a segunda é a distinção entre as nor-
mas que não necessitam e as que necessitam de regulamentação ou
desenvolvimento infraconstitucional (normas de eficácia plena vs. nor-
mas de eficácia limitada}. Ora, se se parte de um modelo de suporte
fático amplo, a distinção entre restrição e regulação é mitigada, e toda
regulação deve ser considerada, ao mesmo tempo, uma restrição, vis-
to que regular o exercício de um direito implica excluir desse exercí-
cio aquilo que a regulação deixar de fora; e, além disso, toda restrição
deve ser considerada, ao mesmo tempo, regulamentação, já que não se
restringe direito fundamental sem fundamentação, mas sempre com o
objetivo de harmonizar o exercício de todos eles. Com isso, defende-se
que toda norma que garante direitos fundamentais tem algum tipo de
limitação quanto à sua eficácia. As consequências dessa tese, sobretu-
do na proteção e na realização dos direitos fundamentais, serão anali-
sadas no mesmo capítulo 6.
53. Cf. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 82
e pás sim.
Capítulo 2
. PONTO DE PARTIDA:
A TEORIA DOS PRINCÍPIOS
2.1 Introdução. 2.2 A distinção entre regras e princípios: 2.2.1 Direi-
tos definitivos e direitos prima facie - 2.2.2 Mandamentos de otimiza-
ção — 2.2.3 Conflitos normativos: 2.2.3.1 Conflitos entre regras —
2.2.3.2 Colisão entre princípios — 2.2.3.3 Colisão entre regras e
princípios. 2.3 A crítica de Humberto Ávila: 2.3.J Ponderação de
regras — 2.3.2 O "peso" das regras -- 2.3.3 Conclusão.
2.1 Introdução
Ainda que este não seja um trabalho sobre a distinção entre regras
e princípios, será facilmente perceptível que muitas de suas conclusões
dependerão diretamente do pressuposto teórico adotado nesse âmbito.
Como será visto em capítulos seguintes, não somente o conceito e a
delimitação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais poderão
variar segundo o conceito de princípio que se adote;1 também a forma
de se definir o âmbito de proteção de cada direito fundamental,2 de re-
construir a relação entre os direitos e suas restrições3 e, por fim, a crí-
tica às teorias sobre a eficácia das normas constitucionais serão deter-
minadas a partir desse primeiro pressuposto teórico.4
No presente capítulo pretendo expor, de forma bastante sucinta, a
distinção entre regras e princípios de que parto e as principais críticas
1. Cf. Capítulo 5.
2. Cf. Capítulo 3.
3. Cf. Capítulo 4.
4. Cf. Capítulo 6.
44 DIKIilTOS FCNDAMKNTAIS: COM l , [ ' ' IX) KS.SKNCIAI . . RHSTKK;ÔI-;S l : RI ICACIA
a ela dirigidas por autores brasileiros/ Nesse ponto, a obra de Hum-
berto Ávila merecerá atenção especial.6
2.2 A distinção entre regras e princípios
Há autores que sustentam que entre regras e princípios há uma
diferença de grau. A partir dessa ideia, há aqueles que sustentam que
o que distingue ambos seria o grau de importância: princípios seriam
as normas mais importantes de um ordenamento jurídico, enquanto as
regras seriam aquelas normas que concreti/ariam esses princípios.7
Há também aqueles que distinguem ambos a partir do grau de abstra-
^ão_e_^neraJid_.adeLprincípios seriam mais abstratos e mais gerais que
as regras.8 Outras classificações baseadas em algum tipo de gradação
são possíveis.
A teoria sobre a distinção entre regras e princípios que aqui será
seguida é diversa. Não é o caso de se debater se há classificação que
seja melhor ou pior. Em geral, classificações - desde que metodologi-
camente sólidas - dificilmente podem ser julgadas com base em um
maniqueísmo bom/ruim.9 Classificações, em geral, têm diferentes obje- «
*
5. Para uma análise das críticas feitas por autores estrangeiros, sobretudo ale-
mães, cf. Martin Borowski, Grundreclite ais Prinzipien. Baden-Baden: Nomos, 1998.
pp. 89-97 e Virgílio Afonso cia Silva. Gnindrec/ite iind gesctzgelwrische Spielrciwne,
Baden-Baden: Nomos, 2003, pp. 52-66.
6. Cf. tópico 2.3.
7. Cf., por exemplo, José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional posi-
tivo, 30a ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 92 (José Afonso da Silva fala, no
entanto, na distinção entre princípios e normas): Celso António Bandeira de Mello. Cur-
so de direito administrativo, 253 ed.. São Paulo: Malheiros I.iditores, 2008, pp. 942-943;
Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva,
1996, p. 141. Cf. também J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, fundamentos da Cons-
tituição. Coimbra: Coimbra Editora. 1991. p. 49 e Joseph Ra/. Praclical Reason and
Nonns, Oxford: Oxford University Press, 1975. p. 49.
8. Cf., por exemplo, Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Cons-
tituição, p. 141 e Joseph Raz, Practical Reason and Nonns. p. 49.
9. Já me manifestei nesse sentido em outra oportunidade, nos seguintes termos:
"(...) não há que se falar em classificação mais ou menos adequada, ou. o que é pior,
em classificação mais ou menos moderna. Classificações ou são coerentes e metodo-
logicamente sólidas, ou são