Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 1 CAPITULO 45 TERRA CRUA PARA EDIFICAÇÕES Normando Perazzo Barbosa (1) Khosrow Ghavami (2) (1) Professor Titular, Doutor, Departamento de Tecnologia da Construção Civil Centro de Tecnologia, Universidade de Federal da Paraíba Cidade Universitária, 58059-900 João Pessoa – PB email: nperazzo@lsr.ct.ufpb.br (2) Professor Titular, PhD, Departamento de Engenharia Civil PUC-Rio, Rua Marques de São Vicente, 225 Gávea, 22453-900-Rio de Janeiro - RJ email: ghavami@dec.puc-rio.br 1 Introdução A terra crua, ou seja, no seu estado natural, sem ter sido queimada, já é utilizada, desde muito tempo na construção de estradas e barragens. Aqui, o enfoque é dado para o uso da terra como material de construção de edificações. Construir é uma atividade relativamente recente na história da humanidade. De fato, o homem já era capaz de fazer jóias, pinturas, artefatos de caça e pesca, quando há cerca de 10 mil anos, com o advento da agricultura, sentiu necessidade de construir suas moradas para aguardar as colheitas. Evidentemente, os primeiros materiais de construção utilizados foram aqueles ofertados pela natureza, como pedra, palha, galhos e troncos de árvores, pele de animais e, sem dúvida, a terra. Com o advento dos materiais industrializados, a terra foi sendo esquecida como material de construção, mas, mesmo assim, ela ainda hoje abriga parcela significativa da humanidade. Em países asiáticos, africanos e do oriente médio, existem ainda cidades construídas quase que inteiramente com esse material. Na Figura 1, vêem-se os exemplos oriundos da civilização persa, em que a terra misturada a palhas ou a fibras vegetais era material de construção básico. No continente americano, a terra como material de construção foi usada pelos incas, maias e mesmo pelos índios norte-americanos. Na Figura 2, vêem-se edificações de terra feitas na região de Trujilo, no Peru, país onde, ainda hoje, quase metade das moradias é feita de terra. É interessante notar que os índios brasileiros não construíam casas de terra, preferindo utilizar madeira e palhas. Assim, no Brasil, a construção com terra foi introduzida pelos portugueses. Muitas construções coloniais de qualidade, espalhadas por todo o país, foram feitas com a terra crua. Minas Gerais (Figura 3) é ainda um exemplo vivo do bom uso que se pode fazer desse material. A tradição milenar da terra é agora revivida quando problemas ambientais ameaçam o futuro do Planeta. Tome-se como exemplo a fabricação de tijolos e telhas cerâmicas. Grande parte das indústrias utiliza como combustível a vegetação local, levando ao agravamento do problema do desmatamento. Em certos casos, como em algumas zonas do Nordeste Brasileiro, tal problema está a contribuir para o fenômeno da desertificação. Somem-se a isso a emissão de gás carbônico causado pela queirma da lenha e a enorme quantidade de resíduos gerada por conta de peças cerâmicas que se quebram durante o processo de fabricação. Tais resíduos são lançados aleatoriamente na natureza, que tem dificuldade a reincorporá-los. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 2 Figura 1 – Cidades construídas em terra crua no Iran: Bam (antes do terremoto de 2003, à esquerda) e Yazd (à direita). Figura 2 – Construções pré-colombianas de terra no Peru (Chan Chan). Figura 3 – Construções coloniais de terra crua em Minas Gerais. A simples utilização, quando possível, da terra crua, em suas diversas formas, nas construções seria benéfica para o futuro da humanidade. Esse material milenar, a terra, apresenta vantagens, dentre as quais se pode citar: Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 3 - disponibilidade; - propriedades térmicas superiores; - absorção e liberação de umidade mantendo ambiente saudável; - geração mínima de poluição e baixo consumo energético no seu manuseio; - fácil re-incorporação na natureza; - facilidade de gerar tecnologias apropriadas. De fato, a terra é um dos materiais mais abundantes na natureza. Termicamente, tem umaum desempenho superior aos tijolos cerâmicos. Um estudo de Garzon (2002) mostra que a carga térmica que atravessa uma parede de 20 cm rebocada em ambos os lados, num certo intervalo de tempo, é três vezes menor num muro de tijolos crus de solo- cimento que num de tijolos cerâmicos furados. Do ponto de vista do controle de umidade relativa do ar nas edificações, experimentos de Minke (2005) mostram que, em um ambiente com 30 m2 de paredes e 3 m de altura, quando a umidade subitamente passa de 50% para 80%, se forem de tijolos de terra crua, as paredes absorvem 9 litros de água em 48 h, ao passo que uma parede idêntica de tijolos cerâmicos só seria capaz de absorver 0,9 litros no mesmo período. Se ocorrer o contrário, a umidade relativa diminui, as paredes de terra liberam de volta a umidade ao ambiente. Por isso, as casas de terra na Europa são tidas como benéficas para a saúde. Sendo um material natural, seu manuseio se faz com geração mínima de poluição. O consumo energético envolvido é sempre muito menor que o de materiais de construção convencionais. Mesmo quando a terra é associada a materiais industrializados, estes entram em pequenas proporções; assim, a re-incorporação na natureza é relativamente fácil. Quanto à eficiência energética, a fabricação de cimento, cal, cerâmica, aço, alumínio exige altas temperaturas, ao passo que a terra crua não recebe tratamentos térmicos. Se à terra são incorporados materiais como cal ou cimento Portland, pelo fato citado de estes entrarem em baixas taxas, globalmente o consumo energético é muitíssimo menor que o dos materiais de construção convencionais. Finalmente, uma outra vantagem da terra como material de construção é a facilidade de gerar tecnologias apropriadas. Pode-se dizer que tecnologia apropriada é aquela fácil de se transmitir e de ser absorvida por população com pouca instrução, envolvendo equipamentos simples e procedimentos pouco sofisticados. Assim, enquanto a fabricação de tijolos cerâmicos exige equipamentos caros e um processo centralizado, além de mão-de-obra especializada tanto para fabricá-los quanto para aplicá-los, a produção de blocos de terra prensada pode ser feita facilmente com uma prensa manual transportável de um local a outro por pessoas que recebam um simples treinamento, como se vê na Figura 4 (Barbosa e Mattone, 2002). O apelo ecológico tem feito renascer a arquitetura de terra que, nos dias de hoje, está sendo procurada não só pelas pessoas desfavorecidas, mas mesmo pelas camadas mais privilegiadas da sociedade atual. Na Figura 5, vê-se um exemplo de moderna aplicação da terra, numa casa de luxo, no sul dos Estados Unidos, e numa Igreja cujas paredes são de terra, no sul da França. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 4 Figura 4 – Fabricação e construção com tijolos prensados de terra crua: exemplo de tecnologia apropriada. Figura 5 – Construções modernas de terra: casa de luxo no Novo México, Estados Unidos, e Igreja no sul da França. 1.1 Tecnologiasde construção com terra Existem mais de vinte tecnologias de construção com terra, além de suas variantes locais (Houben e Guillaud, 1989). No entanto, simplificadamente, elas podem ser divididas de três grupos, conforme a maneira de se elevarem as paredes: - alvenaria; - monolítica; - mista. Na alvenaria, utilizam-se elementos individuais (blocos ou tijolos) que são unidos entre si através de um outro elemento, a argamassa. No Brasil, nessas técnicas, têm-se os tijolos de adobe e os blocos de terra comprimidos (Figura 6a). Na técnica monolítica, as paredes são feitas monoliticamente com a terra compactada entre duas formas (Figura 6b). Essa técnica é conhecida como taipa de pilão. Finalmente, na técnica mista, a terra serve de enchimento a uma estrutura, geralmente de madeira, e não tem função estrutural (Figura 6c). No Brasil, tem-se a taipa de mão, ou simplesmente taipa. Muitas outras variações dentro desses três grupos existem, sobretudo na Ásia e mesmo na África. Em Houben e Guillaud (1989), encontram-se descrições de outros tipos de tecnologia além das já citadas. Aqui será dado destaque às alvenarias de tijolos de terra, pela facilidade de fabricação e utilização. Em todos os casos, é necessário se conhecerem as propriedades da terra, de forma a se fazer uma boa aplicação dela. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 5 - a - - b - - c - Figura 6 – Modos de uso da terra: a) alvenaria de blocos de terra comprimida; b) paredes monolíticas, c) técnica mista. 2 Propriedades da terra Pode-se dizer que terra é a porção granular que reveste parte da crosta terrestre, originária da decomposição das rochas, por conta das ações da natureza, como variações de temperatura, movimentos de geleiras, chuvas, rios, marés, ventos, terremotos, vulcões e a própria vida. Neste item, abordam-se alguns aspectos do material terra em geral, sempre se tendo em conta que, aqui, o objetivo é o emprego da terra na construção de edificações. 2.1 Composição química Na crosta terrestre, os elementos químicos mais abundantes são o oxigênio (46,7% em massa), silício, (27,7%), alumínio (8,1%) e ferro (5%), seguindo-se cálcio, sódio, potássio, magnésio, titânio, hidrogênio, etc. Esses elementos, normalmente, apresentam- se na forma de óxidos, que é a forma mais estável na natureza. Então, os principais componentes químicos encontrados na terra são sílica (SiO2), alumina (Al2O3) e hematita (Fe2O3), havendo, ainda, a presença dos outros óxidos dos elementos acima citados. A percentagem desses compostos é bem variável de um local a outro. Em geral, a sílica é majoritária; porém, nos solos lateríticos (solos avermelhados encontrados principalmente nas regiões tropicais da Terra), o teor de alumina pode se aproximar do de sílica. A coloração para o vermelho é devida ao teor de ferro mais elevado que nas terras comuns. 2.2 Composição granulométrica No domínio da Contrução com Terra, como também na Mecânica dos Solos, é importante o conhecimento das dimensões das partículas que compõem a terra, pois seu comportamento mecânico delas depende. Por isso, segundo o diâmetro médio das partículas, elas são classificadas em: - pedregulho – partículas de dimensões entre 4,8 e 50 mm; - areia – partículas de dimensões entre 50 µm e 4,8 mm; - silte – partículas finas entre 5 µm e 50 µm; - argila – partículas finíssimas só visíveis ao microscópio, com dimensões inferiores a 5 µm. Os limites acima apresentados não são absolutos. Na literatura, encontram-se variações para eles. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 6 Em geral, os três primeiros componentes acima apresentados são quimicamente inertes, ou seja, não reativos, quando postos em presença de cal ou cimento. O pedregulho e a areia constituem o esqueleto sólido do material terra. A fração arenosa apresenta grande capacidade de mobilizar atrito interno, desde que haja contato entre os grãos. No estado compactado, é praticamente incompressível. Nos tijolos de terra crua e nas paredes monolíticas, a presença da areia é indispensável para lhes dar a estrutura resistente aos esforços mecânicos. O silte consegue absorver água em seus poros, permitindo tanto uma diminuição do atrito interno dos grãos, quanto seu rearranjo, preenchendo os vazios quando o solo sofre uma pressão de compactação. A argila, sendo o último estágio de fracionamento da terra, é formada de partículas de forma lamelar, com uma superfície específica muito superior à dos demais componentes do solo. É quimicamente ativa, reagindo com a cal e com componentes do cimento. Em qualquer tecnologia de construção com terra, esta é manipulada sempre com a presença de água. A existência de argila é necessária para dar a requerida coesão à terra úmida. Ela se comporta, pois, como um ligante. Os componentes do solo de maior dimensão, pedregulho e areia (grossa, média e fina) podem ser obtidos por peneiramento, ensaio normalizado no Brasil pela NBR 7181 (ABNT, 1984). A percentagem de silte e de argila são determinadas, comumente, pelo ensaio de sedimentação, cujo procedimento é indicado também na citada norma. Como as argilas são fundamentais para a construção com terra, algumas considerações a mais serão feitas a respeito delas. 2.3 Argilas As argilas são minúsculas partículas de forma lamelar, compostas principalmente de alumino-silicatos hidratados formados durante o processo de lixiviação (perda de constituintes pela ação da água que os dissolve e transporta) das partículas mais grossas dos minerais rochosos originais. Um cristal de argila é composto por um grupo de lamelas separadas por uma distância dita distância interfoliar (Figura 7). Entre as lamelas podem existir íons de elementos alcalinos ou alcalino-terrosos. Segundo o tipo de argila, a ligação entre as lamelas pode variar de forte a fraca e permitir ou não a penetração de água entre elas. Figura 7 - Partícula de argila Três são os tipos principais de argilas encontradas na natureza: - caulinita; - ilita; - montmorilonita. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 7 Caulinita – as lamelas de argila são compostas de uma camada de tetraedros de sílica (Si O2) ligada a outra camada de octaedros de alumina (Al2 O3), constituindo-se numa estrutura tipo 1-1, como se vê na Figura 8. Só nas bordas das camadas é que há cargas negativas, de pequena capacidade de fixação de íons. A distância interplanar basal (distância entre os planos inferiores das lamelas indicada na Figura 8) é fixa e da ordem de 7 Angstrons (7x10-10 m ou 0,7 nm), e a ligação entre as lamelas é forte, impedindo, praticamente, adsorção de água. O resultado disso é a caulinita ser, praticamente, estável em contato com a água, não apresentando expansão significativa em contato com ela. Figura 8 – Estrutura da argila caulinita, adaptado de Houben e Guillaud (1989). Ilita – as lamelas são formadas uma camada octaédrica de alumina envolvida por duas camadas tetraédricas de sílica, constituindo uma estrutura tipo 2-1 (Figura 9). Íons de magnésio ou de ferro podem substituir, em parte, o alumínio na camada central, assim como íons de alumínio podem substituir o silíciona camada silicosa. As cargas negativas das bordas das camadas são equilibradas por íons de potássio que unem as lamelas com uma intensidade que mantém fixa a distância interplanar da ordem de 0,9 nm a 1,0 nm; porém, essa força de ligação é inferior à que ocorre na caulinita. Conseqüentemente, a ilita não é estável em contato com a água, sendo um pouco expansiva. Figura 9 – Estrutura da argila ilita, adaptado de Houben e Guillaud (1989). Montmorilonita – apresenta, como a ilita, estrutura tipo 2-1 (Figura 10), mas, dentro da camada octaédrica central, os íons de alumínio podem ser permutados por íons de outros elementos químicos, como magnésio, ferro, manganês, níquel. As lamelas são fracamente ligadas eletricamente, e os íons que ligam a estrutura da argila não são mais de potássio, porém cátions de sódio, de cálcio e moléculas de água. A distância interplanar basal é variável, podendo ser da ordem de 1,4 nm a 2,0 nm. Conseqüentemente, a água penetra com facilidade entre as lamelas. Por conta disso, diz Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 8 –se que a montmorilonita não é estável em presença de água. De fato, ela apresenta notável expansão quando em contato com água. Por conta dessa propriedade de expansibilidade, solos com muita montmorilonita não são convenientes para as construções com terra crua. Assim, antes de se começar um empreendimento de construção com terra, é conveniente se proceder a ensaios de caracterização do material, inclusive com a determinação dos tipos de argila presentes. Por meio de difratometria de raios X, pode-se identificar as diferentes argilas. . Figura 10 – Estrutura da argila montmorilonita, adaptado de Houben e Guillaud (1989). 2.4 A água no solo A quantidade de água presente na terra, quando de seu uso em qualquer das tecnologias construtivas nas quais ela seja empregada, influi de maneira considerável na qualidade do produto final. Normalmente, a terra é composta pelas três fases: sólida (os grãos em si), líquida (água) e gasosa (bolhas de ar e de vapor d’água). Os grãos que constituem o esqueleto sólido do solo representam sempre uma fase independente. Porém, dependendo da quantidade relativa de água e ar dentro dos poros do solo, as fases líquida e gasosa podem constituir uma fase única (Figura 11) (Olivier, 1994). No caso mostrado à esquerda da Figura 11, a terra está com baixa umidade. A fase gasosa é diferenciada da fase líquida, havendo dificuldade de os grãos deslizarem uns sobre os outros e de com ela se moldarem os elementos construtivos (tijolos, paredes). Já à direita da Figura 11, tem-se o caso em que a mobilidade dos grãos é facilitada pela água que contém, em geral, pequenas bolhas de ar no seu interior, constituindo-se numa fase fluida única. Torna-se claro o fundamental papel desempenhado pela água na construção com terra. Figura 11 – Fases existentes na terra, adaptado de Olivier (1994). Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 9 2.4.1 Tipos de água no solo A água contida no solo pode ser classificada em: a) água de constituição – a que faz parte da estrutura molecular da partícula sólida; b) água adsorvida – aquela contida na película de água que envolve e adere fortemente à partícula sólida; c) água livre – a que enche os vazios grandes entre os grãos, sendo seu estudo regido pelas leis da Hidráulica; d) água higroscópica – aquela que se encontra no solo seco ao ar, correspondendo à umidade de equilíbrio do solo com a atmosfera; e) água capilar – a que fica nos interstícios capilares muito finos deixados pelas partículas sólidas entre si, atingindo uma altura além da superfície livre da água. As águas livres, higroscópica e capilar são as que podem ser totalmente evaporadas a temperaturas pouco superiores a 100oC. Elas serão consideradas daqui por diante. 2.4.2 Densidade seca Um parâmetro utilizado quando se faz uso da terra como material de construção, como em estradas, barragens, paredes compactadas ou tijolos prensados de terra crua, é a densidade seca do solo, γd. Este corresponde ao peso da fração sólida dividida pelo volume total em questão, ou seja, é a densidade tendo sido eliminada a água (livre, higroscópica e capilar). Essa densidade seca é também chamada de peso específico aparente do solo seco. Se P é o peso de um tijolo ou de uma quantidade de solo, com a umidade w (peso de água dividida pelo peso da parte sólida) e V o volume: γd )1( wV P + = (Equação 1) 2.4.3 Umidade ótima O conceito de umidade ótima se aplica quando se trabalha com a terra compactada, como é o caso dos tijolos prensados e a taipa de pilão. As bolhas de ar que existem na terra podem ser expulsas se ela sofrer uma compressão que empurre as partículas entre si, diminuindo os vazios. Então, aplicando-se uma certa energia de compactação, pode-se variar a densidade seca do material. Para uma mesma energia aplicada à terra, promovendo sua redução de volume, a densidade seca resultante depende da quantidade de água presente. Existe um valor, dito umidade ótima, com a qual se obtém a máxima densidade seca. Na mecânica dos solos, utiliza-se o ensaio conhecido como de compactação ou ensaio Proctor. Nesse teste, deixa-se cair um peso padronizado sobre a amostra de solo contida em um cilindro que nele é posta em camadas. Cada camada recebe 25 golpes. Fazendo-se variar a umidade, obtém-se a curva de compactação que tem o aspecto indicado na Figura 12. O pico do gráfico corresponde à chamada umidade ótima. A partir do valor ótimo, o aumento da quantidade de água vai afastar os grãos entre si, fazendo decrescer a densidade seca (ver Equação 1), resultando no ramo descendente da curva. Para um mesmo material, quanto maior a densidade seca, maior é sua resistência. A densidade seca é, pois, sensível à energia de compactação e à umidade. Já a umidade ótima vai variar ligeiramente com a energia de compactação. Em princípio, maior energia, maior a densidade seca. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 10 Figura 12 - Curva de compactação, densidade seca máxima e umidade ótima. 2.4.5 Efeito da água na consistência da terra Imagine-se certa quantidade de terra que contenha alguma quantidade de finos (silte e argila) no estado seco, à qual se vai, pouco a pouco, misturando água. A terra passa, então, resumidamente, pelos estados indicados na Figura 13: com umidade muito baixa, a mistura solo-água permanece no estado sólido, e os grãos se separam ao ser manuseado o material. Continuando-se a adicionar água, à medida que a umidade cresce e o material vai-se aglutinando, chega-se a um ponto em que as partículas do solo se agregam entre si, e ele pode ser moldado e conservar sua forma, sem se desmanchar. A partir daí, a terra passa a apresentar um comportamento plástico, ou seja, capaz de mudar de forma sem mudar de volume. É a argila presente a responsável por esse comportamento. A umidade que faz isso acontecer, ou seja, a que separa o estado sólido do estado plástico é chamada de limite de plasticidade (LP) do solo (expressa em porcentagem relativa ao peso do solo seco). Aumentando-se a quantidade de água, durante certo intervalo, conhecidocomo índice de plasticidade (IP), a terra continua apresentando um comportamento plástico, até um valor de umidade em que perde a capacidade de se aglomerar, passando a ter o comportamento de um fluido. A partir daí, passa praticamente ao estado líquido, e a umidade de separação dos dois estados é chamada limite de liquidez (LL). Assim, o índice de plasticidade é dado por IP = LL – LP Equação 2 Os limites de plasticidade e de liquidez do solo recebem o nome de limites de Atterberg. A determinação desses valores é feita através de ensaios normalizados no Brasil pelas NBR 7180 (ABNT, 1984) e NBR 6453 (ABNT, 1984). Por meio desses parâmetros, já se pode ter uma primeira noção sobre a adequação ou não da terra para uso na construção. Por exemplo, se o limite de liquidez supera 55%, o solo tem excessiva quantidade de argila e não é apropriado. Se o IP é maior que 45%, o solo também não é bom, ainda por ser muito argiloso. O mesmo pode-se dizer se ele não apresenta nenhuma plasticidade, ou seja, solo não plástico, agora pela falta de finos para lhe dar coesão. Se o índice de plasticidade é próximo de 7, em princípio, trata-se de uma terra boa para construção com terra. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 11 Figura 13 - Estados por que passa a terra com a umidade crescente. 2.4.4 Retração da terra Em algumas tecnologias de emprego da terra como material de construção, como é o caso dos adobes ou a taipa de mão, usa-se o material com umidade muito maior que aquela ótima. A terra deve estar no estado plástico. Posteriormente, a água tende a evaporar, o que faz as partículas de solo se aproximarem umas das outras, provocando redução de volume. Quando há impedimentos para o deslocamento do solo, como no caso das técnicas mistas (estrutura de madeira com a terra servindo de preenchimento), pode ocorrer intensa fissuração do material. Na Figura 14, vêem-se moldes prismáticos que foram preenchidos com uma terra no estado plástico. Após a secagem, nota-se claramente a redução no comprimento dos prismas provocada pela evaporação da água. A fração argilosa mantém o material coeso. Quanto maior o teor de argila, em princípio, maior a retração. O tipo de argila também influi. Uma argila caulinítica apresenta menor retração que uma ilita. A montmorilonita leva a uma retração muito maior que as demais, em virtude da ligação interfoliar fraca, o que permite o acúmulo e a posterior saída de água das superfícies interfoliares. É preciso saber controlar a retração para um bom uso da terra. Uma maneira prática é através do uso de estabilizantes. Figura 14 – Retração da terra moldada na forma de prismas 2.5 Estabilização da terra Estabilizar uma terra consiste em modificar as propriedades do sistema terra-água- ar para obter qualidades permanentes compatíveis com uma aplicação particular. No caso da construção com terra, em certos casos, mas nem sempre, a estabilização pode ser necessária para melhorar a: LP LL w ===========|===========|=========> sólido plástico líquido Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 12 - resistência mecânica; - desmpenho quanto à ação da água, incluindo estabilidade volumétrica; - trabalhabilidade; - ductilidade. Vários meios existem para a estabilização da terra, podendo-se citar: - ação mecânica capaz de densificar a terra a tal ponto que ficam bloqueados os poros e canais capilares – é o caso de se comprimir a terra confinada em um molde, fazendo-se uso de possantes e caros equipamentos; - eliminação ao máximo a absorção e adsorsão de água por parte dos grãos de solo por utilização de produtos químicos água-repelentes – em geral, são produtos caros; - envolvimento dos grãos de terra por uma fina camada de material impermeabilizante, capaz de fechar poros e canais capilares – é o caso de emulsões betuminosas; - formação de ligações químicas estáveis entre os cristais de argila – é o caso de certos estabilizantes químicos, que, fazendo o papel de ligante ou de catalisador, utilizam as cargas positivas e negativas das lamelas de argila para uni-las entre si, ou de estabilizante capaz de reagir diretamente com a argila presente no solo, formando material insolúvel e inerte. Este último caso é o que se chama reação pozolânica, obtida notadamente com a cal. É, no entanto, um processo muito lento; - criação de um esqueleto sólido inerte que se opõe ao movimento dos grãos – é o caso dos ligantes, como o cimento, que promovem uma consolidação por cimentação resultante do preenchimento dos vazios por uma matriz inerte capaz de unir os grãos; - criação de uma armadura multidirecional capaz de reduzir os movimentos dos grãos de solo entre si – é o caso da adição de fibras que, embora não aumentem significativamente a resistência mecânica nem melhore o comportamento à ação da água, conduzem a notável melhoria de ductilidade. 2.5.1 Estabilização com cimento O cimento, hoje, é um produto disponível em quase todas as partes do mundo. A estabilização com cimento é uma das mais simples de serem efetuadas. Em geral, ela dá maior estabilidade dimensional, resistência com relação à água e resistência mecânica. Muitas vezes, menos de 6%, em massa, de cimento na terra já produz efeitos bem satisfatórios. Mas tal efeito depende também de outros fatores, como a forma de utilização da terra (no estado plástico ou compactada) e o tipo de argila presente. Por exemplo, numa terra argilosa, taxas de cimento de 3% a 5% podem mesmo fazer decrescer a resistência em relação ao material natural. Já terras com 65% a 70% de areia podem ter sua resistência aumentada até com 2% de cimento. Se a argila presente for montmorilonita, somente taxas de mais de 8% podem contribuir para a resistência. Teores menores fazem baixar, às vezes muito, a resistência em relação ao material natural. O mecanismo de estabilização do cimento na terra consiste em: - reação com água criando cristais estáveis no tempo e resistentes à própria água, os quais criam ligações entre os grãos de areia, formando um esqueleto sólido mais resistente; - reação da cal liberada durante a hidratação dos silicatos do cimento com a argila. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 13 Como já citado, deve-se ter em conta que o tipo de argila presente no solo tem influência no resultado da ação do cimento. A caulinita e a ilita reagem bem. Já a argila montmorilonita, que tem uma ligação interfoliar fraca, fixa toda a cal disponível e torna impossível a formação dos produtos hidratados do cimento. Um solo com alto teor de montmorilonita pode ter sua resistência praticamente sem aumento, ou mesmo decrescente com o tempo, quando tratada com cimento. Também a presença de matéria orgânica perturba as reações químicas de hidratação do cimento. Taxas de matéria orgânica no solo superiores a 1% já são um risco para a estabilização com esse material. A incorporação de cimento na terra pode baixar ligeiramente a densidade seca máxima para uma mesma energia de compactação, em relação ao material no estado natural,pois há um ligeiro aumento da demanda de água. 2.5.2 Estabilização com cal A estabilização com a cal hidratada (hidróxido de cálcio, Ca(OH)2) é mais complexa, pois três reações podem acontecer: carbonatação, cristalização e floculação. A carbonatação consiste na reação do hidróxido de cálcio com o gás carbônico atmosférico (Ca(OH)2 + CO2 => CaCO3 + H2O) – fenômeno que começa tão logo a cal está em contato com o ar. As ligações resultantes são fracas, pois a cristalização é geralmente incompleta. Na medida do possível, deve-se evitar que ocorra essa reação, tentando-se impedir a entrada do gás carbônico tanto na cal antes de ser usada, quanto durante a cura dos tijolos estabilizados com cal. A cristalização consiste no ataque da argila pela cal, particularmente dos íons Si++ que se encontram no interior das lamelas de argila. Essa reação é muito lenta e cria ligações muito sólidas, rearranjando o interior das lamelas por meio da criação de ligações entre grãos muito mais estáveis e semelhante aos cristais formados pelo cimento. Quanto mais frágil a ligação interfoliar, maior a facilidade da penetração da cal, o que explica o bom resultado da estabilização da montmorilonita com esse material. A floculação consiste na aglomeração das partículas muito finas da terra. O hidróxido de cálcio, sendo altamente alcalino, modifica o pH do solo e provoca floculação das argilas em razão das reações de troca de cátions. Essa reação é muito rápida (se dá em alguns minutos), e um material muito argiloso tem modificados os limites de Atterberg, tornando-se mais fácil de ser manuseado. De uma maneira geral, maiores cuidados são necessários com a estabilização com cal que com cimento. Além do ambiente úmido necessário para a hidratação dos ligantes, no caso da cal, convém impedir a penetração do gás carbônico. É também necessário que a cal seja de boa qualidade, o que nem sempre acontece com os produtos disponíveis no mercado. A cal é mais apropriada para estabilização de solos argilosos que arenosos. Em geral, ela promove estabilidade dimensional e resistência à ação da água; porém, é pequeno seu efeito na resistência mecânica. 2.5.3 Estabilização com fibras A estabilização com fibras vegetais tem sido muito empregada ao longo da história da humanidade. A própria Bíblia faz referência aos tijolos de adobe com palhas de trigo secas ao sol, muito empregadas na Mesopotânia e Egito Antigo. Mesmo hoje, nas modernas produções industriais de adobe, no Novo México, Estados Unidos, usam-se palha e emulsões betuminosas na estabilização dos blocos. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 14 As fibras são bem úteis quando se usa a terra no estado plástico, como é o caso dos tijolos de adobe ou das técnicas mistas. O papel principal desempenhado pelas fibras na terra é: - impedir a fissuração durante a secagem, distribuindo as tensões devidas à retração da terra em toda a massa do material; - acelerar a secagem, drenando a água para o exterior pelos canais das fibras; - melhorar o comportamento do material após fissuração, dando-lhe ductilidade e capacidade de absorver energia; - melhorar resistência à tração e conter a propagação de fissuras. No Nordeste brasileiro, existem em abundância fibras de sisal e de coco. Cortadas em tamanhos de 2 cm a 5 cm, podem ser usadas em taxas de 0,5% a 2% em massa. Alguns trabalhos já foram feitos com essas fibras na Universidade Federal da Paraíba (Souza, 1993 e mostram não só suas características físicas e mecânicas, como também seu enorme potencial. Cumpre lembrar, no entanto, que, para dar-se estabilidade à ação da água ao conjunto terra-fibra, é necessário o uso de outro estabilizante, como, por exemplo, o cimento, a cal, ou emulsões betuminosas. 3 Adobes Os adobes são blocos ou tijolos feitos com a terra no estado plástico, comumente secos ao sol. Os adobes são conhecidos desde os primórdios da humanidade e ainda muito empregados na África e em alguns países latino-americanos, representando a tradição, e mesmo nos Estados Unidos, onde já existe produção industrial, representando a modernidade (Figura 15). Figura 15 - Fabricação de adobe no antigo Egito, tradição , (Faty,1982), e no Estado do Novo México, EUA, modernidade (Dethier,1982). Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 15 No Brasil, muito se empregou o adobe, nas construções de casas, igrejas e prédios públicos. Porém, com o surgimento das olarias mecanizadas, os tijolos crus foram caindo em desuso. Assim, as tecnologias de fabricação e de construção com adobes foram se perdendo. Apesar disso, ainda hoje, em alguns países sul-americanos, como Peru e Equador, em centro-américa e no continente africano, os adobes continuam sendo muito usados, principalmente por serem o material construtivo de menor custo (Figura 16). Já nos países desenvolvidos e entre a classe mais favorecida dos países em desenvolvimento, seu emprego vem crescendo por conta do apelo ecológico dos dias atuais. Na Figura 16, pode-se ver o exemplo de casas de luxo feitas com os tijolos crus. Figura 16 – Fabricação e construção de adobes. Figura 17 - Casas modernas construídas com tijolos crus, revestidos, em El Salvador. 3.1 A terra adequada para a fabricação de adobes A terra adequada para a fabricação de adobes deve conter pelo menos 15% de argila. Adaptando-se para a classificação da ABNT os limites propostos pelo Centro Internacional da Construção com Terra (CRATerre), tem-se que a composição do solo deve se enquadrar aproximadamente dentro dos valores: - pedregulho: 0 a 10 % ; - areia: 45% a 75%; - silte 10% a 45%; Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 16 - argila: 15% a 35%. O solo que poderia ser considerado ideal deveria conter de 20% a 25% de argila, de 15% a 20 % de silte, cerca de 60 % de areia e 0 % de pedregulho. Quanto ao limite de liquidez, Huben e Guillaud (1989) dizem que é desejável que esteja entre 30% e 50%. No entanto, Souza (1993) trabalhou com solo de LL = 23,5% com excelentes resultados. Solos com grande quantidade de argila apresentam retração considerável, mas muitos deles podem ser corrigidos com areia. Assim, é comum fazerem-se misturas volumétricas, usando-se, por exemplo, duas partes de solo, uma de areia. O uso de fibras ou mesmo palha é desejável para conter a retração. Também se usa o teste da retração para se verificar se o solo é conveniente para se fazerem os adobes. Preenchido um molde prismático de 5 cm x 5 cm x 30 cm (Figura 18) com o solo na umidade adequada indicada no item seguinte, verifica-se, após secagem, o que ocorre. Mais de 2 cm de retração indica solo inconveniente. Se aparecerem fissuras, também. Convém, então, corrigi-lo com areia. Figura 18 – Teste para verificação da adequação da terra para a fabricação de adobes 3.3 Quantidade de água necessária e mistura Teoricamente, a densidade seca do adobe deve ser a maior possível, para lhe dar a maior resistência. A quantidade de água de moldagem diminui a densidade seca (Equação 1), afetando a resistência do adobe seco. A umidade ótima do ensaio de compactação não se aplica ao caso, pois deixaria o solo muito seco, e é necessário que a terra apresente trabalhabilidade convenientepara moldagem do tijolo. A experiência indica que a trabalhabilidade adequada para a fabricação de adobes é atingida quando a umidade da terra está próxima do limite de liquidez, porém abaixo dele. Para se obterem blocos de adobe de qualidade, quantidade de água é o fator mais importante. Mistura mais seca apresenta dificuldade de manuseio e pode não preencher completamente os moldes das fôrmas. Mistura muito úmida pode fazer o tijolo se deformar quando o molde é retirado. Uma maneira prática de se determinar com certa aproximação a quantidade de água necessária pode ser vista na Figura 19. Vai-se adicionado água à terra e, à medida que ela vai se tornando manuseável, faz-se uma bola com cerca de 8 cm de diâmetro. Lançando-a de uma altura de aproximadamente 1,5 m, verifica-se o diâmetro e a altura Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 17 quando ela se choca com o chão: se a altura for inferior a um terço do diâmetro, significa que há muita água na terra; se ela for aproximadamente igual a um teço do diâmetro, a quantidade de água está próxima da ideal; se a altura for superior a um terço do diâmetro, a água é insuficiente para um bom adobe. Na prática corrente, os ainda existentes fabricantes de adobe são capazes de utilizar a quantidade de água correta por intuição. umidade alta umidade boa umidade baixa altura 1/3 diâmetro Figura 19 - Maneira prática de se determinar a consistência ideal da terra para a fabricação de adobes. A homogeneização da mistura terra-água pode ser uma operação que requer esforço. A terra e a água são medidas em volume nas quantidades que permitam às pessoas envolvidas procederem à mistura. Esta, às vezes, é feita com os pés, como se vê na Figura 20. Também se pode misturar a terra e a água em betoneiras, mas é muito melhor usarem-se misturadores de eixo vertical, preferencialmente aqueles com palhetas do tipo que se vêem na Figura 20 à direita. Figura 20 – Homogeneização da mistura terra-água. 3.4 Fôrmas dos blocos de adobe Diversas variações nas formas e dimensões das fôrmas podem ser encontradas. Há fôrmas para apenas um tijolo, dois, três e mesmo cinco de uma ao mesmo tempo. Pode-se também fazer formas que permitam a fabricação de meio bloco (Figura 21). Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 18 Figura 21 – Fôrmas para a fabricação de adobes. A espessura não deve ser grande, até 10 cm ou um pouco mais. Valores maiores podem conduzir a uma homogeneização deficiente na moldagem. A largura recomendada é da ordem de 20 cm na Europa, que tem clima severo, porém 15 cm já conduzem a uma boa parede no Brasil, que, além do clima muito menos variável, não apresenta o perigo dos sismos. Na Região sul, os 20 cm são mais adequados. O comprimento dos adobes pode ir até 40 cm. Blocos maiores levam a maior produtividade quando da construção dos muros. É preferível usar o comprimento igual a duas vezes a largura. Blocos de 15 cm x 30 cm a 20 cm x 40 cm por 8 cm a 10 cm de espessura são práticos, embora, nesta última dimensão, os tijolos sejam bem pesados. Também podem ser feitos adobes quadrados, como mostra Figura 22 à direita. Pensando-se em modulação com base na dimensão de 10 cm, as formas podem ter o comprimento diminuído de 1 cm e se adotar para elas uma altura de 9 cm. A moldagem do adobe tradicional é inteiramente manual (Figura 22). É preciso um pouco de habilidade do fabricante. A forma deve ser previamente molhada para facilitar desmoldagem. Os tijolos devem ser postos a secar sobre superfície plana e com fina camada de areia que permita seu deslocamento devido à retração quando da secagem. Figura 22 – Moldagem dos blocos de adobe e adobes quadrados. 3.5 Argamassas de assentamento O Peru foi um dos primeiros países que oficializaram uma norma técnica sobre construção com adobes. Trata-se da E080 Norma técnica de Edificación Adobe (Reglamento Nacional de Construciones, 2000) na qual se classificam as argamassas para esse tipo de tijolo da forma: -Tipo 1 consiste em argamassa a base de cimento e areia ou, preferencialmente, cimento cal e areia nas proporções volumétricas de 1:2:5 a 1:2:10, devendo a resistência à compressão, medida conforme indicado no item 3.6, ser de no mínimo 3 MPa. Essa argamassa é usada quando se têm adobes de resistência mais elevada (acima de 2 MPa). -Tipo 2: argamassa com base na própria terra podendo-se usar ou não pequenas Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 19 quantidades de estabilizantes. Para controlar a fissuração pode-se utilizar palha ou fibras secas de até 5 cm de comprimento em proporção não menor que um volume de palha para três de terra. Recomenda-se deixar este tipo de argamassa preparada com dois dias de antecedência, coberta por lonas, panos molhados ou quaisquer outros dispositivos que impeçam a saída da umidade, para se ter uma melhor homogeneização. 3.6 Controle de resistência dos adobes e da argamassa e efeito dos estabilizantes 3.6.1 Controle de resistência dos adobes Não existem ainda, no Brasil, normas que tratem dos adobes. Uma primeira tentativa foi feita por Barbosa, Ghavami e Gonçalves (2005). É questão de tempo que, no país, a exemplo do Peru, tenham-se normas técnicas referentes a esse material de constução. O principal parâmetro de controle da qualidade dos blocos de adobe é a resistência à compressão. Comparada com a de outros materiais de construção industrializados, normalmente ela não é alta, sendo da ordem de 0,6 Mpa a 2,0 MPa. No entanto, essas resistências relativamente baixas são compatíveis com construções bem projetadas. A resistência à compressão pode ser medida cortando-se ao meio o tijolo e unindo- se as duas metades pela argamassa a ser utilizada na construção, como se vê na Figura 23. Um capeamento com pasta de cimento deve ser aplicado nas duas superfícies que ficam em contato com os dispositivos da máquina de ensaio para regularizá-las. A resistência do tijolo é dada pela carga máxima, lida no equipamento, dividida pela área da seção transversal do meio bloco. Figura 23 Ensaio de compressão em bloco de adobe Em Barbosa, Ghavami e Gonçalves (2005), para fins de projeto, sugere-se que a resistência característica à compressão dos adobes seja obtida a partir do ensaio de uma série de seis adobes dada pela Equação 2: fak = fa1 + fa2 - fa3 Equação 3 sendo fa1, fa2 e fa3, respectivamente, o menor, o segundo menor e o terceiro menor valor da série de seis tijolos ensaiados.. O valor mínimo aceitável para a resistência característica é de 0,7 MPa. 3.6.2 Controle de resistência das argamassas A Norma Peruana de adobes está servindo de base ou mesmo sendo diretamente traduzida para ser utilizada em muitos outros países latino-americanos. É adequado, pois, adotar-se no Brasil o mesmo método utilizado naquela norma para medir-se a resistência à compressãodas argamassas na construção com terra. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 20 Assim, a resistência à compressão das argamassas de terra pode ser feita moldando-se corpos-de-prova cúbicos de 10 cm de aresta, sendo o material compactado ligeiramente dentro dos moldes com uma espátula. O número mínimo de corpos-de-prova deve ser seis, e a secagem se faz à sombra, por um período mínimo de 15 dias. O molde deve ser concebido de maneira a se poder retirar o cubo de terra sem danificá-lo. Medida a área da face do cubo, A, antes do ensaio, se F é o valor da carga máxima medida no dispositivo de ensaio, a resistência de cada um deles será: farg = Fmax/A Equação 4 Pode-se considerar a resistência característica como sendo dada pela Equação 5: fargk = farg1 + farg2 - farg3 Equação 5 sendo farg1, farg2 e farg3, respectivamente, o menor, o segundo menor e o terceiro menor valor da série de 6 cubos ensaiados. A resistência característica da argamassa, fargk, não deve ser menor que a do adobe, fak. O critério de definição de lotes para se medirem as resistências dos adobes e das argamassas deve ser apresentado em futura norma sobre o assunto. . 3.6.3 Efeito de estabilizantes nos adobes Embora dê aos adobes resistência à ação da água, a incorporação de estabilizante como cal e cimento em taxas pequenas tem pouco efeito na resistência à compressão. Esta passa a ser melhorada a partir dos 6% ou mais de estabilizante, em massa, dependendo do solo. Em alguns tipos de terra, por exemplo, a adição de 4% de cal ou de cimento pode mesmo fazer baixar a resistência à compressão em relação ao material natural. Há solos que respondem melhor ao cimento (quando há maior percentagem de areia), enquanto outros se dão melhor com a cal (solos mais finos),razão pela qual, nos casos em que se pretende estabilizar os adobes, o mais prudente é se fazerem testes prévios com o estabilizante a ser usado. Mais importante para a resistência do adobe é a qualidade da terra que o estabilizante. Emulsão asfáltica, em taxas de cerca de 2%, também protege contra a ação de água, com pequena e benéfica influência na resistência à compressão. Fibras vegetais, como de sisal e de coco, promovem mudança radical no comportamento dos adobes. Eles deixam de ser um material frágil para ter um comportamento dúctil. Taxas em peso de até 2% funcionam bem. Na Figura 24, vê-se, claramente, o efeito benéfico das fibras. Enquanto no solo natural, ao ser atingido o pico de tensão, esta cai imediatamente, quando há fibras presentes, a partir de valores superiores a 1% em massa, não acontece um decréscimo brusco de carga. As fibras passam a receber tensões, dificultando a separação das partículas da terra, e o material apresenta um comportamento como se tivesse um patamar de escoamento. Embora em laboratório teores de 3% ou mesmo 4% de fibras apresentem bom comportamento, na prática não é recomendável superar os 2% por conta da dificuldade de dispersão das fibras na terra. A trabalhabilidade do material fica muito prejudicada, o que conduz a um adobe de má qualidade. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 21 Figura 24 – Efeito das fibras no comportamento de tijolos de terra crua (Souza, 1993; Ghavami, Toledo Filho e Barbosa, 1999). Se em vez de fibras forem usadas palhas, estas devem ser cortadas em comprimentos de, no máximo, 5 cm e incorporadas na terra numa proporção de aproximadamente três volumes de palha para um volume de terra. Os adobes também podem receber revestimentos. Caso se deseje usá-los, o uso de estabilizantes é aconselhável. No Iran, usa-se muito o revestimento com a própria terra com palhas, dando um aspecto bem natural às construções. No Brasil, em geral, preferem-se superfícies lisas. Assim, é recomendável usar-se argamassa à base de cal. A estabilização com cal permite que a parede respire. Dependendo da terra, os traços volumétricos cal:terra adequados podem variar desde 1:3 a 1:8. Nas paredes que podem ser molhadas por conta do vento durante as chuvas, o uso de um pouco de cimento também é recomendado. Traços volumétricos cimento:cal: terra da ordem de 1:2:8 podem ser adequados. No entanto, como a variação da terra é muito grande, é preferível que sejam feitas experimentações com alguns traços antes da aplicação definitiva. . 3.6 Ensaios em paredes de adobes Ensaios estáticos em paredes de adobes mostram um comportamento surpreendente. Embora as tensões médias no material sejam relativamente pequenas, a carga suportada por elas é considerável. Na Quadro 1, têm-se resultados de ensaios de quatro paredes de adobes (uma das quais é vista na Figura 26) com uma relação altura/espessura de 18,5 (Gonçalves, 2005). Mesmo assim, todas elas resistiram a mais de 95 kN/m, que é uma carga pelo menos cinco vezes maior à de uma parede central que dá apoio a duas lajes de concreto armado de 4 m de vão. Na Figura 26, tem-se o comportamento típico obtido no ensaio em que a carga foi aplicada em dois ciclos antes de levada à ruptura. As curvas de extensômetros simétricos não coincidentes indicam excentricidades difíceis a elimina nesse tipo de teste. Note-se que as deformações máximas aproximam-se de 0,1 %, valor perfeitamente tolerável nas Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 22 construções. Nas cargas de serviço, próximas de 2 kN/m, as deformações da parede são praticamente desprezíveis. Quadro 1– Resultado do ensaio de paredes de adobe de 260 m de altura e 14 cm de espessura. Parede Carga 1ªfissura (kN/m) Carga Ruptura (kN/m) Tensão Média (MPa) Resist. do tijolo (MPa) 1 79,1 96,2 0,69 1,41 2 66,7 133,7 0,95 3 100,0 118,8 0,85 1,21 4 100,0 129,5 0,92 Os adobes das paredes 3 e 4 tinham folhas de grama incorporadas, que, embora de baixa resistência, aumentaram a carga de fissuração das paredes. Figura 25 - Ensaios em paredes de adobe. A ruptura ocorre após sinais de fissuração no corpo da parede. Ela ocorre em zonas que ficaram submetidas a maiores tensões devidas à excentricidade do carregamento. Se for necessário maior capacidade de carga, basta aumentar-se a largura dos blocos ou mesmo fazerem-se paredes duplas ou triplas. Assim, as paredes de adobe podem ser consideradas estruturais. Nas paredes de adobe, deve-se ter cuidado com as aberturas. A construção de vergas e contra-vergas é necessária. Também não se devem apoiar cargas concentradas do telhado diretamente na alvenaria. Sempre é bom, no topo dos muros, passar-se uma cinta de concreto armado para promover a amarração das paredes e receber o madeiramento. A parede também nunca deve nascer diretamente na altura do piso, mas sim sobre uma camada de concreto, como se fosse uma primeira fiada, com o fim de se evitar contato de água com a base da parede quando se lavar o ambiente. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 23 3.7 Considerações finaissobre os adobes Embora a resistência dos adobes seja pequena comparada à de materiais industrializados, com eles já foram feitas edificações que desafiam não apenas as décadas nem os séculos, mas os próprios milênios. Trata-se de um material natural de custos energético e financeiro bem inferiores ao dos demais materiais de construção. Sua durabilidade pode ser assegurada através de um bom projeto. Proteção contra água é fundamental, principalmente em paredes sem revestimentos ou com revestimento sem estabilizantes industrializados. O renascimento da tecnologia de fabricação e de construção com adobes passa pela necessidade de uma normalização, mínima que seja, e pela quebra do preconceito que existe em relação aos materiais de construção não industrializados. Figura 26 – Comportamento típico das paredes de adobe em ensaio cíclico. 4 Tijolos prensados de terra crua Se a obtenção de adobes é uma tradição milenar, o mesmo não se pode dizer dos tijolos prensados de terra crua. Estes representam uma forma “moderna” de aplicação da terra que nasceu nos anos 50 do século XX com o desenvolvimento da primeira prensa manual pelo pesquisador colombiano G. Ramires. Tal prensa ficou conhecida como prensa CINVA-RAM, sendo o primeiro nome o do organismo de habitação popular do Chile onde Ramires trabalhava. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 24 -Tipo 2: argamassa com base na própria terra podendo-se usar ou não pequenas quantidades de estabilizantes. Para controlar a fissuração pode-se utilizar palha ou fibras secas de até 5 cm de comprimento em proporção não menor que um volume de palha para três de terra. Recomenda-se deixar este tipo de argamassa preparada com dois dias de antecedência, coberta por lonas, panos molhados ou quaisquer outros dispositivos que impeçam a saída da umidade, para se ter uma melhor homogeneização. 3.6 Controle de resistência dos adobes e da argamassa e efeito dos estabilizantes 3.6.1 Controle de resistência dos adobes Não existem ainda, no Brasil, normas que tratem dos adobes. Uma primeira tentativa foi feita por Barbosa, Ghavami e Gonçalves (2005). É questão de tempo que, no país, a exemplo do Peru, tenham-se normas técnicas referentes a esse material de constução. O principal parâmetro de controle da qualidade dos blocos de adobe é a resistência à compressão. Comparada com a de outros materiais de construção industrializados, normalmente ela não é alta, sendo da ordem de 0,6 Mpa a 2,0 MPa. No entanto, essas resistências relativamente baixas são compatíveis com construções bem projetadas. A resistência à compressão pode ser medida cortando-se ao meio o tijolo e unindo- se as duas metades pela argamassa a ser utilizada na construção, como se vê na Figura 23. Um capeamento com pasta de cimento deve ser aplicado nas duas superfícies que ficam em contato com os dispositivos da máquina de ensaio para regularizá-las. A resistência do tijolo é dada pela carga máxima, lida no equipamento, dividida pela área da seção transversal do meio bloco. Figura 23 Ensaio de compressão em bloco de adobe Em Barbosa, Ghavami e Gonçalves (2005), para fins de projeto, sugere-se que a resistência característica à compressão dos adobes seja obtida a partir do ensaio de uma série de seis adobes dada pela Equação 2: fak = fa1 + fa2 - fa3 Equação 3 sendo fa1, fa2 e fa3, respectivamente, o menor, o segundo menor e o terceiro menor valor da série de seis tijolos ensaiados.. O valor mínimo aceitável para a resistência característica é de 0,7 MPa. 3.6.2 Controle de resistência das argamassas A Norma Peruana de adobes está servindo de base ou mesmo sendo diretamente traduzida para ser utilizada em muitos outros países latino-americanos. É adequado, pois, Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 25 adotar-se no Brasil o mesmo método utilizado naquela norma para medir-se a resistência à compressão das argamassas na construção com terra. Assim, a resistência à compressão das argamassas de terra pode ser feita moldando-se corpos-de-prova cúbicos de 10 cm de aresta, sendo o material compactado ligeiramente dentro dos moldes com uma espátula. O número mínimo de corpos-de-prova deve ser seis, e a secagem se faz à sombra, por um período mínimo de 15 dias. O molde deve ser concebido de maneira a se poder retirar o cubo de terra sem danificá-lo. Medida a área da face do cubo, A, antes do ensaio, se F é o valor da carga máxima medida no dispositivo de ensaio, a resistência de cada um deles será: farg = Fmax/A Equação 4 Pode-se considerar a resistência característica como sendo dada pela Equação 5: fargk = farg1 + farg2 - farg3 Equação 5 sendo farg1, farg2 e farg3, respectivamente, o menor, o segundo menor e o terceiro menor valor da série de 6 cubos ensaiados. A resistência característica da argamassa, fargk, não deve ser menor que a do adobe, fak. O critério de definição de lotes para se medirem as resistências dos adobes e das argamassas deve ser apresentado em futura norma sobre o assunto. . 3.6.4 Efeito de estabilizantes nos adobes Embora dê aos adobes resistência à ação da água, a incorporação de estabilizante como cal e cimento em taxas pequenas tem pouco efeito na resistência à compressão. Esta passa a ser melhorada a partir dos 6% ou mais de estabilizante, em massa, dependendo do solo. Em alguns tipos de terra, por exemplo, a adição de 4% de cal ou de cimento pode mesmo fazer baixar a resistência à compressão em relação ao material natural. Há solos que respondem melhor ao cimento (quando há maior percentagem de areia), enquanto outros se dão melhor com a cal (solos mais finos),razão pela qual, nos casos em que se pretende estabilizar os adobes, o mais prudente é se fazerem testes prévios com o estabilizante a ser usado. Mais importante para a resistência do adobe é a qualidade da terra que o estabilizante. Emulsão asfáltica, em taxas de cerca de 2%, também protege contra a ação de água, com pequena e benéfica influência na resistência à compressão. Fibras vegetais, como de sisal e de coco, promovem mudança radical no comportamento dos adobes. Eles deixam de ser um material frágil para ter um comportamento dúctil. Taxas em peso de até 2% funcionam bem. Na Figura 24, vê-se, claramente, o efeito benéfico das fibras. Enquanto no solo natural, ao ser atingido o pico de tensão, esta cai imediatamente, quando há fibras presentes, a partir de valores superiores a 1% em massa, não acontece um decréscimo brusco de carga. As fibras passam a receber tensões, dificultando a separação das partículas da terra, e o material apresenta um comportamento como se tivesse um patamar de escoamento. Embora em laboratório teores de 3% ou mesmo 4% de fibras apresentem bom comportamento, na prática não é recomendável superar os 2% por conta da dificuldade Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 26 de dispersão das fibras na terra. A trabalhabilidade do material fica muito prejudicada, o que conduz a um adobe demá qualidade. Figura 24 – Efeito das fibras no comportamento de tijolos de terra crua (Souza, 1993; Ghavami, Toledo Filho e Barbosa, 1999). Se em vez de fibras forem usadas palhas, estas devem ser cortadas em comprimentos de, no máximo, 5 cm e incorporadas na terra numa proporção de aproximadamente três volumes de palha para um volume de terra. Os adobes também podem receber revestimentos. Caso se deseje usá-los, o uso de estabilizantes é aconselhável. No Iran, usa-se muito o revestimento com a própria terra com palhas, dando um aspecto bem natural às construções. No Brasil, em geral, preferem-se superfícies lisas. Assim, é recomendável usar-se argamassa à base de cal. A estabilização com cal permite que a parede respire. Dependendo da terra, os traços volumétricos cal:terra adequados podem variar desde 1:3 a 1:8. Nas paredes que podem ser molhadas por conta do vento durante as chuvas, o uso de um pouco de cimento também é recomendado. Traços volumétricos cimento:cal: terra da ordem de 1:2:8 podem ser adequados. No entanto, como a variação da terra é muito grande, é preferível que sejam feitas experimentações com alguns traços antes da aplicação definitiva. . 3.8 Ensaios em paredes de adobes Ensaios estáticos em paredes de adobes mostram um comportamento surpreendente. Embora as tensões médias no material sejam relativamente pequenas, a carga suportada por elas é considerável. Na Quadro 1, têm-se resultados de ensaios de quatro paredes de adobes (uma das quais é vista na Figura 26) com uma relação altura/espessura de 18,5 (Gonçalves, 2005). Mesmo assim, todas elas resistiram a mais de 95 kN/m, que é uma carga pelo menos cinco vezes maior à de uma parede central que dá apoio a duas lajes de concreto armado de 4 m de vão. Na Figura 26, tem-se o comportamento típico obtido no ensaio em que a carga foi aplicada em dois ciclos antes de levada à ruptura. As curvas de extensômetros simétricos não coincidentes indicam excentricidades difíceis a elimina nesse tipo de teste. Note-se Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 27 que as deformações máximas aproximam-se de 0,1 %, valor perfeitamente tolerável nas construções. Nas cargas de serviço, próximas de 2 kN/m, as deformações da parede são praticamente desprezíveis. Quadro 1– Resultado do ensaio de paredes de adobe de 260 m de altura e 14 cm de espessura. Parede Carga 1ªfissura (kN/m) Carga Ruptura (kN/m) Tensão Média (MPa) Resist. do tijolo (MPa) 1 79,1 96,2 0,69 1,41 2 66,7 133,7 0,95 3 100,0 118,8 0,85 1,21 4 100,0 129,5 0,92 Os adobes das paredes 3 e 4 tinham folhas de grama incorporadas, que, embora de baixa resistência, aumentaram a carga de fissuração das paredes. Figura 25 - Ensaios em paredes de adobe. A ruptura ocorre após sinais de fissuração no corpo da parede. Ela ocorre em zonas que ficaram submetidas a maiores tensões devidas à excentricidade do carregamento. Se for necessário maior capacidade de carga, basta aumentar-se a largura dos blocos ou mesmo fazerem-se paredes duplas ou triplas. Assim, as paredes de adobe podem ser consideradas estruturais. Nas paredes de adobe, deve-se ter cuidado com as aberturas. A construção de vergas e contra-vergas é necessária. Também não se devem apoiar cargas concentradas do telhado diretamente na alvenaria. Sempre é bom, no topo dos muros, passar-se uma cinta de concreto armado para promover a amarração das paredes e receber o madeiramento. A parede também nunca deve nascer diretamente na altura do piso, mas sim sobre uma camada de concreto, como se fosse uma primeira fiada, com o fim de se evitar contato de água com a base da parede quando se lavar o ambiente. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 28 3.9 Considerações finais sobre os adobes Embora a resistência dos adobes seja pequena comparada à de materiais industrializados, com eles já foram feitas edificações que desafiam não apenas as décadas nem os séculos, mas os próprios milênios. Trata-se de um material natural de custos energético e financeiro bem inferiores ao dos demais materiais de construção. Sua durabilidade pode ser assegurada através de um bom projeto. Proteção contra água é fundamental, principalmente em paredes sem revestimentos ou com revestimento sem estabilizantes industrializados. O renascimento da tecnologia de fabricação e de construção com adobes passa pela necessidade de uma normalização, mínima que seja, e pela quebra do preconceito que existe em relação aos materiais de construção não industrializados. Figura 26 – Comportamento típico das paredes de adobe em ensaio cíclico. 4 Tijolos prensados de terra crua Se a obtenção de adobes é uma tradição milenar, o mesmo não se pode dizer dos tijolos prensados de terra crua. Estes representam uma forma “moderna” de aplicação da terra que nasceu nos anos 50 do século XX com o desenvolvimento da primeira prensa manual pelo pesquisador colombiano G. Ramires. Tal prensa ficou conhecida como prensa CINVA-RAM, sendo o primeiro nome o do organismo de habitação popular do Chile onde Ramires trabalhava. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 29 No Brasil, a Associação Brasileira de Cimento Portland realizou muitos trabalhos com o que se chamou de tijolos de solo-cimento. Foi, inclusive, desenvolvida uma prensa para sua fabricação (Figura 27), com apoio do antigo Banco Nacional de Habitação, e foram dados alguns passos a respeito de normalização com a publicação das NBR 8491 (ABNT, 1986), NBR 8492 (ABNT, 1986), NBR 10832 (ABNT, 1986). No entanto, durante o processo, o equipamento, moldando três tijolos ao mesmo tempo, não consegue dar uma pressão de compactação grande à terra. Assim, para se obterem resistências adequadas, usam-se taxas de cimento de 8%, 10%, 12% e até mesmo 15%. Tais teores de ligante passam a pesar significativamente nos custos dos blocos. Além disso, os tijolos de pequenas dimensões consomem muita argamassa na ligação e não conseguem dar uma grande estabilidade e rigidez aos muros. Assim, prefere-se, em vez de tijolos de solo cimento, chamar tijolos ou blocos de terra comprimida, BTC, estabilizados com cimento, tendo-se em conta que a pressão de compactação aplicada ao material nos moldes de algumas prensas manuais modernas pode chegar a cerca de 2 MPa. Na Figura 28 à direita, vê-se uma outra prensa que imprime à terra uma dupla compressão através de um sistema de molas engenhosamente nela colocado. Assim, a compactação se dá tanto pela parte inferior como pela superior, o que produz um bloco mais homogêneo. Figura 27 – Prensa manual que produz três tijolos ao mesmo tempo: baixa pressão de compactação e prensa de melhor desmpenho. Hoje já se encontram também prensas hidráulicas de grande potência as quais produzem blocos de resistência que podem chegar aos 6 MPa ou mesmo 8 MPa. Na Figura 28, vê-se uma produção industrial de blocos de terra comprimida, situada no sul de Portugal. Figura 28 - Produção industrial de blocos de terra crua comprimida em Portugal. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 30Há uma extensa variedade de blocos de terra comprimida. Desde os blocos paralelepipédicos a aqueles com furos e/ou com encaixes. Na Figura 29 vê-se um tipo de bloco feito em prensa manual, conhecido como bloco Mattone, que leva o nome de um professor do Politécnico di Torino. O professor idealizou um bloco com encaixes horizontais e verticais que permitem a execução da alvenaria com uma fina camada de argamassa fluida à base de terra e conduzem a paredes bem rígidas e resistentes. Figura 29- Blocos de terra comprimida com encaixes: bloco Mattone. 4.1 Fatores que influem na qualidade dos blocos Sendo a terra um material de composição bem variável, no qual a heterogeneidade é a regra e a homogeneidade a exceção, é importante definir fatores que influem no desempenho dos blocos prensados de terra crua. O objetivo da prensagem da terra é aproximar os grãos, tentando reduzir os poros do material, o que lhe dará maior resistência mecânica. A compactação provoca, pois, uma redução do volume. A redução do índice de vazios é da ordem de 1:1,6 a 1:1,8 nas prensas manuais. Previamente, a terra deve ser peneirada de maneira que as partículas aglomeradas fiquem com até cerca de 2 mm. Resumidamente, pode-se dizer que, com relação à qualidade dos tijolos prensados, ela depende de: - tipo de composição granulométrica de terra; - umidade de moldagem; - tipo de prensa; - tipo e percentagem de estabilizante; - cura. 4.2.1 Tipo de composição granulométrica da terra Cada tecnologia de construção com terra tem o tipo de solo que lhe é mais apropriado. A terra mais conveniente para a fabricação de adobes, por exemplo, não o é para obtenção dos tijolos prensados. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 31 O teor de cada componente granulométrico também é importante. É conveniente que o solo apresente plasticidade e que seu limite de liquidez não seja excessivo, de preferência menor que 40% – 45%. Para os tijolos prensados, pode-se dizer que é desejável que o solo tenha: - 10 a 20 % de argila; - 10 a 20 % de silte; - 50 a 70 % de areia. Barbosa, Souza e Mattone (1996) conseguiram excelentes resultados com um solo local que apresentava cerca de 11% de argila, 18% de silte e 70% de areia, sendo que nesta última a maior quantidade era de areia fina (grãos de 0,05 mm a 0,25 mm). Quando o solo não se enquadra nos citados limites, pode-se fazer uma correção granulométrica. É comum, por exemplo, se o solo é muito argiloso, com limite de liquidez e índice de plasticidade altos, misturá-lo com areia. A proporção depende do caso e pode ser um volume de terra para um de areia, dois volumes de terra para um de areia, etc. 4.2.2 Umidade de moldagem A umidade de moldagem mais conveniente também é função do tipo de solo Para se obterem tijolos prensados de qualidade com uma determinada terra, é necessário estabelecer-se qual a percentagem ideal de água e quantidade de material a serem postas no molde da prensa, através de um processo de otimização. A umidade ótima para os tijolos não é a mesma obtida no ensaio Proctor. Nele, são aplicadas ao solo pressões dinâmicas, o que não ocorre com os blocos prensados, que sofrem muito mais uma compactação quase estática. De fato, um solo posto em um molde para ser prensado, apresenta uma resposta bastante diferente em relação a uma amostra de solo submetida a um choque. Enquanto no Proctor a tensão é aplicada instantaneamente, na prensa gastam-se alguns segundos no processo de compactação. Um exame da Figura 30 mostra que, inicialmente, a pressão transmitida à terra é bem pequena, para depois crescer significativamente em um pequeno intervalo. O último trecho corresponde ao final do curso da prensa. Esse comportamento indicado no gráfico é sentido fisicamente por quem opera uma prensa manual. Figura 30 – Variação da tensão aplicada à terra no molde de prensa manual em função do tempo (Olivier, 1994). A otimização é, então, feita com base na máxima densidade seca. Deixa-se a terra com uma determinada umidade, w. Faz-se variar a quantidade de material posto na prensa, Pi, pesando-se e medindo-se as dimensões do tijolo fabricado para se obterem seu volume e a densidade seca pela Equação 1, em que P é o peso do bloco logo após moldagem, ainda úmido; w é o teor de água presente; V é o volume do tijolo. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 32 Faz-se variar agora a quantidade de água e repete-se o processo. Dessa forma, obtêm-se gráficos como os indicados na Figura 31. O pico mais elevado de todas as curvas indica o teor ótimo de umidade e o peso de material a ser posto na prensa. Na prática, converte-se o peso em volume, usando-se a massa unitária do material úmido. Figura 31 – Otimização da umidade do solo e da quantidade de material a ser posta na prensa Para um mesmo tipo de solo, maior densidade seca implica maior resistência, como se pode ver na Figura 32. Figura 32 – Aumento de resistência com a densidade seca (adaptado de Olivier, 1994). 4.2.3 Tipo de prensa O tipo de prensa é importante, pois, quanto maior a compactação imposta ao solo, melhor será o produto final. No mercado, encontram-se já diversos tipos de prensa manuais e hidráulicas. As manuais imprimem à terra pressão de compactação da ordem de 1 MPa a 2 MPa. As prensas hidráulicas aplicam pressões muito maiores, resultando em produtos muito resistentes. O inconveniente é que se trata de equipamentos pesados e caros. Instituto Brasileiro do Concreto Livro Materiais de Construção Civil 33 4.2.4 Tipo e percentagem de estabilizante Estabilizar um solo, como já se tratou anteriormente, significa nele incorporar produtos que melhorem suas propriedades, inclusive sob a ação da água. A cal não promove significativos acréscimos de resistência, sendo exigida percentagens superiores a 6% para ser eficaz. A emulsão asfáltica, por seu lado, em taxas de 2% interfere pouco na resistência mas protege bem da ação da água. Quanto ao cimento Portland, os tijolos prensados são mais sensíveis que os adobes à sua presença. A percentagem do estabilizante depende do tipo de solo que se vai empregar e também da resistência requerida. Se houver muita argila presente, vai ser exigido no mínimo 6 % de cimento. Se o solo é excessivamente arenoso, podem ser requeridas taxas maiores. Se o solo é bem graduado, 4% (e até mesmo 2%) de cimento já aumentam a resistência em relação ao material bruto levam a blocos de ótima qualidade. Antes de um empreendimento, o melhor é proceder a testes laboratoriais para se ter melhor aproximação do estabilizante ideal e de sua percentagem mais econômica que satisfaça à resistência desejada. Os tijolos de terra, quando estabilizados, também precisam do processo de cura para evitar a saída rápida da água da mistura. Se ocorrer a evaporação, não haverá tempo para a água reagir com todos os grãos de cimento, e a qualidade dos blocos cai. Superficialmente, eles ficam com baixa resistência à abrasão. Um método muito eficaz de cura quando se usa o cimento como estabilizante consiste em se cobrirem os tijolos com uma lona plástica tão logo eles sejam fabricados (Figura 33). Também se usa ficar molhando periodicamente os tijolos novos com um regador. No canteiro, é preferível se fazer a
Compartilhar