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CONSTITUCIONALIZACAO DO DIREITO CIVIL_REVISTO

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� PAGE \* MERGEFORMAT �8�
NOTAS DES/TOANTES SOBRE A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
Natanael Sarmento�
						O homem que não põe em prática a sua crença é um asno carregado de livros. Maomé, profeta.
						Toda teoria é cinzenta, verde é a árvore frutífera da vida. Goethe, poeta.
					
 Não é a consciência que determina a vida,
mas a vida que determina a consciência. Marx, filósofo. 
		
Desde a antiguidade romana, o direito, tratado como domínio de conhecimento ou como sistema positivo de normas, divide-se em dois grandes campos ou ramos: direito público e direito privado.
 
A doutrina clássica costuma denominar tal divisão de grande dicotomia do direito. Há registros antigos como o brocardo de Ulpiano compilado no Digesto: publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem - o direito público diz respeito às coisas do estado romano; o privado, às utilidades dos particulares.� 
Os antigos magistrados já separavam os interesses do estado romano das utilidades e interesses dos particulares: o direito público regulava os interesses de Estado e da sociedade em geral; o direito privado regia as relações jurídicas dos particulares.
 	
Esse recorte do interesse predominante na relação jurídica, para critério de diferenciação dos campos públicos e privados, embora utilizados milenarmente, não perdeu o seu sentido lógico. Examina-se, na casuística, a prevalência do interesse - se privado ou público. Determina-se, a partir dessa constatação, a natureza jurídica da relação e define-se a natureza da norma legal da regência: pública ou privada.
Com o tempo, outros critérios foram incorporados à técnica distintiva entre o direito público e o privado. Nesse sentido, surgiram o critério da qualidade do titular e o da posição do titular do interesse. 
O critério qualidade do titular tem aplicação sincrônica uma vez que a relação jurídica diz respeito a sujeitos com mesma natureza em termos de personalidade jurídica. Assim, exempli gratia, um negócio entre dois ou mais particulares entre si ou um convênio ou tratado entre dois ou mais Estados ou entes da administração pública. Nessa homogeneidade de natureza da personalidade dos titulares – pública ou privada -, define-se a norma de regência da relação jurídica. Claro está o interesse público no ato de dois ou mais Estados ou entes da administração pública; bem assim o interesse privado no negócio de particulares, em princípio.
 
Outro critério observado na distinção é o da posição dos sujeitos da relação jurídica. Nesse caso, cabe observar se os sujeitos da relação jurídica agem em condição de igualdade. Agir em condição de igualdade é um traço característico do direito privado enquanto agir em condição de superposição em face da soberania estatal é próprio do direito público. 
Observados tais parâmetros, didaticamente, separar o interesse público do particular afigura-se fácil como separar o joio do trigo. Nesse sentido, a doutrina planta no campo do direito privado dois ramos: o civil e o comercial. No terreno do direito público, plantam-se todos os demais ramos do direito: constitucional, administrativo, processual, criminal, previdenciário, eleitoral, notarial, agrário, marítimo, tributário. � 
No tocante às relações jurídicas entre pessoas, as humanas e as jurídicas de personalidade privada, aos respectivos patrimônios, atos e negócios jurídicos, relações empresariais e comerciais, direitos obrigacionais e reais, direitos familiares e sucessórios, a primazia é do interesse privado. Secundariamente, aparece o interesse público. Em tais relações, predominam interesses dos próprios particulares. Portanto, racional e logicamente, ditas relações devem ser regidas por normas jurídicas de direito privado: o direito civil ou o comercial. 
 	Todavia, o conceito de direito, a despeito das diferentes categorias de interesses, compreende uma unidade orgânica, técnica-sistêmica, científica e filosófica qual leciona Caio Mário Pereira:
 “Não obstante a unidade fundamental, os princípios jurídicos se agrupam em duas categorias, constituindo a primeira o direito público, a segunda o direito privado. Não há cogitar, porém, de dois compartimentos herméticos, incomunicáveis, estabelecendo uma separação total e absoluta das normas públicas das normas privadas”. � 
Nesse sentido, qualquer norma jurídica diz respeito a questões de interesse público. Mesmo quando a norma envolve interesse particular, há o interesse social subjacente. Não faria sentido o poder público editar uma norma sem finalidade social ou desprovida de interesse público, ainda que essa norma regule fatos e atos pertinentes ao domínio da vontade particular do indivíduo. Por isso, toda lei tem vigência geral, e, na sua aplicação, o juiz deve atentar aos fins sociais a que ela se destina, às exigências do bem-comum. Não se fala em norma positiva sem a imperatividade própria das normas estatais, regulem essas normas interesses públicos ou privados. Nas normas de direito civil e comercial, o interesse público, em princípio, não prevalece sobre os interesses dos particulares. Se uma pessoa capaz civilmente doa ou vende um bem patrimonial disponível, o ato ou negócio de transmissão não diz respeito ao Estado, e sim, aos particulares: doador e donatário, vendedor e comprador. 
Contudo, em situações fáticas, “uma zona de interferência recíproca se delineia, em que é difícil caracterizar com justeza a sua natureza privada ou pública”. � 
Em rápidas pinceladas, na melhor das hipóteses, os juristas se lembram da advertência de Stuart Mill no sentido de que tudo converge para a história, não sendo o direito exceção, e fazem breves alusões às demandas da sociedade industrial. 
Invariavelmente, concluem que, na sociedade pós-moderna, desenvolveram-se novas formas de produção e organização responsáveis pelas novas configurações do direito. Na passagem do Estado liberal clássico para o Estado do bem-estar social, ocorreram novas conquistas no âmbito do direito trabalhista e previdenciário, um direito mais centrado na função social que na proteção individualizada, de caráter patrimonialista. Na esteira dessas conquistas, novas concepções de interesse jurídico se afirmaram além da dicotomia público/privado quais certas noções de interesses individuais e coletivos indisponíveis e interesses transindividuais. Na perspectiva da ultrapassagem dessa clivagem dualista tradicional, Hugo Nigro Mazzilli obtempera:
“...Essa divisão, porém, não é satisfatória, nem suficientemente abrangente. Isso porque, de um lado, a expressão interesse público é equívoca, pois não raro tem sido utilizada para alcançar também os interesses indisponíveis do indivíduo e da coletividade, os chamados interesses sociais e até mesmo alguns dos mais autênticos interesses metaindividuais, como os interesses coletivos e difusos. De outro lado, é preciso considerar que existe uma categoria intermediária: são os interesses de grupos de indivíduos [...] interesses que não integram, no sentido estrito, nem a categoria do interesse público nem a do interesse tipicamente privado”.� 
Expressões quais cidadania, dignidade da pessoa humana, redução das desigualdades, sociedade justa e solidária, promoção social, entre outras, foram erigidas à condição de princípios constitucionais ou de objetivos fundamentais da República brasileira na Carta de 1988. Nos marcos de uma transição pacífica e negociada, da ultrapassagem do regime ditatorial militar para o regime democrático de direito, exultavam demandas garantidoras de liberdades e de direitos fundamentais da pessoa humana. Pela mesma razão, advieram normas gerais de proteção ao meio ambiente, à tutela dos direitos sociais, defesa do consumidor, preservação do patrimônio cultural, artístico e paisagístico, dentre outros direitos ou interesses pessoais, coletivos, difusos ou metaindividuais.A par dessas novas configurações, as próprias concepções de direito público e direito privado modificam-se. Noções e conceitos a respeito de direito pessoal, autonomia da vontade, validade dos contratos e família sofrem modificações no tempo e diferem no espaço. Nesse caldo entornado, a tarefa do hermeneuta torna-se verdadeiro trabalho de Hércules: “Dos mais árduos e tormentosos é o problema da distinção entre o direito público e o direito privado”.�
O liame dessas duas dimensões humanas, a pessoal e a social, nem sempre é firme e visível como as cordas de amarrar navios. Por vezes, tênues linhas distinguem a natureza privada individual da natureza pública dos seres humanos. 
O direito, público ou privado, em todos os tempos e lugares, tem função de controle e sustentação do tecido social. As sociedades estão em constante movimento dialético; o direito acompanha o movimento social preservando a unicidade do sistema jurídico e tenta compatibilizar a pluralidade dos microssistemas normativos, em uma tensão permanente entre uma maior estática da norma posta e uma maior dinâmica da interpretação normativa. 
Por essa razão, as antigas rotas dos navegantes romanos já não representam tanta segurança. Pelo contrário, a rota da distinção de direito público e direito privado passava à insegurança da travessia do cabo Horn.� Mudaram as lições dos mestres de navegação; mudaram as escolas náuticas; mudaram as navegações e os instrumentos; mudaram os cursos dos rios e dos mares; antigas ilhas de certezas foram engolidas pelo maremoto do tempo; novas rotas se afiguram mais atrativas, não obstante os riscos e perigos, a frenética intensidade da navegação na pós-modernidade de ação, de piratas e corsários cibernéticos. 
O presente artigo tem caráter propedêutico, didático, para usufruto de aprendizes da navegação do direito. A temática publicização do direito civil ou constitucionalização do direito privado ecoou no Olimpo: civilistas e constitucionalistas de renomada se ocuparam da questão. 
Nesse sentido, Caio Mario Pereira, na obra Instituições do Direito Civil, afirma que os estudos de Pietro Perlingieri exerceram um papel determinante, tanto no âmbito judicial quanto nas academias, para a consolidação da “constitucionalização do direito privado”. 
Por seu turno, os trabalhos de Pietro Perlingieri destacam dois aspectos na constitucionalização: o papel unificador do sistema do texto constitucional nos aspectos civilistas e nas relações jurídicas de relevância pública e a descentralidade do Código Civil.� 
Segue que alguns ícones do direito privado lecionam a força cogente e a primazia dos princípios constitucionais para todas as relações jurídicas: 
“[...] na hermenêutica do código civil destacam-se hoje princípios constitucionais e direitos fundamentais a fazer prevalecer a constitucionalização do direito civil [...] os direitos fundamentais passam a ser dotados da mesma força cogente nas relações públicas e nas relações privadas”.� 
No entender de diversos autores, a primazia da constitucionalização nas relações típicas do direito privado são favas contadas no Brasil. Essa doutrina ressalta o papel unificador do sistema exercido pela Constituição Federal de 1988 e a perda do referencial normativo das relações privadas do Código Civil.
 Assim, sobre os escombros da codificação civil e a supremacia unificadora e principiológica da Constituição - espécie de código binário -, assenta-se a tese constitucionalização. Argumento repetido pelos diversos autores que se ocupam do assunto. A constitucionalização do direito privado apresenta-se como fato consumado, necessário, de relevante utilidade, desejável.
Com ardor entusiástico e quase panegírico, a doutrina pátria se agita na defesa dessa nova rota constitucionalizada do direito privado. A chamada constitucionalização do direito privado afigura-se, não raro, como a panacéia do obsoleto, moribundo e confuso direito civil pátrio. 
Nesse sentido, sem benefício ou lugar para dúvidas, Pietro Perlingieri leciona que os princípios constitucionais são normas substanciais e de aplicação direta.� No embalo da maré, Paulo Luiz Neto Lobo aduz que o Código Civil, com o seu ideário liberal oitocentista, perdeu força: o proprietário deu lugar à pessoa humana, a propriedade individualista aos fins sociais, afetividade é o valor do direito familiar, a proteção da parte vulnerável na busca da equivalência contratual.�
 Não discrepa Gustavo Tepedino, que ressalta a pluralidade normativa e a generalidade dos conceitos abertos no código civil. Segundo Tepedino, uma lei inspirada nas técnicas legislativas dos anos setenta do século passado. Em conclusão, afirma que a conjugação desses fatores torna necessária a interpretação axiológica dos princípios constitucionais para unificar o direito privado.� 
 Na mesma direção, Glauber Salomão Leite afirma que o código civil não traduz por completo os princípios da Constituição de 1988. Esse autor destaca a discrepância do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana com a regência civilista do direito de família. Acolhe com entusiasmo a novel doutrina: “o fenômeno da constitucionalização do direito civil é uma realidade inegável, de significativa amplitude, e extremamente salutar”.� 
A nosso ver, talvez por que sejamos marinheiros obsoletos ou envelhecidos, não vemos motivos para tanta comemoração na festejada constitucionalização. A despeito das doutas opiniões em contrário, lecionamos levar esse barco por rotas menos conhecidas e mais devagar, pelo menos até que se desfaçam os nevoeiros das rotas habituais. 
 Pela teoria do fato consumado ou das favas contadas, a constitucionalização é um fato acontecido, inelutável e irreversível, consumado. A premissa fática pode ser verdadeira, mas isso não garante a veracidade da conclusão axiológica. 
Os artigos e trabalhos publicados sobre a matéria abrem caminhos, são relevantes por isso. Mas não se pode desenvolver o estudo do Direito quando se entende que a história chegou ao fim. 
Dois para lá, dois para cá
De nossa parte, temos que o debate da constitucionalização do direito privado, em geral, cinge-se aos aspectos técnicos da hermenêutica jurídica, ao caráter integrativo de lacunas e à primazia e supemacia hierárquica da norma constitucional no conjunto do sistema jurídico, mormente pelo desmembramento do direito civil. 
 
Nesse diapasão, a norma Constitucional, a principal do sistema jurídico, dita o ritmo do samba na batida dos princípios para todo o sistema. Aos demais campos do sistema jurídico, cabe acertar os passos na adequação constitucional. Toca-se samba, mas pensa-se em valsa de forte viés kelseniano com tais argumentos. 
Inevitável. O debate de titãs e semideuses desse Olimpo com a marca dos juristas leva o jeito torto da boca do uso do cachimbo: a marca do tecnicisimo e do formalismo jurídico. 
 Nessa conformidade, discute-se: os princípios da Constituição são, meramente, enunciativos? Nesse caso, os princípios servem apenas como referência paradigmática às demais normas jurídicas? Os princípios constitucionais são dotados de imperatividade? Possuem os princípios o condão da normatividade? Nesse caso, são aplicáveis e produzem eficácia em casos concretos quais as demais normas jurídicas do sistema? 
Os argumentos da polêmica giram para lá e para cá nessa roda de samba: normatividade/imperatividade dos princípios da Constituição - a última palavra interpretativa do direito privado; os críticos da “invasão” publicista - vade retro satã da constitucionalização - invocam aos deuses que a santificada Constituição permaneça na sua santa redoma de referência principiológica e atividade suplementar, aparecida quando rogada. Os ruídos desse debate podem até açular taras técnicistas. Mas no fundo do quintal jurídico, soa uma batida de sambinha dois para lá e dois para cá. 
 A tese da constitucionalização, bípede ou binária, todavia, propicia amplas reflexões e debates. Nesse sentido, discute-sea harmonização e a uniformidade do ordenamento jurídico, a concorrência da especialização dos subsistemas, o caráter integrativo da hermenêutica constitucional, dentre outros aspectos. No epílogo da ópera, os apologetas da constitucionalização, satisfeitos, ovacionam o espetáculo. 
No repertório da cantata, invariavelmente, escutamos loas sobre a “perda de referência sistêmica” do Código Civil, evidenciada no advento do Código de Defesa do Consumidor, instituído pela lei nº 8078/1990, na Lei de Direitos Autorais, lei nº 9610/1998 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, lei nº 8069/1990. 
 O Código Civil, antigo latifúndio das relações privadas, criado pela Lei nº 3.071 de 1916, foi revogado pelo atual Código Civil, instituído pela lei nº 10.406/2002. A antiga legislação civil revogada e a vigente revogadora, todavia, afiguram-se igualmente insuficientes, senão, imprestáveis à promoção da igualdade material e da dignidade da pessoa humana, na visão de alguns. 
 Na proclamação imperial, os que vão viver devem saudar a constitucionalização do direito privado. O Código Civil, feudo obsoleto, devassado e desmembrado por microssistemas, perde a centralidade, a importância. Centralidade e importância ocupada e assumida pela Magna Carta. A Constituição Federal de 1988, com seu caráter social, princípios de solidarismo e justiça social, a fazer desmoronar o antigo direito privatista e individualista do Código Civil. Uma verdadeira “reforma agrária” com fins sociais no âmbito do direito civil patrimonialista, individualista e privatista. Destronado, o Código Civil deixa a condição de fonte legítima das relações privadas. Ungida ao trono, a Constituição, fundamentada no princípio da dignidade da pessoa e no caráter social da propriedade, promete uma nova aurora para o direito civil. 
Em suma, pela nova versão da hermenêutica constitucionalizada do direito privado, o Código Civil de 1916 já foi sepultado, enquanto a cópia ressuscitada - o Código de 2002 está a caminho da sepultura. 
Grotesco equívoco dessa crítica ao Código Civil de 1916, diploma jurídico da lavra de Clóvis Bevilácqua, vigente por quase um século sob todas as Constituições da República - 1891, 1934, 1937, 1946, 1967/69 e 1988. Nem precisa ser especialista para perceber que as relações privadas, em termos jurídicos, estavam bem mais seguras e respaldadas juridicamente que as relações jurídicas constitucionais, marcadas por sucessivos golpes de estado e rupturas institucionais.
Se aceitarmos que o longevo Código Civil 1916 tornou-se um Frankenstein para a nova ordem constitucional, como deveríamos classificar a codificação civil de 2002? O projeto dessa lei civil concebido na ditadura militar e ressuscitado das tumbas vinte e seis anos depois pelo relator-geral, Ricardo Fiúza?� 
Em matéria de referências históricas, a doutrina jurídica não discrepa, tampouco vai além da mera descrição argumentativa. As mudanças de “conteúdo” do direito privado ocorrem depois da primeira Guerra Mundial na esteira das grandes transformações do mundo. Mudanças que se refletiram nas novas concepções do direito de propriedade, do equilíbrio nos contratos, da tutela da pessoa humana, do conceito de família e de outros institutos do direito privado. 
Nesse diaspasão, assinala-se a viragem da tutela precipuamente patrimonialista à tutela da pessoa humana; dos valores patrimonialistas individuais aos valores do solidarismo social. Nesse diapasão e das novas concepções do direito privado, o antigo privatismo subsume diante da crescente presença estatal na vida social, inclusive nas relações de particulares. Nesta conformidade, atos, negócios e institutos, antes regulados, exclusivamente, pelo direito privado, no novo contexto histórico, submetem-se às normas e princípios do direito constitucional, em especial, mandamentos relativos à dignidade da pessoa humana, à finalidade social da propriedade e a proteção à entidade familiar.
 Nessa perpectiva, a interpretação do princípio constitucional aplicada como norma cogente ao caso modifica radicalmente a concepção privatista civil do passado. Se o oráculo da Constituição proclamar que tal regra civilista privada, na casuística, apresenta-se incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana, essa regra da vacaria civilista vai ao brejo. A hermenêutica - não há que se falar em integrativa porquanto não precisa ser caso de lacuna ou omissão legal - dar-se-á pela hierarquia da Constituição. A regra hermenêutica da especialização é engolida pela regra da unicidade do sistema normativo que passa pela Constituição. Em suma, a constitucionalização do direito civil, para o bem ou para o mal, não apenas interfere no direito material como também em princípios clássicos de hermenêutica.
 E a missão do hermeneuta “moderno” consiste, exatamente, em aplicar diretamente os princípios da Constituição em todas as situações jurídicas, inclusive, nas situações particulares não mais regidas pelo norte do Código de Direito Civil, e sim, pela Constituição.
Na ressaca da preamar da constitucionalização do direito privado, resta à hermenêutica do Art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto Lei nº 4.657/1942 verbis: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige, e às exigências do bem comum” ser aplicada com vista nos princípios da Constituição.
Em resumo, a unicidade do sistema jurídico se alcança através da interpretação e aplicação dos valores e princípios constitucionais a todas as normas jurídicas em vigor no país. A constitucionalização é uma realidade consumada, lógica, racional e “salutar”. 
Nos palcos Assim é, se lhe parece, comédia de Pirandello, diverte o respeitável público com as hilárias contradições da busca da verdade, com as ilusões do real ou a realidade ilusória, as modificações dos fatos a depender das perspectivas dos atores da trama. Em sendo a realidade policênica e as palavras, polissêmicas, ficamos com a seguinte dúvida: qual obra afigura-se mais cômica - a do teatro de Luigi Pirandello ou a dos hermenêutas apologetas das favas contadas? 
Oráculos da pós-modernidade
O meio jurídico costuma fazer boa imagem de si próprio: o advogado se diz essencial à justiça; o juiz, o pretor da justiça; o Ministério Público, o paladino da sociedade. Enfim, todos são indispensáveis à própria sobrevivência da civilização, assim se diz. Todos estão longe dessa autoidealização satisfatória.
 
Na antiguidade clássica, os oráculos eram essenciais e indispensáveis à vida da sociedade. Nada se fazia na polis sem consultar os deuses. E oráculos eram as divindades, o local sagrado e, também, o tradutor dos conselhos divinais. Um oráculo profetizou que o belo Narciso teria vida longa desde que jamais visse a própria imagem. Narciso morreu em um descuido, extasiado e imobilizado diante da própria imagem projetada nas águas. 
 
A autoimagem da magistratura brasileira faz de Narciso um deprimido de baixa autoestima. Tem de si própria uma imagem que não corresponde à opinião da sociedade? O problema está na sociedade, desinformada e manipulada pela imprensa sensacionalista. Não raramente, o otimismo expressado com a atividade jurídica nos faz pensar que vivemos no melhor dos mundos do Pangloss voltairiano. 
Traduz bem essa linha autoavaliativa de otimismo da magistratura brasileira Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, recém-nomeado ao Superio Tribunal de Justiça:
“Eu sou completamente encantado com a minha profissão, com o meio jurídico. Tenho orgulho da magistratura nacional, sempre dedicada, eficiente e preocupada com o jurisdicionado e a efetividade do trabalho. Nosso juiz é o que mais produz no mundo” (grifei.)�
Os Tribunais de Justiça estaduais do Brasil possuem informativos e pagam matérias em jornais de grande circulação com avaliações positivas sobre a produtividade do órgão. Nos panegíricos, os juízes brasileiros estão entre os campeães mundiais em processos julgados, pela disposição laboral e competência dos juízes e pelo fatode o país, proporcionalmente, ter maior número de jurisdicionados por juiz, ou seja, poucos juízes e muito trabalho. Talvez isso explique o fato de haver ações judiciais com mais de meio século aguardando julgamento.�
Na mitologia, Narciso morreu à beira do lago perplexo com a própria beleza. No espelho da magistratura nacional, perplexos ficam os jurisdicionados que, malgrado a busca incessante, não encontram na realidade a Justiça garbosa e sedutora que lhes é anunciada. Nas fábulas desse mundo encantado, dos sapos transformados em príncipes, o poeta Fernando Pessoa, cansado dos semideuses, pergunta agustiado: onde há gente nesse mundo?
 
Na nossa visão, fato que causa espécie é a leitura apologética da Constituição Federal do Brasil de 1988. Essas interpretações abundam. Pela retórica desses apologetas, ficamos com a impressão de que a pólvora e a roda foram descobertas depois dessa Constituição. 
A cartola do mágico � 
 No truque das cartolas dos mágicos, saem lenços coloridos, pombas, coelhos. No ilusionismo dos apologetas da Carta de 1988, dos mágicos togados ou laureados nas academias, emergem direito privado humanizado, garantia da dignidade da pessoa humana, promoção da justiça social e dos valores humanos, etc. Na nossa visão, os truques de lenços e coelhos nas cartolas dos mágicos mambembes afiguram-se mais convincentes, mais reais. Felizmente, não estamos sozinhos nesse mirante:
 
 Maria Betânia Silva� ressalta que o texto contitucional não está imune aos truques interpretativos das palavras. Pondera sobre a impotância da análise conjuntural do contexto na produção do texto:
 
“A Constituição de 1988 é antes de qualquer coisa um texto, e como tal sujeita a interpretações. A promulgação foi num momento mágico, hipnótico, que fez renascer o país. O momento foi bom, mas é passado, cabendo agora desvendar os truques e segredos das palavras desse texto – todo texto revela e esconde significados – a fim de possibilitar as ações sob seus influxos”.
Betânia Silva, em “Direito: a arte das excelências”, descontrói ilusionismos ao revelar os truques da neutralidade jurídica:
“A rigor, o conhecimento jurídico não é neutro, como são as fórmulas químicas que permitiram a fabricação de um sabão antialérgico, por exemplo. No âmbito jurídico, a necessidade de gerar confiança/segurança quanto aos postulados e quanto aos efeitos da ordem jurídica torna-se inconciliável com a falta de neutralidade do conhecimento que a toma por objeto de estudo e de práticas. Aprofundar esse problema talvez implique a quebra de um encanto e, por conseguinte, a tomada de consciência”.�
 Na incursão epistemológica do conteúdo simbólico das palavras, Betânia procura desvendar os truques de mágica da apregoada neutralidade jurídica. Nessa perspectiva, a autora constata uma contradição ontológica do direito: a necessidade/finalidade do direito gerar segurança o torna inconciliável com a noção de neutralidade. Sobre as alterações ou atualizações do texto constitucional, Maria Betânia Silva ressalta a emancipação dos criadores originais. Diz que os significados do texto são definidos e refletem os interesses dos homens que o escrevem no contexto da produção. São criaturas mutáveis, que cumulam significados em cada contexto para atender às demandas humanas respectivas. Na analogia de Maria Betânia Silva, a arte do direito desenvolve-se entre duas excelências: a excelência da autoridade que fala e a excelência da palavra pronunciada:
“Na perspectiva lingüística, o texto constitucional não apresenta propriamente um problema. O texto é o que é e, como tal, o que dele se faz. Como qualquer outro, sujeitou-se ao hiato entre o que se pensou e o que se escreveu, depois disso, passou a submeter-se à interpretação como ato de resgate do que se quis dizer ou de criação quanto ao que se quer que ele seja. Afinal, as palavras são signos que foram forjados pelo homem com um sentido e, posteriormente, são libertadas dos seus criadores por outros homens, que rompem as convenções de nascimento da palavra, retirando-lhes o sentido original para lhes atribuir um outro e assim por diante. Nesse processo de uso contínuo, a palavra vai se deixando acumular de significados e os homens se refestelando com a capacidade que têm de usufruírem de todos eles. Não há, portanto, uma palavra escrita ou falada cujo significado ou importância independa do homem que a utiliza.
No que concerne ao texto da Constituição, por exemplo, os onze ministros do STF, no processo de resgate ou de criação de sentido desse texto, estão sempre a reescrevê-lo, reverenciando-o como quem se põe diante de uma Excelência E, nesse ambiente, o Direito, enfim, surge como uma arte entre duas Excelências: aquela que fala, a autoridade e aquela que está à espera de ser pronunciada, a palavra” (grifei).
No sistema jurídico brasileiro, o controle concentrado da constitucionalidade das leis é competência do STF. Dessa atribuição, resulta que o “pretório excelso” é o “guardião da Constituição”. 
Nessa atividade constitucional, os ministros do supremo interpretam o texto constitucional e decidem o que é ou não constitucional. Onze ministros nomeados exercem a função de cavaleiros templários responsáveis pela guarda da sagrada escritura. Todavia, os guardiães e exegetas alteram a três por quatro significados da “sagrada escritura”, da lex legum tão venerada quão remexida. 
Na liturgia dos antigos oráculos, os rituais reafirmavam o prestígio reverencial da deidade e, ao mesmo tempo, sua autoridade, legitimavam as respostas dadas pelos oráculos às consultas dos mortais. Os oráculos respondiam as questões que aflingiam os humanos, que os procuravam em busca de segurança, certeza. Para serem levados a sério, como de fato eles eram, os oráculos mantinham a áura de sobrenatural suprahumano, acima do bem e do mal. 
Na construção ideológica da igualdade jurídica do pensamento liberal burguês, as pessoas nascem e são iguais perante a lei. Isso equivale a dizer que, em termos abstratos – a ideia de lei –, a norma jurídica é válida igualmente para todos, sem exceção. Independente das diferenças de condição, econômica, cultural e outras. Na pérola da isonomia liberal, a lei proibe igualmente acampar na calçada da rua pública, e essa regra proibitiva é válida para o milionário e para o miserável; a lei garante a propriedade privada, e essa garantia é válida para proprietários e não proprietários. 
Direito e leis nos paradigmas de totalidade�
Dentre os paradigmas teóricos de totalidade, destacamos a explicação de Aristóteles do direito com natureza ética; a de Hegel como ideia suprema e a de Marx como expressão de classe. 
Aristóteles (Século III A.C.) 
Na Ética à Nicômaco, escrita por Aristóteles há mais de dois mil e quinhentos anos, a justiça é vista como o principal fundamento da ordem no mundo, indispensável à vida da polis. Assim, para Aristóteles, o homem é um animal político, e onde está a sociedade, está o direito. Ou seja, da vida em comunidade. A justiça, considerada como a principal virtude que subordina todos os outros valores morais, consiste, basicamente, na obediência às leis da polis e na boa relação dos cidadãos. Uma justiça que se realiza na prática constante das relações dos cidadãos entre si. Ética e Justiça não são adquiridas em livros ou no pensamento, e sim, na vida da polis.� O sentido de justiça do estagirita é dualista: justiça pelo respeito à lei e justiça pelo respeito à igualdade. Nesse sentido, Aristóteles desenvolve uma teoria de justiça equitativa pela qual a noção de equidade representa a correção das leis universais na justiça do caso particular. Na equidade, é dado, a cada um, o que lhe é justo; isso segundo a natureza, a capacidade, a dignidade, o ofício e a posição social da pessoa. A justiça como virtude é a geral; a justiça particular é o direito: 
"Da justiça política, uma parte é natural, a outra é legal. A natural tem em qualquer lugar a mesma eficácia, e não depende das nossas opiniões;a legal é, em sua origem, indiferente que se faça assim ou de outro modo; mas, uma vez estabelecida, deixa de ser indiferente [...] As coisas que são justas em virtude da convenção e da conveniência assemelham-se a medidas, pois que as medidas para o vinho e para o trigo não são iguais em toda parte, porém maiores no mercado por atacado e menores nos retalhistas. Da mesma forma, as coisas que são justas não por natureza, mas por decisão humana, não são as mesmas em toda parte”. �
Entende-se que, nessa passagem, Aristóteles, da ciência jurídica, estabelece a clássica separação entre o direito natural e o positivo, entre a lei suprema de moralidade - a que está na essência da natureza humana: a lei natural e moral de essência imutável - e a lei positiva e variável, convencional, lei positivada pelos legisladores em situações particulares.
Georg Wihelm Fiedrich Hegel (séculos XVIII e XIX)
Hegel dedica ao direito especial atenção. O fenômeno aparece em diversas obras desse pensador, considerado idealista e, por alguns, idealista-racionalista. Na máxima do idealismo racionalista, “o real é o racional, o racional é o real”. O real só é real depois de o sujeito identificá-lo como tal. Nessa perspectiva, pela filosofia hegeliana, o sujeito racional é construtor da realidade na idealidade racional das coisas. Nada existe fora do pensamento. Para o idealista, só conhecemos o que se converte em pensamento, o ser pensado. 
Hegel identifica três categorias de espíritos: 1. Espírito subjetivo que compreende a alma, a consciência, a razão; 2. Espírito objetivo consistente no direito, na moral e nos costumes; 3. Espírito absoluto na manifestação plena do pensamento e da consciência de si e para si, na arte, religião e filosofia. 
Dentro do “espírito objetivo”, é a liberdade no máximo grau de generalização e abstração. O direito emerge do processo dialético no qual o espírito que determina a liberdade a faz de modo mais abstrato e geral porquanto o direito tem por objeto o comportamento de pluralidades de sujeitos na projeção da liberdade em sua exterioridade. Cabe ao direito fixar limites entre o justo e o injusto, o lícito e o ilícito e, nisso, há uma grande margem de liberdade e uma grande amplitude conceitual.
Na visão de Hegel, não há justiça separada da realidade na qual a ideia de justiça se revela: não é uma criação arbitrária do homem para ser aplicada como esquema compulsório, pois o Estado e o direito são apresentados nas mais claras intangibilidades e mais radicais expressões da racionalidade na realidade. No estágio evolutivo da civilização humana, o Estado é o império da razão capaz de compatibilizar ordem com liberdade, portanto, manifestação de liberdade e de moralidade. 
O direito representa o vetor entre a ordem e a liberdade através do qual o Estado - fundamento ético e funcional que protege as liberdades individuais e maior concretude da modernidade - é a síntese suprema da materialização da ideia. 
Na Crítica, a filosofia do direito teoriza sobre o conceito de livre-arbítrio e afirma só pode ser pensado racionalmente no âmbito de relações estatais: a propriedade privada, os contratos, a família, a ordem. 
Hegel discute o direito em três tipologias sucessivas: a primeira é a do direito abstrato, em que discute a ideia de não-interferência como princípio de respeito aos outros. Não sendo sufiente, avança à segunda tipologia, na qual os homens repensam a própria subjetividade em relação aos outros com o desiderato de respeitar o outro. Somente na terceira etapa desse movimento, alcança-se uma ética social numa integração de sentimentos individuais subjetivos com as noções universais e gerais do direito. �
Karl Marx e Friedrich Engels (século XIX)
Marx e Engels criaram o método de investigação da sociedade denominado materialismo histórico através do qual legaram vasta obra de análise crítica da sociedade em uma perpectiva da totalidade. 
Pelo método marxista, as classes sociais são as forças propulsoras da história humana. Em todas as épocas históricas, existem modos de produção e as classes sociais respectivas. Em cada formação econômica, há classes que são dominantes e outras que são dominadas, classes exploradoras e classes exploradas. Há, na história humana, uma tensão social constante decorrente dessa contradição dialética das classes antagônicas e irreconciliáveis: o senhor e o escravo, na antiguidade escravista; o nobre e o servo, no feudalismo; o burguês e o proletário assalariado, no modo de produção capitalista. A classe que domina os meios materiais de produção (Marx chama de infraestrutura econômica) dirigem os aparelhos repressivos (Estado) e ideológico (moral, direito, religião e filosofia). Assim, a luta das classes antagônicas é o vetor e o campo próprio da história humana. A transformação revolucionária de uma sociedade ocorre quando a classe oprimida e explorada torna-se classe para si e põe fim à dominação. Nas condições do capitalismo, a classe dominante é a burguesia (foi classe revolucionária no passado, quando vivia sob a dominação feudal da nobreza) e a classe dominada é a dos assalariados proletários. Os proletários de todos os países devem unir-se no Partido Comunista, o partido revolucionário, e derrubar o poder da burguesia. Na primeira fase da revolução proletária “socialista”, os meios de produção passam das mãos dos capitalistas burgueses privados para o Estado socialista de todo o povo proletário, dirigido pelo Partido da classe operária. Porém, a meta a ser alcançada, a sociedade comunista, debe abolir toda diferença social e toda forma de Estado. O comunismo representa o fim das classes e dos antagonismos classistas, daí a desnecessidade do Estado. � A análise crítica da economia política do capitalismo, a produção, a exploração da mais-valia, a alienação, a reificação, a anarquia da produção, o lucro, a conversão do lucro em renda e assim por diante, Marx e Engels desenvolvem na vasta obra O Capital.� 
Na tese doutoral Crítica da filosofia do direito, Marx combate as concepções de direito predominantes na Alemanha, em especial, as teses idealistas da filosofia de Georg Hegel. Nessa obra, considerada de passagem do jovem ao maduro pensador na tradição marxista, Marx esboça a sua teoria da práxis. Trata-se de teoria crítica que não se completa com a crítica teórica da religião, da filosofia ou do direito, mas com a ação no campo prático da política. 
No tocante à filosofia do direito, segundo Marx, as relações jurídicas da sociedade estão interligadas às condições materiais da produção, à ideologia e à alienação de maneira que o Estado real está longe do reino da liberdade. Ao contrário, cria a burocracia e segrega-se da sociedade civil.�
O direito, enquanto vontade da classe dominante, erigido em lei, tem o conteúdo ideológico definido nas condições materiais de produção e no processo da luta das classes antagônicas e expressa o estágio da correlação de forças das classes em luta. 
Nessa perspectiva crítica, o direito é analisado em totalidade: investigam-se as forças motoras do movimento da história, o processo de produção material econômico e intelectual, os nexos entre a infraestrutura material e a superestrutura política e ideológica, o ser e o não ser, a criação, a alteração e a extinção dos direitos e das leis emanadas do Estado. Esta configuração (Estado) nunca foi neutra, existe para garantir e assegurar a dominação das classes. As leis e o direito, na concepção de Marx, expressam a ideologia, o momento da superestrutura e direção das classes dominantes qual política, religião, etc. 
Marx nunca desconsiderou, em sua análise, o caráter formal do direito: a imperatividade e a coercitividade, o papel de regra obrigatória da conduta das pessoas na sociedade. O direito se expressa através de leis jurídicas emanadas do Estado com todos os seus instrumentos de educação e poder de coerção. O direito, assim como a política, surge com as classes e o Estado. Direito é a vontade da classe dominante transformadaem lei e defende interesses econômicos e políticos de quem a faz. 
Nesse sentido, a história das classes antagônicas conhece o direito escravista, o direito senhorial e o direito capitalista, servindo todos eles às respectivas classes dominantes.
Mas devemos distinguir as ideias e concepções jurídicas e as filosofias do direito das relações jurídicas existentes na sociedade. As concepções e filosofias refletem as contradições existentes na sociedade, os antagonismos.
 A filosofia representa a atitude das pessoas, as suas ideias a respeito do legal e do ilegal, do lícito e do ilícito.
Mas, para impor a dominação da classe dirigente, o Estado utiliza-se não só do aparelho repressivo, da polícia, do exército, mas também das ideias jurídicas. Procura esconder, ocultar o caráter de classe do direito. Apresenta o direito como de todos, instrumento da justiça, do bem comum, da paz, do progresso social, etc.
Nas sociedades regidas pelo direito liberal da burguesia, esta procura demonstrar que não pode existir direito mais justo, mais imparcial, mais impessoal e mais democrático. Para tanto, arma uma gigantesca estrutura judiciária qual a cobertura de um grande circo. Mas o espetáculo real não é aberto ao público, é encoberto: o direito burguês, essencialmente, serve aos interesses dos capitalistas, defende a propriedade privada capitalista, regula as relações de trabalho de exploração capitalista e persegue as forças sociais contrárias à dominação capitalista. 
 Des/considerações finais
Desvendar os significados dos oráculos e os truques mágicos das palavras que transformam desiguais em iguais, a ordem injusta em ordem justa representa uma atitude comprometida e ética tal qual a do filósofo da caverna de Platão. Curiosamente, o mais idealista dos filósofos, Platão, concebeu um filósofo transformador, ativo e ousado: o homem que sai das sombras da caverna e encontra a luz não se intimida com as retaliações dos habitantes das sombras. 
 	As perspectivas gnoseológicas de buscas dos significados e dos valores embutidos nos textos jurídicos através de conhecimentos da linguagem afastam as cortinas de fumaça que ocultam os truques da dominação persuasiva, a inversão da câmara escura ideológica, a dominação retórica possível com a mágica das palavras. 
Contudo, a episteme linguística, se bem possibilita o conhecimento da polissemia e a crítica da trama textual, não tem como chegar à raiz do processo histórico, ao custo social da produção do espetáculo.
Para se desnudar a produção do espetáculo do direito, é preciso alcançar os mecanismos da exploração econômica, da dominação política, estudar o contexto histórico da trama produzida na arte textual do direito tranformado em lei ou interpretado como tal. 
Nessa perspectiva, concluimos que a teoria crítica do direito, baseada em uma gnoseologia de totalidade e em uma metodologia dialética de interpretação da história, é a que melhor permite uma aproximação do conhecimento do direito e da lei. Nesse sentido, sobre uma explicação “pós-moderna” do direito, estamos falando da crítica do liberalismo jurídico burguês e do modo de produção capitalista formulada por Marx e Engels já no século XIX.
No século XX, dentre as várias contribuições à tradição de totalidade marxista, destacamos a obra do italiano Antonio Gramsci. Esse marxista e fundador do PCI desenvolveu a noção de hegemonia e, nesta, a norma jurídica reflete e expressa a hegemonia cultural ou ideológica “superestrutural” de determinado bloco histórico. O direito e as leis refletem, assim, a cultura hegemônica e as contradições da sociedade, em dado momento.�
Numa análise de totalidade, porém de tradição anarquista, Guy Debord� critica a sociedade do espetáculo, caracterizada na sociedade consumista capitalista moderna. Debord relaciona a alienação humana e a produção do espetaculo à organização social capitalista, na qual: 
“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação” [...] 
“O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada”.
 	O debate, aparentemente nas estepes, sobre a constitucionalização do direito privado, promovido por águias do direito, todavia circunscrito aos parâmetros e limites da ciência jurídica - da técnica jurídica aplicável, dos príncípios de hermenêutica - traz toda a retórica oficial ao campo dos voos das aves de rapina.
 
O direito não tem história, isto é, não é um ator social com vida própria autônoma, não existe, nem jamais existirá sozinho, desvinculado de uma determinada sociedade, de um tempo. Será sempre o direito de uma sociedade em certo grau de desenvolvimento histórico. O vulgo explica mais facilmente: se o tatu está no telhado da casa, alguém o colocou lá. 
Portanto, uma análise do direito deve, necessariamente, incorporar conhecimentos e saberes outros além da técnica jurídica para melhor compreender certos processos como o da constitucionalização do direito privado no Brasil dos dias atuais. É necessário revolver as condições materias e intelectuais dessa produção, as bases econômicas, sociais, políticas e culturais das interseções jurídicas do direito público e do privado no ser social para se poder dimensionar com alguma validade ditas repercussões. 
	Dizer que o fenômeno da constitucionalização do direito privado é um fato consumado no Brasil, em face da prevalência hierárquica e principiológoca da Constituição de 1988 no sistema jurídico e da perda de referenciais normativos do Código Civil pela proliferação dos microssistemas, é dizer muita coisa. Ao mesmo tempo, é não dizer absolutamente nada. Na magia das palavras, releva desvendar o dito e o não dito para se compreender exatamente o que é dito e o que é oculto nos templos e palcos da retórica do direito. Cada vez mais convencidos da importância e, sobretudo, da contemporaneidade da teoria da praxis: “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo”.� 
 
 
 
� Dr. Prof. Titular Direito Civil da Universidade Católica de Pernambuco -UNICAP
� Cf. ROCHA, Renato Amaral Braga. Teoria Geral do direito civil. Brasília/DF: Wpós, 2010, p.7. 
� Distribuição aceita, didaticamente, pela quase totalidade dos autores. Para alguns, em posição especial, a discrepar dessa classificação o direito do trabalho e o aeronáutico, Cf. PEREIRA, Caio Mario. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 7. 
� Ob.cit. p.15.
� Id.Ib.
� Mazzilli, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. São Paulo: Saraiva, 1996, p.3
� Id.ib.
� Cabo temido pelos navegadores e rodeado de histórias fantasiosas e fantásticas em virtude do elevado número de naufrágios ocorrido no local no auge do expansionismo marítimo, século XVI.
� PEREIRA, Ob.cit. p.23.
� Id.Ib.
� PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.11.
� LOBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do direito civil. Belo Horizonte:Del Rey, 2004, p. 216.
� TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e relação de direito civil in Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro, 2006.
� LEITE, Glauber Salomão. O novo direito civil, oriunda da constitucionalização do direito privado in Constituição e efetividade constitucional. Salvador/BA: Editora JusPodivm,2008,p.92-96.
� Considerando que o relator do novo CC foi o deputado Ricardo Fiúza, político pernambucano ligado à tradição conservadora e de direita: ARENA e PFL. RicardoFiúza agradece a inestimável colaboração do professor Miguel Reale para fazer um Código à altura do Brasil. O professor Miguel Reale, jurista e filósofo, tem origem política no integralismo, o fascismo à brasileira criado por Plínio Salgado nos anos trinta. 
� Notícias do STJ, disponível em �HYPERLINK "mailto:Push.Noticias@stj.gov.br"�Push.Noticias@stj.gov.br�, acessado em 08/09/2011.
� O processo nº 241 está na pauta para ser julgado esse mês pelo STF, porém a decisão deverá ser inócua tendo em vista que foi promovida em 1959, ou seja, espera 52 anos. Cf. Jornal do Commércio Recife, 11 de setembro de 2011, caderno Brasil, p. 18. 
� Alusão direta a metáfora usada por Maria Betânia Silva com quem aqui dialogamos e cuja intervenção instigou a produção do presente artigo. 
� Em colóquio para estudantes de direito sobre a constitucionalização do direito civil, realizado no dia 30/08/2011, na Universidade Católica de Pernambuco. Organizamos aula conjunta de direito civil e constitucional com o professor Glauco Salomão e a professora Maria Betânia Silva, nossa convidada. 
� SILVA, Maria Betânia in Direito: a arte das excelências. Texto disponibilizado com autorização da autora. Cf. direitounicap2011.85@hotmail.com
� Utilizamos a expressão paradigmas de totalidade para designar explicações ou interpretações do direito em perspectivas relacionais com a sociedade, a polis, ou o Estado. Nesse sentido, fizemos um recorte epistemológico da filosofia do direito entre as concepções idealistas e as materialistas. Não acolhemos o recorte temporal de viés evolucionista que estabelece paradigmas da filosofia ou do direito pelas épocas em cronologia: Direito Antigo; Direito Moderno e Direito Contemporâneo. Se aceitasse tal explicação, as concepções de direito do presente estudo estariam incompletas. No recorte apresentado chega-se a Marx e Engels, portanto, século XIX. E faltariam explicações contemporâneas do direito, século XX e XXI. A exemplo do sistema autopoiético de Luhmann. Sucede que a construção desse filósofo alemão da nossa “contemporaneidade” entende que o direito em sua autorreferência binária de direito e do não-direito muda a sociedade e torna o sistema jurídico dinâmico, mais compatível com a complexidade social dos dias atuais. Trata-se o sistema da autopoiética de perspectiva idealista da história e do direito numa visão marxista. Para melhor conhecer o pensamento de Niklas Lhumann, ademais das obras do próprio, ver, dentre estudios, Marcelo Neves, Luhmann, Habermas e o estado de direito, Lua Nova, 1996 e André Trindade, Para entender Luhmann e o direito como autopoiético. Livraria do Advogado, 2008. Se não fomos claros expliquemos: a nosso ver, a concepção contemporânea de direito permanece sendo a oriunda da tradição materialista da história desenvolvida por Marx e Engels no século XIX que contesta o idealismo filosófico em todas as suas formas, antigas, modernas e “contemporâneas”.
� Pensamento oposto ao de Platão para quem o conhecimento da bondade e da justiça tornava o homem bom e justo.
� ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Velandro e Gerd Bornheim in Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1979, V2, LV.,p 131.
� Hegel, Geog Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito; Princípios da filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1990. 
� Marx, Karl e Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Moscou: Edições Progresso, 1975.
� _______________________.O Capital. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1978, Vol. 1,2,3,4,5,6. 
� Marx, Karl. Crítica da filosofia do direito. São Paulo: Editora Boitempo, 2005.
� Gramsci. Antonio. Cartas do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, Vols. 1 e 2, 2005. 
� Debord, Guy. Sociedade de espetáculo. São Paulo: Contraponto, 1997, teses 1 e 3 respectivamente.
� 11ª tese de Karl Marx sobre Feuerbach escrita em 1845 e publicada por Engels. Cf. Marx, Karl. Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1990.

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