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NOTAS SOBRE O DOMICÍLIO DAS PESSOAS

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NOTAS SOBRE O DOMICÍLIO DAS PESSOAS
Dr. Natanael Sarmento Prof. Titular da UNICAP
 
Toda pessoa é capaz de direito e essa capacidade de direito extensiva a todos terá necessariamente de ser exercitável em determinado lugar no qual a pessoa responda pelos direitos e deveres. Seja a pessoa natural, ou as jurídicas, públicas ou privadas, todas elas terão ou receberão por força de lei uma sede jurídica, isto é, um local para suas relações jurídicas, e tal lócus o direito denomina de domicílio. No meu entender, a matéria domicílio diz respeito ao direito processual ou judicial e não ao direito civil em si, em que pesem a tradição codificadora no âmbito civil - presente no Código Civil de 1916 e mantido no vigente de 2002- e os doutos magistérios em contrários. 
 			
Na dicção do Código Civil tem-se uma definição, ainda que imprecisa no conteúdo e tecnicamente falha na forma: 
“O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” - Art.70.
Nessa definição a doutrina aponta a presença do elemento objetivo - consistente do lugar onde a pessoa natural estabelece a sua residência- do subjetivo, o ânimo definitivo.
 O primeiro equívoco conceitual consiste em equiparar domicílio com residência. Ora, domicílio é um conceito jurídico, uma criação da ordem legal para efetivar as relações jurídicas, de modo o mais amplo possível, não se restringindo meramente à residência da pessoa, podendo ser também o local habitual do labor ou mesmo qualquer local no caso de pessoas sem residência fixa nem trabalho habitual.
A residência da pessoa é onde a pessoa mora, habita, portanto, entre a pessoa e a sua moradia existe uma relação de fato, será, entretanto, esta moradia também o domicílio da pessoa quanto às relações jurídicas.
Salta aos olhos a imprecisão do conceito legal que diz menos que a dimensão do objeto que pretende conceituar. Obra mal o legislador quando usa o vocábulo definitivo em relação ao ânimo da pessoa. Segue que definitivo em vernáculo quer dizer para sempre, e jamais serve de sinônimo de não passageiro, temporário, efêmero. Ademais, na vida das pessoas, o único estado definitivo que se tem conhecimento é o da morte. 
A residência da pessoa natural, quando a pessoa natural a possui, é também o seu domicilio, entre outros. O Brasil adota o sistema pluralista de domicílio. No caso da pessoa natural viver alternadamente em mais de uma residência, todas elas serão domicílios conforme o art. 71: “Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas”.
 
 Trata-se da sede jurídica das pessoas, naturais ou jurídicas, a fim de que possam exercitar as relações decorrentes dos direitos e deveres. A noção de domicílio extrapola o âmbito do direito civil e alcança todos os campos do direito. Tem função instrumental na esfera judicial, e assim aplicável no direito fiscal e tributário, no direito eleitoral, no direito privado internacional, no direito penal, etc. 
Na regra do Código Civil domicílio é também o local onde a pessoa natural exerce a sua profissão. Ou locais, se as exerce em mais de um local o exercício profissional: Art. 72: “ É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida. Parágrafo único. Se a pessoa exercitar a profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe correspondem”.
Classificação das espécies de domicílio
 A doutrina civilista majoritária identifica quatro espécies de domicílios, a saber: 1.voluntário; 2 necessário; 3. legal; 4. eleição ou contratual. Na minha opinião existem apenas duas espécies de domicílio, voluntário e o necessário.
 Na nossa concepção, estão incluídos na categoria de domicílios voluntário todos os tipos e espécies de domicílio previstos no Código Civil os quais a pessoa possa escolhê-lo pela própria vontade. Desta forma cabe nessa categoria a residência da pessoa capaz, o domicílio das pessoas jurídicas de direito privado, e também o chamado foro de eleição acordado pelos contratantes para fazer face às obrigações pactuadas – e que a douta doutrina considera outra espécie denominada domicílio de eleição. 
 Considero domicílio necessário todos os tipos ou espécies as quais as pessoas naturais obstadas por determinadas situações jurídicas não gozam da liberdade de escolha para determinar o local do domicílio, e assim, o domicílio desta pessoa será determinado pela lei.
 Em tal linha de raciocínio cabem os domicílios das pessoas jurídicas de direito público – considerado pela doutrina como espécie = domicílio legal , o domicílio dos incapazes, do servidor público, do militar da ativa, do marítimo e do preso.
Toda espécie de domicílio previsto no Código Civil , Lei n° 10.406/2002, por razões óbvias, é legal, portanto não cabe falar-se em domicílio legal como espécie autônoma se todos o são. Nos contratos, os contratantes decidem livremente o local para cumprimento das obrigações, portanto, trata-se de domicílio é voluntário, não se justificando, logicamente, como espécie autônoma de domicílio de eleição, ou será que eleger não é ato voluntário?
Ressalto o caráter arbitrário desse ato de classificação com o domicílio do agente diplomático nos termos da lei civil. É uma espécie de domicílio ao mesmo tempo voluntário quando a lei civil faculta ao diplomata alegar extraterritorialidade e indicar o local da sua citação no Brasil, mas, igualmente é necessário, quando diz que na omissão dessa indicação, o diplomata será citado no Distrito Federal ou no último local onde esteve no país.
 
Sistemas de domicílio: unicidade e pluralidade 
 O sistema domiciliar adotado no Brasil é o da pluralidade, a(s) residência(s) da pessoa natural, os locais de trabalho ou os diversos estabelecimentos das pessoas jurídicas de direito privado. 
 O sistema plural é adotado em Portugal e na Alemanha, enquanto o da unicidade domiciliar é o da França, da Inglaterra e dos EUA. 
 
 Certas pessoas vivem e trabalham em condições tais que não fixam moradia ou centro de ocupação laboral certo, viajam e se deslocam constantemente. São exemplo as trupes circenses, os mascates, caminhoneiros, e tantos outros. A definição do domicílio dessas pessoas as quais objetivamente faltam um local para ser o centro das suas relações é presumida pela lei civil no art. 73: "Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual o lugar onde for encontrada".
	A Mudança e a prova do domicílio
 Na questão da mudança e da prova do domicílio, a meu ver, o legislador obrou mal no artigo de regência da matéria, o 74 e seu parágrafo único: 
"Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com intenção manifesta de o mudar”. Afigura-se tautológica a regra que diz “muda-se o domicílio transferindo a residência”, algo como dizer com outras palavras muda-se com a mudança. 
A prova da mudança (parágrafo único) resulta da declaração da pessoa às autoridades das municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem".
Donde se conclui que em todas as municipalidades do Brasil existe um órgão da administração responsável por receber essas comunicações de saídas e chegadas das pessoas que se mudam. E isto é uma estupidez desmedida do legislador que copiou, sem critério algum, o dispositivo do Código de 1916 literalmente. Dispositivo, aliás, que desde o antigo código civil jamais teve aplicação. 
 A mui reputada civilista Maria Helena Diniz, em comentário que leva a marca do seu brilho, aduz: “ Como, em regra, a pessoa natural que se mudanão faz tal declaração, seu animo de fixar domicílio em outro local resultará da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem” (DINIZ: 2003: 85). 
 Devemos crer que uma família constituída pelos pais, filhos e possuidora de bens móveis, cachorro, papagaio, etc. prova a mudança do domicílio pelas “ circunstâncias que o acompanham”, ou seja o fato de estarem os pais, filhos, móveis, cachorro e papagaio na nova residência, que é o seu domicílio, e não a antiga. Genial. 
A comprovação do domicílio poderá ser feita, na verdade, por qualquer meio lícito. Por documentos públicos ou mesmo particulares quais contratos de locação, escritura de registro de imóvel, declaração do imposto de renda, contas de água, contas de luz, contas de telefone, contracheque, correspondências. O tal elemento subjetivo a que o legislador atribui tanta importância, o animus de mudar ou de fixar residência, comprova-se com a a mudança em si ou o estabelecimento no local, sem mais. 
 Domicílio das pessoas jurídicas
 O domicílio das pessoas jurídicas é a local onde elas respondem pelos atos praticados em seu nome. Obviamente, as pessoas jurídicas não possuem residência, logo, seu domicílio será o lugar no qual ela centraliza sua atuação e gestão, a sede do governo e da administração.
 
As pessoas jurídicas são de direito público e de direito privado. As pessoas jurídicas de direito público têm domicílio nas sedes dos governos. Já as pessoas jurídicas de direito privado têm o domicílio no local de funcionamento da administração ou da diretoria, ou onde elegem o domicílio especial nos estatutos e atos constitutivos. 
 Na dicção do art. 75:
 " Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I – da União, o Distrito Federal;
II – dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III – do município, o lugar onde funcione a administração municipal; 
IV – das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial nos seus estatutos ou atos constitutivos.
A doutrina denomina de domicílio legal o domicílio que é determinado pela própria lei em razão da condição de certas pessoas. É o caso do artigo 75 que define o domicílio das pessoas jurídicas de direito público. Porém, a meu ver, respeitosamente não acompanho esse entendimento majoritário da doutrina. Entendo que todo domicílio é legal, e apenas para fins legais existe tal instituto, de modo a não caber uma espécie autônoma. Considero que o domicílio das pessoas jurídicas de direito público fica bem albergado na espécie domicílio necessário. 
Diz ainda o artigo 75: “ § 1º Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados. § 2º Se a administração ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento sito no Brasil, a que ela corresponder”.
Vale lembrar que o domicílio da União é o Distrito Federal, porém, a União Federal pode demandar e ser demandada no domicílio do autor no local da ocorrência do fato - art. 109 da Constituição Federal:
 “Aos juizes federais compete processar e julgar: I, "
 § 1º - As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.
 § 2º - As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal"
As pessoas jurídicas de direito privado, que representam interesses predominantemente particulares, seus responsáveis têm certa liberdade para definir o domicílio no ato de constituição, domicílio especial, ou da sede da determinação, do local da atuação da respectiva diretoria.
Inúmeras pessoas jurídicas de direito privado possuem mais de um estabelecimento, fixados,não raramente, em cidades ou localidades diferentes, Ceará, Pernambuco, Rio, etc. Assim, cada uma dessas localidades se considera domicílio da pessoa jurídica relativamente aos atos praticados nas respectivas localidades. 
Tratando-se de pessoas jurídicas com sede no estrangeiro, mas com filiais ou representações no Brasil, no que diz respeito às obrigações contraídas no território brasileiro o domicílio é o do lugar do estabelecimento no Brasil. Assim, o Bank of Boston com agência filial em Recife, responde juridicamente, no local do domicílio em Recife, relativamente aos atos de responsabilidade desta respectiva agência filial.
	 Sobre o domicílio é necessário, quando a pessoa, em face de certas situações pessoais, não tem a possibilidade jurídica de escolher, voluntariamente, o seu domicílio, e tem o domicílio definido pela própria lei, o art. 76 do Código Civil apresenta-se auto-explicativo:
 “Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso. 
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença”.
Domicílio do agente diplomático	
O Código civil, em nosso entendimento, indevidamente, trata de matéria processual, quando regula a questão do domicílio face ao ato de citação de agente diplomático a serviço do Brasil no estrangeiro, assunto, claramente atreito ao direito judicial ao direito internacional público. 
A jurisdição civil do diplomata a serviço do Brasil no estrangeiro tem o escopo de ajustar a regência do domicílio civil do agente diplomático às imunidades legais inerentes ao cargo e as elevadas funções desenvolvidas por altos funcionários do governo brasileiro que atuam, nesta condição, no exterior. O art. 77 do Código Civil: 
“ O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve” .
Verifica-se uma curiosa combinação de espécies de domicílio no presente artigo. Pode-se considerar “voluntário” quando o agente tem a prerrogativa da decisão de definir o domicílio e indicar o local no Brasil onde tem domicílio e deve ser citado, no caso de alegar extraterritorialidade; Pode-se considerar “necessário” ou mesmo “legal” para aceita tal categoria quando a lei determina que a demanda pode ser no Distrito Federal ou no último ponto onde esteve do território brasileiro. 	
 
 Domicílio contratual ou de “eleição”
O derradeiro artigo do Código Civil sobre a matéria domicílio trata dos domicílios definidos em contratos e avenças particulares. A doutrina denomina “domicílio de eleição” e também de “ domicílio contratual”. Neles as partes contratantes manifestam-se expressamente por escrito, elegendo o local de cumprimento das obrigações estabelecidas nos contratos, artigo 78: 
“Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”.
 Mais uma vez nos vemos em dissonância com o douto magistério dos que empregam a denominação domicílio de eleição ou domicílio eleitoral como espécie autônoma. A nosso ver, trata-se de domicílio voluntário. A livre vontade dos contratantes para estabelecer as cláusulas do contrato, inclusive do contrato, como requisito de validade da avença, dispensa maiores explicações. Sem a vontade livre e lícita de contratantes não há contrato juridicamente válido. Ora, a vontade do titular e a possibilidade jurídica desse titular definir odomicílio são os elementos essenciais do conceito de domicílio voluntário. Se o contrato é voluntário, porque a cláusula domiciliar do contrato não se enquadra nessa categoria? Portanto, apesar do profundo respeito intelectual pelos meus mestres do direito civil com eles não posso marchar nessa caravana do domicílio de eleição.

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