Buscar

Caso Gestão O Motim da Kanchedata

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Disponível em 
http://www.anpad.org.br/tac 
 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, 
pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 
 
 
 
 
 
Casos de Ensino / Gestão: 
 
 
 
O Motim da Kanchedata
 
 
 
The Kanchedata Mutiny 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mauro Oddo Nogueira 
E-mail: mauro.oddo@ipea.gov.br 
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA 
Av. Presidente Antônio Carlos, 51, 10º andar, 20020-010, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Casos de Ensino / Gestão: O Motim da Kanchedata 63 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
Era uma vez...
(1)
 
 
 
Lima (02h40min). A essa hora da madrugada de uma quinta-feira, a despeito do bairro de 
Miraflores concorrer em sua vocação boêmia com o Barranco, e mesmo estando-se em pleno verão de 
2009, suas ruas estão praticamente desertas. Miraflores é o bairro comercial nobre da capital peruana. 
Sua artéria central, a Av. Jose Larco, caminha em direção ao sul, em direção ao mar, para desaguar em 
uma praça sob a qual se esconde o Larco Mar Shopping Center. Esse shopping é uma moderna e bela 
construção incrustada nas falésias da capital peruana, debruçado sobre uma deslumbrante vista do 
oceano Pacífico. Nessa avenida, situam-se os mais modernos prédios da cidade, que abrigam os 
escritórios das principais empresas do país. Quem porventura passe pela avenida Av. Jose Larco nessa 
hora, certamente, está ou apressado demais ou alegre demais para observar que, no penúltimo andar 
de um dos prédios da esquina com a Calle Alfredo Benevides, as luzes ainda estão acesas. 
Nesse prédio de oito andares, funciona a Kanchedata
(2)
. As luzes acesas devem-se ao fato de 
uma reunião da diretoria da empresa, iniciada por volta das 14 horas, estar estendendo-se até esse 
horário. Mesmo sendo uma empresa na qual a área de produção funciona ininterruptamente, não é um 
fato corriqueiro em sua cultura que reuniões de diretoria atravessem as madrugadas. De modo geral, 
veem-se luzes acesas ao longo de toda a noite apenas no primeiro e segundo andares, onde se 
localizam o CPD, as áreas de impressão e de preparo de documentos. Eventualmente, também, podem 
ser vistas luzes nos três andares acima desses, onde estão instaladas as equipes de desenvolvimento e 
manutenção de sistemas: é razoavelmente comum que essas equipes virem noites trabalhando a fim de 
conseguirem entregar algum produto ou modificação dentro do prazo acordado com o cliente. Porém, 
no sexto andar, área administrativa, e nos dois últimos, destinados à diretoria, isso praticamente nunca 
acontece. O fato é que a Kanchedata está vivendo aquele que talvez seja o momento mais crítico de 
sua história. Impasses em uma negociação trabalhista ameaçam a empresa de perder seu principal 
produto. Nessa noite, pode estar sendo decidia sua própria sobrevivência. 
Há um mês a empresa havia iniciado uma negociação de reajuste salarial com seus cerca de 
2.500 empregados. Após algumas rodadas preliminares de negociação, realizadas através do sindicato, 
o acordo esperado apontava para um percentual de reajuste linear para todos os níveis do Plano de 
Cargos e Salários da companhia, que se situaria entre 4,3% de aumento, escalonado em 3 parcelas 
trimestrais e 11,0% a ser pago em parcela única. Evidentemente, o primeiro índice correspondia à 
proposta da empresa, enquanto o segundo representava a proposta apresentada pelo sindicato. 
Tudo indicava que essa seria uma das negociações de reposição salarial mais tranquilas dos 
últimos anos. O sindicato dos profissionais de informática do Peru está entre os mais organizados, 
politizados e aguerridos do país. Assim como na maioria dos países latino-americanos, em virtude de 
suas características socioeconômicas e mão de obra de alto nível de qualificação técnica, que é algo 
consideravelmente escasso no mercado peruano. Portanto, o poder de barganha da categoria de 
profissionais de informática é enorme e sua escolaridade elevada contribui para uma maior politização 
e uma maior capacidade de organização. O fato é que, historicamente, as negociações salariais do 
segmento têm sido complicadas, com frequentes confrontos e greves. As dificuldades nas negociações 
sempre foram maiores nos acordos da Kanchedata, uma vez que se trata da maior empresa nacional do 
setor. A palavra rudeza talvez seja a que melhor descreva o ambiente de negociações que vinha sendo 
estabelecido até o ano passado. Contudo, um cenário econômico mais estável, com uma inflação 
razoavelmente controlada jogando a favor dos empregados e uma lucratividade crescente animando a 
direção da empresa, tudo indicava que desta vez o processo transcorreria de forma mais serena. E era 
nisso que todos apostavam até há pouco mais de uma semana. 
No entanto, uma reviravolta nesse quadro estava em processo de fermentação. Há exatos doze 
dias, a direção da Kanchedata foi surpreendida por uma reivindicação em separado por parte de um 
pequeno grupo de seus empregados. A equipe de analistas responsáveis pelo sistema Sistema de la 
Seguridad Social (SS-Sys) apresentou ao Diretor de Recursos Humanos, Ramon Gutierrez, uma carta 
de reivindicações por meio da qual solicitavam a criação de um Quadro Especial de funcionários no 
M. O. Nogueira 64 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
Plano de Cargos e Salários em que aquele conjunto específico de profissionais deveria ser enquadrado. 
Os salários propostos para esse quadro especial representariam reajustes médios de 250% para os 
solicitantes. No documento formalmente apresentado não constava nada além da reivindicação 
apresentada e de seu detalhamento, ou seja, nenhuma condição de negociação era apresentada; 
nenhuma indicação do cacife colocado em jogo era desvelada. A barganha posta na mesa foi revelada 
em off; isto é, verbalmente: o analista sênior, Pedro Caballero, portador do documento e representante 
do grupo, comunicou fria e secamente ao Sr. Ramon Gutierrez que, caso a reivindicação não fosse 
prontamente atendida em sua íntegra, todos os que haviam firmado o documento pediriam de imediato 
seu desligamento dos quadros da empresa. 
— Chantagem imoral! - Foram as palavras utilizadas por Gutierrez, quando apresentou o 
malfadado documento à diretoria.
 
Para se entender as questões envolvidas na situação e sua gravidade para a empresa, é 
necessário percorrer um pouco da história da Kanchedata. 
 
 
A Kanchedata 
 
 
A Kanchedata é a mais antiga empresa de informática do Peru. Foi fundada na década de 60 - 
quando ainda se utilizavam as expressões processamento de dados e cibernética - produzindo as 
primeiras folhas de pagamento automatizadas no país. Eram, então, utilizadas as máquinas Hollerit 
(equipamento eletromecânico que funcionava com cartões perfurados). Os bons resultados obtidos 
pela empresa permitiram que essas máquinas fossem logo substituídas por modernos computadores 
Unisys, aposentando os velhos equipamentos, assim como as expressões citadas. 
Criada por dois importantes empresários peruanos, o objetivo inicial da empresa era o de 
processar as folhas de pagamento das empresas de seus grupos. Gabriel Francia, um dos sócios, era 
proprietário de uma das principais redes de lojas de departamentos do país; Pedro Lopez controlava 
algumas das principais construtoras. Ambos os grupos atuavam em setores intensivos em mão de obra, 
o que tornava a operação das respectivas folhas de pagamento uma das atividades administrativas mais 
críticas para suas organizações. A partir do desenvolvimento de tecnologia para o processamento de 
um nascentesistema de crédito direto ao consumidor, a Kanchedata iniciou, na década de 1970, um 
processo de diversificação de produtos, ampliando a carteira de clientes para diversas outras empresas 
peruanas. 
Em meados dos anos de 1970, uma conjunção de fatos acabou por criar as condições que 
alavancaram a Kanchedata para a primeira posição no ranking da Tecnologia de Informação no Peru. 
O primeiro fato foi o falecimento de um de seus sócios, o Sr. Pedro Lopez. Seus herdeiros, que já 
residiam no exterior, decidiram não assumir a condução dos negócios e colocaram à venda suas 
participações nas empresas do pai. Diante desse fato e das perspectivas que se desenhavam para o 
negócio, Gabriel Francia decidiu transformá-la em uma Sociedade Anônima dessa maneira visando a 
um aumento de Capital Social que capitalizasse a empresa ao mesmo tempo em que assegurasse para 
si seu controle administrativo. Assim, as ações da Kanchedata - tanto as novas emissões quanto as que 
pertenciam à família Lopez - foram vendidas em pequenos lotes para inúmeros empresários peruanos. 
O segundo fato importante para o crescimento da empresa foi o início da automação dos 
processos administrativos do governo Peruano. Não dispondo de pessoal nem de tecnologia adequados 
para a implantação de sistemas informatizados, o governo deu início a um massivo processo de 
contratação de terceiros para que desenvolvessem e operassem seus sistemas. Com o aporte de capital 
oriundo da venda das ações e a consequente capacidade para aquisição e desenvolvimento de 
tecnologia, a Kanchedata colocou-se como uma das empresas em melhores condições para disputar 
tais contratos. E efetivamente conseguiu diversos deles, entre os quais, o maior contrato oferecido pelo 
governo: o de desenvolvimento e processamento do Sistema de Seguridade Social do Peru, criado em 
Casos de Ensino / Gestão: O Motim da Kanchedata 65 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
1973, a partir da integração de diversos programas de seguridade social existentes no país. O SS-Sys, 
produto desenvolvido para atender esse contrato, tornou-se o principal produto da Kanchedata. A 
partir desse momento, teve início uma rápida e significativa expansão da empresa; processo que 
culminou por guindá-la, como citado, à posição de maior empresa nacional no setor. 
Nesse conjunto de acontecimentos, há ainda um fator que, segundo muitos afirmam, contribuiu 
para que a sucessão de fatos ocorresse dessa maneira. Quando da venda das ações da empresa, a oferta 
foi feita para o que se poderia chamar de elite econômica nacional. Em outras palavras, os adquirentes 
dessas ações eram, em grande parte, membros das famílias mais tradicionais e empresários de grande 
porte no país. Essa elite econômica também representava aquilo que poderia ser chamado de elite 
política peruana. Isso significou que passaram a ter interesses na empresa, uma vez que se tornaram 
sócios minoritários dela, destacados membros das mais diversas tendências da classe política peruana. 
Muitos analistas sustentam que esse quadro foi determinante para que a Kanchedata não apenas 
obtivesse os contratos citados, mas que também assegurasse sua contínua renovação. Sendo essas 
suspeitas fundadas ou não, o fato é que a composição societária da empresa dá amplas margens para 
tais especulações. 
Assim, a história da Kanchedata acaba por se confundir com a própria história do SS-Sys. E é 
essa história a primeira referência para que se compreenda a complexidade desse sistema, 
característica que está na gênese da criticidade da situação que sua diretoria enfrenta no momento. 
 
 
O SS-Sys 
 
 
No ano de 2009, o Peru tinha uma população aproximada de 29 milhões de habitantes. Destes, 
cerca de 26% eram contribuintes do sistema de previdência social estatal (a Seguridad Social) – ou 
seja, aproximadamente 7,5 milhões de filiados. Além desses, a Seguridad Social atendia, na época, a 
mais 2 milhões de pessoas que não contribuíam regularmente: uma parte significativa da população 
indígena, trabalhadores eminentemente rurais e de baixíssima renda. Em seu banco de dados, estavam 
armazenados cerca de 9,5 milhões de registros primários. Cada um desses registros evolui 
mensalmente com informações relativas aos atendimentos de seguro de saúde e às sistemáticas de 
pensão e de aposentadoria. A complexidade do sistema, contudo, não se origina apenas do volume de 
dados tratados pelo SS-Sys, mas principalmente da diversidade de tratamentos a que estes são 
submetidos. Essa diversidade origina-se de duas fontes principais: a dinâmica inerente a um sistema de 
previdência social e a história da previdência social no Peru. Na dinâmica intrínseca do sistema, cada 
contrato – entende-se por contrato cada cidadão do país inscrito no sistema público de seguridade 
social – deve evoluir, ou seja, ser atualizado mensalmente, ao longo de um prazo médio de 47 anos, 
isto é, desde a inscrição no sistema até sua aposentadoria e, a partir de então, até o falecimento do 
indivíduo. Ao longo desse período, o sistema deve incorporar todas as mudanças na legislação que 
ocorram durante o período e que afetem o sistema previdenciário. Nessa situação incluem-se as leis e 
regulamentos específicos da previdência, os acordos sindicais e as leis que regem as relações de 
trabalho, a evolução salarial e que regulamentam diversos aspectos do sistema financeiro nacional. 
Existem também os casos de aposentadorias antecipadas em virtude de problemas de saúde ou 
acidente de trabalho e que são objeto de regulamentações específicas. 
Quando um segurado falece, o contrato adquire nova situação, sujeita a outra regulamentação, 
pois os beneficiários passam a ser os pensionistas, que podem ser o cônjuge e/ou seus filhos menores. 
Cada uma das possibilidades está sujeita a regulamentos específicos. Além disso, há diferenciações 
entre os casos em que o óbito ocorre durante o período de contribuição ou após a aposentaria do 
beneficiário. Essas situações também estão vinculadas às variações na legislação do país. Há os 
contratos nos quais o beneficiário não é contribuinte, adquirindo o direito à assistência médica e/ou 
aposentadoria em decorrência de programas sociais do governo, também afetados por inúmeros e 
voláteis regulamentos. Existem ainda casos de contratos específicos que são objeto de tratamento 
quase que individualizados em decorrência de decisões judiciais ou por se caracterizarem como 
M. O. Nogueira 66 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
situações especiais, como, por exemplo, antigos presos políticos que adquiriram direito à 
aposentadoria. 
Finalmente, deve se ter em conta que os trabalhadores raramente seguem uma carreira 
profissional única ao longo de toda sua vida. Desse modo, as situações aplicáveis a cada contrato 
podem ser modificadas conforme o segurado muda de categoria profissional. 
Ao se acrescentar, ainda, a histórica instabilidade institucional do Peru – característica típica dos 
países latino-americanos desde a sua independência – é possível que se faça uma ideia da variedade de 
modificações nos requisitos de tratamento que foram sendo introduzidas no SS-Sys ao longo dos anos. 
Do ponto de vista institucional, o SS-Sys é impactado pela evolução da seguridade social no 
país. Em agosto 1936, foi criada a Caja Nacional del Seguro Social Obrero, inaugurando a 
Seguiradade Social no Peru. Em 1973, os diversos programas então existentes foram fundidos e 
integrados, dando origem ao Instituto Peruano de Seguridad Social (IPSS). Em 1993, o Presidente 
Alberto Fujimore dá início a um processo de privatização parcial do sistema, deixando a cargo do 
IPSSa responsabilidade sobre os sistemas de saúde, auxílio doença e acidentes de trabalho e criando a 
Oficina de Normalización Previsional (ONP), responsável pelas pensões e aposentadorias e pela 
regulamentação e controle do sistema privado de Fundos de Pensão. Em 1999, o IPSS foi 
transformado no Seguro Social de Peru (Essalud Peru). 
Essa é a primeira parte da história do SS-Sys, a história de seu modelo de negócios. Vejamos 
agora a segunda parte: sua história tecnológica. 
Desenvolvido no início dos anos de 1980, a tecnologia utilizada pelo SS-Sys foi a que poderia 
ser considerada a mais moderna para a época. Vivia-se a época áurea dos computadores de grande 
porte. A microinformática ainda era apenas o sonho de meia dúzia de nerds norte-americanos que 
tentavam convencer o mundo de que aquela máquina esotérica, que deveria ser ligada a um televisor 
portátil e a um gravador K-7, tratava-se, na verdade, de um eletrodoméstico revolucionário. O SS-Sys 
foi, portanto, projetado para ser executado em main frames da extinta Burroughs. Em 1986, essa 
empresa fundiu-se à Sperry Corporation para dar origem à atual Unisys, fabricante dos computadores 
ainda hoje utilizados pela Kanchedata. O ambiente computacional utilizado era baseado no sistema 
operacional Master Control Program (MCP), com o banco de dados hierárquico DMS II, criado pela 
Burroughs para seus computadores. A linguagem empregada em seu desenvolvimento foi 
evidentemente o padrão vigente na época para os sistemas administrativo-financeiros: o Cobol. 
Quando da concepção do SS-Sys, a Engenharia de Software ainda engatinhava como disciplina. 
Documentação de sistemas era vista como uma atividade que tomava tempo, esforço e, principalmente, 
uma atividade burocrática indigna de profissionais criativos. À época, o prazo era o fator 
determinante e os princípios de Engenharia de Software eram vistos como aumento de custos que não 
traziam resultados práticos. Produziu-se, então, um sistema com mais de 4 milhões de linhas de código 
sem uma documentação consistente que registrasse o intrincado arcabouço de conhecimento do 
negócio incorporado ao produto. O resultado foi que suas regras de negócio se originam de um 
emaranhado jurídico cuja memória não está sistematicamente registrada e que poucas pessoas seriam 
capazes de reconstituir. Assim, a manutenção evolutiva do SS-Sys – que, pela natureza de seu 
contexto, era uma atividade quotidiana de sua equipe de desenvolvimento – depende visceralmente do 
conhecimento acumulado pelo pequeno grupo de analistas que acompanhava o produto desde a sua 
criação. Pedro Caballero faz parte desse grupo e no momento se apresenta como seu porta-voz perante 
a diretoria da organização. 
No final dos anos de 1990, a Kanchedata deixou escapar uma excelente oportunidade para que o 
monopólio da equipe do SS-Sys sobre o domínio do sistema fosse rompido. O bug do ano 2000 
obrigaria a empresa a realizar uma manutenção substancial, que implicaria na revisão de todos os seus 
módulos. Naquela oportunidade, Raul Garcia, diretor técnico da companhia, defendeu ardorosamente 
que o SS-Sys fosse submetido a um processo completo de reengenharia. Há muito que Raul se sentia 
incomodado pela dependência que a empresa tinha em relação à equipe. Considerava mesmo que sua 
Casos de Ensino / Gestão: O Motim da Kanchedata 67 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
própria posição no cargo era, em certa medida, refém daquele grupo de profissionais. Incomodava-o 
particularmente a liderança exercida por Affonso Marques. 
Affonso é um dos mais antigos membros da equipe, mas talvez o menos capacitado 
tecnicamente, e, por isso, não poderia ser classificado como um dos técnicos mais brilhantes da 
empresa (é preciso que se admita que essa equipe reúne alguns dos melhores profissionais do país). Na 
verdade, a habilidade de Affonso está no trato pessoal. Atuando como elemento de ligação entre a 
Kanchedatta e os diversos órgãos que já foram responsáveis pela Previdência no país (atualmente são 
o Essalud Peru e a ONP), transita com desenvoltura em todos os seus corredores. Sua simpatia e 
liderança fazem com que suas portas se abram com extrema facilidade. Essa posição atribui-lhe um 
considerável poder político no contexto da Kanchedata e é a base de uma evidente liderança em 
relação ao restante da equipe de profissionais. 
Na década de 1990, Raul Garcia vislumbrava na reengenharia do SS-Sys a possibilidade 
documentar integralmente o sistema, quebrando assim a espinha dorsal desse poder político, uma vez 
que retiraria do grupo o monopólio do conhecimento. Raul defendeu, junto à diretoria, que o sistema 
fosse integralmente refeito em uma plataforma mais moderna, o que os obrigaria a mapear todo o 
conhecimento nele incorporado, além de tornar as manutenções tecnicamente mais simples e o 
processamento mais eficiente do ponto de vista do consumo de recursos computacionais. A diretoria 
da Kanchedata, contudo, considerou o projeto demasiadamente custoso em relação ao que seria gasto 
na simples adaptação do sistema existente e não considerava os argumentos técnicos e políticos 
apresentados por Raul relevantes, pois acreditava que o SS-Sys era um produto cativo do governo e 
não via necessidades mercadológicas que justificassem o investimento. 
No início dos anos 2000, nova oportunidade foi perdida. Naquela época, a Gestão da Qualidade 
adquiriu importância no cenário empresarial e a Engenharia de Software começou a firmar-se como 
um dos fundamentos do desenvolvimento de sistemas. Acompanhando essa onda, a Kanchedata 
implantou um Programa de Gestão da Qualidade com vistas à certificação ISO 9001 de seu parque de 
processamento e de diversos setores de desenvolvimento. Raul defendeu então que o SS-Sys fizesse 
parte do projeto. Mas mais uma vez a diretoria considerou que não havia determinantes 
mercadológicas nesse produto que fizessem com que merecesse tal distinção. Há cerca de 3 anos, a 
Kanchedata expandiu seus investimentos em Qualidade e Engenharia de Software, deu mais um passo 
em direção à modernização tecnológica de seus processos, iniciando um programa de certificação 
CMMI nível 3 e de implantação do modelo PMBOK em alguns de seus grupos de desenvolvimento. 
Mais uma vez, Raul tentou incluir o SS-Sys na iniciativa, argumentado que qualidade não é uma 
questão de marketing, mas uma questão de gestão. Novamente, Raul foi voto vencido. 
Essa acomodação da diretoria não pode ser vista como negligência. Desde 1973, quando venceu 
a primeira concorrência para o sistema, a Kanchedata tornou-se a única empresa no Peru a deter o 
conhecimento necessário à prestação do serviço. Caso outra organização viesse a assumir o contrato, a 
estabilidade do Seguro Social Peruano estaria em risco. A complexidade do sistema tornava o governo 
peruano praticamente refém da Kanchedata e sua diretoria sabia disso. Ninguém imaginaria a 
possibilidade de um dia a empresa vir a perder o contrato. Todas as renovações contratuais foram 
feitas com dispensa de concorrência pública, tendo como justificativas a expertise técnica e as 
questões de Segurança Nacional envolvidas no produto. O risco de uma paralisação no SS-Sys deixava 
o governo – qualquer que fosse – de cabelos em pé. Problemas no SS-Sys significariam a paralisação 
do sistema de saúde pública peruano e o atraso no pagamento de pensões e aposentadorias. Era fácil 
prever que quarenta e oito horas de paralisação seriam capazes de lançar o país em uma convulsão 
social, colocando a própria estabilidade do governo em risco. Ou seja, o SS-Sys sempre foi um 
verdadeiro barril de pólvora. 
Há cerca de uma década, uma empresa canadense decidiu tentar abocanhar uma parcela domercado peruano. Entrou com todas as suas fichas na disputa de vários contratos com o governo, 
apostando particularmente alto no caso do SS-Sys. A Kanchedata reagiu com uma ameaça velada de 
acender o rastilho. Colocou também, na mesa de jogo, todo o peso das relações pessoais de seu 
presidente com diversos membros do alto escalão do governo e os interesses dos diversos acionistas 
M. O. Nogueira 68 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
minoritários da empresa. Assim, a despeito do tamanho do cacife da empresa canadense e do peso que 
imprimiu à disputa, não conseguiu que as renovações de contrato ocorressem através de concorrência 
pública. A Kanchedata saiu ilesa da ameaça e com uma confiança reforçada na estabilidade de sua 
posição. 
O que ninguém imaginava é que o rastilho dessa mesma pólvora seria usado como poder de 
barganha contra ela própria. Raul não tem dúvidas de que Affonso é o principal líder e articulador do 
movimento reivindicatório, visto que o legado tecnológico e a complexidade no modelo de negócios 
são a origem da ideia dos amotinados de que a Kanchedata é refém de sua expertise. 
 
 
O Motim 
 
 
Desde a apresentação da reivindicação dos empregados, a Kanchedata mobilizou todos os 
recursos que dispunha para tentar neutralizá-la. Isso envolvia mais uma vez seus estreitos laços com o 
governo. Através de uma colaboração informal do Servicio de Inteligencia Nacional del Perú – SIN, 
descobriu-se que não havia blefe na ameaça dos empregados. Sua intenção era de, no caso de não ver 
suas reivindicações atendidas, montar sua própria empresa de serviços de TI e assumir o contrato junto 
ao governo. Os empregados consideram que, a despeito do poder político da Kanchedata, não restaria 
alternativa para o governo senão transferir o contrato para eles. O que não pôde ser descoberto foi a 
fonte do capital necessário para estruturação dessa nova empresa. As suspeitas recaíram sobre uma 
nova investida da companhia canadense. O que se supõe é que há uma associação clandestina entre o 
grupo e essa empresa, e que o que está acordado entre eles é o estabelecimento de uma joint venture 
informal. 
Com esse quadro diante de si que a Diretoria da Kanchedata está reunida nesta madrugada no 
sétimo andar de sua sede. 
Neste momento, Raul Garcia tomou a palavra: 
— Eu sempre temi que algo assim ocorresse! Há mais de dez anos que eu peço recursos para 
fazer a reengenharia do SS-Sys, mas vocês todos sempre acreditaram que isso seria jogar dinheiro fora. 
Agora, está aí o quadro: não temos saída, Gabriel, se esses caras realmente saírem da empresa, o 
sistema não fica nem um mês no ar! E aí... Bem, acho bom começarmos a atualizar nossos currículos... 
— Pois eu acho que, se cedermos, aí sim teremos de arrumar nossas coisas e procurar outro 
emprego. - interveio Gutierrez. — Ou você acha que vamos segurar o restante dos empregados depois 
de um precedente desses? Além do mais, o sindicato virá direto em nossa carótida, exigindo isonomia! 
Juan Hernandez, Diretor Financeiro, que vinha tentando se manter calmo até aquele momento, 
explodiu: 
— Não venha agora você querer jogar essa conta no nosso colo, Garcia! Você sempre defendeu 
essa sua reengenharia, ou seja lá como isso se chame, falando em modernização tecnológica, 
capacitação para a competitividade e outras baboseiras do gênero! E sempre acompanhando seu 
discurso com uma fatura maior que este prédio. Eu nunca na minha vida vi reengenharia para 
aumentar custos! Em nenhum momento, você nos disse que o SS-Sys era, na verdade, propriedade de 
meia dúzia de analistas metidos a besta. Sempre acreditamos que o sistema fosse nosso, da Kanche, e 
que sua diretoria tinha competência técnica para dar conta dele, independentemente dos nerds que 
estivessem apertando os parafusos!!! 
— Será que daria para os Srs. comportarem-se como homens maduros. - interveio o Presidente, 
Gabriel Francia. — Não adianta, a esta altura dos acontecimentos, ficarmos tentando descobrir um 
culpado, Garcia. E você, Juan, não adianta ficar se defendendo agora para que não venha a pagar essa 
conta amanhã. Agora, temos de arranjar uma saída para esse imbróglio, e acusações mútuas não vão 
Casos de Ensino / Gestão: O Motim da Kanchedata 69 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
ajudar em nada. Deixem a crucificação em praça pública para depois que passar o temporal, senão 
vamos todos juntos para o cadafalso e não vai ter nem praça pública para crucificação. 
Nesse momento, o celular de Gabriel Francia tocou. Olhando o identificador, sua expressão 
ficou ainda mais carregada do que já estava. 
— Salve, Presidente! Fazendo hora extra? - Tentou gracejar Francia para quebrar a tensão que 
percebera no cumprimento do Presidente da República ao telefone. 
A informalidade no tratamento entre Francia e o Presidente da República não causava espanto. 
Ambos filhos da classe alta da cidade de Lima e com exatamente a mesma idade, não havia como não 
se conhecerem desde a primeira infância. Há quem diga que seu primeiro encontro foi no escorregador 
da pracinha perto de onde moravam. Não chegam a ser propriamente amigos íntimos, mas são o que se 
chamaria de velhos conhecidos. Esse fato certamente tornava tudo muito mais fácil para a Kanchedata. 
— Gabo, a situação está complicando. Liga para mim para aquele número. - Atalhou secamente 
o Presidente da República e, em seguida, desligou o telefone sem mais uma palavra. 
Aquilo foi como que uma senha para que Francia acendesse a luz vermelha. Seu rosto, sua 
expressão falou por ele. Todos ficaram de pé. Gabriel fechou o telefone e, sem uma palavra, dirigiu-se 
à antessala, sendo logo seguido por todos os demais. Parou diante da mesa de sua secretária: 
— Mercedes, vamos continuar a nossa conversa na sala de reuniões do quarto andar. Preciso de 
um grande favor seu. Consiga emprestado para mim um celular de algum de nossos empregados da 
produção. Mas é preciso que seja uma linha pré-paga. Avisa ao dono que colocarei uma boa carga nele. 
— Pode deixar, Dr. Francia, em cinco minutos estarei lá. 
Após descerem para o quarto andar, Francia esclareceu o que estava acontecendo: 
— Acho que, como imaginávamos, há mais coisa nisso do que parece. O Presidente me pediu 
para ligar para seu número reservado. É um celular completamente limpo que ele tem; isso é garantido 
pelo SIN. É o número que ele usa para tratar dos assuntos mais sensíveis. Sempre há suspeita de 
grampos... Fico achando que eles sabem algo sobre estarmos grampeados ou, quem sabe, tenham 
plantado escutas por aqui. Por isso pedi um celular de alguém da produção e transferi nossa conversa 
para esta sala. 
Após alguns minutos de um constrangedor silêncio, a Sra. Mercedes chegou à sala trazendo o 
aparelho pedido. Depois de cumprir a promessa de efetuar uma carga de créditos na linha, Francia 
ligou para o Presidente. 
— Alô, sou eu. Desculpe pela demora, mas precisei conseguir um telefone limpo. 
— Estou aqui com o Diretor da SIN, vou passar para ele. 
— Olá, Dr. Francia. As notícias não são boas... 
— Bem... vamos a elas. Estou reunido com minha diretoria e vou colocar o telefone na viva-voz. 
— Tudo bem, não tem problema. Os fatos são os seguintes: não conseguimos nada de concreto 
que ligue os caras daí aos canadenses ou a qualquer outro grupo. Mas temos certeza de que não estão 
sozinhos. Primeiro, juntando tudo que todos eles têm, não conseguem levantar nem 20% do capital 
para montar a estrutura para processar o SS-Sys. Só que não há nenhum pedido de financiamento deles 
em nenhum dos bancos que operam regularmente no país, e o dinheiro é grande demais para entrar por 
um financiamentopor fora do exterior. Além disso, há aqui um detalhe que nos chamou muito a 
atenção. Eles estão muito bem informados sobre os passos de vocês. Sabem de detalhes sobre as 
informações que vocês trocam entre si. Por isso suspeitamos de escutas e grampos e eles não teriam 
estrutura para montar isso sozinhos. Com certeza, tem alguém grande por trás deles. Além disso, já 
M. O. Nogueira 70 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
temos certeza que não estão blefando, porque já estão negociando com a Unisys a compra dos 
equipamentos. Portanto, Dr. Francia, o jogo deles é pesado e é pra valer! 
— É... Já imaginávamos isso. 
— Bem, vou passar de volta para o Presidente. Boa noite, Dr. Francia. 
— Boa noite e muito obrigado pela ajuda. 
— Pois é, Gabo. A situação de vocês é essa. Agora, vou contar a nossa situação. Se houver 
qualquer problema mais sério de processamento com o SS-SYs, todos os prognósticos são de 
convulsão social. A oposição vai montar em cima disso e atiçar o povo para rua. Daí para frente, não 
dá para prever o que pode acontecer. A questão é que, se isso acontecer, vocês estão liquidados. Vou 
ser bem objetivo: preciso de uma resposta até amanhã de manhã sobre que atitude vocês vão tomar. 
— Pode deixar, Presidente. Esta noite tomamos uma decisão. 
— Certo, Gabriel. Boa noite e, bem, acho que não preciso dizer mais nada. 
— Não, não precisa. Boa noite e até amanhã de manhã. 
Depois de desligar o telefone e dar um profundo suspiro, Francia falou para todos: 
— Bem, senhores, a situação é essa. E então, o que fazemos? 
— Garcia, que chance temos de assumir a operação sem esses caras e manter o sistema 
funcionado? — Perguntou Ramon Gutierrez. 
— Complicado... Mas não impossível. Em outros produtos nossos, temos técnicos da melhor 
qualidade e que conhecem muito bem o ambiente onde o SS-Sys roda e fazem mágicas em Cobol. Só 
que não conhecem nada do Modelo de Negócio. Na equipe do SS-Sys, temos uns garotos novos que 
são muito bons e que já conhecem razoavelmente o sistema e que não acredito que tenham muita 
participação nesse movimento. No máximo foram convidados como coadjuvantes. Ajudariam a fazer 
uma engenharia reversa, mas não acho que segurariam sozinhos. Precisaríamos ficar com pelo menos 
um dos caras da velha-guarda. Se conseguíssemos, teríamos uma chance razoável de montar uma 
força-tarefa para segurar o produto no ar. 
— Acho que dá para resgatar o Toledo. É um analista da velha-guarda. Conhece tudo do sistema, 
dizem que dorme abraçado com os manuais. É um profissional muito íntegro e fiel à empresa. Entrou 
aqui ainda como estagiário na faculdade e vê a Kanchedata como sua família. Tenho absoluta certeza 
de que está nessa levado de roldão pelos colegas. Se oferecermos a ele uma chance concreta de segurar 
o sistema, ele fica conosco. - ponderou Gutierrez. 
Carmen Carvajal, a Diretora Comercial, que não dissera uma palavra até então, não se mostrou 
tão otimista: 
— O problema é o Affonso. Mesmo que você consiga resolver a questão técnica, ele 
monopolizava os contatos com os clientes. Não vamos ter ninguém que consiga transitar como ele por 
lá. Sem falar que tenho sérias desconfianças de que alguns de nossos contatos no governo, se não são 
sócios dessa aventura, estão na mão (ou no bolso) dele. E se isso for verdade, vamos ter algumas 
pessoas-chave dentro dos clientes sabotando a gente. Aí, senhores, não vai ter como manter a coisa 
funcionando... 
— Carmen, aí vamos ter que contar com o Presidente e, pelo que percebi no telefonema, ele está 
tão encurralado quanto nós. Tenho certeza de que, nesse caso, ele poria pressão pessoal em cima do 
baixo escalão. - contrapôs Hernandez. 
Casos de Ensino / Gestão: O Motim da Kanchedata 71 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
— Concordo com você em parte, Juanito. Na verdade, sabemos que a coisa não funciona bem 
assim. Nem aqui na Kanchedata, que é privada, conseguimos fazer o pessoal lá de baixo fazer tudo o 
que queremos. A distância entre a cabeça e os membros é grande e tem um monte de gente no 
caminho. Se não quiserem que aconteça, não fazem acontecer e é muito difícil conseguir impor... Até 
aqui entre nós, mesmo trabalhando diretamente comigo, que sou o dono disso aqui, quantas vezes, 
vocês não me sabotam? 
— Mas acho que, neste caso, o jogo e o risco são muito pesados, Gabriel. E há interesses de 
muita gente do governo aqui. Acredito que, se for preciso, eles arrombarão todas as portas... 
— O Ramon já deixou claro que não podemos ceder a eles, senão, não seguramos o resto da 
empresa. E, se arriscarmos e não segurarmos o sistema, como é que fica? - Perguntou Carmen. 
— Nesse caso, não sobra um tijolo em pé aqui dentro. E eu já estou muito velho para recomeçar 
a vida. – ponderou Francia. 
— E se deixarmos os caras saírem? Perdemos o SS-Sys, mas salvamos o resto. 
Quem respondeu foi Juan Hernandez: 
— Nesse caso, perdemos de uma hora pra outra 30% do faturamento da empresa, além do 
impacto que isso representa na nossa imagem, e isso você é capaz de avaliar melhor do que eu, não é 
Carmen? Nessa situação, o que sobrar das paredes não vai ser capaz de segurar o resto da casa em pé. 
— Bem, senhores, - ponderou Francia — temos de sair desta sala hoje com uma decisão tomada 
e um plano de ação. Ou com nossos currículos atualizados embaixo do braço... 
 
 
M. O. Nogueira 72 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
Notas de Ensino 
 
 
Resumo 
 
Trata-se do motim dos empregados da Kanchedata: empresa fictícia que seria a maior no Peru no setor 
de processamento de dados. Com capital nacional e profundas ligações com a elite do país, tem como 
principal cliente o Governo. Seu principal produto é o SS-Sys. Desenvolvido nos anos de 1970, seu 
modelo de negócios é bastante complexo, porém sua abrangência social o torna estratégico para o país. 
Supondo estabilidade institucional, a empresa deixou de modernizar o sistema, que se encontra 
tecnologicamente obsoleto e sem documentação. Acreditando que a empresa é refém de seu domínio 
quanto aos conhecimentos incorporados (não documentados) ao sistema, alguns empregados decidem 
colocar a companhia em xeque, então, solicitando um aumento salarial acima do que seria normal. 
Ameaçam, por conseguinte, criar outra empresa e assumir o contrato do SS-Sys caso tal reivindicação 
não seja atendida. Como complicador, há pressão pessoal do Presidente do Peru, visto que um 
problema no sistema criaria um caos social. A questão colocada para a diretoria é atinente à qual 
atitude tomar perante uma crise que ameaça sua sobrevivência e que poderia ter sido evitada se um 
conjunto de boas práticas tivesse sido utilizado. O objetivo do caso é o de evidenciar a importância 
estratégica dos fundamentos de Gestão da Qualidade em geral e da Engenharia de Software e Gestão 
de Projetos no caso particular desse ramo de atividades. 
 
Palavras-chave: gestão da qualidade; qualidade de software; gerenciamento de projetos; gestão do 
conhecimento; planejamento estratégico. 
 
Abstract 
 
This case tells the story of a mutiny carried out by some Kanchedata employees: fictional company 
envisioned to be the biggest in Peru in data processing. With state-owned capital and deep connections 
with country’s elite, the company’s main customer is the Government. Its main product is the SS Sys. 
Developed in the ‘70s, its business model is quite complex. However, its social scope makes it 
strategic for the country. Because of supposed institutional stability, the company failed to modernize 
their product, which is technologically obsoleteand undocumented. Believing that the company is 
hostage to its domain of embedded knowledge (undocumented/tacit knowledge), some employees 
decided to put the company in a difficult situation by requesting a salary increase above what would 
be normal. They threatened to create another company and take over the SS Sys contracts. As a 
complication, there is personal pressure from the Peruvian President on the company, as a problem in 
the system would launch social chaos. The question for the board is what attitude to take towards a 
crisis that threatens the company’s survival and that could have been avoided if a set of best practices 
had been used. The goal of this case is to highlight the importance of the strategic fundamentals of 
Quality Management in general and Software Engineering and Project Management in the case of this 
particular line of business. 
 
Key words: quality management; software quality; project management; knowledge management; 
strategic planning. 
 
Objetivos 
 
Trata-se de um armchair case – em forma de ficção – no qual são descaracterizadas diversas 
situações vivenciadas pelo autor ao longo de sua vida profissional. Assim, quaisquer semelhanças com 
pessoas, fatos, situações, nomes, datas ou acontecimentos reais são mera coincidência. 
O caso foi escrito com o objetivo de evidenciar a importância dos procedimentos formais da 
Gestão da Qualidade nas atividades de desenvolvimento de software. A proposta inicial é de que seja 
utilizado na disciplina Gestão da Qualidade em cursos de Pós-Graduação (lato ou strictu sensu) de 
Casos de Ensino / Gestão: O Motim da Kanchedata 73 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
Gerenciamento de Projetos. Para seu desenvolvimento é necessário que os alunos já tenham adquirido 
os conhecimentos fundamentais acerca da Gestão Formal de Projetos, ou seja, já tenham cursado as 
disciplinas que apresentam os modelos de Ciclo de Vida de Projeto, com seus respectivos processos 
fundamentais, bem como os aspectos relacionados à sua formalização. Assim, o caso atua como 
elemento introdutório para o estabelecimento do relacionamento entre os preceitos da Gestão de 
Projetos e os da Gestão da Qualidade. Deve, portanto, ser empregado antes de serem ministrados os 
conceitos de Gestão da Qualidade e seus respectivos modelos formais. 
A partir da evidência do nível de dependência da empresa em relação aos profissionais 
envolvidos na manutenção do sistema, os alunos são levados a discutir a questão dos custos 
relacionados às atividades de documentação de sistemas versus os custos potenciais decorrentes da 
não realização dessa atividade. É importante que o termo custos seja entendido em suas diversas 
formas de manifestação; isto é, tanto no que concerne aos recursos alocados diretamente nessas 
atividades quanto aos impactos no quotidiano da organização que delas decorrem. Nesta discussão, 
devem ser abordados também os fatores políticos internos das organizações que podem fazer com que 
os princípios de Gestão da Qualidade e de Engenharia de Software acabem por ser negligenciados. 
Assim, tratar-se-ia de um caso especificamente destinado à análise das decisões já tomadas pela 
empresa. Todavia a situação de crise na qual o caso se situa permite que seja utilizado para a definição 
de uma decisão a ser tomada. Essa abordagem permite que o mesmo seja também empregado no 
ensino de diversas outras disciplinas, tais como Gestão de Projetos, Gestão de Pessoas, Gestão do 
Conhecimento, Planejamento Estratégico, Gerenciamento de Riscos, Gerenciamento de Crises, entre 
outras. 
 
Questões para discussão 
 
1. De que modo a ideia de Gestão Formal de Projetos pode ser associada à questão da Qualidade na 
organização (incluir, nas considerações, uma análise da dicotomia formalidade X informalidade 
tanto na GP quanto na GQ)? 
2. Como correlacionar a dependência da Kanchedata em relação a seus analistas com os preceitos da 
Gestão da Qualidade e da Engenharia de Software? 
3. Que medidas deveriam ter sido tomadas para que a empresa não chegasse a tal situação? Em que 
momentos? 
4. Que fatores impediram que tais ações fossem efetivadas? O que poderia ter sido feito para que isso 
não ocorresse? 
5. Que lições a empresa deve levar para a condução futura de seus negócios? 
 
Análise 
 
Conforme citado, o caso pode ser utilizado para a discussão de uma série de temas relacionados 
à Gestão. Entretanto seu tema central relaciona-se a questões situadas no âmbito da Gestão da 
Qualidade, particularmente, da Qualidade de Software. 
O caso situa-se no contexto de um dos pontos mais controversos da Qualidade de Software: o 
volume de esforços necessários para a adoção das práticas preconizadas por essa disciplina, bem como 
pela Engenharia de Software; disciplina que lhe é complementar, assim como os impactos de tais 
práticas no quotidiano do desenvolvimento de sistemas. 
O que se observa é que a indústria do software tem sido muito reativa à implantação dos 
diversos modelos de Gestão da Qualidade existentes. Apesar de essa reação vir diminuindo em anos 
recentes, ainda é consideravelmente forte. 
M. O. Nogueira 74 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
Duas são as origens explícitas dessa reação: a primeira está associada aos aspectos de custo; a 
segunda ao prazo de desenvolvimento e manutenção de software. 
O fato é que as práticas consagradas da Gestão da Qualidade, de modo geral, pressupõem um 
considerável grau de formalização de suas atividades. Isso significa que exigem o estabelecimento de 
procedimentos escritos para sua realização e, principalmente, a elaboração de registros formais das 
tarefas realizadas. A questão controversa leva em conta a necessidade, na concretização dessa 
formalização, de uma significativa quantidade de recursos, o que se traduz, consequentemente, em 
uma elevação imediata dos gastos em mão de obra nos projetos e em uma significativa dilatação dos 
prazos de entrega dos sistemas. O tratamento desses gastos como custos diretos de produção, sem a 
contraposição dos custos potenciais que são evitados a partir de seu emprego, resulta em um impacto 
negativo nas planilhas de custos e, como decorrência, uma elevação dos preços finais dos produtos e 
perda de competitividade. 
O principal argumento apresentado pelos desenvolvedores que se posicionam contra tais 
práticas é o de que seus resultados somente se mostram visíveis em longo prazo, mas sua adoção leva 
a uma perda de competitividade no curto prazo que inviabilizaria o negócio. Argumenta-se que o 
mercado consumidor de produtos de software, particularmente de produtos sob encomenda, não se 
encontra maduro o suficiente para valorizar adequadamente os aspectos de qualidade dos produtos. 
Sustenta-se que as decisões de compra são definidas primordialmente a partir dos critérios de preço e 
prazo; ou seja, os clientes, de modo geral, compram o produto daquele fornecedor que apresentar o 
menor preço final. Considerações em relação ao fato de que preços baixos e prazos reduzidos 
implicam em produtos que exigirão um considerável volume de manutenções corretivas posteriores, 
cujos impactos nos custos do produto e nas operações da organização adquirente superariam o baixo 
preço inicial, não são levadas em conta pelos contratantes. Acredita-se que o mercado de software é 
pautado eminentemente por uma perspectiva de curto prazo. 
Assim sendo, mesmo admitindo que a utilização dos modelos de Qualidade e Engenharia de 
Software implicam em uma importante eliminação de fontes de problemas futuros, esses profissionais 
sustentam que os clientes não levam esses fatoresem consideração quando contratam o 
desenvolvimento de um produto. Portanto a empresa que decidir por adotar tais práticas acaba por se 
deparar com uma encruzilhada: incluir os custos de tais práticas nos preços, tornando-os mais altos do 
que os concorrentes e se arriscando a não conseguir vender seus serviços; ou assumir os custos sem 
incorporá-los ao preço, arriscando-se a inviabilizar a margem de lucros do negócio. 
Ainda no mesmo contexto, há a argumentação que se baseia numa característica peculiar dessa 
indústria, que é a premência de tempo. A situação mais comum nesse mercado é a de exigências de 
prazos muito apertados, em que os clientes solicitam que o produto seja entregue o mais rapidamente 
possível. Práticas de Qualidade e Engenharia de Software implicam em um aumento do prazo de 
desenvolvimento ou manutenção do produto – isto é, do prazo de entrega. Situação que, via de regra, 
não é aceita pelos clientes. Mais uma vez coloca-se a Gestão da Qualidade e a Engenharia de Software 
como fatores potencialmente comprometedores da competitividade da empresa frente a um mercado 
consumidor insuficiente maduro para elas. 
Em outras palavras, ambos os argumentos baseiam-se na tese de que o cliente não está 
preocupado com qualidade, mas com preços e prazos. Entretanto o que se observa no mercado é uma 
insatisfação generalizada por parte dos compradores de serviços de desenvolvimento de software em 
relação aos resultados alcançados pelos produtos adquiridos. 
Na condução do estudo do caso proposto, essa dicotomia entre custo e prazos X preços deve 
ser tratada como um dos eixos centrais de discussão. O caso evidencia essa situação particularmente 
através das posições assumidas pelo Sr. Juan Hernandez, Diretor Financeiro. 
O segundo fator explícito importante que alimenta essa controvérsia é que a formalização das 
atividades acaba por entrar em choque com algumas especificidades dessa indústria, principalmente no 
que diz respeito a seus aspectos culturais. Tradicionalmente, os desenvolvedores de sistemas – por 
Casos de Ensino / Gestão: O Motim da Kanchedata 75 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
questões associadas à própria história do desenvolvimento e da afirmação dessa atividade que não 
cabem aqui ser discutidas – tendem a perceber seu trabalho como fundamentalmente criativo, análogo 
a outras áreas da criação humana, tais como as atividades de criação em publicidade, de Design de 
Produtos, de Pesquisa & Desenvolvimento, etc. Assim sendo, a imposição de formalização de 
processos é rejeitada culturalmente como elemento inibidor e constrangedor da liberdade necessária 
aos processos de criação. O paralelo entre a atividade de desenvolvimento de software com os diversos 
ramos das engenharias, que também incorporam consideráveis parcelas de trabalho criativo, mas que, 
a despeito disso, são estritamente submetidos a normatizações e a sistemáticas de formalização, é 
negligenciado. 
Esses são os aspectos que se constituem no pano de fundo para a discussão da primeira questão 
colocada. A partir dos conceitos de Gestão Formal de Projetos, a discussão deve conduzir ao 
estabelecimento dos paralelos entre esta e os Modelos de Gestão da Qualidade, de modo especial aos 
aspectos relacionados à formalização e registro de processos. Esse paralelo deve evidenciar a 
superposição de conceitos e a complementaridade que se observa entre esses dois paradigmas. A partir 
disso, o caso evidencia as dificuldades normalmente enfrentadas quando se tenta substituir uma cultura 
de condução informal e ad hoc de projetos por sistemáticas formalizantes. 
Para a discussão da segunda questão, deve ser considerada uma outra motivação para a 
reatividade citada e que lhe é subjacente. Sua origem também se fundamenta nos aspectos culturais da 
indústria de software e dificilmente é explicitada por alguém. Trata-se do controle do processo como 
um todo. As práticas de Gestão da Qualidade e de Engenharia de Software levam à retirada do controle 
do processo e o domínio do conhecimento incorporado ao produto da mão dos indivíduos que o 
executam para colocá-los sob o controle da organização. Desde seu surgimento, a informática 
colocou-se de certo modo como uma ciência esotérica, restrita aos iniciados. Uma vez que seu objeto 
é a informação, essa característica transformou-se um uma importante fonte de poder. É evidente que 
formalizar processos e registrar atividades não somente retira o controle do processo das mãos dos 
profissionais diretamente envolvidos no processo de desenvolvimento e/ou manutenção, como cria 
mecanismos para que esses sejam controlados por outras instâncias das organizações. Assim, nada 
mais natural do que uma reação à adoção de tais métodos por parte daqueles que detinham seu 
controle. 
É exatamente esse fenômeno que produz toda a situação vivida pela Kanchedata. Consciente ou 
inconscientemente – a situação descrita não permite qualquer ilação a esse respeito – os profissionais 
da área de desenvolvimento não deram suporte às iniciativas de implantação de modelos formais de 
Gestão da Qualidade. Isso impediu a apropriação, por parte da companhia, isto é, a apropriação 
institucional e não individual, do conjunto de conhecimentos necessários à manutenção do produto. 
Assim sendo, em função da complexidade do SS-Sys, tanto no que diz respeito às dimensões do 
produto (cerca de 4 milhões de linhas de código, o que evidencia o grau de complexidade do modelo) 
quanto em relação à sua longevidade em um contexto historicamente conturbado, esses conhecimentos 
foram sendo monopolizados por um grupo restrito de profissionais. Isso se transformou no principal 
instrumento de pressão e de barganha utilizado por esses profissionais no processo de negociação 
salarial descrito. 
Assim, o caso da Kanchedata ilustra uma situação muito comum nessa indústria, na qual a 
adoção de modelos de Gestão da Qualidade e de Engenharia de Software foram sistematicamente 
adiadas e descartadas quase que a priori, sem que fossem mesmo submetidas a uma discussão e 
avaliação consistentes e conscientes. No caso, verificam-se as três situações descritas: as questões 
relacionadas a preços e prazos e as questões culturais. O resultado é o que se esperaria: o 
comprometimento no longo prazo do processo como um todo em função de decisões tomadas (ou não 
tomadas) a partir das perspectivas no curto prazo. 
Em relação à terceira questão, podem ser identificados pelo menos dois momentos importantes 
nos quais a direção da empresa poderia ter utilizado como oportunidade para a implantação das 
práticas de Gestão da Qualidade. O primeiro deles foi quando da ameaça do bug do ano 2000. Naquela 
ocasião, foi preciso realizar uma manutenção de grandes dimensões no sistema. Para sua realização, 
M. O. Nogueira 76 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
necessariamente, foi efetuado um completo mapeamento do sistema. Uma vez que esse trabalho 
deveria ser feito de qualquer maneira e que o volume de mão de obra exigido seria significativo, este 
seria o momento propício para realizar uma reengenharia completa do produto. Essa reengenharia 
permitiria a migração do produto para uma plataforma tecnológica mais moderna, que possibilitaria 
uma modelagem mais eficiente dos processos, maior manutenibilidade e uma maior eficiência no 
processamento. Ou seja, a partir de um relativamente pequeno investimento agregado ao custo da 
tarefa de adequar o SS-Sys ao bug do ano 2000, obter-se-ia uma redução nos custos gerais de operação 
do sistema, tanto em mão de obra para suas futuras manutenções adaptativas e evolutivas quanto em 
recursos computacionaispara sua operação, além de um aumento geral na confiabilidade do produto. 
Entretanto essa questão do ganho nos custos diretos do produto não seria a única vantagem. 
Aliás, Raul Garcia, o Diretor Técnico, tinha absoluta clareza desse quadro e percebeu a oportunidade 
para documentar o sistema e formalizar seu processo de manutenção, reassumindo, a partir disso, o 
controle político daquela equipe, que ele percebia estar esvaindo-se. Porém não foi capaz de sustentar 
politicamente seus argumentos, sendo sobrepujado pela argumentação do custo e por uma perspectiva 
de autoconfiança decorrente de uma situação de suposto monopólio. 
A segunda grande oportunidade perdida ocorreu pouco depois da virada do milênio. 
Acompanhando a tendência geral do mercado na época, a Kanchedata implantou um programa de 
Gestão da Qualidade baseado no modelo ISO 9001 com vistas à certificação de parte da organização. 
Nesse momento, o Sr. Garcia vislumbrou uma nova oportunidade para que a organização reassumisse 
o controle sobre o sistema. O modelo ISO 9001 tem a documentação dos produtos e a formalização 
dos processos como um de seus fundamentos. O Sr. Garcia entendeu que, através da implementação 
dessas práticas, seria possível que a Kanchedata incorporasse institucionalmente o conhecimento 
agregado ao longo dos anos ao produto, o qual vinha sendo monopolizado por sua equipe. Sendo a 
implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade uma ação necessariamente tratada no âmbito 
estratégico da organização – caso contrário, dificilmente se consegue obter um Certificado de 
Conformidade – as possíveis (e prováveis) reações internas da equipe do SS-Sys às praticas 
formalizantes seriam facilmente sobrepujadas. Assim sendo, a extensão do programa de certificação 
para a área de manutenção do SS-Sys solucionaria plenamente as angústias do Diretor Técnico. 
Novamente, a diretoria da empresa não foi capaz de compreender a gravidade dos riscos que se 
delineavam e manteve sua perspectiva de tomada de decisões tendo como premissa um quadro de 
suposto monopólio, e, mais uma vez, o Sr. Raul Garcia não foi capaz de fazer com que seus pares 
compartilhassem das suas preocupações. 
A quarta questão trata dos fatores que impediram que a Kanchedata implantasse, nos processos 
relacionados ao SS-Sys, as citadas práticas de Gestão da Qualidade e as de Gestão Formal de Projetos 
a elas associadas. Nas duas oportunidades identificadas, esses fatores foram essencialmente os 
mesmos: uma perspectiva baseada em análises de fluxo de caixa (presente e pretérito); e uma 
avaliação do mercado, do produto e de seu relacionamento com o Governo do Peru que pressupunha a 
existência de um virtual monopólio por parte da empresa. 
Na essência, a posição reiteradamente assumida pela diretoria da Kanchedata decorre da 
ausência de uma compreensão clara de todos os possíveis desdobramentos e de toda a abrangência que 
são inerentes à questão da Gestão da Qualidade. No caso específico, foram negligenciados os impactos 
que seriam esperados a partir da implantação de um modelo de Sistema de Gestão da Qualidade 
particularmente nos aspectos concernentes ao contexto político da empresa (interno e externo), aos 
aspectos comportamentais e aos operacionais da organização, bem como suas consequentes 
repercussões nos custos totais. 
A utilização, por exemplo, da ferramenta denominada Custos da Qualidade poderia ter 
evidenciado esses equívocos. O modelo de Custos da Qualidade, diferentemente da sistemática 
tradicional da Contabilidade de Custos, incorpora não somente os fatos geradores efetivamente 
ocorridos, mas considera também os custos não financeiros e os custos potenciais decorrentes da não 
qualidade do produto: custos que não foram efetivamente incorridos, mas que apresentam 
Casos de Ensino / Gestão: O Motim da Kanchedata 77 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
possibilidades concretas de virem a ocorrer. Esse modelo se baseia em uma sistemática específica – 
associada a um Plano de Contas também específico – para a consolidação dos chamados Custos de 
Prevenção, Custos de Avaliação, Custos de Falhas Internas e Custos de Falhas Externas. A 
combinação e comparação desses custos é um instrumento extremamente eficaz para a tomada de 
decisões relativas aos investimentos em Qualidade. 
O modelo por si só já teria sido provavelmente suficiente para evidenciar as vantagens 
financeiras que teriam advindo da implantação do Sistema de Gestão da Qualidade. Porém, além disso, 
uma formulação consistente dos Custos de Falhas, particularmente dos Custos de Falhas Externas 
exige a realização de uma acurada Análise de Riscos. É de se supor que essa análise evidenciaria os 
riscos associados, por um lado, ao monopólio das informações relativas ao produto que era detido pela 
equipe do SS-Sys; e, por outro, da fragilidade do monopólio comercial que era assumido como 
assegurado pela diretoria. 
A última questão trata das lições aprendidas. Essa questão representa, na verdade, uma síntese 
das questões anteriores. A partir dos percalços vivenciados pela empresa e que são resultados de 
decisões equivocadas ou inadequadas e ações que não foram tomadas no momento correto ou 
aproveitando-se de uma oportunidade propícia, é possível definir uma postura que deve ser adotada 
para a empresa no futuro. Assim, devem ser avaliadas as alternativas e possibilidades que estão 
colocadas no presente para que a empresa supere a crise e desenvolva mecanismos para evitar que 
situações como essa venham a se repetir. 
Finalmente, deve ser observado que as cinco questões apresentadas para discussão do caso em 
sala de aula tratam de uma análise pretérita da organização e sempre tendo como objeto de estudo as 
questões relacionadas à Gestão da Qualidade. Elas têm por objetivo evidenciar situações vividas pela 
empresa a partir de decisões que já foram tomadas e possibilitar uma discussão atinente aos fatos 
ocorridos, motivações da empresa para conduzi-los da forma que o fez e possibilidades existentes para 
que a situação presente descrita não tivesse ocorrido. A perspectiva de futuro coloca-se, também, no 
mesmo contexto teórico e a partir de uma referência ao passado: trata-se da discussão das atitudes que 
devem ser tomadas no futuro para que se evite que fatos como os narrados venham a se repetir. 
Todavia, conforme citado na parte introdutória da presente Nota de Ensino, o caso da Kanchedata 
oferece outras oportunidades de estudo em diversos outros temas. Uma dessas possibilidades 
considera o fato de que a empresa vive uma crise de extrema gravidade no presente e que exige uma 
tomada de decisão em uma situação crítica. Assim, o caso pode ser empregado com a abordagem de 
um caso para tomada de decisão, podendo ser utilizado dessa maneira como instrumento didático 
para diversas disciplinas da área de Gestão Organizacional. 
 
Indicações bibliográficas 
 
Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2003). NBR ISO 10006:2003 – Gestão da qualidade – 
Diretrizes para a qualidade no gerenciamento de Projetos. Rio de Janeiro: Autor. 
Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2008). NBR ISO 9001:2008 – Sistemas de gestão da 
qualidade – Requisitos. Rio de Janeiro: Autor. 
Brocka, B., & Brocka, M. S. (1994) Gerenciamento da qualidade. São Paulo: Makron Books. 
Carnegie Mellon University, Software Engineering Institute. (2012). Capability maturity model 
integration. Pittsburgh. Recuperado de http://www.sei.cmu.edu/cmmi 
Carvalho, A. M. B. R., & Chiossi, T. C. S. dos (2001). Introdução à engenharia de Software. 
Campinas: Editora da Unicamp. 
Cerqueira, E. P., Neto de (2011). Gestão de mudanças. São Paulo: All Print Editora. 
Crosby, P. (1979). Qualityis free. New York: Penguin Putnam Inc. 
M. O. Nogueira 78 
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, pp. 62-78, Jan./Jun. 2013 www.anpad.org.br/tac 
Demarco, T., & Lister, T. (1990). Peopleware: como gerenciar equipes e projetos tornando-os mais 
competitivos. São Paulo: Makron Books do Brasil / McGraw Hill. 
Feigenbaun, A. V. (1991). Total quality control. New York: McGraw-Hill International Editors. 
Fleury, M. T. L., & Oliveira, M. M., Jr. de (Org.). (2001). Gestão estratégica do conhecimento: 
integrando aprendizagem, conhecimento e competências. Rio de Janeiro: Atlas. 
Heldman, K. (2006). Gerência de projetos: guia para o exame oficial do PMI. Rio de Janeiro: Ed. 
Campus. 
International Organization for Standardization. (2004). ISO/IEC 90003:2004 – Software engineering – 
Guidelines for the application of ISO 9001:2000 to computer software. Geneva: Author. 
Juran, J. M. (2009). A qualidade desde o projeto: novos passos para o planejamento da qualidade em 
produtos e serviços. São Paulo: Cengage Learning. 
Juran, J. M. (2010). Juran’s quality control handbook. New York / Singapure: McGraw-Hill, INC. 
Kerzner, H. (2011). Gerenciamento de projetos: uma abordagem sistêmica para planejamento, 
programação e controle. São Paulo: Blucher. 
Meredith, J. R. (2003). Administração de projetos: uma abordagem gerencial. Rio de Janeiro: Ltc 
Editora. 
Pfleeger, S. L. (2004). Engenharia de software: teoria e prática. São Paulo: Prentice Hall. 
Pressman, R. S. (2002). Engenharia de software. Rio de Janeiro: McGraw-Hill. 
Rocha, A. R. C. da, Maldonado, J. C., & Weber, K. C. (2001). Qualidade de software: teoria e 
prática. São Paulo: Prentice HalL. 
Sommerville, I. (2011). Engenharia de software. São Paulo: Pearson Education do Brasil. 
Vergara, S. C. (2012) Gestão de pessoas. São Paulo: Atlas. 
 
 
Agradecimentos 
 
 
Gostaria de agradecer ao Prof. Kleber Fossati por seus valiosíssimos ensinamentos, conselhos e comentários. Contudo 
registro que todas as responsabilidades sobre as inevitáveis falhas deste texto são integralmente minhas. 
 
 
Notas 
 
 
1 Este caso é uma obra de ficção. Sua ambientação no Peru deveu-se a uma escolha aleatória por parte do autor. Quaisquer 
semelhanças com pessoas, fatos, situações, nomes, datas ou acontecimentos reais, exceção aos acontecimentos históricos de 
conhecimento público, são mera coincidência. 
2 Kanchero significa, na língua quéchua, conhecedor do oficio. Essa língua é o idioma original do império Inca, ainda falada 
por grande parte da população do país, especialmente, entre aqueles de origem indígena.

Outros materiais