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Indígenas e o ordenamento jurídico

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Os direitos dos povos indígenas no ordenamento jurídico brasileiro
Analisar o direito dos povos indígenas no Brasil é tarefa complexa, tendo em vista que o assunto compreende aspectos históricos, antropológicos e sociais relevantes, além da matéria de cunho jurídico propriamente envolvida.
A História mostra que os interesses políticos e econômicos sempre se fizeram presentes na problemática que envolve os direitos indígenas, repercutindo assim, sobre a proteção jurídica dada a esses povos desde a colonização do Brasil até os dias atuais.
A questão indígena merece, portanto, uma atenção especial. Afinal, é na diversidade cultural que está pautada a identidade da nação brasileira, de modo que se torna imprescindível a consolidação de um aparato legislativo eficaz na proteção desses povos.
Nesse contexto, é importante destacar quais foram as principais Constituições Federais Brasileiras para assegurar o direito indigenista e como esse amparo legal se dá no texto constitucional vigente. Não se deve olvidar, contudo, a relevância do ordenamento jurídico infraconstitucional relativo aos direitos indígenas.
É verdade que já nos tempos coloniais o Alvará de 1º de abril de 1680 reconheceu o direito de posse permanente das terras ocupadas pelos índios, dando origem ao denominado indigenato, o que simbolizou o início de proteção aos direitos indígenas. A proteção constitucional, no entanto, só viria em 1934.
Em 1910 foi criado o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), o qual foi substituído, no ano de 1918, pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), por força do Decreto nº 3.454.
Nesse ponto, cabe ressaltar que o SPI, pautado inicialmente nos ideais de Marechal Rondon, estabeleceu as diretrizes da política indigenista brasileira, simbolizando sua institucionalização. Baseou-se no direito de autoafirmação dos indígenas e na garantia de preservação dos seus respectivos territórios.
Conforme ressalta Darcy Ribeiro: “Pela primeira vez era estatuído, como princípio de lei, o respeito às tribos indígenas como povos que tinham o direito de ser eles próprios, de professar suas crenças, de viver segundo o único modo que sabiam fazê-lo”. (RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. [S. L.]:Companhia das letras, 2000, p.168).
Com o passar do tempo, porém, o SPI enfrentou dificuldades financeiras e, diante dos orçamentos exíguos, viu-se impossibilitado de recrutar profissionais para realizar as funções a ele inerentes. Somado a isso, estava o descaso dos governantes estaduais e locais, na maioria das vezes, ligados economicamente aos interesses dos exploradores dos índios.
De repente, a atuação do Serviço era totalmente oposta aos interesses indígenas. A falta de recursos financeiros e políticos contribuiu para o declínio do SPI e, principalmente durante o regime militar, frequentes eram as denúncias acerca de fome, doenças e escravização, além de acusações de corrupção e genocídio. Tais fatos levaram a uma investigação por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o que resultou na demissão de inúmeros funcionários, como bem aponta a doutrina:
“O SPI lançou mão de um quadro funcional heterogêneo, envolvendo desde militares positivistas a trabalhadores rurais sem qualquer formação. Os regulamentos e os planos de ação estabeleciam uma pedagogia nacionalista que controlava as demandas indígenas, podendo resultar em situações de fome, doenças e depopulação, contrárias aos objetivos do Serviço. [...] O regime militar instaurado em 1964 empregava o Ato Institucional nº 5 para cassar as liberdades democráticas e o Serviço de Proteção aos Índios mergulhava numa conjuntura de escândalos e corrupção, levando a investigações que puniram inúmeros funcionários”. (OLIVEIRA, João Pacheco de; FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A presença indígena na formação do Brasil. Brasília: SECAD/MEC; UNESCO; LACED/UFRJ, 2006, p. 114/149)
Por tais razões, Darcy Ribeiro entende que o SPI passou por “breves períodos de atividade intensiva, seguidos de longos períodos de inoperosidade e quase estagnação”. (RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. [S. L.]:Companhia das letras, 2000, p.164).
De fato, o SPI teve seu ápice marcado por figuras influentes como Rondon. Todavia, o comprometimento com os povos indígenas foi se tornando secundário, sobretudo na vigência do regime militar. Assim, em meio a tamanha crise, o SPI foi extinto e em 1967 foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que vigora até os dias atuais.
Vinculada ao Ministério da Justiça, a FUNAI visa promover a defesa dos interesses indígenas, assumindo papel importante no processo de demarcação de terras.
No ano de 1973, foi criado o Estatuto do Índio (Lei 6.001), numa tentativa de compilar as normas de direito indigenista existentes até então.
Organizado em sete títulos, o estatuto dispôs desde os direitos civis e políticos dos índios até as normas penais que incidem sobre essas comunidades. Tratou, ainda, dos direitos territoriais, da educação, cultura e saúde dos índios.
Em que pese a relevância deste aparato legislativo para o ordenamento jurídico brasileiro, cumpre esclarecer que as normas ali estabelecidas possuem condão assimilacionista, ou seja, estão impregnadas do equivocado propósito de incorporar o índio ao restante da sociedade, ocasionando perda de sua identidade étnica e cultural.
Essa tendência errônea em tentar “civilizar o índio” era comum durante a ditadura militar, época da promulgação do referido estatuto e, por isso, é o ideal que permeia grande parte dos artigos dessa lei.
Por essa razão, há autores que afirmam que o Estatuto foi formulado baseando-se numa dinâmica voltada à verdadeira aculturação dos índios, simbolizando um retrocesso na garantia dos direitos indígenas:
“Contida neste conceito está a ideia de que os índios em algum tempo não necessitarão mais sequer serem chamados de índio, porque estarão integrados à sociedade nacional, então as garantias a seus direitos estarão equiparadas às garantias de todos os outros cidadãos, e suas terras deixarão de ser suas, para serem devolvidas ao domínio público como terras da União. O Estatuto do Índio, portanto, é um retrocesso do ponto de vista teórico em relação à tutela, porque recria a ideia da emancipação e a possibilidade de devolução das terras indígenas ao Estado, justamente por seus titulares perderem a qualidade de índios. (SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. Curitiba: Editora Juruá, 1998, p.103).
Para Ana Valéria Nascimento Araújo Leitão, o objetivo do Estatuto era consertar a imagem do Brasil no exterior:
“Fruto das inquietações do governo brasileiro com as severas críticas que vinha sofrendo por parte da comunidade internacional desde 1967, em razão de denúncias sobre violações maciças de direitos humanos e massacres genocidas dos povos indígenas no Brasil, o objetivo dessa lei era, portanto, mudar a imagem do governo no exterior, mostrando à opinião pública internacional a sua preocupação com os indígenas e a existência de uma política indigenista coerente com os instrumentos internacionais à época existentes. (LEITÃO, Ana Valéria Nascimento Araújo. Direitos Culturais dos Povos Indígenas: Aspectos do seu Reconhecimento - artigo publicado na obra Os Direitos Indígenas e a Constituição, coordenada por Juliana Santilli – Núcleo de Direitos Indígenas, Porto Alegre, 1993, p. 231/232)
Da leitura de seus artigos, observa-se que em momento algum o Estatuto visa incentivar a diversidade cultural. Pelo contrário, seu objetivo era transformar o índio em um ser humano “civilizado”. Partindo dessa premissa, verifica-se que o índio incorporado à sociedade tida como civilizada perde sua característica de índio e, consequentemente, deixa de ter seus direitos garantidos, inclusive sobre as terras que ocupa.
Assim, ao adotar uma política assimilacionista, não há como dizer que a lei6.001/1973preocupa-se em preservar a cultura indígena. Acerca do tema, expõe Orlando Villas Bôas Filho:
“O objetivo integracionista que norteia o Estatuto do índio serviu ainda para dar respaldo a manobras que, expressando interesses políticos e econômicos, visavam não apenas suprimir direitos territoriais das comunidades indígenas, mas além disso, eximir o Estado do exercício da tutela que lhe incumbia e, também, desqualificar lideranças indígenas que se mostrassem incômodas.” (VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Os Direitos Indígenas no Brasil Contemporâneo. In: BITTAR, Eduardo C. B. História do direito brasileiro: leituras da ordem jurídica nacional. São Paulo: Atlas, 2003, p.285).
Com efeito, o Estatuto do Índio precisa ser alterado com urgência, haja vista a perspectiva por ele adotada, que conduz o futuro dos índios a deixar de serem índios.
O projeto para o novo estatuto do índio tramita no Congresso desde a década de 90 e tem por base as premissas estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, pela Convenção 169 da OIT e pela Declaração dos Povos Indígenas. Disciplina o acesso dos povos indígenas às terras, saúde e educação de acordo com os preceitos constitucionais e não mais sob a visão assimilacionista que permeia o Estatuto vigente.
Prevê o projeto de lei disposições acerca da imputabilidade penal dos índios, o respeito a sua organização, valores e costumes. Há, ainda, propostas no sentido de acabar com o usufruto exclusivo dos índios às riquezas das terras ocupadas, autorizando que a exploração do solo seja também realizada por terceiros.
É necessário, todavia, que essa nova lei estabeleça estratégias de como os direitos indígenas serão garantidos pelo governo, dispondo objetivamente sobre a maneira de atuação do Estado. Isso porque, dispor sobre os direitos indígenas sem estabelecer quais diretrizes devem ser tomadas pelo Poder Executivo para concretizá-los, não produzirá efeito prático algum. Basta analisar a situação atual: tanto o Estatuto vigente como a Constituição Federal dispõem sobre a demarcação das terras indígenas, contudo esse procedimento ainda não foi finalizado, gerando incontestável insegurança jurídica.
Examinados os instrumentos infraconstitucionais, faz-se necessária uma análise de nível constitucional acerca dos direitos indígenas.
Vale lembrar que até a promulgação da Constituição de 1988, todo o amparo legal dado aos índios tinha por meta integrá-los à sociedade não-índia, o que implicava na perda de sua identidade étnica. O ordenamento jurídico atual abandonou essa política integracionista, reconhecendo os direitos indígenas e aceitando a diversidade cultural.
A princípio, a Constituição imperial de 1824 e a republicana de 1891 nada dispuseram sobre o tema, mantendo-se em vigor o indigenato do período colonial.
A proteção no âmbito constitucional só veio a ocorrer com a Constituição de 1934, que deu competência privativa à União para legislar sobre as questões indígenas, tornando-se o ente responsável por gerir a política indigenista brasileira. Essa constituição manteve o entendimento acolhido pelo indigenato, prevalecendo a proteção sobre as terras indígenas, assegurando-lhes a posse e vedando sua alienação.
Pode-se afirmar que a competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria indígena significou grande avanço ao direito indigenista brasileiro, uma vez que deixar tal função a cargo dos estados ou municípios poderia resultar na preponderância dos interesses econômicos e na consequente espoliação dos direitos indígenas.
Em 1937, uma nova constituição foi implementada no país, sob comando de Getúlio Vargas, repetindo a previsão da constituição anterior acerca das terras indígenas. Novamente estava resguardada a posse dos índios nas terras por eles ocupadas permanentemente, ainda que tal proteção ficasse apenas na teoria.
A Constituição de 1937, por sua vez, foi omissa no que concerne à competência privativa da União em legislar sobre a matéria. Afinal, considerando a estrutura do governo autoritário vigente na época, a atividade de legislar muitas vezes ficava a cargo do próprio Poder Executivo, conforme elucida José Afonso da Silva:
“A Carta de 1937 não teve, porém, aplicação regular. Muitos de seus dispositivos permaneceram letra morta. Houve ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo concentrado nas mãos do Presidente da República, que legislava por via de decretos-leis que ele próprio depois aplicava, como órgão do Executivo. [...] Vinte e uma emendas sofreu essa Constituição, através de leis constitucionais, que a alteravam ao sabor das necessidades e conveniências do momento e, não raro, até do capricho do chefe do governo.” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 34ª edição, Malheiros, p.83)
Vargas deixou o poder em 1945 e, no ano seguinte, foi promulgada uma nova constituição brasileira.
A Constituição de 1946 repetiu o pensamento expresso na de 1934, retomando a exclusividade da União no tratamento das questões indígenas e tornando incontestável o direito dos índios sobre as terras que ocupam.
A Constituição de 1967, por sua vez, acrescentou a ideia de terras públicas às áreas ocupadas pelos índios, dispondo que essas terras pertenciam a União, tornando-se, portanto, bens públicos.
Embora declarasse que as terras ocupadas pelos índios integravam o patrimônio da União, o texto constitucional assegurou aos índios a posse permanente das terras e reconheceu o usufruto exclusivo dos recursos nelas existentes.
A Emenda Constitucional nº 01/69 inovou no ordenamento ao declarar a nulidade e extinção dos atos jurídicos que tivessem por objeto o domínio, a posse ou a ocupação das terras indígenas, enfatizando, inclusive, o não cabimento de indenização. Dessa forma, qualquer negócio que prejudicasse a posse indígena sobre as terras não produziria efeitos jurídicos.
De acordo com José Afonso da Silva:
“Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 34ª edição, Malheiros, p.87)
Apesar do gradual avanço constitucional no amparo aos direitos indígenas, cumpre observar que todas as constituições até 1988 mantiveram uma ótica integracionista. À medida que dispunham sobre a competência da União em legislar sobre “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”, ficava evidente que o objetivo era impor aos índios uma cultura não-índia, ignorando seu modo de vida tradicional. Todo o ordenamento jurídico girava em torno de uma única meta: proteger o índio para integrá-lo.
De fato, a Constituição Federal de 1988 significou um avanço inédito do Brasil no âmbito do direito indigenista, pois passou a valorizar a cultura indígena ainda que de forma sucinta.
Sua promulgação significou a ruptura da ideologia integracionista à medida que o legislador reconheceu ao índio o direito de ser índio, mantendo sua organização social, suas crenças, seus costumes, suas línguas e tradições, além de lhe atribuir o direito originário sobre a terra que tradicionalmente ocupa.
Pode-se dizer que a Constituição de 1988 abandonou a perspectiva assimilacionista que, até então, enxergava os índios como titulares de direitos especiais provisórios, que iriam perdurar até que se tornassem “civilizados”, perdendo assim, sua qualidade de índio. A partir desse novo entendimento constitucional, o índio não era mais visto como uma categoria social transitória, mas sim como índio, podendo permanecer dessa forma indefinidamente, sem necessitar de uma transfiguração étnica que o incorporasse à sociedade. Nesse sentido:
“Com a Constituição Federal de 1988 rompeu-se a perspectiva integracionista estabelecida desde o SPI: as terras indígenas seriam definidas desde então como aquelas que possibilitam a reprodução dos índios, isto é, aquelas “necessárias a sua preservação física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”(OLIVEIRA,João Pacheco de; FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A presença indígena na formação do Brasil. Brasília: SECAD/MEC; UNESCO; LACED/UFRJ, 2006, p. 134).
Está superada, portanto, a ideia de incorporação dos índios à comunhão nacional, como estabeleciam as constituições anteriores. Pela nova visão constitucional, a cultura dos não-índios deixa de ser a única forma de cultura válida. Ana Valéria Nascimento Araújo Leitão explica:
“À luz da Constituição em vigor, portanto, os povos indígenas deixaram de ser considerados culturas em extinção, fadadas à incorporação na assim denominada comunhão nacional, nos moldes do que sempre fora o espírito a reger a legislação brasileira desde o início do processo de colonização em nosso país. Toda a legislação anterior continha referências expressas à integração ou assimilação inevitável e, por outro lado, desejável dos índios pela sociedade brasileira. A nova mentalidade assegura espaço para uma interação entre esses povos e a sociedade envolvente em condições de igualdade, pois que se funda na garantia do direito à diferença.” (LEITÃO, Ana Valéria Nascimento Araújo. Direitos Culturais dos Povos Indígenas: Aspectos do seu Reconhecimento - artigo publicado na obra Os Direitos Indígenas e a Constituição, coordenada por Juliana Santilli – Núcleo de Direitos Indígenas, Porto Alegre, 1993, p. 228).
Conclui-se, pois, que por muito tempo os direitos indígenas ficaram à mercê dos interesses políticos e econômicos típicos da ideologia desenvolvimentista da época. Toda a legislação existente era eivada por uma perspectiva assimilacionista, que enxergava o índio como um ser não evoluído e impulsionava ao máximo a sua incorporação àquilo que se chamava de sociedade civilizada.
Com a evolução das Constituições Federais Brasileiras, nota-se um avanço em relação à problemática indigenista, sobretudo acerca de seus direitos territoriais.
A Constituição de 1988 modificou o cenário que regia os direitos indígenas até então, afastando definitivamente o objetivo de incorporar o índio à sociedade. Passou-se a valorizar a diversidade cultural, respeitando o modo de vida tradicional das comunidades indígenas.
O Estatuto do Índio acaba entrando em conflito com o texto constitucional, de modo que diversos artigos não foram recepcionados pela Constituição de 1988, fazendo com que novos projetos de atualização venham à tona.
Em que pese toda a legislação existente na atualidade para a proteção dos índios e o abandono da visão assimilacionista, observa-se que ainda hoje os direitos indígenas são colocados atrás de interesses políticos e econômicos. É o que se conclui quando da análise de questões emblemáticas como, por exemplo, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a Aldeia do Maracanã e a Hidrelétrica do Belo Monte e seus efeitos irreversíveis sobre os povos indígenas.
Infelizmente, a atuação do Judiciário nem sempre se mostra satisfatória para a proteção dos povos indígenas. Muitas vezes demonstra falha na proteção do direito indigenista, proferindo decisões que ofendem tanto a legislação interna do país como as normas internacionais de amparo a esses povos.
Nota-se que os direitos indígenas estão bem amparados na teoria, mas na prática a atuação do Poder Público, muitas vezes, nos remete à época da ditadura, onde o desenvolvimento econômico não conseguia caminhar ao lado do respeito à diversidade cultural.
Dessa forma, para que a proteção aos direitos indígenas pudesse realmente se impor, seriam necessárias normas que limitassem a própria ação do Estado enquanto agente violador. Mas, com certeza, isso está longe de se tornar realidade e, enquanto isso, os povos indígenas continuam correndo o risco de desaparecer definitivamente.
Por fim, o que se vê com frequência é a flexibilização do conceito de justiça para favorecer os interesses econômicos e políticos do país. Manuela Carneiro Cunha já afirmou que “o Estado tem razões que a justiça desconhece”. (CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, direitos e cidadania. [S. L.]: Claro Enigma, 2012, p.114). E, de fato, há ocasiões em que a atuação estatal se revela um atentado aos direitos indígenas.

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