Buscar

SKINNER A origem do Estado resumo

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

SKINNER, Quentin. El nacimiento del Estado. Buenos Aires: Editorial Gorla, 2003. 
Fichamento 
Feito por Leandro Corrêa de Oliveira 
Capítulo 1 
Tem-se uma análise de Hobbes, a partir de duas obras De Cive e O Leviatã, identificando, 
no primeiro, que o autor pretende investigar "o direito do Estado e dos deveres do 
cidadão" e no segundo analisar “esse grande Leviatã que chamamos de República ou 
Estado” (21) 
Skinner tem a postura como emblemática, pois pela primeira vez se estabelecia uma 
grande novidade para a teoria política: a de que os súditos estão antes obrigados perante 
um ente, um organismo chamado Estado, mais do que à pessoa de um governante. De 
modo implícito estabelece que “estamos obrigados perante o Estado e não ante uma 
multiplicidade de autoridades jurisdicionais, tanto locais quanto nacionais, eclesiásticas ou 
civis (21) Hobbes usa assim o termo Estado (State) para denotar uma fonte superior de 
autoridade nos assuntos do governo civil (21). 
Hobbes anuncia então o fim de uma fase da teoria política e o começo de outra que nos 
parece mais familiar: o fim de um conceito mais personalista e carismático de poder e 
soberania para um órgão mais impessoal. 
Skinner se propõe a analisar as circunstâncias históricas, linguisticas e conceituais que 
possibilitaram esta mutação. 
Capítulo 2 
Skinner passa a analisar a expressão Estado desde o século XII, para identificar que este 
conceito, significa uma condição; ou do reino, ou da cidade ou da república, identificado 
com uma (boa) condição ou estado onde se garanta o benefício público ou o bem comum. 
Capítulo 3 
No contexto político, o significado diz respeito ao estado ou posição de um rei ou de um 
reino, mas de nenhuma maneira a ideia do estado enquanto instituição em cujo nome se 
exerce o governo legítimo. (29) 
A modificação do conceito para seu significado moderno - a primeira linha de investigação 
parte de manuais para magistrados/príncipes em “espejos para principes”, que com o 
tempo estes manuais deram origem - foram um marco do pensamento político prático, já 
que os termos status e stato começaram, pela primeira vez, a serem utilizados de 
maneiras novas. 
Estes teóricos estavam preocupados com questões políticas conexas; e sua pretensão 
era explicar de que modo os governantes poderiam ao mesmo tempo alcançar glórias e 
honras para si próprios e ao mesmo tempo garantir o bem estar de seus súditos. De modo 
mais estreito, a preocupação era principalmente aconselhar o governante, imerso em 
questões políticas agitadas a conservar seu status (condição) de governante (status 
principis ou stato del principe) efetivo de seus territórios. 
Em síntese: status e stato passaram a significar os diversos requisitos que o governante 
(o principe) deveria se valer não só para se manter no governo, mantendo o regime 
político, mas também garantindo a estabilidade do reino e a felicidade de seus súditos. 
Este ponto culmina na obra de Nicolau Machiavel, em 1513. 
Para a manutenção deste poder (e de um governo eficaz) o governante deveria ser capaz 
de satisfazer uma certa quantidade de requisitos, empregados de forma crescentemente 
estendida para fazer referencia a vários aspectos do poder político. Um destes requisitos 
era a capacidade de manter o regime político vigente, de modo que a idéia de status ou 
stato significa não só a condição de príncipe, mas também à presença de uma forma 
específica de governo, o que parece estar ligado à descrição aristotélica dos tipos de 
governo (31), como a monarquia, a aristocracia e a democracia 
Machiavel, vai neste sentido ao estabelecer, logo no início de usa obra O Príncipe que 
todos os Estados, todos os domínios que existiram e tem existido sobre os homens ou 
são repúblicas ou principados. 
No período do século XV a vinculação entre a nomenclatura stato/status estava já 
plenamente ligada à existência dos regimes políticos existentes. Francisco Vettori, amigo 
de Machiavel, por exemplo, usava a expressão para se referir às diferentes formas de 
governo e também para descrever o regime prevalecente em Florença, que desejava ver 
defendido (32) 
Um outro requisito para a manter a (sua) própria condição (state) de governante era a 
defesa dos territórios governados contra perdas e alterações, de maneira que os termos 
status e stato também dizem respeito às áreas sobre as quais um governante deve 
exercer o controle. 
Machiavel, nO Principe, se vale frequentemente do termo lo stato para se referir às terras 
e territórios dos príncipes. E no capítulo 3 faz referencia aos métodos que um príncipe 
sábio deve adotar se peretende adquirir novos stati. E no capítulo 24 se pergunta sobre 
as razões pelas quais tantos príncipes da Itália tenham perdido seus stati em curso de 
suas vidas. 
De marcante influencia italiana, o termo state é também utilizado na Europa do norte, 
quando autores como Thomas Starkey em seu Dialogue fala sobre a necessidade de 
estabelecer um conselho na Inglaterra para “representar todo o state”..(33) 
Outro requito apontado como relevante é a capacidade do governante ter o controle sobre 
as instituições existentes dentro de um reino ou civitas, de maneira que o termo stato 
passa a aludir não só aos regimes imperantes, mas também, especificamente, às 
instituições de governo e aos mecanismos de controle coercitivo orientados a preservar a 
ordem dentro das comunidades políticas. 
Vespasiano, em sua Vite, fala em várias ocasiões do stato como sendo um aparato de 
autoridade política. Stato passa a significar também uma estrutura de poder que o 
príncipe deve controlar. 
E Machiavel distingue as instituições do Estado como possuidoras das próprias leis, 
costumes e ordenanças, e se refere ao Estado como um agente independente e o 
descreve como capaz, entre outras coisas, de escolher os cursos de ação e de apelar à 
lealdade de seus cidadãos nas épocas de crises. O autor não crê estar apenas discutindo 
sobre o modo de como os príncipes deveriam se comportar, mas em termos mais 
abstratos, sobre a arte do governo (dello stato) e sobre as cosi di stato, como assuntos de 
Estado. 
A partir destas argumentações o Estado, segundo as observações de Machiavel não é 
somente um aparato de poder, mas um agente cuja existência independe daqueles que 
exercem a autoridade num dado momento. Trata-se de uma importante modificação em 
termos linguisticos, passando o o Estado a significar as instituições de governo e 
consequentemente a um aparato especifico de poder. Mas estes autores nunca pensaram 
que seria ele um ente que se distingue dos governantes e governados, como mais tarde 
vai ser desenhado. 
Capítulo 4 
Para se chegar a isto, de que seria ele um ente independente como sede da soberania, é 
necessário avaliar outros espaços teóricos, quais sejam, os das teorias constitucionalistas 
superpostas que adquiram relevância nos séculos XV e XVI. Uma delas é a teoria 
contratualista, dos escritores contrários ao regime monárquico, do final do século XVI. A 
outra tradição é do republicanismo italiano, do período do renascimento, dentro e fora da 
Itália. 
Segundo a tradição republicana (que Skinner trata no capítulo 2), o ideal básico do 
autogoverno se baseava em duas leituras: uma jurídica, dos comentadores das leis, dos 
quais muitos se dedicaram ao a fazer uma adaptação da teoria do imperium do direito 
romano das cidade-estado italianas. A outra era de tom moralista, adotado pelos 
defensores de uma “verdadeira república” da antiga Roma. 
Mas há uma elemento que permeia estas duas concepções: a de que todo o poder 
corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Deste modo, qualquer indivíduo 
ou grupo que detenha soberania sobre uma comunidadetenderá a promover seus 
próprios interesses às expensas do bem comum. Então, para se assegurar que as leis 
promovam o bem da comunidade em seu conjunto será deixar que os cidadãos se 
ocupem dos seus próprios assuntos. 
Esta idéia básica se direcionava para dois caminhos diferentes: eram utilizadas para se 
defender a liberdade das cidades italianas frente à ingerências externas (como as do 
império ou da igreja, por exemplo), como fez Bartolo ao rechaçar o fato de que as cidades 
da Toscana estariam submetidas a um poder superior àqueles relativos aos assuntos 
temporais. Isto se dava em grande medida para se evitar potenciais conflitos de jurisdição 
coercitiva numa mesma cidade, seja da pretensões políticas da igreja, que não deveria 
adentrar em assuntos cívicos ou seculares (Marcílio de Pádua, 1324, com Defensor 
Pacis, ou Giovanni da Viterbo, 1250, como Regimine Civitatum). 
O mesmo rechaço se dá com o poder que detinham senhores feudais locais, 
considerados os mais perigosos inimigos da liberdade… 
O outro argumento é que a república seria o melhor regime para se manter a liberdade 
(argumento que já era encontrado em escritos desde antes dos quatrocentos); noutras 
palavras, esta seria a única forma de governo sobre a qual a cidade poderia pretender se 
manter um “estado livre”. A comunidade deveria exercer toda a soberania, como última 
instancia, de modo que os governantes e magistrados deviam se submeter a um mesmo 
estatuto de poder, que não seria em nada diferente do aquele exercido pelos funcionários 
eleitos. Os funcionários deviam, por sua parte, se reconhecer como meros agentes, com a 
função de assegurar que as leis estabelecidas pela comunidade para seu próprio bem 
fossem executadas com imparcialidade. 
Da mesma forma, seria por este regime que a cidades aumentariam seu domínio e 
riqueza, como afirmar machiavel em seu Discorsi. Diz ele no Livro II “as cidades nunca 
aumentam seu domínio ou sua riqueza senão quando vivem em liberdade. A causa disso, 
para ele, é fácil de entender: o que faz as grandes cidades não é o bem particular, mas o 
bem comum. E sem dúvida, este bem comum não se alcança mais do que nas republicas. 
Por estes autores e por estas concepções se encontra pela primeira vez a a afirmação de 
que existe uma forma diferenciada de autoridade civil ou política, que é autônoma; que 
existe para regular os assuntos públicos e da uma comunidade independentemente e que 
não admite rivais como fonte de poder coercitivo dentro de seu território. A primeira vez 
que se encontra a familiar interpretação de que o Estado é o detentor do monopólio da 
força legítima. 
Esta concepção de poder foi adotada pela Inglaterra e pela França num estágio de seu 
desenvolvimento constitucional, por volta do século XVI. 
A outra via pela qual a tradição republicana contribuiu para cristalizar uma interpretação 
do Estado como um organismo independente foi (de modo ainda mais significativo) a 
imposição aos seus governantes de condições estritas para o exercício do poder, como 
um modo de se manter a liberdade. 
Eles deveriam ser eleitos e se submeterem às leis da comunidade para a obtenção do 
bem comum. Concebe-se, portanto, a noção de que os governantes e magistrados devem 
sempre ser eleitos e permanecer sujeitos às leis e instituições da comunidade que os 
elege. Os teóricos concebem os poderes do governo civil como encarnados em uma 
estrutura de leis e instituições cuja administração em nome do bem comum haja sido 
confiada a governantes e magistrados. 
Não se trata de um governo particular, de modo que não há mais sentido em falar que o 
governante mantém seu status, no sentido de manter sua ascendência pessoal sobre os 
assuntos de governo. E começam a utilizar o termo Estado para fazer referencia a esta 
estrutura de governo que os governantes tem a obrigação de manter e preservar. Deste 
modo, ainda que em escritos anteriores (Giovanni da Vigano, 1270, Flore de Parlare; 
Matteo de’Libri, Arringhe) se poderia notar a existência de agentes eleitos e vinculados à 
manutenção do status de paz e bonança, foi só com o ultimo florescer do republicanismo 
a partir do século XV que os termos status e Estado são utilizados com consciência para 
a se fazer referencia a um aparato independente de governo. Deste modo o fazem 
Alamanno Rinuccini, 1479, De libertate; Gasparo Contarini, De republica Venetorum; 
Francismo Patrizi, De institutione republicae. 
Se Maquiavel em seu Discurso utiliza o termo status/Estado como um mesmo sentido 
tradicional, para denotar um mesmo tipo de organismo e autoridade, em algumas 
passagens (Capítulo 2; capítulo 6 e Capítulo 18) vai estabelecer uma distinção importante 
entre a autoridade dos magistrados do ordenamento de governo, ou seja, o Estado. 
Observa-se a recepção do republicanismo italiano na Europa do Norte, entre ingleses e 
holandeses, quando se referiam, no século XVII a Estados livres, e o surgimento da 
expressão commonwealth, como equivalente de República 
De qualquer modo, esta construção (de uma autoridade diferenciada entre governantes e 
governados) ainda não pressupõe a utilização do termo Estado segundo a compreensão 
moderna. Isto porque ainda não se estabelece ainda uma distinção entre os poderes das 
comunidades e os poderes do Estado; ao contrário, a teoria republicana se orienta para 
uma identificação entre ambos, de maneira que as instituições de governo do Estado são 
concebidas para serem apenas um meio de expressão dos poderes do povo de um modo 
administrativamente mais conveniente. 
Capítulo 5 
A segunda das tradições superpostas do pensamento constitucionalista é a dos autores 
chamados de monarcômacos (ou regicidas) conhecidos como aqueles que combatiam a 
monarquia absolutista e a tirania dos soberanos. Este termo foi empregado pela primeira 
vez por Willian Barclay, em sua obra De Regno, de 1600. 
Estes autores adquiriram uma súbita importancia na ultima parte do século XVI, durante a 
guerras religiosas na França e nos países baixos (Holanda), ainda que as raízes 
intelectuais de seu constitucionalismo estivesse ligadas às teorias jurídicas e escolásticas 
das corporações. 
Poucos desses autores eram republicanos, no sentido de estrito de que o autogoverno 
seria a condição necessária para a liberdade pública e privada. Geralmente se 
contentavam em assumir que o direito do povo de exercer a soberania estaria garantido 
por uma forma monárquica de governo, ainda que assumissem que era necessário que o 
monarca fosse eleito. 
Sua preocupação era, em termos religiosos, defender o direito do povo, especialmente 
diante de opressões sectárias, a remover os governantes legalmente estabelecidos caso 
se demonstrasse que estes estavam a governar de forma tirânica. A partir daí foi possível 
se estabelecer uma teoria da soberania popular. 
Este posicionamento foi adotado pelos calvinistas, na frança, na década de 1570, após 
que o governo católico determinou o massacre da noite de São Bartolomeu, 
supostamente por ordem de Catarina de Médici, onde foram assassinados mais de 2000 
calvinistas em Paris e cerca de 10000 nas demais províncias. 
A atitude tirânica despertou um movimento de protesto, que se resume no grande 
documento La Vindiciae, contra Tyrannos, quase que certamente escrito por Hubert 
Languet e Philippe Du Plessis Mornay, surgido em 1574 e revisado e ampliado em 1579. 
E nos países baixos, o esforço para se livrar do domínio espanhol fez surgir uma 
quantidade de tratados semelhantes, onde, talvez o mais importante tenha sido o de 
Joahannes Althusius, Politica Methodice Digesta, publicado em 1603. 
Enquanto isto, uma forma semelhante de constitucionalismo foi sido elaborada por 
autores católicos,tanto na Inglaterra quanto na frança. 
O princípio básico desta política era que todas as pessoas estão, por natureza, livres da 
sujeição do governo. Não só no sentido proclamado pela Vindiciae que "um povo pode 
existir por si mesmo, e que precede em tempo qualquer rei”, mas também que “os 
homens são livres por natureza, não toleram a servidão e tem nascido mais para mandar 
do que para obedecer”. Se existem povos vivendo como súditos de um governo, isto só 
se deve pelo fato de quem em um determinando momento eles devem ter decidido aceitar 
essa forma de sujeição, e devem ter consentido com seus termos livremente. O grande 
exemplo é o povo de Israel, que pactuou com Deus e com seus reis estabelecer uma 
república justa. De resto, como se pode inferir da Vindicie, “que o povo constituiu os seus 
reis, os ordena e aprova sua eleição através de seu voto” (49) 
Estes autores insistem, ademais, que se cada membro do governo viveu originariamente 
em estado de liberdade, não se pode imagina-los entrando em uma relação com seus 
governantes para a qual renunciam a seus originais poderes de autogoverno. Entregar 
seus direitos incondicionalmente, vendendo-se, em realidade, como escravos, não só 
seria uma evidente irracionalidade, mas também algo que contraria a própria lei da 
natureza. É a partir então da liberdade originária do povo, que os autores monarcômacos 
inferem que o contrato de governo tem o efeito de impor limites e condições para o 
exercício do poder político. 
Segundo La Vindiciae, ainda que Deus confirme a função dos governantes é pelo povo e 
para o povo que eles governam. Não estão constituídos pelo povo, mas sua autoridade é 
conferida pelo povo, que retêm o direito de resistir e de remover os que governam de 
maneira tirânica. (49). 
Deve-se ressaltar agora um pressuposto crucial desta visão sobre o contrato político. Se 
uma multidão de indivíduos ou de famílias em uma condição pre-política tem a habilidade 
e a capacidade de pactuar com um governante eleito, só pode ser porque tem a 
capacidade de formar uma só vontade e tomar decisões com uma única voz. O modo 
habitual de expressar esta ideia era dizendo que tal “populus" pode ser considerado “um”, 
como uma união ou uma forma unificada de sociedade. Às vezes o argumento era 
pensado de um modo mais específico numa forma de afirmação - adaptada da teoria das 
corporações de direito romano - de que populus pode ser descrito como uma universitas. 
Este é o termo empregado pela Vindiciae, e mais tarde, pela política de Althusius, para 
expressar a ideia de que qualquer corpo coletivo pode atuar “como um todo” e 
estabelecer os termos de sua sujeição a um governo. (50) 
Este todo, adquire o caráter de uma persona singular, uma entidade jurídica distinta dos 
indivíduos que a compõe. Esta persona tem a capacidade de atuar por meio de seus 
membros, que por sua parte devem saber expressar nã só suas vontades próprias, mas a 
vontade da pessoa, da populus, em seu conjunto. 
Este é o modo com o qual Hobbes vai tratar a universitas em seu Leviatã, no capítulo 16. 
Primeiro estabelecendo considerações sobre o disfarce ou aparência externa de um 
homem numa encenação e depois para identificar o próprio ator, seja no teatro ou numa 
conversação corrente. A partir daí, persona passa a significar os papéis que podem 
representar os cidadãos individuais, para assinalar as diferentes funções e deveres que 
desempenhamos. Este é o uso que pretende se valer Hobbes, conforme já tinha se valido 
Cícero, dizendo que quando o juiz julga um amigo deve se valer da pesona do juiz em 
favor da república despindo-se da persona de amigo… 
Foi devido a uma extensão metafórica do termo que faz com que persona assuma um 
conteúdo jurídico (persona jurídica), tal como o povo de Israel que efetua com Deus um 
acordo, onde uma comunidade de pessoas atuam como uma só persona. Este é o motivo 
pelo qual uma universitas pode ser considerada, segundo o direito, uma só persona. 
A imagem do povo como uma pessoa e, portanto, com capacidade para consentir com os 
termos de seu próprio governo, foi utilizada pelos monarcômacos para introduzir uma 
consideração genérica sobre os poderes requeridos para sustentar reinos e republicas. 
Escrevem sobre o contrato fundacional - o foedus ou pactus - com a fonte de estrutura 
das instituições públicas que surgem e se solidificam ao longo do tempo. Uma estrutura 
que deve ser grande o suficiente para cobrir os gastos do governo e sobretudo, da 
defesa, para que se tenha a paz; a paz que não pode existir sem a guerra, que demanda 
soldados, que demandam soldos, que demandam tributos. 
É a partir daí que se institui o domínio público: para dar conta dos gravames da paz.…e 
da mesma forma que fazem os republicanos, os monarcômacos também realizam uma 
forte distinção entre a função e a pessoa de todo governante ou funcionário encarregado 
de sua administração. O governante (ou o rei) seria um encarregado; um curador dos 
assuntos públicos. Tal como é dito na Vindiciae todo é rei é tão somente um “ministro e 
executor da lei”, que “recebe do povo as leis que deve proteger e observar”. 
A esta estrutura permanente das instituições, escrevem os autores, em latim, como 
estrutura do regnun ou da republica; e quando autores ingleses e franceses passam para 
o vernáculo, se valem do nome Estado. Este é o uso quando se referem ao Estado em 
conjunto (the hole state) ou quando o parlamento inglês, por ocasião da guerra civil, 
justifica que o parlamento se havia arrogado da soberania em virtude de que o Estado 
tem uma incumbência suprema em casos de perigo público. 
É dentro desta tradição que se encontra o Estado como um aparato de governo distinto 
dos governantes e dos governados. Todavia, os monarcômacos não fazem uma distinção 
entre os poderes da soberania e os poderes do povo. Assim como os republicanos 
clássicos, abarcam tão só um lado da noção duplamente abstrata de autoridade estatal. 
Quando dizem que a soberania é a propriedade de uma persona jurídica, é sempre a 
pessoa coletiva do povo, e não o corpo impessoal da mesma civitas ou republica. 
O corpo do povo é em todo momento o possuidor do supremo domínio e do senhor da 
república. E em nenhum destes escritos se vê uma distinção entre os poderes do povo 
como uma universitas e os poderes desta mesma civitas. Há sempre uma identidade 
entre ambos. 
Capítulo 6 
Para se identificar o momento em que os poderes do Estado foram descritos como tais e 
tornados distintos dos poderes dos governantes e da comunidade são necessários agora 
os teóricos que legitimavam as formas de governo absolutistas, que começaram a 
prevalecer na Europa ocidental durante a primeira metade do século XVII. 
A articulação de que o conceito de Estado diz respeito a uma “persona" distinta e sede da 
soberania foi, pode-se assim dizer, um subproduto destas teorias monarquistas. 
Alguns destes teóricos, mesmo inimigos da perspectiva republicana de Estados livres, 
mostraram admiração pelas teorias clássicas de liberdade e cidadania, como fez Hobbes 
em seu “Elements of Law”, ao afirmar que Aristóteles tinha razão ao afirmar que nenhum 
homem pode participar da liberdade a não ser numa comunidade popular. 
Mas em seu Leviatã, por outro lado, ataca o mesmo Aristóteles e também a Cícero, por 
identificarem na monarquia a tirania. 
Para a maioria destes escritores eram os monarcômacos uma ameaça mais grave e 
imediata. Jean Bodin, autor de “Six Livres de la République” (publicado pela primeira vez 
em 1576 e vertido para o inglês em 1606) afirmava que foi impulsionado a escrever 
quando percebeu em todas as partes que os súditos estavam armando-se contra seus 
príncipes e que estavam saindo abertamentelivros que ensinavam que eles (os príncipes 
enviados à raça humana pela providência) deviam ser retirados de seus reinados sob o 
pretexto de tirania e que os reis deviam ser eleitos, não por sua linhagem, mas pela 
vontade do povo. 
Uma de suas principais aspirações, explica, era refutar a idéia de que o poder do povo é 
maior do que o do príncipes, o que traria graves consequências para as republicas. Um 
ataque ainda mais direito aos monarcômacos foi feito pouco tempo depois pelos 
escritores da soberania “de Pont-à-Mousson” (Adam Blackwood e Willina Barclay, dois 
escoceses que ensinavam direito civil na França, através da obras “De Regno, de 1600). 
Seu ataque aos contrários à monarquia se deram, em primeiro lugar em razão da 
discordância destes com a destituição da rainha Maria, da Escócia, ato confirmado pelo 
parlamento escocês em 1567. E depois em razão das divergências com Geroge 
Buchanan, que havia defendido o procedimento num dos mais radicais tratados contra a 
monarquia “De Iure REgni apud Scotos”, de 1579. 
Foi Willian Barclay o primeiro a utilizar o termo monarcômaco (em seu De Regno, 1600), 
tendo sido chamado por John Locke nos seus dois tratados, de o grande campeão da 
monarquia absolutista. 
Com o surgimento da guerra civil na Inglaterra em 1642 responder às posições dos 
contrários à monarquia se tornou um assunto de urgência ainda maior e com esse 
propósito começaram a surgir vários escritos neste sentido, como o “The Unlawfulnesse 
of Subjects taking up Armes”, de Dudley Digges, publicado anonimamente em 1643. 
Mas o mais importante escritor desse período crítico foi Thomas Hobbes, primeiro em 
1640 com “The Elements of Law” e logo depois, em 1642 com “De Cive”. Assim como 
Bodin, Hobbes pretende advertir seus concidadãos que, como assinala mais tarde em “O 
Leviatã” que a condição de sujeição política pode até parecer miserável, mas nada se 
comparara em miséria e horror as calamidades que acompanham uma guerra civil. (60) 
Todavia, mesmo sendo fervorosos defensores da monarquia estes autores não tomam o 
caminho mais direto de argumentar que os governantes são um presente direto de Deus. 
Ao contrário, todos concordam que o povo deve ser originariamente livre de todo governo. 
Mas aceitam, em consequência, que qualquer forma legitima de governo deve surgir de 
algum tipo de contrato. Como resultado todos insistem que os governantes legítimos 
devem ser considerados personas públicas, obrigados a atuar de modo a procurar a 
segurança e o benefício daqueles para quem se governa. 
O que nenhum destes autores concordam é que este contrato que dá sustenção à 
autoridade tem o efeito de impor limites e condições ao exercício do poder. Para os 
escritores anti-regicidas a tarefa polemica e fundamental é mostrar que essa afirmação 
pode de algum modo ser negada. Mas como isto se dá? Importante notar que estes 
aurores exploram perspectivas diferentes. 
Alguns rechaçam o argumento de que nenhum povo livre daria seu consentimento a um 
contrato que o obrigue a abandonar seus poderes e direitos originais. Willian Barclay (De 
Regno, 1600) concorda que o povo é originariamente livre. E também aceita que o povo 
pode ser pensado como uma universitas capaz de eleger seus governantes e de pactuar 
para estabelecer os termos de seu governo. Mas sem prejuízo, não vê nenhuma razão 
para inferir que o contrato resulte em limitações para o exercício da autoridade pública. 
Aponta que o Digesto diz claramente que o povo romano, nos termos da Lex Regia eram 
tais que o povo aceitou conceder (e abandonar) seus originais imperium e ius. E infere 
que o portador ultimo da soberania, em toda a republica, deve ser a pessoa pública do 
princeps. 
Em contraste a este posicionamento ortodoxo, alguns absolutistas realizaram uma jogada 
diferente e decisiva: um movimento que com o tempo os conduziram a abraçar a ideia de 
soberania do Estado. Mais do que questionar a natureza do contrato negociado pela 
persona do povo, eles criticaram a imagem subjacente do povo como uma pessoa 
singular capaz de negociar os termos de um contrato. É só como o resultado de uma 
submissão a um governo que um agregado de indivíduos tenha podido alguma vez 
converter-se em em um povo como um corpo unificado. Este é o argumento de Jean 
Bodin, quando distingue o governo das famílias do governo da republica. 
Para ele “é só a aceitação da soberania o que une em um só corpo todos os membros e 
partes e todas as famílias de uma republica. Seria assim um erro supor que o povo deve 
sua unidade ao fato de viverem os indivíduos juntos como habitantes de um mesmo lugar, 
pois não são os muros e nem as pessoas que fazem a cidade, mas uma união de um 
povo abaixo de um poder soberano. Na ausência de uma união semelhante, a mesma 
deixa de ser uma república e por nenhum meio pode tampouco perdurar. 
Mais adiante, Bodin reafirma seu argumento quando analisa o conceito de cidadania, 
dizendo que só se pode falar de cidadãos e reconhecer que formaram uma republica 
quando se encontra um grupo de pessoas regidos pela potente soberania de um ou vários 
governantes. E insiste mais uma vez que o que faz de uma multidão de indivíduos uma 
verdadeira cidade é a aceitação de sua comum sujeição ao comando de seus senhores 
soberanos, e a seus editos e ordenações. 
Thomas Hobbes se refere a Bodin com admiração quando discute o conceito de 
soberania em seu “The Elements of law”, e no “Leviatã”, quando da elaboração de uma 
análise similar ao ato de contratar, como argumenta no capítulo 17. Aduz que só há uma 
via pela qual a multidão pode alcançar a unidade e desse modo atuar como uma só 
pessoa. E esse caminho é o de pactuar, um com todos os demais, conferir todo seu poder 
e fortaleza a um homem ou a uma assembléia de homens que possa, por pluralidade de 
votos reduzir todas as suas vontades a uma só vontade. É só assim que podem aspirar as 
transformar-se de uma multidão com muitos desejos em conflito, em uma “persona, 
instituída por um pacto de cada homem com os demais. É assim um erro dos críticos do 
absolutismo achar que o contrato estabelece os termos de nossa sujeição, quando 
apenas assinala o nome do homem ou da assembleia de homens que aceitamos nos 
submeter”. 
Mais adiante, nos capítulos finais da parte 2 do “Leviatã” Hobbes reafirma este 
argumento. Se se eliminam os direitos essenciais da soberania a república fica destruída 
e cada homem retorna à sua calamitosa condição de guerra contra todos os demais 
homens. Sem um soberano, o povo está longe de ser uma universitas, que não é nada 
em absoluto. Uma república sem poder soberano não é mais que uma palavra sem 
substancia e não pode sustentar-se. 
O mesmo pensamento de Hobbes foi exposto um tempo antes por Dudley Digges em seu 
“Unlawfulnesse of subjects taking up Armes”. 
A tese proposta por todos estes autores é pois que o ato de submeter-se a um soberano é 
o que nos transforma de uma multidão em uma união e portanto em uma pessoa. Qual 
então o nome dessa pessoa? A resposta de Jean Bodin é que, cada vez que 
engendramos uma união do povo por meio da aceitação de um soberano, o nome dessa 
pessoa que criamos é o Estado. 
E de modo mais direto, Dudley Digges se refere ao Estado como a instituição que criamos 
mediante o ato de nos submetermos ao governo. Primeiro o faz para defender a 
afirmação de que o Estado tem o poder total de restringir a faculdade de resistir, a fim de 
preservar a ordem e a tranquilidade pública. E conclui para dizer que o que faz com que o 
Estado seja uno é a união do poder soberano. 
É possível que Digges tenha tido conhecimento da obra de Hobbes, que já havia 
assinalado em seu “Elements of law”, uma das suas maiores descobertas,que a pessoa 
que criamos ao nos submetermos ao governo é a pessoa da cidade ou da República. 
Para Hobbes “o erro concernente ao governo misto procede da falta de compreensão do 
que quer dizer a expressão corpo político; a qual não significa a concordância, mas a 
união de muitos homens. Mas ainda que nos estatutos das corporações subordinadas a 
uma corporação seja declarada pessoa jurídica, sem embargo isto não se toma em conta 
dentro do corpo da república ou da cidade, nem tampouco tem observado tal união os 
inumeráveis escritores que tem tratado de política”. 
É verdade que nesta passagem Hobbes se refere à república mais do que ao Estado, e 
que continua falando nestes termos em vários pontos do “Leviatã” (no capítulo referente 
às leis civis, fala de “persona civitatis”, a pessoa da república e a continuação explica que 
a razão por que uma associação civil é geralmente chamada de república é que está 
constituída por homens unidos em uma pessoa. Mas através desta construção, Hobbes 
vai cada vez mais se referir à pessoa portadora da soberania não como a república 
(commonwealth), mas ao Estado. E quando analisa as leis da autoridade do Estado Civil 
(na parte 3) informa que a soberania é o “poder do Estado” e que esta forma de poder se 
encontra expressa nas “leis civis do Estado”. E acrescenta na parte 4, criticando a van 
filosofia, que quem desfruta dos benefícios das leis estão protegidos pelo poder do Estado 
civil” (66) 
Hobbes ainda vai afirmar o poder soberano do Estado civil quando trata do poder das 
igrejas. Procede ele a distinção entre a “função pastoral” e o “poder do Estado civil”, 
argumentando que todo verdadeiro soberano deve ser reconhecido como quem governa 
as duas coisas, o Estado e a Religião estabelecida neste Estado. Em consequência, 
insiste que as cúrias e os pastores recebem sua autoridade do “Estado civil”. 
Hobbes não é o primeiro filósofo a falar da pessoa do Estado como o verdadeiro portador 
da soberania, mas se pode afirmar que é o primeiro a reconhecer em toda sua amplitude 
as dificuldades conceituais geradas por esta nova compreensão de coisas. O problema 
inicial é o Estado enquanto portador da soberania mas que não tem vontade e não pode 
fazer nada por sua própria conta. A resposta é dada no capítulo 16 do Leviatã, naquilo 
que descreve como sua teoria da ação atribuída. O Estado pode exercer o poder 
soberano porque esta representado por um soberano cujas ações podem ser validamente 
atribuídas ao Estado. O Soberano é um ator que representa o papel do estado e atua 
assim em seu nome. As ações executadas pelo soberano em sua faculdade pública 
podem por isso serem atribuídas ao Estado e são de fato (por atribuição) ações do 
Estado. Tem-se assim, mesmo o Estado sendo “não mais que uma palavra, é contudo o 
nome da pessoa que possui o poder soberano, conforme resume Hobbes no capítulo 26, 
quando trata da lei civil. 
Por uma parte, o Estado ou a República, não são nada e nem tem capacidade de fazer 
nada por meio de seu representante”. Mas por outro lado, quando prescreve e ordena, 
torna-se o autêntico legislador. 
Outro problema em Hobbes é como diferenciar a representação do subterfúgio da 
autoridade estatal. O que faz com que um ato do soberano possa ser tido como um ato do 
Estado? A resposta é dada por Hobbes no Capítulo 16 do “Leviatã”, com seu conceito de 
“autorização”, onde um é o autor da ação de outro. Quando os membros da multidão 
concordam conjuntamente em entregar seus poderes a um soberano, realizam duas 
ações ao mesmo tempo: ao se convencionar quem será o soberano dão nascimento à 
pessoa do Estado e autorizam este soberano a atuar em nome do Estado. Como 
resultado permanecem os autores de todas as ações do soberano e, por aí, de todas as 
ações do Estado. A validade dos atos do soberano provem então do fato de que estes 
atos são também atos de todos os membros da multidão. Não há sentido que os 
membros da multidão questionem as ações de seu soberano, pois ao faze-lo estão 
simplesmente criticando a si mesmos. 
Com esses argumentos Hobbes nos oferece uma definição formal de republica ou Estado: 
“uma pessoa cujos atos cada um dos membros de uma grande multidão, por pactos 
mútuos realizados entre si, afim de que se possa usar a força e os meios de todos eles 
como se creia conveniente, para sua paz e defesa comum”. Hobbes assim enuncia a 
doutrina segundo a qual a pessoa jurídica que está no coração da política não é nem a 
pessoa do povo e nem a pessoa do soberano, mas a pessoa artificial do Estado. 
Capítulo 7 
Sustentou-se que a ideia de autoridade política suprema como autoridade do Estado foi 
originariamente o resultado de uma teoria particular sobre a associação civil. Uma teoria 
ao mesmo tempo absolutista e secular. Foi primeiro o produto de um grande movimento 
contra-revolucionário na história da Europa moderna; de reação contra as ideologias da 
soberania popular (inicialmente desenvolvidas nas guerras religiosas holandesas e 
francesas) e logo reformuladas durante o movimento constitucionalista inglês do século 
XVII. Não há duvidas, portanto, que essa nova terminologia traz uma serie de duvidas e 
criticas que nunca foram resolvidas completamente. 
 
As primeiras críticas vieram dos teóricos conservadores que apostavam na ideia de “um 
rei, uma fé e uma lei”. Esses autores repudiavam sugestão de que os objetivos da 
autoridade pública deveriam ter um caráter estritamente civil e buscaram restabelecer a 
relação mais próxima da lealdade eclesiástica e da lealdade estatal. Alguns pretenderam 
ainda deixar claro que os soberanos estariam vinculados a algo muito mais elevado do 
que meros representantes e insistiam que os poderes do Estado deviam ser entendidos 
como inerentes a eles e não à pessoa do Estado. 
A hostilidade vinha também de teóricos radiciais que buscavam reafirmar o ideal da 
soberania popular no lugar da soberania do Estado. Os autores contratualistas da 
geração seguinte, incluindo John Locke e alguns de seus admiradores, como Benjamin 
Hoadly, tentaram evitar por completo a terminologia poder estatal, preferindo utilizar o 
nome de “governo civil” ou “supremo poder civil”. Em moldes semelhantes, os 
republicanos mantiveram sua lealdade ao ideal clássico da república autogovernada 
durante praticamente todo o século XVIII, evitando o vocábulo do poder Estatal, valendo-
se das expressões associações civis e republicas. 
É certo que no século XVIII se travou um novo esforço para se conter as críticas 
populistas. Hegel e seus seguidores argumentaram que a teoria contratualista inglesa de 
soberania popular trazia uma dificuldade para reconhecer que uma autoridade 
independente seria necessária caso se pretende atender aos objetivos do povo. Mas este 
argumento mal consegue estabelecer uma certeza diferente. Por um lado, a inquietude 
dos teóricos liberais em torno da relação entre os poderes do Estado e a suposta 
soberania dos cidadãos deu uma origem a confusões que nunca foram resolvidas. E por 
outro lado, dessas raízes hegelianas nasceu um criticismo mais profundo, segundo o qual 
as ostentação de independência por parte do Estado, tanto em relação a seu próprios 
agentes como em relação aos membros da sociedade civil não era mais do que uma 
enganação. Certos céticos, na tradição de Michels e Pareto e também socialistas na 
tradição de Marx e Engels, sempre insistiram que os Estados modernos são, na realidade, 
braços executivos de suas próprias classes dirigentes. (pag, 70). 
Dada a importância destas ideologias rivais, é notável a velocidade com que a concepção 
hobbesiana de Estado conseguiu estabelecer-se no coração do discurso político da 
Europa ocidental. O que não quer dizer que oconceito tenha sido sempre bem entendido. 
De qualquer modo, se poderia dizer que tenha dado origem a uma confusão, que vem 
desde então trazendo obstáculos à analise do poder político. Os principais responsáveis 
por essa confusão foram aqueles autores que escreviam com o mais auto-consciente 
sentido comum, aqueles que consideravam obvio que os poderes do Estado deviam ser 
reduzidos aos poderes de alguma pessoa ou aparato de governo. Este é o argumento, na 
tradição anglófona, de Jonh Austin (1832 - “Province of jurisprudence Determined”). Ao se 
referir ao Estado, Austin o tem como “sinônimo de “o Soberano”. Denota a pessoa 
individual ou o corpo de pessoas individuais, que detém os poderes supremos em uma 
sociedade politicamente independente” (pg. 71 - SKINNER). Ainda que Austin se 
apresente como um profundo admirador de Hobbes, sua definição de Estado tem o efeito 
de obliterar justamente a distinção em que a teoria hobbesiana está embasada. 
Será Samuel Pufendorf, apesar de crítico de várias passagens de Hobbes, quem irá 
avançar no sentido de oferecer uma análise do poder estatal, que é hobbesiano em seu 
caráter (a figura de um homem artificial), ao mesmo tempo em que logra resolver as 
ambiguidades do pensamento do autor inglês. 
Começa Pufendorf oferencendo uma descrição muito mais completa daquela dada por 
Hobbes dos muitos mundos que habitamos. Um é o mundo da natureza enquanto o outro 
é o mundo artificial que construímos quando acordamos para levar uma vida comum e 
regula-la por meio do governo e da lei. Já na renascença já se sustentava que um dos 
poderes distintivos da mente humana era dar origem a um mundo moral por meio do ato 
de reconhecer e distinguir entidades morais. Pufendorf (“De iure naturae et gentium” - 
capítulo 7) contudo vê pessoas morais simples, como um advogado nas cortes de justiça 
ou um parlamentar no parlamento. E pessoas morais complexas, quando várias pessoas 
estão unidades para se formar uma União, que acaba por ter uma vontade singular..e é 
isso que dá origem à Republica ou Estado Civil, a mais poderosa pessoa moral de todas 
as pessoas morais. Com essa caracterização reitera a análise de Hobbes sobre a pessoa 
do Estado, colocando-a ao mesmo tempo em um marco mais amplo. Assim o Estado civil 
será “uma pessoa moral composta, cuja vontade se dá em virtude dos convênios e 
contratos de todos, se considera como a vontade de todos, de sorte que pode se valer 
dos poderes e recursos de todos para a paz e segurança da comunidade” (SKINNER, 
apud Pufendorf, pg. 72). 
Como confirma Pufendorf, com relação aos titulares do poder político, o sujeito do poder 
soberano pode ser a pessoa do Estado em cujo nome e por cuja prosperidade se 
realizam as ações do soberano: Para ele “Em exercício e execução de sua vontade, o 
Estado faz uso de uma pessoa singular ou de um conselho, segundo se haja conferido 
autoridade a uma pessoa ou várias. Quando o governo do Estado está em mãos de um 
só homem, se entende que o Estado haverá de querer o que esse homem queira 
(pressupondo-se que esse homem esteja em seus juízos) com relação aos assuntos que 
concernem à existência de dito Estado” (SKINNER, Apud Pufendorf, pg. 73). 
Ainda que cada ato do Estado deve ser executado pelo Soberano, a vontade segundo a 
qual o soberano se conduz segue sendo “aquela vontade única que atribuímos ao 
Estado”. Assim, como em Hobbes, o papel do soberano é o de representar a vontade do 
Estado. 
Até meados do século XVIII era essa a concepção, de índole hobbesiana que prevalecia, 
sendo o Estado um uma sociedade civil por meio da qual uma multidão de homens estão 
unidos abaixo de um soberano, mantendo-se uma distinção entre Estado e um mero 
agregado de indivíduos. Esta foi a visão que Louis de Jaucourt definiu no verbete L’etat, 
da Encyclopedia, em 1756: 
“Esta união de muitas pessoas em um só corpo, produzida pelo concurso das vontades e 
das forças de cada indivíduo, distingue o Estado de uma multidão. Já que uma multidão 
não é mais do que um agregado de várias pessoas, cada uma das quais tem uma 
vontade particular, enquanto o Estado é uma sociedade animada por uma só alma que 
dirige todos os seus movimentos de uma maneira constante em prol de uma utilidade 
comum” (SKINNER, apud Jaucourt, pg. 73). 
É essa ideia que justifica a o Estado como sede da soberania. Assim, o Estado para 
existir depende o estabelecimento de um poder superior, o que justifica que o soberano 
haja em seu nome. Distingue-se pois do soberano e das pessoas que integram a 
multidão, devendo atuar por uma vontade uniforme, fundada no consentimento. Esta é a 
posição de Blackstone. 
Capítulo 8 
A revolução conceitual de que se trata é produto de uma série de repercussões do 
vocabulário político de países da Europa ocidental. Uma vez que o termo Estado foi aceito 
como a principal categoria do discurso político, vários outros conceitos e argumentações 
presentes na análise da soberania deverão ser revisados e, em certos casos, 
abandonados. Para completar a análise, é preciso examinar o processo de redefinição do 
conceito de Estado como uma pessoa artificial e dotada de soberania. 
Um conceito que sofreu um importante processo de redefinição foi a obediência política. 
Um súdito, tradicionalmente, devia obediência a um soberano, como um nobre 
subordinado. Mas com a aceitação da idéia de que a soberania não reside no soberano 
mas no Estado, essa ideia foi reempregada pela perspectiva familiar de que os cidadãos 
devem sua lealdade ao próprio Estado. Isto não significa o abandono da idéia de súdito, 
mas uma conciliação com perspectivas teóricas distintas havidas entre monarquistas e 
republicanos. Isto se vê em Hobbes quando afirma que “todo cidadão, assim como toda 
pessoa civil subordinada deveria se considerar “um súdito daquele que tem o poder 
soberano”. (SKINNER, apud HOBBES, p. 77). 
Mas assim como os críticos da monarquia, Hobbes vai conceber que o soberano não se 
confunde com a pessoa natural que titulariza o poder, enxergando a sede do poder 
soberano a pessoa civil e não a pessoa do governante. 
Outro conceito que sofreu uma grande transformação foi o conceito de traição. Se antes a 
obediência estava ligada ao ato de render homenagem, o delito de traição se relacionava 
ao comportamento desleal para com o senhor soberano ou projetar a morte do rei; isto foi 
se ampliando para a idéia de um ato contra o rei no desempenho de suas funções, 
passando para um ato contra o Estado, de maneira que a traição passa a ser em De Cive, 
o ato daqueles que se recusam a cumprir os deveres para com o Estado. Da mesma 
forma, nO Leviatã (capítulo 28) o traidor é o “inimigo da república”, o que pode ser visto 
como um “inimigo do Estado”. 
A aceitação da soberania estatal tem o efeito de modificar as ideias tradicionais do poder 
poder político nas práticas de governo da Europa ocidental, que passou de um estado 
(standing) (uma condição) do governante e sua capacidade para mante-lo, para uma 
pessoa puramente moral; ou uma instituição impessoal, como é o Estado moderno. Até o 
começo do século XVIII já encontramos escritores que criticam o Leviatã como um novo e 
indefinido monstro; ou algo como uma monarquia abandonada, como um rei sem o 
esplendor monárquico, como observa Lorde Bolongbroke (Skinner, p. 79) 
Isto porque os atributos da majestade foram transferidos para os representantes do 
Estado, agora entendidos como os portadores de cargos, onde as atribuições que antes 
eram as características da majestade passam a ser dadas a meros funcionários públicos; 
desta forma, uma das consequências da distinção da autoridade do Estado de seus 
agentes foi a ruptura da antiga conexão entre a presença da majestadee o exercício de 
poderes magnos. 
Isto também revela o fenômeno da despersonalização dos poderes públicos. Hobbes, no 
capítulo 10 do Leviatã, observa que o poder não mais se liga a uma noção de honra e 
dignidade pública, mas tão somente a “se ter um cargo”. Isto nos dá, pela primeira vez, de 
maneira sistemática e não apologética, o tom abstrato e uniforme da teoria moderna do 
Estado soberano.

Continue navegando