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SKINNER, Quentin. El nacimiento del Estado. Buenos Aires: Editorial Gorla, 2003. Fichamento Feito por Leandro Corrêa de Oliveira Capítulo 1 Tem-se uma análise de Hobbes, a partir de duas obras De Cive e O Leviatã, identificando, no primeiro, que o autor pretende investigar "o direito do Estado e dos deveres do cidadão" e no segundo analisar “esse grande Leviatã que chamamos de República ou Estado” (21) Skinner tem a postura como emblemática, pois pela primeira vez se estabelecia uma grande novidade para a teoria política: a de que os súditos estão antes obrigados perante um ente, um organismo chamado Estado, mais do que à pessoa de um governante. De modo implícito estabelece que “estamos obrigados perante o Estado e não ante uma multiplicidade de autoridades jurisdicionais, tanto locais quanto nacionais, eclesiásticas ou civis (21) Hobbes usa assim o termo Estado (State) para denotar uma fonte superior de autoridade nos assuntos do governo civil (21). Hobbes anuncia então o fim de uma fase da teoria política e o começo de outra que nos parece mais familiar: o fim de um conceito mais personalista e carismático de poder e soberania para um órgão mais impessoal. Skinner se propõe a analisar as circunstâncias históricas, linguisticas e conceituais que possibilitaram esta mutação. Capítulo 2 Skinner passa a analisar a expressão Estado desde o século XII, para identificar que este conceito, significa uma condição; ou do reino, ou da cidade ou da república, identificado com uma (boa) condição ou estado onde se garanta o benefício público ou o bem comum. Capítulo 3 No contexto político, o significado diz respeito ao estado ou posição de um rei ou de um reino, mas de nenhuma maneira a ideia do estado enquanto instituição em cujo nome se exerce o governo legítimo. (29) A modificação do conceito para seu significado moderno - a primeira linha de investigação parte de manuais para magistrados/príncipes em “espejos para principes”, que com o tempo estes manuais deram origem - foram um marco do pensamento político prático, já que os termos status e stato começaram, pela primeira vez, a serem utilizados de maneiras novas. Estes teóricos estavam preocupados com questões políticas conexas; e sua pretensão era explicar de que modo os governantes poderiam ao mesmo tempo alcançar glórias e honras para si próprios e ao mesmo tempo garantir o bem estar de seus súditos. De modo mais estreito, a preocupação era principalmente aconselhar o governante, imerso em questões políticas agitadas a conservar seu status (condição) de governante (status principis ou stato del principe) efetivo de seus territórios. Em síntese: status e stato passaram a significar os diversos requisitos que o governante (o principe) deveria se valer não só para se manter no governo, mantendo o regime político, mas também garantindo a estabilidade do reino e a felicidade de seus súditos. Este ponto culmina na obra de Nicolau Machiavel, em 1513. Para a manutenção deste poder (e de um governo eficaz) o governante deveria ser capaz de satisfazer uma certa quantidade de requisitos, empregados de forma crescentemente estendida para fazer referencia a vários aspectos do poder político. Um destes requisitos era a capacidade de manter o regime político vigente, de modo que a idéia de status ou stato significa não só a condição de príncipe, mas também à presença de uma forma específica de governo, o que parece estar ligado à descrição aristotélica dos tipos de governo (31), como a monarquia, a aristocracia e a democracia Machiavel, vai neste sentido ao estabelecer, logo no início de usa obra O Príncipe que todos os Estados, todos os domínios que existiram e tem existido sobre os homens ou são repúblicas ou principados. No período do século XV a vinculação entre a nomenclatura stato/status estava já plenamente ligada à existência dos regimes políticos existentes. Francisco Vettori, amigo de Machiavel, por exemplo, usava a expressão para se referir às diferentes formas de governo e também para descrever o regime prevalecente em Florença, que desejava ver defendido (32) Um outro requisito para a manter a (sua) própria condição (state) de governante era a defesa dos territórios governados contra perdas e alterações, de maneira que os termos status e stato também dizem respeito às áreas sobre as quais um governante deve exercer o controle. Machiavel, nO Principe, se vale frequentemente do termo lo stato para se referir às terras e territórios dos príncipes. E no capítulo 3 faz referencia aos métodos que um príncipe sábio deve adotar se peretende adquirir novos stati. E no capítulo 24 se pergunta sobre as razões pelas quais tantos príncipes da Itália tenham perdido seus stati em curso de suas vidas. De marcante influencia italiana, o termo state é também utilizado na Europa do norte, quando autores como Thomas Starkey em seu Dialogue fala sobre a necessidade de estabelecer um conselho na Inglaterra para “representar todo o state”..(33) Outro requito apontado como relevante é a capacidade do governante ter o controle sobre as instituições existentes dentro de um reino ou civitas, de maneira que o termo stato passa a aludir não só aos regimes imperantes, mas também, especificamente, às instituições de governo e aos mecanismos de controle coercitivo orientados a preservar a ordem dentro das comunidades políticas. Vespasiano, em sua Vite, fala em várias ocasiões do stato como sendo um aparato de autoridade política. Stato passa a significar também uma estrutura de poder que o príncipe deve controlar. E Machiavel distingue as instituições do Estado como possuidoras das próprias leis, costumes e ordenanças, e se refere ao Estado como um agente independente e o descreve como capaz, entre outras coisas, de escolher os cursos de ação e de apelar à lealdade de seus cidadãos nas épocas de crises. O autor não crê estar apenas discutindo sobre o modo de como os príncipes deveriam se comportar, mas em termos mais abstratos, sobre a arte do governo (dello stato) e sobre as cosi di stato, como assuntos de Estado. A partir destas argumentações o Estado, segundo as observações de Machiavel não é somente um aparato de poder, mas um agente cuja existência independe daqueles que exercem a autoridade num dado momento. Trata-se de uma importante modificação em termos linguisticos, passando o o Estado a significar as instituições de governo e consequentemente a um aparato especifico de poder. Mas estes autores nunca pensaram que seria ele um ente que se distingue dos governantes e governados, como mais tarde vai ser desenhado. Capítulo 4 Para se chegar a isto, de que seria ele um ente independente como sede da soberania, é necessário avaliar outros espaços teóricos, quais sejam, os das teorias constitucionalistas superpostas que adquiram relevância nos séculos XV e XVI. Uma delas é a teoria contratualista, dos escritores contrários ao regime monárquico, do final do século XVI. A outra tradição é do republicanismo italiano, do período do renascimento, dentro e fora da Itália. Segundo a tradição republicana (que Skinner trata no capítulo 2), o ideal básico do autogoverno se baseava em duas leituras: uma jurídica, dos comentadores das leis, dos quais muitos se dedicaram ao a fazer uma adaptação da teoria do imperium do direito romano das cidade-estado italianas. A outra era de tom moralista, adotado pelos defensores de uma “verdadeira república” da antiga Roma. Mas há uma elemento que permeia estas duas concepções: a de que todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Deste modo, qualquer indivíduo ou grupo que detenha soberania sobre uma comunidadetenderá a promover seus próprios interesses às expensas do bem comum. Então, para se assegurar que as leis promovam o bem da comunidade em seu conjunto será deixar que os cidadãos se ocupem dos seus próprios assuntos. Esta idéia básica se direcionava para dois caminhos diferentes: eram utilizadas para se defender a liberdade das cidades italianas frente à ingerências externas (como as do império ou da igreja, por exemplo), como fez Bartolo ao rechaçar o fato de que as cidades da Toscana estariam submetidas a um poder superior àqueles relativos aos assuntos temporais. Isto se dava em grande medida para se evitar potenciais conflitos de jurisdição coercitiva numa mesma cidade, seja da pretensões políticas da igreja, que não deveria adentrar em assuntos cívicos ou seculares (Marcílio de Pádua, 1324, com Defensor Pacis, ou Giovanni da Viterbo, 1250, como Regimine Civitatum). O mesmo rechaço se dá com o poder que detinham senhores feudais locais, considerados os mais perigosos inimigos da liberdade… O outro argumento é que a república seria o melhor regime para se manter a liberdade (argumento que já era encontrado em escritos desde antes dos quatrocentos); noutras palavras, esta seria a única forma de governo sobre a qual a cidade poderia pretender se manter um “estado livre”. A comunidade deveria exercer toda a soberania, como última instancia, de modo que os governantes e magistrados deviam se submeter a um mesmo estatuto de poder, que não seria em nada diferente do aquele exercido pelos funcionários eleitos. Os funcionários deviam, por sua parte, se reconhecer como meros agentes, com a função de assegurar que as leis estabelecidas pela comunidade para seu próprio bem fossem executadas com imparcialidade. Da mesma forma, seria por este regime que a cidades aumentariam seu domínio e riqueza, como afirmar machiavel em seu Discorsi. Diz ele no Livro II “as cidades nunca aumentam seu domínio ou sua riqueza senão quando vivem em liberdade. A causa disso, para ele, é fácil de entender: o que faz as grandes cidades não é o bem particular, mas o bem comum. E sem dúvida, este bem comum não se alcança mais do que nas republicas. Por estes autores e por estas concepções se encontra pela primeira vez a a afirmação de que existe uma forma diferenciada de autoridade civil ou política, que é autônoma; que existe para regular os assuntos públicos e da uma comunidade independentemente e que não admite rivais como fonte de poder coercitivo dentro de seu território. A primeira vez que se encontra a familiar interpretação de que o Estado é o detentor do monopólio da força legítima. Esta concepção de poder foi adotada pela Inglaterra e pela França num estágio de seu desenvolvimento constitucional, por volta do século XVI. A outra via pela qual a tradição republicana contribuiu para cristalizar uma interpretação do Estado como um organismo independente foi (de modo ainda mais significativo) a imposição aos seus governantes de condições estritas para o exercício do poder, como um modo de se manter a liberdade. Eles deveriam ser eleitos e se submeterem às leis da comunidade para a obtenção do bem comum. Concebe-se, portanto, a noção de que os governantes e magistrados devem sempre ser eleitos e permanecer sujeitos às leis e instituições da comunidade que os elege. Os teóricos concebem os poderes do governo civil como encarnados em uma estrutura de leis e instituições cuja administração em nome do bem comum haja sido confiada a governantes e magistrados. Não se trata de um governo particular, de modo que não há mais sentido em falar que o governante mantém seu status, no sentido de manter sua ascendência pessoal sobre os assuntos de governo. E começam a utilizar o termo Estado para fazer referencia a esta estrutura de governo que os governantes tem a obrigação de manter e preservar. Deste modo, ainda que em escritos anteriores (Giovanni da Vigano, 1270, Flore de Parlare; Matteo de’Libri, Arringhe) se poderia notar a existência de agentes eleitos e vinculados à manutenção do status de paz e bonança, foi só com o ultimo florescer do republicanismo a partir do século XV que os termos status e Estado são utilizados com consciência para a se fazer referencia a um aparato independente de governo. Deste modo o fazem Alamanno Rinuccini, 1479, De libertate; Gasparo Contarini, De republica Venetorum; Francismo Patrizi, De institutione republicae. Se Maquiavel em seu Discurso utiliza o termo status/Estado como um mesmo sentido tradicional, para denotar um mesmo tipo de organismo e autoridade, em algumas passagens (Capítulo 2; capítulo 6 e Capítulo 18) vai estabelecer uma distinção importante entre a autoridade dos magistrados do ordenamento de governo, ou seja, o Estado. Observa-se a recepção do republicanismo italiano na Europa do Norte, entre ingleses e holandeses, quando se referiam, no século XVII a Estados livres, e o surgimento da expressão commonwealth, como equivalente de República De qualquer modo, esta construção (de uma autoridade diferenciada entre governantes e governados) ainda não pressupõe a utilização do termo Estado segundo a compreensão moderna. Isto porque ainda não se estabelece ainda uma distinção entre os poderes das comunidades e os poderes do Estado; ao contrário, a teoria republicana se orienta para uma identificação entre ambos, de maneira que as instituições de governo do Estado são concebidas para serem apenas um meio de expressão dos poderes do povo de um modo administrativamente mais conveniente. Capítulo 5 A segunda das tradições superpostas do pensamento constitucionalista é a dos autores chamados de monarcômacos (ou regicidas) conhecidos como aqueles que combatiam a monarquia absolutista e a tirania dos soberanos. Este termo foi empregado pela primeira vez por Willian Barclay, em sua obra De Regno, de 1600. Estes autores adquiriram uma súbita importancia na ultima parte do século XVI, durante a guerras religiosas na França e nos países baixos (Holanda), ainda que as raízes intelectuais de seu constitucionalismo estivesse ligadas às teorias jurídicas e escolásticas das corporações. Poucos desses autores eram republicanos, no sentido de estrito de que o autogoverno seria a condição necessária para a liberdade pública e privada. Geralmente se contentavam em assumir que o direito do povo de exercer a soberania estaria garantido por uma forma monárquica de governo, ainda que assumissem que era necessário que o monarca fosse eleito. Sua preocupação era, em termos religiosos, defender o direito do povo, especialmente diante de opressões sectárias, a remover os governantes legalmente estabelecidos caso se demonstrasse que estes estavam a governar de forma tirânica. A partir daí foi possível se estabelecer uma teoria da soberania popular. Este posicionamento foi adotado pelos calvinistas, na frança, na década de 1570, após que o governo católico determinou o massacre da noite de São Bartolomeu, supostamente por ordem de Catarina de Médici, onde foram assassinados mais de 2000 calvinistas em Paris e cerca de 10000 nas demais províncias. A atitude tirânica despertou um movimento de protesto, que se resume no grande documento La Vindiciae, contra Tyrannos, quase que certamente escrito por Hubert Languet e Philippe Du Plessis Mornay, surgido em 1574 e revisado e ampliado em 1579. E nos países baixos, o esforço para se livrar do domínio espanhol fez surgir uma quantidade de tratados semelhantes, onde, talvez o mais importante tenha sido o de Joahannes Althusius, Politica Methodice Digesta, publicado em 1603. Enquanto isto, uma forma semelhante de constitucionalismo foi sido elaborada por autores católicos,tanto na Inglaterra quanto na frança. O princípio básico desta política era que todas as pessoas estão, por natureza, livres da sujeição do governo. Não só no sentido proclamado pela Vindiciae que "um povo pode existir por si mesmo, e que precede em tempo qualquer rei”, mas também que “os homens são livres por natureza, não toleram a servidão e tem nascido mais para mandar do que para obedecer”. Se existem povos vivendo como súditos de um governo, isto só se deve pelo fato de quem em um determinando momento eles devem ter decidido aceitar essa forma de sujeição, e devem ter consentido com seus termos livremente. O grande exemplo é o povo de Israel, que pactuou com Deus e com seus reis estabelecer uma república justa. De resto, como se pode inferir da Vindicie, “que o povo constituiu os seus reis, os ordena e aprova sua eleição através de seu voto” (49) Estes autores insistem, ademais, que se cada membro do governo viveu originariamente em estado de liberdade, não se pode imagina-los entrando em uma relação com seus governantes para a qual renunciam a seus originais poderes de autogoverno. Entregar seus direitos incondicionalmente, vendendo-se, em realidade, como escravos, não só seria uma evidente irracionalidade, mas também algo que contraria a própria lei da natureza. É a partir então da liberdade originária do povo, que os autores monarcômacos inferem que o contrato de governo tem o efeito de impor limites e condições para o exercício do poder político. Segundo La Vindiciae, ainda que Deus confirme a função dos governantes é pelo povo e para o povo que eles governam. Não estão constituídos pelo povo, mas sua autoridade é conferida pelo povo, que retêm o direito de resistir e de remover os que governam de maneira tirânica. (49). Deve-se ressaltar agora um pressuposto crucial desta visão sobre o contrato político. Se uma multidão de indivíduos ou de famílias em uma condição pre-política tem a habilidade e a capacidade de pactuar com um governante eleito, só pode ser porque tem a capacidade de formar uma só vontade e tomar decisões com uma única voz. O modo habitual de expressar esta ideia era dizendo que tal “populus" pode ser considerado “um”, como uma união ou uma forma unificada de sociedade. Às vezes o argumento era pensado de um modo mais específico numa forma de afirmação - adaptada da teoria das corporações de direito romano - de que populus pode ser descrito como uma universitas. Este é o termo empregado pela Vindiciae, e mais tarde, pela política de Althusius, para expressar a ideia de que qualquer corpo coletivo pode atuar “como um todo” e estabelecer os termos de sua sujeição a um governo. (50) Este todo, adquire o caráter de uma persona singular, uma entidade jurídica distinta dos indivíduos que a compõe. Esta persona tem a capacidade de atuar por meio de seus membros, que por sua parte devem saber expressar nã só suas vontades próprias, mas a vontade da pessoa, da populus, em seu conjunto. Este é o modo com o qual Hobbes vai tratar a universitas em seu Leviatã, no capítulo 16. Primeiro estabelecendo considerações sobre o disfarce ou aparência externa de um homem numa encenação e depois para identificar o próprio ator, seja no teatro ou numa conversação corrente. A partir daí, persona passa a significar os papéis que podem representar os cidadãos individuais, para assinalar as diferentes funções e deveres que desempenhamos. Este é o uso que pretende se valer Hobbes, conforme já tinha se valido Cícero, dizendo que quando o juiz julga um amigo deve se valer da pesona do juiz em favor da república despindo-se da persona de amigo… Foi devido a uma extensão metafórica do termo que faz com que persona assuma um conteúdo jurídico (persona jurídica), tal como o povo de Israel que efetua com Deus um acordo, onde uma comunidade de pessoas atuam como uma só persona. Este é o motivo pelo qual uma universitas pode ser considerada, segundo o direito, uma só persona. A imagem do povo como uma pessoa e, portanto, com capacidade para consentir com os termos de seu próprio governo, foi utilizada pelos monarcômacos para introduzir uma consideração genérica sobre os poderes requeridos para sustentar reinos e republicas. Escrevem sobre o contrato fundacional - o foedus ou pactus - com a fonte de estrutura das instituições públicas que surgem e se solidificam ao longo do tempo. Uma estrutura que deve ser grande o suficiente para cobrir os gastos do governo e sobretudo, da defesa, para que se tenha a paz; a paz que não pode existir sem a guerra, que demanda soldados, que demandam soldos, que demandam tributos. É a partir daí que se institui o domínio público: para dar conta dos gravames da paz.…e da mesma forma que fazem os republicanos, os monarcômacos também realizam uma forte distinção entre a função e a pessoa de todo governante ou funcionário encarregado de sua administração. O governante (ou o rei) seria um encarregado; um curador dos assuntos públicos. Tal como é dito na Vindiciae todo é rei é tão somente um “ministro e executor da lei”, que “recebe do povo as leis que deve proteger e observar”. A esta estrutura permanente das instituições, escrevem os autores, em latim, como estrutura do regnun ou da republica; e quando autores ingleses e franceses passam para o vernáculo, se valem do nome Estado. Este é o uso quando se referem ao Estado em conjunto (the hole state) ou quando o parlamento inglês, por ocasião da guerra civil, justifica que o parlamento se havia arrogado da soberania em virtude de que o Estado tem uma incumbência suprema em casos de perigo público. É dentro desta tradição que se encontra o Estado como um aparato de governo distinto dos governantes e dos governados. Todavia, os monarcômacos não fazem uma distinção entre os poderes da soberania e os poderes do povo. Assim como os republicanos clássicos, abarcam tão só um lado da noção duplamente abstrata de autoridade estatal. Quando dizem que a soberania é a propriedade de uma persona jurídica, é sempre a pessoa coletiva do povo, e não o corpo impessoal da mesma civitas ou republica. O corpo do povo é em todo momento o possuidor do supremo domínio e do senhor da república. E em nenhum destes escritos se vê uma distinção entre os poderes do povo como uma universitas e os poderes desta mesma civitas. Há sempre uma identidade entre ambos. Capítulo 6 Para se identificar o momento em que os poderes do Estado foram descritos como tais e tornados distintos dos poderes dos governantes e da comunidade são necessários agora os teóricos que legitimavam as formas de governo absolutistas, que começaram a prevalecer na Europa ocidental durante a primeira metade do século XVII. A articulação de que o conceito de Estado diz respeito a uma “persona" distinta e sede da soberania foi, pode-se assim dizer, um subproduto destas teorias monarquistas. Alguns destes teóricos, mesmo inimigos da perspectiva republicana de Estados livres, mostraram admiração pelas teorias clássicas de liberdade e cidadania, como fez Hobbes em seu “Elements of Law”, ao afirmar que Aristóteles tinha razão ao afirmar que nenhum homem pode participar da liberdade a não ser numa comunidade popular. Mas em seu Leviatã, por outro lado, ataca o mesmo Aristóteles e também a Cícero, por identificarem na monarquia a tirania. Para a maioria destes escritores eram os monarcômacos uma ameaça mais grave e imediata. Jean Bodin, autor de “Six Livres de la République” (publicado pela primeira vez em 1576 e vertido para o inglês em 1606) afirmava que foi impulsionado a escrever quando percebeu em todas as partes que os súditos estavam armando-se contra seus príncipes e que estavam saindo abertamentelivros que ensinavam que eles (os príncipes enviados à raça humana pela providência) deviam ser retirados de seus reinados sob o pretexto de tirania e que os reis deviam ser eleitos, não por sua linhagem, mas pela vontade do povo. Uma de suas principais aspirações, explica, era refutar a idéia de que o poder do povo é maior do que o do príncipes, o que traria graves consequências para as republicas. Um ataque ainda mais direito aos monarcômacos foi feito pouco tempo depois pelos escritores da soberania “de Pont-à-Mousson” (Adam Blackwood e Willina Barclay, dois escoceses que ensinavam direito civil na França, através da obras “De Regno, de 1600). Seu ataque aos contrários à monarquia se deram, em primeiro lugar em razão da discordância destes com a destituição da rainha Maria, da Escócia, ato confirmado pelo parlamento escocês em 1567. E depois em razão das divergências com Geroge Buchanan, que havia defendido o procedimento num dos mais radicais tratados contra a monarquia “De Iure REgni apud Scotos”, de 1579. Foi Willian Barclay o primeiro a utilizar o termo monarcômaco (em seu De Regno, 1600), tendo sido chamado por John Locke nos seus dois tratados, de o grande campeão da monarquia absolutista. Com o surgimento da guerra civil na Inglaterra em 1642 responder às posições dos contrários à monarquia se tornou um assunto de urgência ainda maior e com esse propósito começaram a surgir vários escritos neste sentido, como o “The Unlawfulnesse of Subjects taking up Armes”, de Dudley Digges, publicado anonimamente em 1643. Mas o mais importante escritor desse período crítico foi Thomas Hobbes, primeiro em 1640 com “The Elements of Law” e logo depois, em 1642 com “De Cive”. Assim como Bodin, Hobbes pretende advertir seus concidadãos que, como assinala mais tarde em “O Leviatã” que a condição de sujeição política pode até parecer miserável, mas nada se comparara em miséria e horror as calamidades que acompanham uma guerra civil. (60) Todavia, mesmo sendo fervorosos defensores da monarquia estes autores não tomam o caminho mais direto de argumentar que os governantes são um presente direto de Deus. Ao contrário, todos concordam que o povo deve ser originariamente livre de todo governo. Mas aceitam, em consequência, que qualquer forma legitima de governo deve surgir de algum tipo de contrato. Como resultado todos insistem que os governantes legítimos devem ser considerados personas públicas, obrigados a atuar de modo a procurar a segurança e o benefício daqueles para quem se governa. O que nenhum destes autores concordam é que este contrato que dá sustenção à autoridade tem o efeito de impor limites e condições ao exercício do poder. Para os escritores anti-regicidas a tarefa polemica e fundamental é mostrar que essa afirmação pode de algum modo ser negada. Mas como isto se dá? Importante notar que estes aurores exploram perspectivas diferentes. Alguns rechaçam o argumento de que nenhum povo livre daria seu consentimento a um contrato que o obrigue a abandonar seus poderes e direitos originais. Willian Barclay (De Regno, 1600) concorda que o povo é originariamente livre. E também aceita que o povo pode ser pensado como uma universitas capaz de eleger seus governantes e de pactuar para estabelecer os termos de seu governo. Mas sem prejuízo, não vê nenhuma razão para inferir que o contrato resulte em limitações para o exercício da autoridade pública. Aponta que o Digesto diz claramente que o povo romano, nos termos da Lex Regia eram tais que o povo aceitou conceder (e abandonar) seus originais imperium e ius. E infere que o portador ultimo da soberania, em toda a republica, deve ser a pessoa pública do princeps. Em contraste a este posicionamento ortodoxo, alguns absolutistas realizaram uma jogada diferente e decisiva: um movimento que com o tempo os conduziram a abraçar a ideia de soberania do Estado. Mais do que questionar a natureza do contrato negociado pela persona do povo, eles criticaram a imagem subjacente do povo como uma pessoa singular capaz de negociar os termos de um contrato. É só como o resultado de uma submissão a um governo que um agregado de indivíduos tenha podido alguma vez converter-se em em um povo como um corpo unificado. Este é o argumento de Jean Bodin, quando distingue o governo das famílias do governo da republica. Para ele “é só a aceitação da soberania o que une em um só corpo todos os membros e partes e todas as famílias de uma republica. Seria assim um erro supor que o povo deve sua unidade ao fato de viverem os indivíduos juntos como habitantes de um mesmo lugar, pois não são os muros e nem as pessoas que fazem a cidade, mas uma união de um povo abaixo de um poder soberano. Na ausência de uma união semelhante, a mesma deixa de ser uma república e por nenhum meio pode tampouco perdurar. Mais adiante, Bodin reafirma seu argumento quando analisa o conceito de cidadania, dizendo que só se pode falar de cidadãos e reconhecer que formaram uma republica quando se encontra um grupo de pessoas regidos pela potente soberania de um ou vários governantes. E insiste mais uma vez que o que faz de uma multidão de indivíduos uma verdadeira cidade é a aceitação de sua comum sujeição ao comando de seus senhores soberanos, e a seus editos e ordenações. Thomas Hobbes se refere a Bodin com admiração quando discute o conceito de soberania em seu “The Elements of law”, e no “Leviatã”, quando da elaboração de uma análise similar ao ato de contratar, como argumenta no capítulo 17. Aduz que só há uma via pela qual a multidão pode alcançar a unidade e desse modo atuar como uma só pessoa. E esse caminho é o de pactuar, um com todos os demais, conferir todo seu poder e fortaleza a um homem ou a uma assembléia de homens que possa, por pluralidade de votos reduzir todas as suas vontades a uma só vontade. É só assim que podem aspirar as transformar-se de uma multidão com muitos desejos em conflito, em uma “persona, instituída por um pacto de cada homem com os demais. É assim um erro dos críticos do absolutismo achar que o contrato estabelece os termos de nossa sujeição, quando apenas assinala o nome do homem ou da assembleia de homens que aceitamos nos submeter”. Mais adiante, nos capítulos finais da parte 2 do “Leviatã” Hobbes reafirma este argumento. Se se eliminam os direitos essenciais da soberania a república fica destruída e cada homem retorna à sua calamitosa condição de guerra contra todos os demais homens. Sem um soberano, o povo está longe de ser uma universitas, que não é nada em absoluto. Uma república sem poder soberano não é mais que uma palavra sem substancia e não pode sustentar-se. O mesmo pensamento de Hobbes foi exposto um tempo antes por Dudley Digges em seu “Unlawfulnesse of subjects taking up Armes”. A tese proposta por todos estes autores é pois que o ato de submeter-se a um soberano é o que nos transforma de uma multidão em uma união e portanto em uma pessoa. Qual então o nome dessa pessoa? A resposta de Jean Bodin é que, cada vez que engendramos uma união do povo por meio da aceitação de um soberano, o nome dessa pessoa que criamos é o Estado. E de modo mais direto, Dudley Digges se refere ao Estado como a instituição que criamos mediante o ato de nos submetermos ao governo. Primeiro o faz para defender a afirmação de que o Estado tem o poder total de restringir a faculdade de resistir, a fim de preservar a ordem e a tranquilidade pública. E conclui para dizer que o que faz com que o Estado seja uno é a união do poder soberano. É possível que Digges tenha tido conhecimento da obra de Hobbes, que já havia assinalado em seu “Elements of law”, uma das suas maiores descobertas,que a pessoa que criamos ao nos submetermos ao governo é a pessoa da cidade ou da República. Para Hobbes “o erro concernente ao governo misto procede da falta de compreensão do que quer dizer a expressão corpo político; a qual não significa a concordância, mas a união de muitos homens. Mas ainda que nos estatutos das corporações subordinadas a uma corporação seja declarada pessoa jurídica, sem embargo isto não se toma em conta dentro do corpo da república ou da cidade, nem tampouco tem observado tal união os inumeráveis escritores que tem tratado de política”. É verdade que nesta passagem Hobbes se refere à república mais do que ao Estado, e que continua falando nestes termos em vários pontos do “Leviatã” (no capítulo referente às leis civis, fala de “persona civitatis”, a pessoa da república e a continuação explica que a razão por que uma associação civil é geralmente chamada de república é que está constituída por homens unidos em uma pessoa. Mas através desta construção, Hobbes vai cada vez mais se referir à pessoa portadora da soberania não como a república (commonwealth), mas ao Estado. E quando analisa as leis da autoridade do Estado Civil (na parte 3) informa que a soberania é o “poder do Estado” e que esta forma de poder se encontra expressa nas “leis civis do Estado”. E acrescenta na parte 4, criticando a van filosofia, que quem desfruta dos benefícios das leis estão protegidos pelo poder do Estado civil” (66) Hobbes ainda vai afirmar o poder soberano do Estado civil quando trata do poder das igrejas. Procede ele a distinção entre a “função pastoral” e o “poder do Estado civil”, argumentando que todo verdadeiro soberano deve ser reconhecido como quem governa as duas coisas, o Estado e a Religião estabelecida neste Estado. Em consequência, insiste que as cúrias e os pastores recebem sua autoridade do “Estado civil”. Hobbes não é o primeiro filósofo a falar da pessoa do Estado como o verdadeiro portador da soberania, mas se pode afirmar que é o primeiro a reconhecer em toda sua amplitude as dificuldades conceituais geradas por esta nova compreensão de coisas. O problema inicial é o Estado enquanto portador da soberania mas que não tem vontade e não pode fazer nada por sua própria conta. A resposta é dada no capítulo 16 do Leviatã, naquilo que descreve como sua teoria da ação atribuída. O Estado pode exercer o poder soberano porque esta representado por um soberano cujas ações podem ser validamente atribuídas ao Estado. O Soberano é um ator que representa o papel do estado e atua assim em seu nome. As ações executadas pelo soberano em sua faculdade pública podem por isso serem atribuídas ao Estado e são de fato (por atribuição) ações do Estado. Tem-se assim, mesmo o Estado sendo “não mais que uma palavra, é contudo o nome da pessoa que possui o poder soberano, conforme resume Hobbes no capítulo 26, quando trata da lei civil. Por uma parte, o Estado ou a República, não são nada e nem tem capacidade de fazer nada por meio de seu representante”. Mas por outro lado, quando prescreve e ordena, torna-se o autêntico legislador. Outro problema em Hobbes é como diferenciar a representação do subterfúgio da autoridade estatal. O que faz com que um ato do soberano possa ser tido como um ato do Estado? A resposta é dada por Hobbes no Capítulo 16 do “Leviatã”, com seu conceito de “autorização”, onde um é o autor da ação de outro. Quando os membros da multidão concordam conjuntamente em entregar seus poderes a um soberano, realizam duas ações ao mesmo tempo: ao se convencionar quem será o soberano dão nascimento à pessoa do Estado e autorizam este soberano a atuar em nome do Estado. Como resultado permanecem os autores de todas as ações do soberano e, por aí, de todas as ações do Estado. A validade dos atos do soberano provem então do fato de que estes atos são também atos de todos os membros da multidão. Não há sentido que os membros da multidão questionem as ações de seu soberano, pois ao faze-lo estão simplesmente criticando a si mesmos. Com esses argumentos Hobbes nos oferece uma definição formal de republica ou Estado: “uma pessoa cujos atos cada um dos membros de uma grande multidão, por pactos mútuos realizados entre si, afim de que se possa usar a força e os meios de todos eles como se creia conveniente, para sua paz e defesa comum”. Hobbes assim enuncia a doutrina segundo a qual a pessoa jurídica que está no coração da política não é nem a pessoa do povo e nem a pessoa do soberano, mas a pessoa artificial do Estado. Capítulo 7 Sustentou-se que a ideia de autoridade política suprema como autoridade do Estado foi originariamente o resultado de uma teoria particular sobre a associação civil. Uma teoria ao mesmo tempo absolutista e secular. Foi primeiro o produto de um grande movimento contra-revolucionário na história da Europa moderna; de reação contra as ideologias da soberania popular (inicialmente desenvolvidas nas guerras religiosas holandesas e francesas) e logo reformuladas durante o movimento constitucionalista inglês do século XVII. Não há duvidas, portanto, que essa nova terminologia traz uma serie de duvidas e criticas que nunca foram resolvidas completamente. As primeiras críticas vieram dos teóricos conservadores que apostavam na ideia de “um rei, uma fé e uma lei”. Esses autores repudiavam sugestão de que os objetivos da autoridade pública deveriam ter um caráter estritamente civil e buscaram restabelecer a relação mais próxima da lealdade eclesiástica e da lealdade estatal. Alguns pretenderam ainda deixar claro que os soberanos estariam vinculados a algo muito mais elevado do que meros representantes e insistiam que os poderes do Estado deviam ser entendidos como inerentes a eles e não à pessoa do Estado. A hostilidade vinha também de teóricos radiciais que buscavam reafirmar o ideal da soberania popular no lugar da soberania do Estado. Os autores contratualistas da geração seguinte, incluindo John Locke e alguns de seus admiradores, como Benjamin Hoadly, tentaram evitar por completo a terminologia poder estatal, preferindo utilizar o nome de “governo civil” ou “supremo poder civil”. Em moldes semelhantes, os republicanos mantiveram sua lealdade ao ideal clássico da república autogovernada durante praticamente todo o século XVIII, evitando o vocábulo do poder Estatal, valendo- se das expressões associações civis e republicas. É certo que no século XVIII se travou um novo esforço para se conter as críticas populistas. Hegel e seus seguidores argumentaram que a teoria contratualista inglesa de soberania popular trazia uma dificuldade para reconhecer que uma autoridade independente seria necessária caso se pretende atender aos objetivos do povo. Mas este argumento mal consegue estabelecer uma certeza diferente. Por um lado, a inquietude dos teóricos liberais em torno da relação entre os poderes do Estado e a suposta soberania dos cidadãos deu uma origem a confusões que nunca foram resolvidas. E por outro lado, dessas raízes hegelianas nasceu um criticismo mais profundo, segundo o qual as ostentação de independência por parte do Estado, tanto em relação a seu próprios agentes como em relação aos membros da sociedade civil não era mais do que uma enganação. Certos céticos, na tradição de Michels e Pareto e também socialistas na tradição de Marx e Engels, sempre insistiram que os Estados modernos são, na realidade, braços executivos de suas próprias classes dirigentes. (pag, 70). Dada a importância destas ideologias rivais, é notável a velocidade com que a concepção hobbesiana de Estado conseguiu estabelecer-se no coração do discurso político da Europa ocidental. O que não quer dizer que oconceito tenha sido sempre bem entendido. De qualquer modo, se poderia dizer que tenha dado origem a uma confusão, que vem desde então trazendo obstáculos à analise do poder político. Os principais responsáveis por essa confusão foram aqueles autores que escreviam com o mais auto-consciente sentido comum, aqueles que consideravam obvio que os poderes do Estado deviam ser reduzidos aos poderes de alguma pessoa ou aparato de governo. Este é o argumento, na tradição anglófona, de Jonh Austin (1832 - “Province of jurisprudence Determined”). Ao se referir ao Estado, Austin o tem como “sinônimo de “o Soberano”. Denota a pessoa individual ou o corpo de pessoas individuais, que detém os poderes supremos em uma sociedade politicamente independente” (pg. 71 - SKINNER). Ainda que Austin se apresente como um profundo admirador de Hobbes, sua definição de Estado tem o efeito de obliterar justamente a distinção em que a teoria hobbesiana está embasada. Será Samuel Pufendorf, apesar de crítico de várias passagens de Hobbes, quem irá avançar no sentido de oferecer uma análise do poder estatal, que é hobbesiano em seu caráter (a figura de um homem artificial), ao mesmo tempo em que logra resolver as ambiguidades do pensamento do autor inglês. Começa Pufendorf oferencendo uma descrição muito mais completa daquela dada por Hobbes dos muitos mundos que habitamos. Um é o mundo da natureza enquanto o outro é o mundo artificial que construímos quando acordamos para levar uma vida comum e regula-la por meio do governo e da lei. Já na renascença já se sustentava que um dos poderes distintivos da mente humana era dar origem a um mundo moral por meio do ato de reconhecer e distinguir entidades morais. Pufendorf (“De iure naturae et gentium” - capítulo 7) contudo vê pessoas morais simples, como um advogado nas cortes de justiça ou um parlamentar no parlamento. E pessoas morais complexas, quando várias pessoas estão unidades para se formar uma União, que acaba por ter uma vontade singular..e é isso que dá origem à Republica ou Estado Civil, a mais poderosa pessoa moral de todas as pessoas morais. Com essa caracterização reitera a análise de Hobbes sobre a pessoa do Estado, colocando-a ao mesmo tempo em um marco mais amplo. Assim o Estado civil será “uma pessoa moral composta, cuja vontade se dá em virtude dos convênios e contratos de todos, se considera como a vontade de todos, de sorte que pode se valer dos poderes e recursos de todos para a paz e segurança da comunidade” (SKINNER, apud Pufendorf, pg. 72). Como confirma Pufendorf, com relação aos titulares do poder político, o sujeito do poder soberano pode ser a pessoa do Estado em cujo nome e por cuja prosperidade se realizam as ações do soberano: Para ele “Em exercício e execução de sua vontade, o Estado faz uso de uma pessoa singular ou de um conselho, segundo se haja conferido autoridade a uma pessoa ou várias. Quando o governo do Estado está em mãos de um só homem, se entende que o Estado haverá de querer o que esse homem queira (pressupondo-se que esse homem esteja em seus juízos) com relação aos assuntos que concernem à existência de dito Estado” (SKINNER, Apud Pufendorf, pg. 73). Ainda que cada ato do Estado deve ser executado pelo Soberano, a vontade segundo a qual o soberano se conduz segue sendo “aquela vontade única que atribuímos ao Estado”. Assim, como em Hobbes, o papel do soberano é o de representar a vontade do Estado. Até meados do século XVIII era essa a concepção, de índole hobbesiana que prevalecia, sendo o Estado um uma sociedade civil por meio da qual uma multidão de homens estão unidos abaixo de um soberano, mantendo-se uma distinção entre Estado e um mero agregado de indivíduos. Esta foi a visão que Louis de Jaucourt definiu no verbete L’etat, da Encyclopedia, em 1756: “Esta união de muitas pessoas em um só corpo, produzida pelo concurso das vontades e das forças de cada indivíduo, distingue o Estado de uma multidão. Já que uma multidão não é mais do que um agregado de várias pessoas, cada uma das quais tem uma vontade particular, enquanto o Estado é uma sociedade animada por uma só alma que dirige todos os seus movimentos de uma maneira constante em prol de uma utilidade comum” (SKINNER, apud Jaucourt, pg. 73). É essa ideia que justifica a o Estado como sede da soberania. Assim, o Estado para existir depende o estabelecimento de um poder superior, o que justifica que o soberano haja em seu nome. Distingue-se pois do soberano e das pessoas que integram a multidão, devendo atuar por uma vontade uniforme, fundada no consentimento. Esta é a posição de Blackstone. Capítulo 8 A revolução conceitual de que se trata é produto de uma série de repercussões do vocabulário político de países da Europa ocidental. Uma vez que o termo Estado foi aceito como a principal categoria do discurso político, vários outros conceitos e argumentações presentes na análise da soberania deverão ser revisados e, em certos casos, abandonados. Para completar a análise, é preciso examinar o processo de redefinição do conceito de Estado como uma pessoa artificial e dotada de soberania. Um conceito que sofreu um importante processo de redefinição foi a obediência política. Um súdito, tradicionalmente, devia obediência a um soberano, como um nobre subordinado. Mas com a aceitação da idéia de que a soberania não reside no soberano mas no Estado, essa ideia foi reempregada pela perspectiva familiar de que os cidadãos devem sua lealdade ao próprio Estado. Isto não significa o abandono da idéia de súdito, mas uma conciliação com perspectivas teóricas distintas havidas entre monarquistas e republicanos. Isto se vê em Hobbes quando afirma que “todo cidadão, assim como toda pessoa civil subordinada deveria se considerar “um súdito daquele que tem o poder soberano”. (SKINNER, apud HOBBES, p. 77). Mas assim como os críticos da monarquia, Hobbes vai conceber que o soberano não se confunde com a pessoa natural que titulariza o poder, enxergando a sede do poder soberano a pessoa civil e não a pessoa do governante. Outro conceito que sofreu uma grande transformação foi o conceito de traição. Se antes a obediência estava ligada ao ato de render homenagem, o delito de traição se relacionava ao comportamento desleal para com o senhor soberano ou projetar a morte do rei; isto foi se ampliando para a idéia de um ato contra o rei no desempenho de suas funções, passando para um ato contra o Estado, de maneira que a traição passa a ser em De Cive, o ato daqueles que se recusam a cumprir os deveres para com o Estado. Da mesma forma, nO Leviatã (capítulo 28) o traidor é o “inimigo da república”, o que pode ser visto como um “inimigo do Estado”. A aceitação da soberania estatal tem o efeito de modificar as ideias tradicionais do poder poder político nas práticas de governo da Europa ocidental, que passou de um estado (standing) (uma condição) do governante e sua capacidade para mante-lo, para uma pessoa puramente moral; ou uma instituição impessoal, como é o Estado moderno. Até o começo do século XVIII já encontramos escritores que criticam o Leviatã como um novo e indefinido monstro; ou algo como uma monarquia abandonada, como um rei sem o esplendor monárquico, como observa Lorde Bolongbroke (Skinner, p. 79) Isto porque os atributos da majestade foram transferidos para os representantes do Estado, agora entendidos como os portadores de cargos, onde as atribuições que antes eram as características da majestade passam a ser dadas a meros funcionários públicos; desta forma, uma das consequências da distinção da autoridade do Estado de seus agentes foi a ruptura da antiga conexão entre a presença da majestadee o exercício de poderes magnos. Isto também revela o fenômeno da despersonalização dos poderes públicos. Hobbes, no capítulo 10 do Leviatã, observa que o poder não mais se liga a uma noção de honra e dignidade pública, mas tão somente a “se ter um cargo”. Isto nos dá, pela primeira vez, de maneira sistemática e não apologética, o tom abstrato e uniforme da teoria moderna do Estado soberano.
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