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crítica pós colonial

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· TEORIA E CRÍTICA PÓS­
COLONIALISTAS 
Thomas Bonnici 
o DISCURSO E O PODER: FOUCAULT E SAIO 
A teoria e a crítica pós-colonialistas, constituindo uma nova estética pela qual os textos 
são interpretados "politicamente", baseiam-se na íntima relação entre o discurso e o poder. 
Antes, portanto, de analisar o Pós-colonialismo em todos os seus aspectos, necessário se faz 
indagar sobre uma faceta do pensamento pós-estruturalista referente à equação discurso e 
poder. As forças políticas e econômicas, o controle ideológico e social subjazem ao discurso 
e ao texto. É evidente que o poder, com todas as suas consequências, é exercido para que 
surta o máximo efeito possível. Gerações de europeus se convenciam de sua superioridade 
cultural e intelectual diante da "nudez" dos ameríndios; gerações de homens, praticamente 
de qualquer origem, tomavam como fato indiscutível a inferioridade das mulheres. Nesses 
casos, estabeleceu-se uma relação de poder entre o "sujeito" e o "objeto", a qual não reflete 
a verdade. 
Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) proclama que os indivíduos primeiro decidem 
o que desejam e depois encaixam os fatos em seus objetivos. Consequentemente, o homem 
encontra nas coisas somente o que ele mesmo colocou nelas. Para Nietzsc)Ie, todo conhecimento 
expressa "o desejo do poder". Como a verdade e o conhecimento objetivo não existem, esses 
dois fatores são apropriados por sistemas de poder para camuflar seu desejo de poder. Os 
indivíduos adotam certo tipo de filosofia ou teoria científica quando está de acordo com a 
"verdade" proposta pelas autoridades intelectuais ou políticas contemporâneas, pela elite ou 
pelos ideólogos. 
A teoria do discurso de Michel Foucault (1926-1984) une o ceticismo referente ao discurso 
e a abordagem histórica da interpretação. Reconhece que o discurso, escrito ou oral, jamais 
poderia estar livre das amarras do período histórico em que foi produzido. Ou seja, o discurso 
está inerente a todas as práticas e instituições culturais e necessita da agência dos indivíduos para 
poder ser efetivo. Semelhantemente à teoria de Lacan, a subjetividade é construída através do 
discurso: o indivíduo se identifica com ou reage contra várias posições de sujeito oferecidas por 
uma variedade de discursos num dado momento. Os indivíduos que pensam ou falam fora dos 
'~()NNll:l 
I 	 parâmetros do discurso dominante são definidos como loucos ou reduzidos ao emudecimcnto, 
Em A história da lourura (1961), ~'igiar e punir (1975), /l história da scxllalidade (1976), Foucault 
examina os campos discursivos mutantes em que esses problenLls se desenvolvem em ctapas 
específicas da história e chega à conclusão de que os indivíduos não pensam nem falam sem 
obedecer aos arquiLJos de regras e restrições sociais, especialmente ao sistenn educacional, o 
qual define o que é racional e acadêmico. Essas regras, controlando a escnta e o pensamento, 
formam o arquitJo ou o inco/1scie/1te positiuo da cultura. 
As regras estruturais que informam os vários campos de conhecimento vão além da 
consciência individual. Não conhecemos o arquivo da época em que vivemos, porque é 
sinônimo do inconsciente a partir do qual falamos. Compreendemos o arquivo de outra época. 
porque somos absolutamente diferentes e distanciados dela. Por exemplo, percebemos as várias 
correspondências que formam o discurso do período medieval; os escritores da Idade Média 
percebiam os eventos contemporâneos e pensavam através dessas correspondências e, portanto, 
não podiam vê-las como nós as vemos atualmente. 
Foucault tenta descobrir as regras do discurso de um período específico e relacioná-las 
à análise do conhecimento e do poder. O discurso é historizado e a história contextualizada. 
Ele considera a história em termos de uma luta sincrônica do poder. Para ele o poder não 
é necessariamente algo repressivo, mas uma força produtiva que une as diferentes forças'da 
sociedade. Nenhum acontecimento nasce de uma causa única, mas é o produto de uma vasta 
rede de significantes e de poder. Ademais, a história e a história das ideias são intimamente 
ligadas à leitura e à produção de textos literários. Esses textos, por sua vez, são a expressão de 
práticas discursivas determinadas histórica e materialmente. Esses discursos são produzidos 
dentro de um contexto de luta pelo poder. De fato, na política, nas artes e na ciência o poder se 
constrói através do discurso e, portanto, a pretensão de que haja objetividade nos discursos é 
falsa, havendo, então, apenas discursos mais poderosos e menos poderosos. 
A utilização da geografia e da ciência ilustrará esse ponto. Quando se analisam os mapas 
dos cartógrafos medievais e renascentistas, percebe-se que eles, com seus contornos, detalhes 
e nomes, tornaram-se uma tecnologia do império, uma interface gráfica indispensável não 
apenas para navegar mas especialmente para gerenciar o mundo. O conhecimento e o saber dão 
direito às terras prometidas supostamente de "ninguém", à divisão cio mundo, ao heroísmo dos 
exploradores, à diversidade cultural, à alteridade, ao racismo. A partir da Naturalis Historia (77 
d.C.), de Plínio, e passando pelo Líber Chronicarum (1493), de Hartmann Schedel, e pelo Systema 
Naturae (1758), de Linnaeus, até as obras de certos cientistas do século XIX, especialmente A. 
de Gobineau, em A desigualdade das raças humanas (1855), as discussões diretas ou indiretas 
sobre o racismo pareciam sempre tender a comprovar a superioridade das raças europeias e 
colocar na alteridade o resto do mundo. A apropriação das ciências seguiu o mesmo padrão 
do colonizador, definido como a "inclinação a dividir, subdividir e redividir o seu tema sem 
nunca mudar de opinião sobre o Oriente como algo que é sempre o mesmo objeto, imutável, 
uniforme e radicalmente peculiar" (SAID, 1990, p. 107). O legado do imperialisIJlO foi construir 
as estruturas científicas sobre crenças existentes e herdadas, com a finalidade de indicar e 
consolidar os supostos donos do mundo. 
Para Foucault, o saber é o produto de um discurso específico que o formulou, sem nenhuma 
validade fora disso. As "verdades" das ciências derivam do discurso ou da linguagem. O saber não 
é o efeito do acesso das ciências para o mundo real ou para a realidade autêntica, mas das regras de 
seu próprio discurso. Segue-se que o saber das ciências humanas é construído porque as pessoas 
foram persuadidas a aceitá-lo como tal. É saber porque o discurso é tão poderoso que nos faz 
acreditar que seja saber. O saber, portanto, é produzido pelo poder. Para Foucault, a questão da 
veracidade ou falsidade de um discurso não é importante, já que a "verdade" é produzida pelo 
poder. Concentra-se, portanto, naJormação discursíLJa, ou seja, nas regras pelas quais o discurso é 
coerente ou nos princípios subjacentes ao discurso. Esses discursos determinam o nosso modo 
de falar e pensar sobre, por exemplo, a sexualidade ou a sanidade mental, e nos persuade para 
258 - T Ic U R I A LITERÁRIA 
...~ T 1 () " 1.\ I (I' I I I (A I' () ( - ( () I () N 1\ I I \ T .\ , 
o autopoliciamcnto e a supervisão dos outros. FUIlcionando independentcmcnte das intençocs 
específicas individuais (Foucault não está falando sobre o abuso do poder por indivíduos ou 
por governos que manipulam seus súditos e os mantêm sob seu controle), os discursos sc 
perpetuam pelos usuários que reproduzem seu poder. Na concepção de Foucault, o discurso 
é internalizado por nós, organizando o nosso ponto de vista do mundo e colocando-nos como 
um elo (inconsciente) na cadeia do poder. Foucault, portanto, coloca a linguagem no centro du 
poder social e das práticas sociais. É nesse ponto que se encontra o papel social da linguageln e 
da literatura como poder hegemônico. Todo o discurso de Os lusíadas, que intluenciou inteiras 
gerações lusas, começando pela sua imitação da Elleida, até as proezas heroicas dos portuguesesnos pontos embrionários da África e da Ásia, constrói a base de sua ideologia da superioridade 
do europeu, que, por mandato divino, submete os outros povos à sua lei "superior". Semelhante 
intluência exerceu o discurso das peças teatrais de Shakespeare, que outremiza e hierarquiza 
os povos limítrofes (os irlandeses), os desordeiros (homens e mulheres das tavernas) e os 
habitantes das longínquas colônias (Calibã). Esse fator será visto melhor no contexto do pós­
colonialismo. 
Embora o discurso seja repleto de poder, não é imune aos desafios ou às mudanças internas: 
é o lugar de contlito e luta, encarregado de criar e suprimir a resistência. Para Fpucault, o 
discurso reforça o poder c, ao mesmo tempo, o subverte. Ao ser exposto, o discurso torna-sc 
frágil e fica mais propenso a ser contrariado. 
Seguindo os parâmetros de Foucault e Gramsci, Edward Said (]l)j5-2003), em Orientalis/Ilo, 
publicado em 1978, demonstra como a teoria da desconstrução poderá desafiar a pretensão de 
objetividade no contexto da história cultural. Desconstruindo a natureza do poder colonial, 
Said (1978) aprofunda a crítica pós-colonialista que se desenvolveu durante os últimos quarenta 
anos. Ele desconstrói a imagem que o mundo ocidental tem do Oriente, imagem essa que foi 
construída por historiadores, escritores, poetas e estudiosos durante vários séculos. Utilizando 
"não só os trabalhos eruditos mas também as obras literárias, as passagens políticas, os textos 
jornalísticos, livros de viagens, estudos religiosos e filológicos" (SAID, 1990, p. 34), Said mostra 
a construção do Oriente através de romances, descrições e informações sobre a história e a 
cultura orientais. 
Essas formas de escrita ocidental constroem um discurso foucaultiano, ou seja, um sistema 
de afirmações e pressupostos que constituem um suposto saber e pelos quais se constrói o 
"conhecimento" sobre o Oriente. Evidentemente, tais discursos, aparentemente dedicados 
exclusivamente ao saber, estabelecem verdadeiras relações de poder. Para Said (1990), as 
representações do Oriente (ou Orientalismo) feitas pelo Ocidente levam consciente e 
deterministicamente à subordinação. Percebe-se, de fato, um discurso etnocêntrico repressivo 
que legitima o controle europeu sobre o Oriente através do estabelecimento de um construto 
negativo. A esperteza, o ócio, a irracionalidade , a rudeza, a sensualidade, a crue Idade, entre outros, 
for.mam esse construto, em oposição a outro construto, positivo e superior (racional, democrático, 
progressivo, civilizado etc.), defendido c difundido pela cultura ocidental. Encontra-se nesse 
ponto a hegemonia do discurso ocidental. Segundo Gramsci (1998), a hegemonia é a dominação 
con;entida, ou seja, o método pelo qual os dominadores conseguem oprimir os subalternos 
através da aprovação aparente dessas mesmas classes sociais, especialmente pela cultura. O 
Orientalismo, portanto, legitimou o imperialismo e o expansionismo para os próprios europeus 
e convenceu os "nativos" sobre o universalismo (a mais adiantada civilização do planeta é a 
europeia) da civilização europeia. 
A teoria de Said (1990) e de outros teóricos pós-colonialistas, quase simultaneamente 
adotada pelos adeptos de estudos afro-americanos e por feministas, subverte os pressupostos de 
uma objetividade espúria que sustenta o Ocidente, a unicidade de sua cultura e de seu ponto 
de vista. 
'rO N N , " 
, 
j 
I A pLítlC1 ctnogr:ífíca torlla-~e uma descri~,lo precon(Tltual da cultura de uma raçl a partIr I
Etnografia 
di' """op""o' h'gemõni,m d", conqoi,,,d,,,,,. I 
Outro O sujeIto hegemônico europeu. 
Além de sigmficar o domínio de um estado sobre outro. hegemonia é o poder da classe 
Hegemonia dominante para convencer as outras classes de que os interesses dela (da classe domlllantc) 
SJO lllteresses comuns; conscquentemente. SJO aceitos por todas as outras cIJsses. 
O sujeito marginalizado pela hegemonia europela; uma pessoa de raça ou etnia diferente, I 
outro 
ou seja, nJo-branca e nJo-europeia. 
Distlllta da identidade racial, a etnicidade da pessoa incl \li seus ;lspectos culturais, como ;]Etnicidade 
religião, tradições de vestimenta e de comida, vVeltallschauung etc. 
~-------+-----------------------~ - -~~-
O texto transformado pelo contexto ou interpretação; portanto, altamente carregado pela : Discurso ideologia dominante, que exclui e degrada qualquer outro discurso. 
Frequentemente, é um termo degradante para significar a pessoa primitiva, pagJ, não-INativo 
educada, desprovida de literatura ou cultura. 
A prática política e ideológica de uma nação hegemônica para outremizar o não­Império 
europeu. 
É um sistema de supervisão, consequência do poder sobre o sujeito outrell11zado. o qual é I
Panótico 
ameaçado por todo tipo de reprovação moral e cultural e de exclusão. I 
Quadro 1. Poder e controle. 
HISTÓRIA DO PÓS-COLONlALISMO 
Iniciou-se o século:XX com um triste panorama composto (1) por dezenas de povos e nações 
submetidos ao colonialismo europeu, (2) pormilhões de negros, descendentes de escravos, especialmente 
nos Estados Unidos e na África do Sul, discriminados em seus direitos fundamentais, (3) pela metade 
feminina da população mundial vivendo num contexto patriarcal, (4) pelo poder político e econômico 
nas mãos da raça branca, cristã e rica em países industrializados. Apesar dessa imagem sombria, um 
dos fatores mais característicos do século:XX foi a nítida consciência da subjetividade político-cultural 
e da resistência ,de povos e nações contra qualquer tentativa para manter a objetificação ou iniciar uma 
nova modalidade de dependência. O Renascimento do Harlem (movimento cultural e literário entre 
escritores e artistas norte-americanos, especialmente na cidade de Nova Iorque, ~uja finalidade foi 
realçar o interesse na cultura africana ao redor do mundo) nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 
1930 mostra a recusa em deixar a cultura eurocêntrica, cristã e branca continuar definindo o outro em 
geral e a p~pulação afro-americana em particular (APPIAH; GATES, 1997). Idêntica atitude estava 
por trás do movimento Négritude na década de 1930 em vários países africanos. Essa tendência para a 
autodeterminação dos povos em todos os aspectos teve um recrudescimento, após a Segunda Guerra 
Mundial, especialmente nos movimentos pelos Direitos Civis nos Estados Unidos e na luta contra 
o colonialismo britânico, francês, português, alemão, belga em todos os continentes. Nesses casos a 
autodeterminação política e a autodefinição cultural andavam juntas. Na prática, o Renascimento do 
Harlem e Négritude são definidos como um momento cultural, literário e político de tal envergadura 
que o teórico martiniquiano-arge!ino Frantz Fanon confere grande poder de luta política às culturas 
e literaturas nacionais. 
260 - T E o R I A LITERÁRIA 
----
~ T 1 () H 1·\ F. " H I r I ,: ..\ I' () , - , (l I ,) N 1 .-\ 1 1 , 1 ..\ , 
D\?scolonização I Movimcntos 	 Indepcndência no Dcscolonizaçl" II M,willlclltns pré- Dc,colnniz,l<;.l,) !lI 
(1776-1825) (1920-1939) 	 CommonwcaIth (1945-1949) independência (195:;-1 'n'i) 
britânico (década de 1'.J3ll) 
(1930-1942) 
Estados Unidos: 
América Central; 
América do Sul. 
Renascimento do 
Harlem, Estados 
Unidos: 
Négrit/lde. na 
África. 
Canadá: Austrália. Índia: Paquistão: 
Indonésia: 
Oriente Médio. 
.'\Jél(rilwle. na África: 
guerrilhas. 
África do None: 
África equatorial c 
subequatoriaI: il1us 
do Carihc l' coIêllli", 
do sudeste 3si:lticu l' 
Occania. 
Quadro 2. Mapa da descolonização entre 1776-1975. 
Historicamente o movimento pró-independência, especialmente das Américas britânica, 
portuguesa e espanhola, respectivamente no último quartel do século XVIII e no primeiro quartel 
do século XIX, favoreceu certa autonomia às culturas não-europeias (mas não-indígenas), com 
o consequente nascimento de umaliteratura nacional (JOZEF, 1982). Nos séculos XVIII e XIX, 
abundam no Brasil escritores e escritoras que desenvolviam seu trabalho com larga incôrporação 
de temas brasileiros, seguindo padrões estéticos europeus, Foram o Modernismo brasileiro, contudo, 
iniciado na década de 1920, e suas subcorrentes que apresentaram propostas de uma arte 
essencialmente brasileira. Em geral, todavia, fortes laços ainda amarravam as literaturas americanas 
aos modelos europeus. Praticamente até meados do século XX, no contexto dos países novos 
fabricados pelo colonialismo, não existia uma literatura nacional na África e na Ásia, e a literatura 
produzida nesses continentes seguia padrões eurocêntricos, já que foi escrita por viajantes, 
missionários, mulheres de administradores coloniais e soldados intimamente ligados à metrópole 
colonizadora. Raríssimos foram os casos em que surgiram produções literárias diferentes das da 
metrópole. Por outro lado, não havia embasamento teórico para detectar a resistência na literatura 
de então. Tampouco eram desenvolvidas formas de leitura e escrita que pudessem "responder" à 
colonização europeia arraigada nos parâmetros do essencialismo, de superioridade cultural e de 
degradação da cultura dos outros. 
O período após a Segunda Guerra Mundial viu o surgimento da terceira onda de independência 
política especialmente nas nações caribenhas, africanas e asiáticas e, ao mesmo tempo, de uma 
literatura escrita pelos nativos, não sem problematização, nas línguas dos ex-colonizadores. Os 
romances The Palm-Wine Drinkard (1952), de Amos Tutuola, e Things Fali Apart (1958), de Chinue 
Achebe, ambos nigerianos, foram talvez as primeiras expressões literárias autenticamente nativas 
oriundas da África e escritas em inglês. Nasce então uma literatura original em inglês a partir das ex­
colônias britânicas, a qual não poderia ser chamada simplesmente "literatura inglesa". Críticos da 
metrópole inglesa logo desenvolveram a ideia de CommonwealthLiterature (literatura da comunidade 
das ex-colônias britânicas). Evidentemente, pode-se ver que a ideia de uma Commonwealth Literature 
semia os antigos padrões metrópole-colônia, com a Inglaterra posicionahdo-se no centro e as 
novas nações independentes colocadas na margem. Na década de 1970, os escritores caribenhos, 
africanos e asiáticos rejeitaram qualquer conotação do Commonwealth, devido à continuação do 
euroéentrismo pela crítica britânica e à recusa dos escritores nativos em admitir a superioridade 
da civilização britânica e europeia. A expressão Commonwealth Literature foi abandonada e surgiu a 
ideia de chamar Literaturas em inglês à expressão literária em língua inglesa oriunda das ex-colônias 
britânicas. Esse fenômeno não ficou restrito à literatura em língua inglesa, mas a todas as literaturas 
nascidas nas ex-colônias. Em seu importante livro, Dathorne (1976) intitula os capítulos "Teatro 
africano em francês e em inglês", "Literatura africana em português". 
Nestas últimas três décadas surgiu o problema de como ler as obras de escritores que, 
escrevendo nas línguas europeias, são etnicamente não-europeus. Há atualmente escritores 
africanos escrevendo em francês, inglês e português; autores caribenhos escrevendo em espanhol, 
inglês, francês ou holandês; escritores indianos, paquistaneses e egípcios desenvolvendo uma 
1 
'C?n N N I ( I 
! literatura em inglês. Éjusto ler essas obras, profundamente inseridas numa cultura não-ocidental, 
através de parâmetros estruturalistas, pós-estruturalistas, materialistas culturais, ou seja, através 
de uma abordagem ocidental? Qual é o status dessas literaturas produzidas nas ex-colônias? Se a 
relação entre a metrópole e a colônia sempre foi tensa, não deveria essa literatura, escrita a partir 
da invasão colonial até o presente, mostrar as tensões inerentes aos encontros coloniais? Se a 
literatura da metrópole foi usada para enfatizar a superioridade europeia através da degradação ou 
aniquilamento da cultura não-européia. qual é o papel dessas literaturas pós-coloniais? 
COLONlALISMO 
o termo cololl ia IiSIIlo caracteriza o modo peculiar como aconteceu a exploração cultural durante 
os últimos 500 anos causada pela expansão europeia. Distinguem-se o imperialismo mediterrâneo 
da Antigüidade e o colonialismo pós-Renascimento. No mundo antigo, as grandes civilizações 
mediterrâneas orgulhavam-se em possuir colônias e insistiam na hegemonia da metrópole sobt:e a 
periferia, a qual era considerada bárbara, inculta e inferior. Said (1995, p. 40) define esse il1lperium 
como "a prática, a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um 
território distante", como aconteceu a partir de 336 a.C., quando o império de Alexandre da 
Macedônia levou a civilização helênica para fora do Mediterrâneo e polarizou as ideias e as 
energias europeias para o Oriente, ou quando o império romano, após 264 a.C., conquistou as 
ilhas mediterrâneas, a Espanha, o norte da África, o Oriente Médio, o Egito, a Gália, a Alemanha e a 
Inglaterra. Por outro lado, o mesmo autor afirma que o colonialismo praticado após o Renascimento 
"é a implantação de colônias em território distante" como consequência do capitalismo incipiente, 
com a finalidade de exploração material para o enriquecimento da metrópole. 
A expansão colonial europeia nos séculos XV e XVI coincidiu, portanto, com o início de um 
sistema capitalista moderno de trocas econômicas. As colônias foram imediatamente percebidas como 
fonte de matérias-primas que sustentariam por muito tempo o poder central da metrópole. Limitando­
nos ao Brasil, pode-se constatar que, a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha até a publicação, em 
1711, de Cultura e opulência do Brasil, de André João Antonil, inúmeros são os textos informativos sobre 
os recursos econômicos das colônias e as práticas de exploração do território colonial. Ademais, o 
sistemapanóptico pelo qual se supervisionava o espaço colonial era o método de viajantes e exploradores 
europeus dos séculos XIX e XX representando o conhecimento e o poder. Entre o colonizador e o 
colonizado estabeleceu-se um sistema de diferença hierárquica fadada a jamais admitir um equilíbrio 
no relacionamento econômico, social e cultural. 
Mais grave tornou-se a.situação de povos colonizados que eram racialmente diferentes (os 
"hotentotes" na costa africana) ou que formavam uma minoria (os aborígenes da -Óustrália). Entre 
o colonizador e o colonizado havia o fator raça, que construía um relacionamento injusto e desigual. 
Os termos raça, racismo e preconceito racial são oriundos da posição hegemônica europeia. Esse tópico 
transformolJ-se numa justificativa para introduzir o regime escravocrata a partir de meados do 
século XVI, quando se formou a ideia de um mundo colonial habitado por gente "naturalmente" 
inferior, programada pela natureza para trabalhar braçalmente e servir ao homem europeu branco. 
Do ponto de vista dos gregos e dos romanos, os barbaroi apenas não falavam a língua "culta" e 
situavam-se fora da história e da civilização. Aos olhos dos europeus colonizadores, o estado 
naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutível, "provado" no século XIX pelas 
teorias da evolução e da sobrevivência do mais forte na doutrina darwinista. Se frequentemente o 
colonizado aceitava a ideologia e os valores do colonizador e transformava-se emfantoche (mimic 
man nos romances de V.S. Naipaul), em outras ocasiões mostrava sua resistência e subversão 
através da mímica e da paródia. 
262 - T E o R I A LITERÁRIA 
... 
Segundo Ashcroft et ai. (1991), podemos sistematizar as colônias em (1) colônias de povoadores, 
(2) colônias de sociedades invadidas e (3) colônias de sociedades duplamente IIlvadidas. Nas 
colônias de colonizadores (América espanhola, Brasil, Estados Unidos da América, C~aJ1Jd;i, 
Austrália, Nova Zelândia), a terra fOI ocupada por colonos europeusque conquistaram, mataram 
ou deslocaram as populações indígenas. Uma modalidade de civili7aç;10 europeia foi transplantada 
no vazio construído e os descendentes de europeus, mesmo após a independência política. 
mantiveram o idioma não-indígena. Os colonos inquestionavelmente consideravam que o idioma 
europeu era apropriado para expressar a complexa realidade do lugar ocupado, marginaliz:mdo as 
línguas indígenas. 
Nas colônias de sociedades invadidas (Índia e África com suas civilizações em vários estágios de 
desenvolvimento), as populações foram colonizadas em sua terra. Os escritores nativos, port:mto, já 
possuíam ideologias, organizações societárias e formas políticas, embora estas fossem mar~,;nalizadas 
pelos colonizadores. Raramente o idioma europeu substituiu o idioma do nativo; no mais, ofcreceu­
lhes uma oportunidade para comunicar-se com outras sociedades, elevar seu nível cultural e manter 
as ligações com a metrópole. Em todos os casos, o idioma europeu sempre causou e ainda causa certa 
ambiguidade, especialmente na literatura nativa. 
As colônias das sociedades duplamente invadidas referem-se ao espaço ocupado pelas ~ociedades 
primordiais dos indígenas das ilhas do Caribe, as quais foram completamente exterminadas nos 
primeiros cem anos do descobrimento. A população atual das Índias Ocidentais veio da África, Índia, 
Oriente Médio e da Europa, e é o resultado do deslocamento, do exílio ou da escravidão. Entre todas 
as sociedades colonizadas, talvez a sociedade ci.ribenha seja a que mais sofreu os efeitos devastadores 
do processo colonizador, onde o idioma e a cultura dominantes foram impostos e as culturas de povos 
tão diversos, aniquiladas. 
COLÔNIAS DE POVOADORES COLÔNIAS DE SOCIEDADES COLÔNIAS DE SOCIEDADES 
INVADIDAS DUPLAMENTE COLONIZADAS 
AllIl'ricas espanhola e portuguesa, Índia e ÁfrIca 1\" ilhas do Caribe: o genocídIO 
Estados Unidos da América, Canadá, pratIcado contra os indígenas efetivou o 
Austrália, Nova Zelândia. deslocamento de populações da África. 
Índia, Ásia, Oriente Médio e da Europa 
para a rCgJão. 
Línguas nativas quase extintas, Línguas nativas praticadas Línguas originais suprimidas totalmente, 
prevalecendo as línguas europeias. intensamente; língua europeu prevalecendo as línguas europeias. 
apropriada. 
Quadro 3. Tipos de colônias, vicissitude das línguas nativas e línguas dominantes. 
A colonização e o discurso colonialista eram também impregnados pelo patriarcalismo e pela 
exclusividade sexista. O termo homem e seus derivados incluíam o homem e a mulher; o mesmo 
privilégio não era dado ao termo mulher. A ideologia subjacente consistia, portanto, na junção das 
noções metrópole e patriarcalismo que estavam empenhadas em impor a civilização europeia ao resto 
do mundo. A ação "civilizadora" levada ao interior pelo colonizador britânico, a partir de 1750, na 
África, Índia e no sudeste asiático, era tão bem preparada que escondia a violência e a degradação às 
quais foram submetidos os nativos. Dois séculos antes, a mesma justificativa de Colombo para tlzê­
los "cristianos" e de Caminha para "salvar esta gente" foi utilizada por portugueses e espanhóis para 
camuflar a utilização de mão-de-obra indígena em suas colônias americanas. A tarefa civilizadora e 
a tutelagern paternal assumidas pelas nações europeias nada mais foram que um pretexto pelo qual 
TI t,., ,. A ~ o,-,.,~" ,-, I T , 
1" N N , C , 
1 	 mtensificavam a rapinagem c ::l luta par::l a aquisição de m::ltérias-primas para supnr as n::lções em 
I processo de industrialização crescente. 
O estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou tamhém os colonos brancos, 
que, aos olhos dos agentes governamentais e da ml'trópole, ficaram degenerados pelo hibridismo. 
Em Widc Sar.gasso Sca (1966), de Jean Rhys. foram atribuídas à protagonista Antoinette Cosway 
acusações de incesto, loucura, adultério c ninfomania, porque ela era o resultado da mestiçagem 
de descendentes britânicos com negros cmbenhos. No romance O rortiço (1890), Jerônimo, o 
português exemplar, mergulha na massa hlllnana da favela e degrada-se diante dos encantos do 
ambiente, da música tropical c, de modo especial, da sensualidade de Rita Baiana. A metrópole, 
portanto, enfatizava o fato de que esses colonos degenerados, prescindindo da herança cultural 
de seus antepassados europeus, desenvolveram as características dos nativos (preguiça, dança) 
ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional (a hebedeira dos irlandeses). Todos esses 
aspectos criaram um sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas 
essencialmente inferiores. Nos séculos XVI e XVII, os colonizadores espanhóis, portugueses 
e holandeses, e, mais tarde, nos séculos XVIII, XIX e XX, a Inglaterra e a França, puseram 
em prática o conceito polarizador "nós - eles" ou Outro - outro. Para garantir a coesão do 
Outro diante das vicissitudes do mundo moderno, o colonizado foi incentivado a recebe'!' c 
compartilhar as henesses da civilização. Para o colonizado, esse futuro promissor foi sempre 
preterido. 
OUTRO (O COLONIZADOR) 	 Outro (O COLONIZADO) 
-
1. 	 O centro imperial (a) constrói o sistema pelo 1. O outro é formado por discursos de (a) 
qual o sujeito colonizado forma :1 sua identidade primitivismo; (b) canibalismo; (c) separação 
COITlO dependente ou outro; (h) torna-se a binária entre o colonizador e o colonizado; (d) 
única estrutura pela qual o st~eito colonizado afirmação da supremacia da cultura, ideologia e 
compreende o mundo. visão do mundo do colonizador. 
2. 	 Representa o Outro Simbólico e a Lei-do-Pai 2. O sujeito colonizado é "filho" do império e o 
(conforme a terminologia de Lacan). sujeito degradado do discurso imperial. 
Quadro 4. O Outro e o outro no sistema colonial. 
o colonialismo, portanto, gira em torno de um pressuposto no qual o poderoso [entro cria a 
sua periferia. Embora o binômio centro/margem seja uma noção binária, ela defit:!-e o que ocorreu 
na representação dos indivíduos durante o período colonial. O mundo foi dividido em duas 
partes, hierarquicamente constituídas, e o centro se consolidava apenas através da existência do 
outro coloni_~ado. Segue-se que o centro, a civilização, a ciência, o progresso existiam porque havia 
todo um discurso sobre a colônia, a selvageria, a ignorância, o atraso cultural. Constituindo­
se o centro e relegando tudo o que havia fora dela como periferia da cultura e da civilização, a 
Europa sentia-se na incumbência (missão) de colocar, sob diversos pretextos, essa margem em 
seu âmbito. Enquanto Dom João IH escreve em 1548 que o principal objetivo de "povoar as ditas 
terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse à nossa fé católica", em 1897 o secretário 
das colônias inglês ]oseph Chamberlain considerava as colônias britânicas como estados não­
desenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistência imperial e que não havia 
outra solução para garantir emprego pleno aos ingleses sem a criação de novos mercados (LANE, 
1978). 
')h.1 _ T co n DIA TTTCORÁR1A 
ljffi. 
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! 
• 
SUJEITO E OBJETO 
A opressão, o silêncio e a repressão das sociedades pós-colonl:ús decorrem de uma ideolot',Ll de 
sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores. Nas sociedades pós-coloniais, o sujeito e o objeto 
pertencem a uma hierarquia em que o oprimido é fixado pela superioridade moral do dorninador. 
O colonizador, seja espanhoL português, inglês, se impõe como poderoso, civilizado, culto, forte, 
versado na ciência e na literatura. Por outro lado, o colonizado é descrito constantcmente como sem 
roupa, sem religião, sem lar, sem tecnologia, ou seja, em nível bestial. É a dialética do sUjeito (at',clltc) 
e do objeto (o outro, suhalterno). A língua cortada do personagem Friday no romance Foc (1986), e!c 
J. M. Coetzee, é o símbolo do colonizado mudo por ato voluntário do colonizador. A ausênciade 
relatos de Índios ou de escravos hrasíleiros e de mulheres escritoras em todo o período colonial e pré­
republicano é emblemático. A autoetnografia não existe por força da hierarquia imposta. 
Pode-se usar o termo subalterno para descrever o colonizado-ohjeto. O subalterno, termo emprestado 
da ohra Note slllla storia italial1a (1935), de Antonio Gramsci (1891-1937), retere-se a pessoas na 
sociedade que são o objeto da hegemonia das classes dominantes. As classes subalternas podem ser 
compostas por colonizados, trabalhadores rurais, operários e outros grupos aos quais o acesso ao poder 
é vedado. Os estudos coloniais interessam-se pela história de grupos subalternos, neces'sariamente 
fragmentária, já que sempre está submetida à hegemonia da classe dominante, sl~eito da história 
oficial. O colonizado quase não possuía meios para se apresentar e tampouco tinha acesso à cultura c J 
organização social. No Brasil existe apenas a etnografia de índios do século XVI, escrita e manipulada 
por grupos europeus. Praticamente o mesmo pode ser afirmado dos escravos negros trazidos ao Brasil 
e de seus descendentes brasileiros, das mulheres, dos agricultores sem terra, dos operários urbanos 
excluídos. 
Foi o colonizador europeu que lançou o espaço colonial e o nativo à vista do mundo num processo 
que Spivak (1987) chama de lVorlding. T+órldín,í; é a maneira pela qual a colônia começou a existir como 
parte do mundo eurocêntrico. A grande quantidade de textos, incluindo mapas, pinturas, frontispícios 
de livros, sobre o Brasil nos séculos XVI e XVII e publicados na Europa, formou, no imaginário 
europeu, um conjunto de conceitos sobre a América portuguesa. É a inscrição do discurso imperial 
sobre o espaço colonizado. O método mais óbvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com 
nomes de acidentes geográficos, o que significa conhecer e controlar. O segundo tipo de lVorldÍfI.íZ é 
o "passeio" do europeu pelo país colonizado. Há muitas gravuras e desenhos mostrando o soldado 
inglês caminhando por território indiano ou africano. Nesse caso o sujeito colonial está mostrando 
ao nativo quem realmente manda naquele espaço. Em sua Carta, o escrivão Caminha descreve os 
"passeios" dos portugueses pelas praias baianas, impondo na mente dos indígenas a supremacia do 
branco colonizador. A terceira modalidade refere-se à degradação sistemática do nativo. Por que 
na cartografia brasileira e nas primeiras páginas dos livros impressos nos primeiros dois séculos de 
colonização encontram-se constantemente cenas de antropofagia? Por que a nudez, o ateísmo, a 
preguiça, a selvageria, a sensualidade e a ignorância são tópicos constante:i na descrição do negro, 
quer no Brasil, quer na África do Sul? A imagem do nativo/escravo em tais condições foi o gatilho 
psicológico para a rapinagem da colônia em todos os sentidos. 
'Os críticos tentam expor os processos que transformam o colonizado numa pessoa muda e as 
estratégias dele para sair dessa posição. Spivak (1995, p. 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial 
e da mulher subalterna: "o sujeito subalterno não tem nenhum espaço a partir do qual ele possa falar". 
Bhabha (1998) afirma que o subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada através da 
paródia, da mímica e da cortesia ardilosa, que ameaçam a autoridade colonial. Fanon (1990) e Ngugi 
(1986) admitem que o colonizado pode ser reescrito na história, embora esse tipo de descolonização 
sempre seja um fenômeno violento. O colonizado fala quando se transforma num ser politicamente 
consciente que enfrenta o opressor. Embora escritos por europeus, muitos relatos de viagens e 
romances pré- e pós-independência revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos. 
Materializa-se, portanto, o processo de agência, ou seja, a capacidade de alguém executar uma ação livre 
TT"~"A(" A,-,"'''-''''' I J',rrt. íllA"'A 7(","-1 {(11)(:AN17r,])()!cl=-"\ _ ?h~ 
e independentemente, \Tnccndo os impedimentos processados nJ construção de sua identidade. Note­
se que em O Urag/lOl, CUJd finalIdade foi a exaltação do ITurquês de Pombal. destacam-se as vozes dos 
índios. Esse bto mostra a superação de estado de ohjetos e os revela como agente,. Nos estudos pós­
coloniais, a agência é um elemento fundamental. porque revela a autonomIa do sUjeito em revidar e 
contrapor-se ao poder colonial. Nesse contexto, é importante a teoria da subjetividade construída pela 
ideologia (segundo Althusser), pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault), 
já que qualquer ato do sujeito é consequência desses três f1tores. A questão el1\oln' a constituição da 
identidade n:l divisão Outro-outro imposta pelo colonlalismo (TODOROV, 1991). 
L 	 SlIbalterl/o: literalmente slgmflclI1do "sl~eito de categoria infenor", o termo tói criado por GramsC1: trata-se de 
qualquer sujeito sob a hegemoll1a das classes d011lmames. 
J 	 Em tcrnws pós-coloI1i~us, os cstllei(); mIJa/terl/o' se rdr'rclll J arüEsc da subordmação fI:l sociecl:Jdc devido à classe, casta, 
reLlde. gênero. profissão, religião c outros. 
3. 	 O Elwr maIs constante nos estudos subaltcrtlos SJU os métodos de resistê/lcia adotados contra U colonizador ou a eEt~ 
dOl11madma. 
4. 	 Pode (1 Sll/Jilflml()l;llar~ é a pergunta maIS importante. 
S. 	 Em sociedades pós-colomals, a I/flllher é duplamente subal terna: cla é' o objeto da historiografia colorualtsta e da 
construção do gênero. 
6. 	 O diswrso pós-colol/ial e a apropriaçrlo da lill,l;lIagem pelo subalterno constituem métodos para que a voz marginaltzada 
possa ser ouvida. 
Quadro 5, O subalterno e sua voz. l 
I
COLONIALISMO E FEMINISMO I 
Há estreita relação entre os estudos pós-coloniais e o feminismo. Em primeiro lugar, há uma 
analogia entre patriarcalismo/feminismo e metrópole/colônia ou colonizador/colonizado, "Uma 
mulher da colônia é uma metáfora da mulher como colônia" (DU PLESSIS, 1985, p. 46). Em segundo 
lugar, se o homem foi colonizado, a mulher, nas sociedades pós-coloniais, foi duplamente colonizada. 
Os romances de Jean Rhys, Doris Lessing, Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa 
dialética. Na história do Brasil, a mulher sempre foi relegada ao serviço do homem, ao.silêncio, à dupla 
escravidão, à prostituição ou a objeto sexual. Na literatura, muitos são os romances que representam, 
através de suas personagens femininas, essa situação. Diversos romances de Jorge Amado, por exemplo, 
retratam essa.subjugação da mulher. 
O objetivo dos discursos pós-coloniais e do feminismo, nesse sentido, é a integração da mulher 
marginalizada à sociedade, De modo semelhante ao que aconteceu nas reflexões do discurso 
pós-colonial, no primeiro período do discurso feminista, a preocupação consistia na substituição 
das estruturas de dominação. Essa posição simplista evoluiu para um questionamento sobre as 
formas literárias e o desmascaramento dos fundamentos masculinos do cânone. Nesses debates, ... 
o feminismo trouxe à luz muitas questões que o pós-colonialismo havia deixado obscuras, e vice­
versa. De fato, o pós-colonialismo ajudou o feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais 
do discurso feminista. 
266 - T E o R I A LITERÁRIA 
----
I 
-....~ T l () Il 1.'1 E C H I T I C.-\ I' (' , - ,: (1 i C' " lI I I, T.-\ \ 
1. A mulher é dllJ'lillllellll' (C''''l/izada pela sociedade indígem e pelo poder colonial. 
2. fiTquClltCmcntc as questões de gêllero sOlu IlllTlII111zadas ou relegadas a segundo plano lU an;ilise pós-culonial. 
f---­
.3. A c1IVClif/(aç<lo da tlllIlher torna-se J ll1et:-ífora da degradação das sociedades sob o co]ol1ialIsl1lo. 
f---~ 
-t. A 1'02 d" mlllher na ficção e no desem'o]vlIllcnto do cânone literário rompe os pressupostos masculinos 
5. Questões de idcwidade, ((l/lImle, poder ("yi'II{/ll) c de autoria tornam-se as mais relevantes. 
----------------------------------------------~- ~ 
6. Consolida-seo estilo htcririo caracterIzado pela diferença, dil'ersidade e imprevisibilidade. ---= 
7. Há necessIdade de constante vigilâllcia contra as manobras do Outro (a sociedade branca ou homens negros). 
Quadro 6. O feminismo em sociedades pós-coloniais. 
Petersen (1995) observa que cm muitos países do Terceiro Mundo há o dilema sobre o que é 
necessário empreender primeiro: a igualdade feminina ou a luta contra o imperialismo presente m. 
cultura ocidental. Em Things Fali Apart} o personagem Okonkwo é castigado não porque ba,tcu em sua 
esposa, mas por haver batido nela numa semana considerada sagrada. Petersen (1995, p. 254) resolve 
a questão com uma citação de Ngugi: "Nenhuma libertação cultural sem a libertação feminina". A 
escritora nigeriana Buchi Emecheta insiste sobre a "autêntica perspectiva feminista, a focalização na 
exploração da mulher e a luta dela pela libertação" (BENSON; CONOLLY, 1994). Efetivamente, a 
dupla colonização causou a objetificação da mulher pela problemática da classe e da raça, da repetição 
de contos de fada europeus e da legislação falocêntrica apoiada por potências ocidentais. Entre 
outras, a mais eficaz estratégia de descolonização feminina concentra-se no uso da linguagem e da 
experimentação linguística. Muito esclarecedor o romance A república dos sonlws (1984), de Nélida 
Piíion, no qual se descreve e se analisa o processo de crescente conscientização política de Eulália, 
Esperança e Breta em três períodos políticos distintos do século Xx. 
o QUE É A LITERATURA PÓS-COLONIAL 
Diante dos prinClplos acima, podemos definir a literatura pós-colonial como toda a literatura, 
inserida no contexto de cultura, "afetada pelo processo imperial, desde o primeiro momento da 
colonização europeia até o presente" (ASHCROFT ef aI., 1991, p. 2). A crítica pós-colonial, portanto, 
abrange a cultura e a literatura, ocupando-se de perscrutá-las durante e após a dominação imperial 
europeia, de modo a desnudar scus efeitos sobre as literaturas contempornneas. De fato, todas as 
literaturas oriundas das ex-colônias europeias, sejam elas portuguesas, espanholas, inglesas ou 
francesas, (1) surgiram da experiência da colonização e (2) reivindicaram-se perante a tensão com o 
pode'r colonial e diante das diferenças com os pressupostos do centro imperial. 
Tensão com o poder colonial 
Experiência da colonização literatura pós-colonial DIferenças com os pressupostos do centro 
imperial 
Quadro 7. A formação da literatura pós-colonial. 
THOMA, BONN1CI I LUCI,' ChhNA ZOllN (OIlCANIZADOHESl 267 
:r;() N 	 N I L I 
A emergênCia e o desenvolvimento de literaturas pós-coloniais dependem de dois fatores 
importantes: (l) a progressão gradual da conscientizaç30 nacional e (2) a convicç30 de serem diferentes 
da literatura do centro imperial. Na primeirJ expressão "lIter:í.ria" brasileira, nem a conscientização 
nacional nem a diferenciação têm ressonância. De fato, ela envolve textos literários que foram 
produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes, administradores, soldados e esposas 
de administradores coloniais). Tais textos e reportagens, com detalhes sobre costumes, fauna, flora 
e língua, privilegiam o centro em detrimento da periferia, porque \'isam exclusivamente ao lucro 
que a metrópole terá com a invasão e a manutenção da colônia. As descrições de Fernão Cardim, em 
Do clima e terr,) do Brasil (edição inglesa de 1625), Jean de Léry, em r'Í')cVClII â terra do Brasil (1578), e 
Gabriel Soares de Sousa, em Hatado descritil'o do Brasil (1587), com sua pretensão de objetividade sobre 
frutas tropicais, esmeraldas, rios e outros temas, como também a atomização dos objetos descritos 
pelos pintores e botâllicos holandeses, como Albert Eckhout, Willem Piso, Johann Nieuhoff e Georg 
Marcgraf, escondem o discurso imperiaL 
A segunda etapa envolve textos literários escritos sob superVisão imperial por nativos que 
receberam sua educação na metrópole e que se sentiam gratitlcados em poder escrever na língua do 
europeu (nessa época não havia nenhuma consciência de ela ser também do colonizador). A classe 
alta da Índia, os missionários africanos e, às vezes, prisioneiros degredados na Austrália sentiam-se 
privilegiados em pertencer à classe dominante, ou em ser por ela protegidos, e produziram volumes ge 
poemas e romances. A Prosopopéia (1601), de Bento TeL'Ceira, e O Uraci?ual (1769), de Basílio da Gama, 
são exemplos clássicos desse fenômeno na literatura brasileira. 
Embora muitos dos temas (o fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do 
que a europeia, a brutalidade do sistema colonial, a riqueza de seus costumes, leis, cantos e provérbios) 
abordados por esses autores estivessem carregados de subversão, sem dúvida os autores não podiam ou 
não queriam perceber essa potencialidade. Além disso, a manutenção da ordem e as restrições impostas 
pela potência imperial não permitiam nenhuma manifestação que pudesse mostrar algo diferente dos 
critérios canônicos ou políticos. 
A terceira etapa envolve uma gama de textos, a partir de certo grau de diferenciação, até uma total 
ruptura com os padrões da metrópole. Evidentemente, essas literaturas dependiam do cancelamento do 
poder restritivo, ou seja, começaram a ser escritas ou umas décadas antes ou a partir da independência 
política. A oscilaç30 de "brasilidade" nas obras de Basílio da Gama, Santa Rita Dur30, Cláudio Manoel 
da Costa, dos poetas românticos e de José de Alencar é muito nítida: a bajulação ao colonizador, o estilo 
literário português, o afastamento da retórica camoniana, temas brasileiros, fabricação da mitologia 
brasileira. Pela conscientização pós-republicana, com Machado de Assis e com o Modernismo, 
ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamento da literatura brasileira dos parâmetros 
metropolitanos, sejam esses portugueses ou franceses. Devido à manutenção da centralização britânica, 
acredita-se que a literatura em inglês oriunda das ex-colônias britânicas tenha ido mais longe em sua 
ênfase na linguagem, na paródia e na sátira. Em Thíngs Fall Apart (1958), Chinua Achebe ridiculariza 
o administrador éolonial que deseja escrever um livro sobre os costumes primitivos dos selvagens 
do alto rio Niger, quando o autor já havia exposto a complexidade de costumes, religião, hierarquia, 
legislação e provérbios da tribo dos Igbos na região chamada Umuofla. 
1. 	 textos literários produzidos por representantes do poder colonial (viajantes, administradores, esposas dos colonizadores, 
religiosos) . 
2. 	 textos literários produzidos por nativos, mas sob supervisão colonial (religiosos nativos, classe intelectual educada na 
metrópole, protegidos dos colonizadores). 
3. 	 textos literários escritos por nativos a partir de certo grau de diferenciação dos padrões da metrópole, até sua 
ruptura total. 
Quadro 8. Os três momentos da literatura pós-coloniaL 
268 - T E o R I A LITERÁRIA 
I 
~ J I " R J 1\ r (' k J T 1 c" I' () \ - (' () J 11 !'C i ,) I J SI,) S 
QUESTIONANDO O CÂNONE LITERÁRIO 
Quais são os documentos históricos ou literários nos quais a voz do slIba/temo é transmitida? Como 
o colonizado se descreveu durante séculos de submissão? Como o europeu viu a presença do Ol/tro l No 
dnone literário o colonizado encontrou sua voz ou esta ficou relegada à ausência? Ninguém pode negar 
que atualmente há uma verdadeira e:-..1:el1são do dnone literário,já que textos de mulheres, indígenas, 
escravos e membros de outros grupos historicamente marginalizados começaram a emergir. Houvc 
tempo em que o dnone literário estava fechado: somente um cOl-uunto de tn.1:OS, consagrados C01110 
esteticamente excelentes, era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante, e considerado 
digno de ser lido, com a consequente exclusão de outros textos que não coadunavam com o ponto de 
vista do grupo hegemônico. Um maior número de textos estão sendo estudadoscomo representações 
da experiência e da cultura da mais variada gama de grupos de pessoas. Houve comprometimento nos 
padrões literários? Os to:tos formadores do dnone foram escolhidos pela sua excelência literária ou 
pela representatividade cultural? É legítimo insistir sobre uma representação politicamente correta 
para cada minoria, em detrimento da utilização de critérios literários? 
Discutem-se muito, atualmcnte o dnone literário e sua formação. Enquanto Harold Bloom, 
em O cáno/le ocidental (1995), insiste sobre a autonomia do estético e deplora qualquer ideologia na 
crítica literária, os adeptos do Pós-modcrnismo (multiculturalismo, feminismo, Novo Historicismo, 
afi'ocentrismo) dilatam a abrangência do dnone. Não faltam críticos, como Perrone-Moisés em 
Altas Literaturas (1998), que tomam posição intermediária. Sabe-se, contudo, que a formação do 
cânolle literário deu-se porque certas obras literárias em determinados períodos históricos cultuavam 
interesses e propósitos culturais particulares, como se fossem o único padrão de investigação literária, 
É extremamente interessante saber como certos textos foram selecionados por interesses, tornando­
se, portanto, dignos de serem estudados. É interessante investigar como as ideias de excelência 
literária permearam as escolas do ensino fundamental, os exames vestibulares, o currículo dos cursos 
de Letras nas universidades. Os romances de José de Alencar (1829-1877), o principal escritor da 
ficção romântica brasileira e expoente máximo do Indianismo, foram apropriados no cânone literário 
brasileiro porque nos períodos pós-independência e pós-república necessitava-se de alguém que 
mostrasse orgulho, amor, defesa da pátria, e criasse arquétipos de uma terra edênica e da unificação 
nacional. Na Inglaterra, as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no cânonc 
literário por causa de seu enaltecimento do imperialismo britânico, da coragem de seus soldados e 
dos arquétipos criados no conjunto de poemas sobre os fundamentos míticos do povo inglês. Por 
outro lado, numa sociedade patriarcal e machista, os textos e as biografias das escritoras brasileiras do 
século XIX e do início do século XX foram quase todos suprimidos. Suas obras foram literalmente 
relegadas ao esquecimento. Somente nestas últimas décadas a academia brasileira (especialmente nas 
universidades federais do Rio Grande do Norte, de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a 
história e as obras de autoras brasileiras. O mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia 
dos Estados Unidos. Entraram no cânone literário estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick 
Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos últimos vinte e cinco anos do 
século xx, devido a interesses de diferentes experiências culturais e de form~s literárias. 
ARELEITURA 
A releitura é uma estratégia para ler textos literários ou não-literários e, dessa maneira, garimpar suas 
implicações imperialistas e trazer à tona o processo colonial. A releitura do texto faz emergir as nuanças 
coloniais que ele mesmo esconde. Quando se lê um romance da literatura brasileira do século XIX, por 
exemplo, nada se depara, à primeira vista, sobre os ccntrapontos da riqueza pessoal dos personagens, 
da suntuosidade de seus solares e de sua vida folgada. A reinterpretação ou a leitura contrapontual 
T0 N N " , 
" ,<vela que a o,igcm de"a nqueza ",á emaizada no c",,'",'idáo de índio, c negm" no coméccio da 
! carne humana, na invasão e violação de terras alheias, nos castigos horrendos, na manutenção do 
estado racista. Fundamentando-se não na íntima relação entre literatura metropolitana (portuguesa) 
e colonial (brasileira), mas na realidade social e culturaL a releitura é uma volta "ao arquivo cultural 
[que é lido] de forma não unívoca, mas em contraponto, com a consciência simultânea da história 
metropolitana que está sendo narrada e daquelas outras histórias contra (e junto com) as quais atua o 
discurso dominante" (SAID, 1995, p. 87). 
A reinterpretação é, portanto, uma maneira de reler os textos oriundos das culturas da metrópole e da 
colônia para focalizar os efeitos incisivos da colonização sobre a produção literária, relatos étnicos, registros 
históricos, discursos científicos e anais dos administradores coloniais. A releitura é a desconstrução das 
obras dos colonizadores, de nativos a serviço dos colonizadores e de escritores nacionais. Demonstra 
como o texto é contraditório em seus pressupostos de raça, civilização,justiça, religião. Põe em evidência a 
ideologia do colonizador e o processo da colonização. A desconstrução empreendida pelo romance Things 
Fali Apart revela que o colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigéria é um mentiroso, porque 
o romance de Achebe está cheio de episódios de literatura oral (orat/lra, provérbios), de leis para dirimir 
questões litigiosas, de práticas religiosas, de convivência social harmoniosa. 
A reinterpretação faz parte da inevitável tendência do acadêmico que trabalha com o pós­
colonialismo para subverter o texto metropolitano. As estratégias subversivas revelam (1) a forn;a 
da dominação e (2) a resposta criativa a esse fato. Isso acontece quando (1) se denuncia o título de 
"centro" que as literaturas europeias deram a si mesmas, e (2) se questiona o ponto de vista europeu 
que "natural e constantemente" polariza o centro e a periferia. É importante desafiar este último item, 
ou seja, frisar que não é legítimo ordenar a realidade dessa maneira. 
Até meados da década de 1960, Próspero, o duque e mago, emA tempestade (1611), de Shakespeare, 
era analisado como um homem maltratado pelo próprio irmão. Próspero é descrito como um pai 
bondoso, um orientador de sua filha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand, um homem que 
castiga apenas quando a necessidade urge, um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer o 
mal que lhe fizeram. Uma leitura pós-colonial, no entanto, começa a desenvolver-se a respeito desse 
personagem. Próspero revelou-se o usurpador que se apoderou da ilha pertencente a Calibã; o senhor 
que escravizou o nativo após seduzi-lo; o controlador da memória de Ariel, Calibã e Miranda para 
satisfazer sua ambição; o déspota que mantém o domínio sobre a sexualidade de sua filha Miranda e 
de seu futuro genro Ferdinand; o personagem que sai da cena triunfante e imune a qualquer ato de 
insubordinação. Essa releitura revela as implicações do encontro entre colonizador e colonizado, as 
estratégias de dominação do primeiro, a marginalização e a objetificação do nativo, a resistência do 
escravizado pela utilização da língua do colonizador e pelo revide físico. Revela também a incipiente 
história da colonização britânica e suas estratégias de polarização que serão desenvolvidas na terrível 
história do império inglês entre os séculos XVIII e :xx. 
A peça NaJestá de São Lourenço (1587), deJosé de Anchieta (1534-1597), parece revelar simplesmente 
um drama singelo e primário com que o missionário podia facilitar a pregação da doutrina cristã. Uma 
leitura pós-colonial traz à tona a demonização e a zoomorforização dos índios, as quais revelam o 
maniqueísmo (ou binarismo) de Anchieta, a objetificação dos nativos, o vilipêndio de sua cultura, a 
superioridad~, da civilização europeia (e da religião cristã). O texto dramático expõe às claras a ideologia 
colonial. 
Normalmente a leitura de OAteneu (1888), de Raul Pompeia, mostra a história do internato como 
reflexo da sociedade no terceiro quartel do século XIX, ou seja, a história da elite brasileira, "enriquecida 
pela setentrional borracha ou pela charqueada do sul", no contexto de falência e da decadência do 
regime monárquico de base escravista. Uma releitura poderia revelar o sistema educacional europeu 
como centralizador e esmagador da personalidade; a resistência de uma sociedade oprimida que anseia 
por uma independênciaverdadeira, em todos os sentidos; a elite traidora da nacionalidade e do povo; a 
incapacidade de distanciar-se do contexto de dependência completo; o surgimento de sujeitos/agentes 
que constroem dos escombros a autonomia da nação. 
270 - T E o R I A LITERÁRIA 
--
-<~ T I () H I ,\ E C R I I I' ..\ i' U \ (' () I () N I .\ I I \ T /\ S 
1. 	 Passar de um,l atItudc' que' ddine a littTdtura com,) cn.t1tcccc!ora c transccndelltc para uma "iS;JO de IítCLHI1Ll lIlSerida 
no co!ltc:-;to histónco c no espaço geopolítico . I 
.. 
, 
J Pcrcdxr como as obras di certo" autores aprofundaram o impenaltsmo, o colonial ismo c o patriarcalisIllu. 
espeCIalmente quando supõell1 que os kltores sejam do se:.;:o masculino e brancos. 
-
Classificar o autor segundo o csquem,] representando os três momemos da EtcratuLl Plb-colonial. 
4. 	 Detectar na ficção a ambigtlllLtdc JIl1Caç,lc!or;J do nativo e da Illulher diante eb H]eologla dominante da conqUIsta. 
5. 	 Descobnr o sIlênCIO absoluto, escondendo o sistenB cscra\'agtsta, a obJetificação da mulher e () avIltamento de nativos, 
embora Illascarados atLís de manitCstações de riquezas e de patriarcaEsmo. 
6. 	 Investigar o apnslOnaIllcnto do espaço colonial e pós-coloni;tl pelo tn.LO europeu ou pela teona Eterária onundos das 
metrópoles rcnascentIstas ou modernas. 
Quadro 9. Estratégias para analisar uma obra do ponto de vista pós-colonial. 
A REESCRITA 
A reescrita é um fenômeno literário, muito utilizado em língua inglesa (porém não exclusivo 
desta), que consiste em selecionar um texto canônico da metrópole e, através de recursos da paródia, 
produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colônia, A reescrita faz parte do contradiscurso, 
originalmente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os métodos empregados pelo discurso da 
periferia contra o discurso dominante do centro imperial. A seleção gira em torno de certos textos 
particularmente preeminentes e simbólicos que o discurso dominante irradiava para impor sua ideologia, 
A reescrita tem por finalidade a quebra da ocultação da hegemonia canônica e o questionamento dos 
drios temas, enfoques, pontos de vista da obra literária em questão, os quais reforçavam a mentalidade 
colonial. Logicamente, a reescrita desemboca na subversão dos textos canônicos e na reinscrição dentro 
do processo subversivo. 
Vários autores latino-americanos reescreveram A tempestade. Além das obras de George Lamming e 
Aimé Césaire, basta mencionar A tempt'stadt' , de Augusto Boal, Utopia sell/agcm, de Darcy Ribeiro, a peça 
Caliban (1997), de Marcos Azevedo, e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001), de Guilherme Durães. O romance 
WuJe Sargasso Sea (1966), da caribenha Jean Rhys (1890-1979), é uma reescrita de Jane Eyre (1847), de 
Charlotte Bronte (1816-1855); Robinson Crusoe (1719), de Daniel Defoe (1660-1731), foi reescrito em Foe 
(1986), do sul-africano J .M, Coetzee (nascido em 1940), A subversão do cânone literário através da reescrita 
não consiste em apenas substituir um texto canônico por outro moderno, De fato, o cânone em si contém 
algo extremamente complexo, porque envolve pressupostos individuais e comupitários sobre a literatura, 
estilo, gêneros literários e outros, Esses fatores estão embutidos nas estruturas institucionais e formam as 
grades escolares, a publicação de textos escolares, exames para vestibulares, hierarquização em menção e 
em çitações pela academia, A finalidade da reescrita é (1) a substituição de textos, (2) a conscientização das 
instituições acadêmicas, (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrução dos textos canônicos 
através de leituras alternativas. 
Robínson Crusoe, uma narrativa "autodiegética", não menciona sequer uma vez o sexo feminino, mas 
mostra a grande previdência e trabalho meticuloso do homem em várias situações limites, O romance 
reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canônico) como narradora; ela 
dá sua versão das aventuras do Robinson Cruso (su) na ilha desabitada. Na segunda e terceira parte 
do romance, Susan luta para que o escritor Defoe não se aproprie da versão feminina da narrativa e, 
mais uma vez, anule a voz feminina recuperada, No romance pós-colonial Friday, ao contrário do 
caribenho salvo por Crusoe, não é o indígena ingênuo que aceita sem nenhuma problematização a 
I 
!Cf(l N N I (' I 
versão religiosa, comportamental e linguística do europeu. O negro e mudo Fnchy, agora reescrito. 
recusa a recuperação de sua história pelo homem branco e tema articular di\"l'r~()s modos de c:-:preSSã\l 
para "escrever" a história do negro pelo negro. 
Em O coração das trel'as (1902), de Joseph Conrad. os africanos são descritos sob o ponto dt' vista 
colonialísta, como "um rodopiar de braços negros. um bater infinito de palmas das mãos, de pisar 
adoidado de pés, o balançar dt' corpos, de rolar de olhos, sob a enlangl.lcscência de folhagt'm cansada 
t' imóvel". Escrevendo TIlÍllc~s Fali Aport (1958). Achebe reinstala a rica cultura africana, rejeita os 
estereótipos criados pelos colonizadores, confirma a comple:-:ídade e a ambivalência da cultura afncana, 
constrói uma profunda e criativa etnografia e, acima de tudo, apropria-se da forma do romance (a 
ferramenta dominante da representação imperial bntànica) . 
A DESCOLONIZAÇÁO 
O deslocamento do cânone literário, a releitura e a reescrita tàzem parte de um programa geral de 
descolonização. A dcscolonização é o processo de desmascaramento e demolição do poder colonial ein 
todos os seus aspectos. Enganam-se aqueles qut' pensam que a declaração de independência política 
produz, por si, a descolonização da mente e que as literaturas nacionais e o ensino da ciência, da história e 
da geografia ficam livres de inscrições e de resíduos coloniais. Ao contr~lrio do que muita gente pensa, a 
descolonização é um processo complexo e contínuo e não ocorre automaticamente após a independência 
política. Após a independência política das colônias, há resquícios poderosos, sempre latentes, das forças 
culturais e institucionais que sustentavam o poder colonial. Como em geral os defensores e proclamadores 
da independência sentem-se herdeiros dos modelos políticos europeus e relutam em rejeitar a cultura 
importada, não podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais elos quais 
queriam se libertar. Em muitos casos, portanto, a libertação pura e simples dos liames coloniais (modelos 
econômico, político e cultural) não ocorre. Historicamente, isso aconteceu mais nas colônias de pouoadorcs 
do que nas colônias de sociedades il1l'adidas. Embora nestas últimas a descolonização fosse mais radical e 
abrangente, profundos resíduos ainda existem. 
,-----------------------------------------,---------------------------------------- ------­
1. 	 Contestação das interpretações eurocêntricas. 1. Reescritura autorreflexiva da história da colônia na qual 
se percebe que a realidade do passado tem influenciado o 
presente. 
2. Desafio à centralidade, à universalização e às forças 2. 	 A marginalidade ou excentricidade (raça, gênero, 
hegemônicas. 	 normalidade psicológica, exclusão, _distância social. 
hibridismo cultural) é uma fonte de energJa criativa. 
3. 	 Instalação do contradiscurso pela transgressão e 3. A ironia e a paródia trabalham com os discursos existentes 
dissoluçãõ' das formas literárias europeias ou suas e, ao mesmo tempo, os contestam. 
fronteiras. 
Quadro 10. Os princípios da descolonização. 
A estratégia do poder colonial é deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas. 
Operando através do antigo conceito de comprador, o neocoloníalísnw toma-se manifestação das operações da 
globalização do capitalismo ocidental e a estratégia para o controle global. Pode-se dizer que aglobalização 
da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanças no controle econômico e cultural não?7? __ T " n R I A LITERÁRIA 
d 
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----------- ---
l' P 1 J \ -\ P \) \ - \ i! I \) N 1 ,--\ 1 J :; T ..\ '\ 
ocorreram c (2) na convicção de que a tê))"Inação da clite compromctida com as naçôes hcgcl11ônicas era 
premeditada e realizara-se através de discriminações, lutas classistas e práticas educacionais Ademais, o 
eurocentrismo continuou intluenciando a mcntalidade das nações politiclIl1ente independentes com 
seus modelos culturais, especialmcnte pelo binarismo (literatura e oratura: línguas europeias e línguas 
indígenas: inscrições culturais europeias e cultura popular etc). 
-
1. 	 AproprIação da língua colol1la! pelo escritor orIundo "0 eSCrItor [africano 1deve ser capaz de moldar a língua 
da ex-colôl1I;l. do colol1lzador para que possa transrllltlr a sua experIência 
específica" (ACHEBE. 1975). 
---------- ---------------------~ 
2. 	 Recusa de adotar d língua do colol1lzador. "Qual é a diferença entre um político que afirma que a 
ÁfrIca 1130 se desenvolve sem o nnperiallsll10 e o escritor 
que afirma que a África necessrta das línguas emopcias;>" 
(NGUGI,19H('). 
3. Recupnação e reconstruçJu d.1 cultura pré­ Spivak (19()S) e Bhabha (19H4) argumentam sobre a 
colol1lal. 	 impossibilidade dessa recuperação devido a processos dc' 
miscigenação cultur:r1 durante o período colonial. 
4. 	 Aceitação pelo escritor de uma Identrdade tr:msr1:lClonal "O império rctnlcl :\0 centro" (Sdlmal1 Rushdie). 
e ao mesmo tempo, o aprofundamento da crítica 
diante da cultura contemporânea influenciada peLI 
globalização e pelo neocoIOl1l3lismo. 
5. 	 Os dirigentes intelectuais, especialmente os escritores, Conclusão de Fanon (1990) a partrr de seu estudo sobre 
devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os os efeitos da dominação colonial sobre os colonizados e da 
alicerces da tradrção do povo e seus valores. análrse marxista do controle social e econômICO. 
6. A dcscolonização é um processo complexo e 	 Conclusão de B. ;\shcroft, G. GrIffiths e H. Tiffin (1991) 
contínuo; não é algo Jlltorn:ítICo a partir da em seus estudos sobre as sociedades pós-independência. 
rndependência polítICa. 
7. VigIlância contra fonnas contempor:1ncas de colol1lnção '/\ dcscolonização frequcntemente significa J dcs­
(neocolonialismo, globalrzação, ncohbcralrslllo). 	 ocidentalização cll1preendrda pelo homem branco" (Tnnh 
Minh-ha). 
Quadro 11. Opiniões sobre métodos de descolonização. 
A tarefa descolonizadora é extremamente árdua, como se vê na África e na Índia. O caso das ex­
colônias de colonizadores, como a Austrália e o Canadá, é outro grande pr-oblema. Embora nesses 
países a independência nos moldes europeus fosse concedida há tempo, suas populações, de maioria 
branca, sofrem de uma profunda submissão cultural, sentem-se impotentes diante das propostas de 
desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas instituições e culturas, e têm dificuldades em 
cortar o liame mãe-filha incrustado em sua identidade. Até certo ponto, as asserções acima aplicam­
se ao Brasil também, embora seja ele um país mestiço, com predominância da classe branca ou 
"embranquecida", o qual ainda possui fortes resquícios culturais europeus. 
Apesar da grande influência e abrangência da globalização, destacam-se para fins de descolonização 
da mente (1) o fomento das línguas nativas, (2) a relativização das línguas europeias, (3) a democratização 
da cultura, (4) a recuperação cultural e literária. No caso da literatura, parece que a tarefa dos escritores 
oriundos das sociedades pós-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problemática do poder e do 
estado pós-independência. A literatura descolonizada passa a ser polifônica em lugar de monocêntrica, 
híbrida no lugar de pura, carnavalesca em lugar de persuasiva. Caracteriza-se pela narrativa fragmentána, 
1" N N , , , 
, 	 pelos incidentes duplIcantes, pelos comentários met;dlccionais, pela cronologia interrompida, pelos 
gêneros mistos. Além disso, existe um problema que poderia ser chamado "existencial", U I1l dos escritores 
pós-coloniais, o sul-africano J M. Coetzec. de ascendência ellropeia, sente-se receoso em representar 
ficcionalmente os excluídos dos impérios capitalistas, como os negros e os escravos, O ex-colonizado e 
o neocolonizado têm outras e diferentes f()rmas para desenvolver a sua subjetividade e a reprcsentaçJo 
literária de sua identidade. No romance Fot', a europeia Susan RlrtOIl tenta em vão escre\'Cr a história 
do negro Friday, cuja língua foi cortJda. Além disso, inutilmente incentiva-o a eSCI'C\'er. relembrar ou 
expressar-se por gestos para contar a sua história, Os métodos europeus não funcionam e o próprio 
Friday deve recuperar a "voz" no processo de subjetificação. A tarefa de Friday, portanto, é a metonímia 
da função literária do escritor nativo que busca a própria subjetividade e a do povo. Fanon escren~: 
o (sentor da colÔllIa deve usar o passado para ahrlr esp:lç() ao futuro, Cllmo um convite :í 
ação e como a base para a esperança, I.J A responsahilidade da pessoa culta não é' apcnas 
uma respomabilíd,ldc dial1l(' da cultura naclUfuL nus Im];) rcspollqhilidade glohal r,:ferclltc 
à totalidade da Ilação, cuja cultura representa apenas um aspecto da ll3ção (fANO N, 1990, 
p.1R7). 
A conscientização e postura pós-colonial que a academia assume são a base da descolonização 
:'."-.;
da mente, Em primeiro lugar, a Jcademia brJsileira não pode apropriar-se da teoria pós-colon.ial ;~i 
sem questionamentos, A noção do sujeito descentralizado não poderia ser mais uma estratégia do 
colonialismo ocidental? O estudo do pós-colonialismo não poderia ser a análise de um pequeno J
grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo 
mundial para os intelectuais da periferia' Não é possível que a íntima ligação entre pós-modernismo 
..·.·.1 
" 
1 
e pós-colonialismo, este considerado o filho do primeiro, aconteça não por novas perspectivas sobre 
a cultura ou de uma reviravolta do poder, mas apenas um pretexto, ou seja, por causa da visibilidade 
crescente de intelectuais dos países emergentes como inovadores? Essa problematização não invalida 
a atitude e o esforço do acadêmico brasileiro, profIssional de Letras, em seu comprometimento par::! I
descobrir como os povos estão feudos em estruturas opressivas e para descortinar a subjetificação de j
tais indivíduos (neo)colonizados. O seu esforço para a flexibilidade da teoria existente e o surgimento fde outras teorias autóctones são de grande valia para reinterpretar todos os textos pré- e pós­	 J 
iindependência política oriundos da inscrição colonial (BONNICI, 2000). ~ ~ 
Tendo como princípio que descolonizar llão é simplesmente livrar-se das amarras do poder 
imperial, mas procurar também alternativas não repressivas ao discurso imperialista, a descolonização 
da literatura e da crítica literária darão um novo e mais aprofundado entendimento ao acadêmico. É 
análogo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (1817-1895), quando descobriu 
o segredo da escrita, "Houve uma nova e especial revelação, explicando coisas até então obscuras 
e misteriosas, contra as quais o meu entendimento juvenil tentava vislumbrar, mas lutava em vão, 
[.. ,] foi uma grande vitória, estimada por mim sobremaneira. A partir daquele momento, entendi o 
caminho da escravidão para a liberdade" (DOUGLASS, 1988, p, 78), 
ALÉM DO PÓS-COLONIALISMO 
Se o termo 'pós-colonialismo' e a teoria "pós-colonial" referem-se ao impacto cultural 
entre os europeus e os outros, recém descobertos e inventados, desde os primeiros contatos até a 
contemporaneidade, há uma estreita ligação entre os eventos contemporâneos envolvendo os povos 
do Sul e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora, Novas formas de capitalismo, 
veiculadas por uma mais vigorosae sofisticada globalização, geraram outras questões ou revelaram 
aspectos mais profundos da história dos últimos quinhentos anos, No início do século 21, a 
literatura é assaz sensível para representar, a seu modo peculiar, as repercussões do racismo, diáspora, 
274 - T E o R I A LITERÁRIA 
(1 H I l_H J ! ! ( ,\ 1) (J " - { {) I ,,) N I ,\ I I \ '\ ..\ ..,.n.8 r I 
multiculturalismo e outros tópicos que revelam a condição humana e sua luta para encontrar sentido 
de sua existênci:l.. Portanto, a teoria pós-coloni:l.1 VJ.i :l.lém de uma mera releitura p:l.Ll a recuperação 
histórico-literária retirada de textos C:l.nônicos ou não; tampouco é um relato de culpabilidJ.des, 
acusações e lamúrias sobre o sofrimento hJ.\'ido e sobre a perda cultural irreparáveL 
Por onde ,e olll:l. no Ocidente ou nas sociedades do 'ICrcc'lf() Mundo, parece que o ser étICo 
não pode ,n separado do um ciclo aprofundado de crut!\'lchde através do qual podere!llo, 
\'ls\lah7;lr llnu rllptuLl da vlOlência absoluta. Esu r\lptuLl C\Ii'C que acenemos os contexto, do 
adn'rscÍ[]() 110S qU;l1S ,I, culturas lutam entre SI e qllt' adotemos estratégias de camuflagem ( de 
máscaras como arcabouço, tlcxín'is dentro do 1l11sténo de transformação genuín,1 (I1l\IUUS, 
1985, p. 128). 
Consoante os seus conceitos de hibridismo e olhar enviesado, Barris mostra que estes conceitos 
são desafios éticos-políticos que a literatura propõe para o debate e a intervenção. 
"RAÇA" E RACISMO 
Durante mais de 450 anos ser europeu significava ser um homem (n1:l.sculino) branco e partíCIpe 
de uma sociedade que dominava o planeta. A hegemonia branC:l. em toda a extensão dos impérios 
europeus se deve a pressupostos que atualmente não são apenas debatidos, mas rechaçados por 
razões históricas, ideológicas e biológicas. Historicamente pode provar que a constituição étnica dos 
países europeus é tão mista quanto a de qualquer outra comunidade heterogênea. Portanto, a suposta 
cultura homogênea e a pseudopureza racial são apenas um construto (HALL, 2003), Todavia, foram 
exatamente estes fatores, especialmente o conceito de raça superior, que se tornaram necessários para 
fundamentar ideologicamente os impérios europeus e, desta maneira, impor seus valores e outremizar 
os diferentes povos não-brancos que integrariam, como subalternos. 110 projeto capitalista engendrado 
pelo binarismo metrópole-colônia. A revelação da existência de certa convivência racial na Europa 
desde o século XVI, e mais tarde, a introdução dos conceitos de multiculturalismo e de diversidade 
cultural (BHABHA, 1994) após a II Guerra Mundial e durante o período de descolonização, solaparam 
o conceito de identidade nacional, seus ideais e seu lugar no mundo. 
Embora o termo "raça" possa ser apenas uma palavra de usos variegados, a carga de preconceito 
a ela inerente é tão forte que muitos questionam a conveniência em usá-la. Na acepção fenotípica, 
"raça"(raça negra; raça amarela) é um conjunto de traços físicos que permitem a identificação de 
indivíduos como pertencentes a um determinado grupo. Na acepção geográfica, "raça" denota a 
ancestrabdade geográfica, dando origem a termos como "raça africana" ou "raça europeia". No sentido 
biológico o termo "raça" é sinônimo a subespécie, ou seja, denota uma população geneticamente 
diferente. Todos os antropólogos afirmam que não há atualmente raças humanas, mas uma única raça 
humana. Homo sapiens emergiu da África oriental cerca de 150.000 anos atrás; deixou o continente 
aproximadamente há 60.000 anos e aventurou-se subsequentemente para o resto do planeta. As 
difer-enças entre "raças" somente poderiam ter ocorrido após sua saída do continente africano. Portanto, 
as características "raciais" (pigmentação da pele, cor e textura de cabelo, forma de nariz e espessura 
de lábios) são controlados por um número pequeno de genes diferentes e permitem uma seleção 
rápida impactadas por pressões ambientais. Nada tem a ver com inteligência, habilidades e talento. A 
trajetória imperialista, baseada num conceito espúrio da filosofia e da ciência, a partir do século XVII, 
infestou o termo e produziu o racismo atuaL As "raças" não-europeias foram estigmatizadas como em 
vários estágios de civilização para que pudessem servir aos empreendimentos das metrópoles. A partir 
do Iluminismo, a razão e a civilização tornaram-se sinônimos à "raça branca" e ao norte da Europa, 
enquanto o primitivismo e a selvageria foram alocados às "raças não-brancas", geograficamente postas 
fora da Europa (MALIK, 2008). 
THOMAS BONNICI / LUCIA OSAN,' ZOLL" (ORC;ANIZAIlllRES) - 275 
~n N N J r: J 
i SEMÂNTICA DO TERMO "RAÇA" (PENA, 2008) 
Sentido fenotípico caracterização física (textura de cabelo: cor da pele) 
Sentido geográfico ancestralidade geográfica (raça oriental: raça maori) 
Sentido biológico população geneticamente diferenciada ou subespécie (Holllo saplclls: Homo 
/leal1derthalfllsis) . 
Quadro 12. Semântica do termo "raça" 
Diante de um racismo construído em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante 
do estabelecimento de condição de pessoas com "desvantagem racializada", surgiu uma literatura 
negra onde se representa a condição racial não apenas do afro-descendente mas de todos os excluídos. 
Concomitante às experiências da literatura negra estadunidense e da literatura caribenha, uma 
das modalidades mais significativas da resistência contra os parâmetros e as estratégias coloniais e 
neocoloniais europeias é o surgimento da própria literatura pós-colonial, iniciada por Tutuola, Achebe 
e Ngugi. O surgimento de uma literatura negra britânica é um fato próprio e inegável, oriundo a partir 
dos anos 1960. Em contraste à literatura afro-americana estadunidense, define-se a literatura negra 
britânica como um conjunto de obras literárias escritas por "negros" (nascidos ou emigrantes no Reino 
Unido) caracterizado pela representação do multiculturalismo, das dificuldades de convivência étnica, 
da diversidade cultural, dos problemas de abertura e tolerância, e de entraves a um desenvolvimento 
da difJérance. A heterogeneidade desses autores (africanos, sul-asiáticos, caribenhos, ilhéus da Oceania, 
primeiras nações australianas, maori neozelandeses) e dos gêneros literários empreendidos talvez 
ofusque apenas as diferentes variedades da língua inglesa utilizadas, produtos das intercomunicações 
entre as comunidades linguísticas diferentes na Inglaterra e nas ex-colônias. O que realmente pode 
ser chamada de "literatura negra britânica" registra a zona de contato entre o pós-colonialismo e as 
culturas britânicas no Reino Unido, produzindo um entremeio no centro literário britânico. Refuta­
se, portanto, a noção excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente 
à construção contínua da literatura britânica, salientando o fato que o texto literário negro britânico 
é, a partir de meados do século:xx, o loeus apropriado para a recuperação da voz do ex-colonizado, o 
banimento do racismo e a negociação na diversidade cultural (GUPTARA, 1986; STEIN, 2004). 
Embora a população brasileira atingisse um nível elevado de mistura gênica e a grande maioria 
dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana, somente recentemente estudos 
sociológicos e antropológicos mais profundos, como Dois Atlânticos, de Sérgio Costa; Conceitos 
de literatura e cultura, organizado por Eurídice Figueiredo; Uma história de branqueamento ou o negro 
em questão, de A. Hofbauer; Razão, 'cor', e desejo, de Laura Moutinho, Racismo e discurso na América 
Latina, de Teun A. van Dijk, América afro-latina, de George Reid Andrews; Racismo à brasileira, de 
Edward TeUes; Àjlor da pele: Reflexões de um geneticista e Humanidade sem raças? de Sérgio Danilo 
Pena, entre outros, têm sido publicados no Brasil sobre o problema da constituição racial e do 
racismo no Brasil. Algo análogo ao caso de obras de autoria feminina ou

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