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HISTÓRIA E CULTURA AFRO- BRASILEIRA E INDÍGENA GUARULHOS – SP SUMÁRIO 2.1 As cinco características do método afrocentrismo ............................... 8 2.2 O legado roubado? Uma tese de George G. M. James ..................... 12 4.1 O multiculturalismo como base para o combate ao preconceito e proteção das minorias. .......................................................................................... 24 5.1 Movimentos sociais e políticos na busca por igualdade racial ........... 27 5.2 Expressões culturais e artísticas afro-brasileiras ............................... 29 6.1 O ensino de história africana e cultura afro-brasileira ....................... 34 6.2 Indígenas e negros na literatura brasileira. ........................................ 39 6.2 Combate ao preconceito e proteção das minorias. ............................ 42 6.3 Multiculturalismo indígena e afro-brasileiro ........................................ 44 8.1 Atuação do Profissional em diversas áreas ......................................... 49 8.2 Desigualdades sociais, ações e políticas de combate ....................... 50 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 2 INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E A CULTURA AFRICANA O fenômeno da diáspora africana desencadeou a expropriação material dos africanos durante o tráfico transatlântico, acarretando uma série de consequências, incluindo exclusões multifacetadas, como a deslegitimação de sua memória e a negação de suas raízes históricas e dos alicerces filosóficos de sua cultura. Nesse cenário, o argumento colonial distorceu, de maneira flagrante, o significado do retorno ancestral, convertendo-o em uma noção mítica que perpetua um sentimento contínuo de exílio. Isso resultou em uma postura na qual os valores africanos foram desprovidos de seu significado epistemológico e cognitivo, em prol da promoção da hegemonia da visão antropológica e histórica moldada pelo ponto de vista do “homem branco europeu” e sua teoria de subjetividade. Outro efeito da expropriação da memória é a associação entre colonialismo, escravidão e apartheid, que naturalizou a tragédia para as populações africanas. Essa naturalização, no entendimento de Mbembe (2001), funciona como a imposição da impossibilidade de um mundo sem "outros", atribuindo também aos próprios africanos uma responsabilidade específica diante da tragédia histórica de sua própria escravidão (MBEMBE, 2001, p. 188). O impacto desse cenário se manifesta na escravização negra nas Américas, simbolizando a fragmentação da memória e a persistência de uma ferida ativa no âmbito psicológico das comunidades em diáspora. Essa "dominação psíquica", manifesta pela máscara colonial, silencia os negros colonizados, transformando a ferida em um sintoma relacional entre a população negra e a branca. Esse sintoma surge da construção da identidade do "mundo branco", que é estabelecida pela inferiorização do "mundo negro"(FANON, 2020). Nesse contexto, os traumas enfrentados pelas populações negras não derivam somente de eventos familiares, como pode ser interpretado na psicanálise freudiana, mas também resultam do impacto traumático do contato com a brutalidade do mundo branco, simbolizada pela irracionalidade do racismo. Podemos compreender essa situação ao considerar o conceito de sociogenia proposto por Fanon, que auxilia na compreensão das experiências dos povos colonizados na época, incluindo a questão do 'homem' negro. Conforme Faustino (2018) destaca, a análise fanoniana do colonialismo abrange tanto o impacto do mundo social sobre a emergência dos sentidos e 3 identidades humanas quanto a interconexão das situações individuais que se relacionam com o desenvolvimento e a preservação política e social das instituições. Nesse caso, a violência perpetrada pelo mundo branco gera um tipo peculiar de "esquecimento" que se inscreve na psique, ocultando a ancestralidade como uma estratégia de sobrevivência. Portanto, o adoecimento psíquico de pessoas oriundas da tradição africana em uma cultura dominada pelos valores de uma sociedade branca e eurocentrada é moldado pelo apagamento da contribuição da cultura africana para a formação da sociedade na qual essas pessoas foram 'violentamente' colocadas . Isso representa o adoecimento de uma cultura nos corpos daqueles que são herdeiros e partes dela. No entanto, mesmo diante da expropriação da memória e das feridas infligidas pelo mundo branco, as comunidades negras encontram maneiras de ressurgir e resistir. Os terreiros, por exemplo, emergem como espaços de reexistência, nos quais a cultura africana é preservada e celebrada. Esses locais, enraizados na cosmovisão africana, atuam como centros de resgate da memória ancestral e como espaços de recriação histórica. No cerne dos terreiros, o axé, a força vital, nutre uma filosofia distinta, na qual o cotidiano ganha uma profundidade extraordinária, e o aprendizado ocorre através da observação, da imitação e da admiração pelos mais experientes A relação com a ancestralidade permanece vívida no terreiro, onde o presente e o passado se entrelaçam, mediados pelo corpo. A memória é constantemente recriada, conectando a identidade coletiva à tradição e ao sagrado. A complexidade das relações no terreiro é moldada pelo território, que se expande e contrai flexivelmente. Nesse espaço, o corpo negro se transforma em um território de resistência, gerando conhecimento através das expressões culturais e resistindo à violência epistêmica. Assim, o território do corpo negro se converte em um entre-lugar, onde a invenção, a descoberta e a rememoração são elementos fundamentais para uma filosofia enraizada na “re-existência”. Entende-se, assim, que a influência cultural resultante da diáspora africana é profundamente enraizada e diversificada. Através da forçada miscigenação e coexistência com diferentes culturas, as comunidades afrodescendentes contribuíram significativamente para o tecido cultural de suas terras adotivas. Essa troca cultural influenciou não apenas as artes, a música e a gastronomia, mas também contribuiu para a formação de identidades híbridas, que se manifestam de maneira no campo 4 das ciências e da filosofia, um dos aspectos mais esquecidos quando se constrói a narrativa do conhecimento nas sociedades modernas. Dessa forma, a desigualdade sistêmica e a exclusão resultantes da diáspora africana têm suas raízes na supressão dos conhecimentos que os africanos elaboraram ao longo de sua rica história. Por esse motivo, uma das estratégias da exposição, voltada para o estudo da história e da cultura africana e afro-brasileira, é retomar um campo do qual a cultura africana foi excluída, a saber, a filosofia, apesar desta cultura se apresentar historicamentecomo uma matriz a partir da qual o Pensamento filosófico se construiu. A REINVINDICAÇÃO AFROCÊNTRICA E A CULTURA AFRO-BRASILEIRA Em 1974, durante uma conferência na UNESCO, mais precisamente na cidade do Cairo, cuja temática era o povoamento do Egito, dois pesquisadores africanos, o senegalês Cheikh Anta Diop (1923-1986) e o congolês Théophile Obenga, atualmente com 86 anos, demonstraram por meio de um teste de melanina feito da pele de uma múmia e outros artefatos culturais e linguísticos que os antigos egípcios eram negros. Com isso, se buscava mostrar como teria sido construído uma narrativa histórico- conceitual que buscava apagar as contribuições das pessoas de pele preta para constituição do que chamamos de ciência e filosofia no mundo ocidental (ASANTE, 2014). O caso do Egito é exemplar nesse sentido. Trata-se da única cultura antiga, com disciplina específica, que se preocupa estritamente com as formações culturais daquela civilização, entendendo-a como o ‘berço’ de diversos aspectos civilizatórios que estão na base do mundo ocidental, incluindo considerações sobre as contribuições técnicas e intelectuais dos egípcios na matemática, engenharia, simbologia e mesmo no estudo das condições de aparecimento e constituição da experiência humana no mundo, o que pode ser visto nos seus mitos e tradições religiosas (VERCOUTTER, 1980). No entanto, conforme estudos oriundos desta disciplina, ou seja, da egiptologia, a riqueza da cultura egípcia é ligada ao Oriente. Trata-se de uma narrativa que busca o "branqueamento" da civilização egípcia e pode ser elucidada se remetida à maneira como Hegel pensou a história das culturas e das civilizações. Não houve na era moderna um filósofo tão eurocentrista quanto Hegel. Segundo sua filosofia, a Europa 5 é o centro e fim da racionalidade, tratada enquanto o cenário no qual o espírito se descobre como potência universal e absoluta, desembocando, inclusive, na experiência filosófica que ele mesmo expressa e representa: a filosofia idealista alemã (DIOP, 1974). Um dos esforços de Hegel, ao tratar da história das civilizações, foi, portanto, retirar o Egito da África, pois considerava impossível que uma cultura sofisticada pudesse estar assentada em tradições de origem africana. Ao olhar de Hegel (2008), a principal característica dos povos africanos é uma consciência que não atingiu a intuição de qualquer objetividade, tais como ela aparece no conceito de Deus ou justiça, por exemplo. Se a Ásia é o continente das origens, a América de um futuro hipotético, a Europa da liberdade real e da autêntica razão, a África é o da uniformidade e da repetição. Nesse contexto, uma civilização como o Egito não poderia ser ‘africana ou negra’, já que os africanos representam para Hegel uma uniformidade, um devir impossível, uma inteligência à margem da lógica do espírito absoluto, apresentando-se, assim, como um conjunto de povos sem história (HEGEL, 2008). Essa compreensão é dada pelo filósofo alemão em seu texto ‘Filosofia da História (2008). Ainda nesse texto, ele afirma ser inacreditável a carência de valor que caracteriza os povos africanos, sendo, por isso, impossível que eles fossem incluídos em uma história da civilização, tornando necessário, portanto, começar essa história pelo Egito enquanto um momento de transição do espírito absoluto do Oriente para o Ocidente. Na compreensão do filósofo alemão quando se considera a experiência africana temos algo fechado, imóvel e sem história (HEGEL, 2008). Corroborando o esforço de Cheikh Anta Diop e Théophile Obenga, que começa a se afirmar publicamente a partir da conferência na Unesco em 1974, Jean Vercoutter (1994) se opõe a posição de Hegel e reforça que “a civilização egípcia não foi importada para o Egito, ela nasceu no próprio vale, é essencialmente nílica e africana” (VERCOUTTER, 1994, p. 83). A conferência de Cheikh Anta Diop e Théophile Obenga dá início, assim, a uma série de embates acadêmicos e políticos que irão instigar o estadunidense Molefi Kete Asante, cujo nome de batismo é Arthur Lee Smith, a publicar em 1980 a obra “Afrocentricity: The Theory of Social Change" que contribuiu para o desenvolvimento de um paradigma epistemológico afrocentrado, em diversas disciplinas, entre elas, a história da filosofia 6 Segundo Assante (2016), quando escreveu esses o livro, seu objetivo era atingir com uma lança o ventre do eurocentrismo que, segundo ele, estrangulou a criatividade intelectual dos povos africanos em uma “[...] gaiola do pensamento imperial ocidental” (ASSANTE, 20016, p. 10). Segundo o autor, o deslocamento físico dos africanos durante os processos de colonização europeia da África e das Américas, baseado no comércio de escravos, resultou em um afastamento dos povos africanos de seus centros culturais, psicológicos, econômicos e espirituais, colocando-os à força sob a tutela de uma cosmovisão europeia, que passaria, ser vivida pelos africanos como um modelo universal de experiência e racionalidade, em detrimento da riqueza de sua cultura de origem (ASSANTE, 2016). Portanto, compreende-se que por meio da escravização dos africanos ocorre um processo de supressão da relação intrínseca dos povos negros com sua própria cultura, a qual, sob a perspectiva eurocêntrica, é depreciativamente caracterizada como uma cultura "inferior". Essa visão, conforme exposta no texto de Hegel, estabelece uma representação das pessoas de ascendência africana como sendo ontologicamente "inferiores" e desprovidas de história. Esse enfoque hegeliano persiste como um modelo não consciente de transmissão do valor das ciências e da filosofia, especialmente quando se vincula à maneira pela qual os europeus assimilaram a cultura grega. Isso se reflete na discussão sobre as teses do "milagre grego" e do "orientalismo", que frequentemente dominam os diversos materiais instrucionais que abordam tópicos como as origens da filosofia e a origens experiência científica humana. Nessa linha de raciocínio, é possível identificar na cultura brasileira uma apreciação pela música e pela arte africanas que se enriqueceram por meio do seu encontro com outras influências culturais que contribuíram para a formação da identidade cultural do país. No entanto, quando se trata de domínios como o conhecimento, a ciência e a filosofia, as bases epistemológicas que fundamentam a compreensão da realidade tendem a ser predominantemente europeias. A orientação das nossas perspectivas de estudo, especialmente no campo da filosofia, não tem sido igualitária no que diz respeito ao reconhecimento e à incorporação das contribuições provenientes da filosofia africana e de outras formas de pensamento não ocidentais. Ao contrário do tratamento conferido às tradições intelectuais europeias, não tem havido uma abordagem efetiva e equiparada para explorar e assimilar essas perspectivas diversas. 7 Por conseguinte, a tese amplamente difundida de que a filosofia e a ciência tiveram seu surgimento na Grécia Antiga, representada por figuras como Tales de Mileto, tende a ser a única perspectiva abordada em aulas de filosofia antiga e história das ciências. Consequentemente, os aspectos ancestrais e fundamentais da cultura africana raramente são considerados quando se explora a formação intelectual da experiência humana. Isso ilustra uma abordagem epistemológica que se baseia em uma falsificação, visando efetivamente excluir a contribuição da experiência africana do domínio do conhecimento e das produções de sabedoria, ou seja, da cultura em seu sentido mais amplo. Atualmente, existem esforços para 'remediar' essa situação, tais como estudos de pesquisadores brasileiros como Dantas (2018). No entanto, nos cursos de filosofia e história das ciências, as disciplinas dedicadas ao tema são escassas; tampouco existe um concretoesforço de utilizar conceitos oriundos da cosmovisão africana para o tratamento dos problemas contemporâneos, ainda que o debate esteja em aberto, o que, certamente, já é um avanço se pensarmos nesses mesmos cursos na década de 80 e 90 do século passado. Existe inclusive o surgimento de uma perspectiva afro-brasileira da filosofia e das formas de pensamento que se constituíram no Brasil no decorrer da sua história, buscando por em relevo a contribuição de intelectuais negros de suma importância como Guerreiro Ramos (1915-1982), por exemplo. No entanto, é preciso entender que o simples identitarismo cultural não pode ser a base desta redescoberta, mas deve ser orientada pela consideração do valor epistemológico destes trabalhos, já que eles não são superiores ou inferiores por terem sido realizados por pessoas de pele preta, mas, formam, como no caso de Ramos uma contribuição decisiva a filosofia e a sociologia brasileira, no campo da administração, do estudo das organizações. Segundo uma leitura fenomenológica das instituições brasileiras que ultrapassa e modifica em uma perspectiva ‘sociológica’ e intercultural as bases fundacionais da fenomenologia europeia, aquela de Husserl, mais precisamente, indicando que a redução fenomenológica, convertida em redução sociológica, deve incluir uma modificação do olhar daquele que pensa e da relação dele com suas circunstâncias. O que inclui também, para um pesquisador, de quaisquer disciplinas, um questionamento da maneira como sua ciencia está institucionalizada (RAMOS, 1996). Guerreiro Ramos, portanto, não é um intelectual que deve ser recuperado porque tem a pele preta, mas porque faz uma revolução em sua área de estudo. No entanto, isso 8 não quer dizer que não devamos questionar porque obras escritas por pessoas negras costumam ser rebaixadas ou esquecidas no cânone oficial das disciplinas institucionalizadas pelas instituições de ensino. Assim, os intelectuais negros, pessoas de pele preta, sejam homens ou mulheres, devem ser relidos ou lidos pela primeira vez porque trazem contribuições decisivas para o pensamento brasileiro e universal. Deve-se, certamente, apontar que eles foram vítimas de comportamentos teóricos colonizados e violência conceitual, principalmente por aqueles que são incapazes de pensar fora da caixa de ferramentas conceituais eurocêntrica; mas a resposta não é adoção acrítica de nenhuma teoria; ou a exclusão de uma forma de pensar porque ele pertence a este ou aquele território, feito por estas ou aquelas pessoas. Por isso, torna-se necessário também que haja pelos intelectuais, professores e estudantes brasileiros um domínio aprofundado da caixa de ferramentas conceitual eurocêntrica, que tem estado na base do que pensamos e da maneira como julgamos nossa própria cultura. Por outro lado, uma perspectiva afrocentrada na história da filosofia, configura-se como um ato epistêmico necessário à ampliação do ensino de filosofia, um olhar sobre a caixa de ferramentas conceitual eurocêntrica e um conjunto de instrumentos pelos quais o enfrentamento das condições de produção e transmissão de saber podem ser compreendidas, enfrentadas e modificadas. Por isso, corroboramos as palavras de Assante: “A Afrocentricidade é uma crítica da dominação cultural e econômica é um ato de presença psicológica e social diante da hegemonia eurocêntrica” (ASSANTE, 2016, p. 12). Desta maneira, em nossa perspectiva, é um esforço válido estender a perspectiva afrocentrada ao estudo das origens da filosofia antiga, ampliando e modificando o cânone tradicionalmente aceito da disciplina. Por isso, apresentaremos em que consiste um método afrocêntrico de análise e reflexão sobre a cultura, mostrando como ele pode ser utilizado para pensar a história da filosofia antiga. 2.1 As cinco características do método afrocentrismo O afrocentrismo representa uma perspectiva epistemológica caracterizada por assumir uma postura política e filosófica em contraposição ao eurocentrismo. Essa abordagem oferece uma forma alternativa de interpretar e compreender a história e a cultura. Em essência, o afrocentrismo se posiciona como uma antítese ao 9 eurocentrismo, que por sua vez é uma perspectiva que coloca a Europa como centro de experiência e conhecimento. O eurocentrismo considera os valores e os métodos de produção de conhecimento europeus como superiores em relação às tradições de outros grupos étnicos, especialmente das nações africanas e, por extensão, das culturas descendentes dessas populações. Dentro do âmbito da história e dos estudos culturais, o afrocentrismo emerge como uma abordagem destinada a questionar a supremacia do pensamento europeu sobre outras maneiras de pensar presentes em diferentes culturas. Isso implica uma avaliação crítica do entendimento que o Ocidente tem em relação à filosofia, às ciências, à antropologia e à epistemologia (ASSANTE, 2016; NASCIMENTO, 2014). A perspectiva afrocentrista envolve uma compreensão aprofundada do aspecto epistemológico e ontológico do lugar na formação da experiência individual, enfatizando a relevância da cultura africana e suas tradições. Esse método pode ser compreendido melhor ao considerarmos um aspecto específico dos estudos culturais e científicos, ou seja, o surgimento da filosofia e da noção de comportamento científico, conforme abordado anteriormente. No âmbito da história da filosofia antiga, isso seria o entendimento de que para além do orientalismo ingênuo e da tese do milagre grego existe a remissão da filosofia grega à cultura egípcia, enquanto há o lugar no qual o povo grego está em posição em relação ao povo egípcio, o que é documentado por historiadores e filósofos da antiguidade. Além disso, entende-se, que o aparecimento deste lugar onde a filosofia grega está remetida ao pensamento egípcio deve ser desvelado conforme a inclusão da história do antigo Egito no território físico, político e espiritual do continente africano, para que uma nova perspectiva possa ser alcançada em relação à história da filosofia. Essa inserção é fundamental, já que a primeira estratégia do eurocentrismo para negar a relação de constituição da filosofia grega pela filosofia egípcia foi a negação da realidade africana do Antigo Egito. Na perspectiva de Assante (2016), enquanto os africanos foram deslocados da originalidade de sua experiência cultural, psicológica, econômica, o esforço afrocentrico deve partir da avaliação de suas condições em qualquer país, tendo como base uma localização centrada no continente africano e sua diáspora. Por isso, na perspectiva de um estudo da filosofia antiga, torna-se necessária incluir o Egito no 10 território africano, para em seguida incluir as formas de pensamento egípcia na história da filosofia (ASANTE, 2016). Enquanto posição epistemológica, o afrocentrismo deve considerar a estruturação de um método. Nesse sentido, Assante (2016) elenca cinco características gerais do método afrocêntrico 1. O método afrocêntrico considera que nenhum fenômeno pode ser apreendido adequadamente sem ser localizado primeiro. Um fenômeno deve ser estudado e analisado a partir das relações de tempo e espaço psicológicos; entendidos como dimensões de existência na vida de um sujeito, de uma cultura ou comunidade, enquanto constituintes do seu espaço. Entende-se, assim, que no acontecimento do fenômeno sua localização não é apenas física, mas espiritual e política. Desta perspectiva, se torna possível investigar as complexas interrelações entre ciência e arte, projeto e execução, criação e manifestação, geração e tradição, filosofia e cultura e outras tantas dimensões atravessadas pela teoria. 2. O método afrocêntrico considera o fenômeno como múltiplo. Ou seja, ele não é uma substância no sentido clássico ou aristotélico. Seus atributos não podem ser separados em contingentese universais, já que o fenômeno é sua multiplicidade. Assim, ele deve ser tomado em sua dinamicidade. É importante, em uma perspectiva afrocêntrica, a consideração, o registro e a expressão rigorosa da localização do fenômeno em meio às flutuações que formam sua territorialidade. O que significa ainda que o investigador (a) deve saber onde ele ou ela se encontra em sua relação com o fenômeno. Não apenas em relação ao acontecimento, mas da sua relação com o acontecimento. 3. O método deve se assumir como uma forma de crítica cultural, pautada pelo esforço de examinar a ordem e o usos etimológicos das palavras e termos, para com isso reconhecer a localização das fontes e 'orientações' de um (a) autor (a). Isso vale também para o estudo de uma cultura e de uma tradição. Segundo Assante (2016), tratando o método (ou fazendo o método, que significa caminho) desta maneira, é possível articular ideias com ações e ações. 11 4. O objetivo do método é desfazer a máscara do poder, descobrindo o que está atrás da retórica utilizada pela figura da máscara, pelo seu ser na cultura e na dominação da cultura do outro, questionando privilégios que podem ser práticos e teóricos e são espirituais e políticos no seu acontecimento (ASSANTE, 2016). 5. O método afrocêntrico quer localizar a estrutura imaginativa e inconsciente dos sistemas econômicos, partidos políticos, política de governo, formas de expressão cultural, voltando-se para a atitude, direção e linguagem do fenômeno. O fenômeno pode ser entendido como singularidade: coisa, pessoa, objetos. Mas também como eventos: o partido em relação aos seus membros; a escola em relação ao estado; o corpo em relação à alma. As duas dimensões são inseparáveis quando se visa ouvir e ser direcionado pela linguagem do fenômeno. Assim, o fenômeno pode ser dado no contexto ou enquanto texto; como também numa personalidade ou enquanto personalidade, como evento ou enquanto evento (ASSANTE, 2016). Segundo a perspectiva do autor, quando se trata de uma investigação afrocentrada é preciso questionar a separação entre tempo e espaço no sentido cartesiano. O que se chama cronologia é considerado constituinte da sedimentação do território. Enquanto expressão imediata de um tempo cristalizado, a cronologia deve guiar o investigador na recuperação do sentido do tempo enquanto duração que delimitada o lugar ocupado pelo fenômeno. Assim, o tempo cronológico deve ser recuperado e em seguida desconstruído. A busca é fazer aparecer um tempo em estado vivo: o tempo do sujeito quando sente e quando pensa; o tempo da cultura quando está vivendo sua mitologia; o tempo do cientista que assume o método científico e por isso se insere em uma temporalidade e um território onde a coisa não depende só dos seus olhos e do seu pensamento, mas do encontro dos instrumentos tecnológicos e de uma linguagem para compreender os fenômenos (ASSANTE, 2016). Assim, é possível ver como um discurso se constitui e exclui outros de sua ‘existência”. Marca-se, por exemplo, um lugar para se começar a falar da filosofia: tradicionalmente ela começa na Grécia, com Tales de Mileto e se consolida com Sócrates e sua morte no ambiente da pólis. Temos aí uma cronologia que forma o 12 espaço de um território. A filosofia é fruto da pólis; em sua existência anterior, o pensamento não é filosofia, porque ainda não há essa territorialidade política onde a pólis organiza o espaço. Hegel (2008) consolida essa visão quando configura o espaço da história como um lugar que não pode englobar o povo africano, ou mais precisamente, a história africana, porque eles são povos sem história. A questão não é ‘desvalorizar’ a filosofia grega e sua origem. Mas entender que se trata do nascimento da filosofia grega, não da filosofia em si ou da ‘filosofia enquanto comportamento teórico universal (ASSANTE, 2016). Na concepção de uma origem grega da filosofia, tal como imaginada por Hegel, em sua história da filosofia e filosofia da história, talvez exista ainda a ideia de que a ‘cor’ da pele pode ser o sintoma que torna necessária essa exclusão. No entanto, mesmo Hegel, talvez tenha percebido o quão é ilógico julgar uma pessoa ou um povo a partir da cor da pele. Por isso, sem falar da cor, ele julga os africanos selvagens’, sem história; a música deles é excessivamente sensível e corporal, ela coloca a razão em transe porque eles não sabem se relacionar com a razão ou não tem razão. O pensamento de Hegel sobre a história quando exclui a África se pauta pela ideia de que não existe ‘objetividade’ se fazendo na cultura africana. O espírito absoluto de Hegel, por outro lado, é aquele que se realiza quando pode ter de si a ilusão de um controle “objetivo”, através de objetividades expressas, ou seja, na formação dos conceitos (MAZAMA, 2003) Através de um exercício do pensamento, que questiona os mestres da filosofia ocidental, como Hegel, por exemplo, a filosofia tal como exposta por Molefi Kete Asante e outros teóricos que estão construindo paradigma afrocêntrico, encontramos uma maneira de inquirir questões do âmbito cultural, econômico, político e social considerando o povo africano como protagonista, pondo em relevo um exercício de consideração do que foi ‘excluído’ ou posto à margem do discurso filosófico. Encontramos uma formulação precursora deste exercício na obra “O legado roubado [..]" de George G. M. James, da qual falaremos no próximo tópico. 2.2 O legado roubado? Uma tese de George G. M. James Na introdução ao livro Legado Roubado, de George G. M. James, na tradução brasileira, feita pela Editora Paz e Terra, encontramos informações biográficas de suma importância para uma contextualização de sua obra. Segundo essa introdução, 13 George Granville Monah James nasceu em Georgetown, Guiana Inglesa, América do Sul. Ele foi filho do reverendo Linch B. e Margaret E. James. Alcançou os graus de Bacharel em Artes, Bacharel em Teologia e Mestrado em Artes pela Universidade de Durham na Inglaterra e foi um candidato ao grau de Doutor em Letras naquela universidade. Realizou e dirigiu pesquisas na Universidade de Londres e fez estudos de pós-graduação na Universidade de Columbia, onde alcançou seu Ph.D. Lecionou matemática, latim e grego em escolas de Nova Iorque; tendo posteriormente assumido uma cadeira como professor de lógica e grego na faculdade Livingston, em Salisbury, Carolina do Norte, trabalhando lá por dois anos (JAMES, 2008) Em 1954, James publicou o livro Legado Roubado, que tem como subtítulo a seguinte afirmação: “Os Gregos não foram os autores da Filosofia Grega, mas o povo da África do Norte comumente chamados Egípcios”. O trabalho de James talvez tenha sido o primeiro a apresentar uma tese de contestação a compreensão de que a filosofia é uma criação dos gregos antigos. Como já indicamos, não consideramos suficiente dizer que não haja um caráter inovador e singular na filosofia grega, mas também entendemos que tratar o comportamento teórico inaugurado pelos gregos, através dos pré-socráticos, como uma forma universal de manifestação da racionalidade também é uma tese pouco consistente, que tem sido utilizada para a manutenção de uma racionalidade europeia como base e sentido de toda racionalidade possível, como também para exclusão do campo da filosofia de formas de pensamento que não obedeçam os critérios dessa racionalidade. Não teremos como aprofundar todos os aspectos da questão nesta aula; mas é importante que o estudante compreenda que estamos diante da quarta tese sobre as origens da filosofia na Antiguidade, que encontra no texto de James sua primeira formulação, mas é, atualmente, disseminada, desenvolvida e debatida por inúmeros autores e pesquisadores contemporâneos que assumem o paradigma afrocentrista e da diversidade cultural como forma de se aproximar ao discursofilosófico, tal como Assante (2016, 2004), do qual apresentamos algumas teses e formulações no tópico anterior. A tese de uma origem africana da filosofia é fundamental para uma compreensão ampliada do que chamamos de ‘A filosofia antiga”, sendo este nosso objetivo primeiro nessa disciplina. Por isso também a consideração deste texto de James, onde a polêmica questão das origens da filosofia grega é deslocada para uma 14 perspectiva onde se busca, segundo o seu autor, a restituição dos povos africanos do seu valor e papel na formação da cultura humana (JAMES, 2018). No entanto, seria também ingênuo considerar que uma forma de pensar ambientada em um quadro de instituições tais como aquelas desenvolvidas pelos gregos, ou seja, a cidade-estado e a democracia grega-ateniense, não teriam em seu ‘cerne’ uma maneira de pensar e investigar o mundo diferente de uma filosofia desenvolvida em uma sociedade onde o regime político era centrado na figura de um monarca entendido como manifestação da divindade. No entanto, existem inúmeros debates sobre a estrutura política e cultural da sociedade egípcia, o que não será abordado nessa aula, mas deve, pelo menos, ser considerado no contexto do entendimento de uma cultura a qual foi negada a compreensão de suas origens africanas pelos principais filósofos da modernidade, como Hegel, o que já foi indicado anteriormente. Através de seus estudos de história da filosofia e filosofia da história, Hegel fundou uma tradição de compreensão da cultura egípcia eurocentrada, quando vinculou o desenvolvimento daquela cultura ao oriente e entendeu que ali acontecia a passagem do ‘Espirito’ do oriente para ocidente. As consequências desta interpretação são inúmeras na maneira como os pensadores modernos e contemporâneos entenderam a filosofia antiga. Edmund Husserl (1958-1938), fundador da tradição fenomenológica contemporânea, por exemplo, em seu texto “A crise da humanidade europeia e a filosofia”, originado de uma conferência feita pelo filósofo em 1935, não faz nenhuma menção positiva aos povos não europeus no que tange a construção da racionalidade, mas afirma a ideia de que o projeto humano em sentido amplo e geral dependia da realização holística e responsável da racionalidade europeia, cada vez mais decadente, em sua perspectiva (DEPRAZ, 2008) Nesse sentido, os trabalhos de Jean-Pierre Vernant são exemplares. Não se trata mais de dar aos gregos o direito ao milagre ou a suposição de que tudo que eles fizeram veio de outro lugar. Mas acompanhar a história de um pensar que se estrutura conforme as instituições nas quais uma experiência se torna possível. Por isso, talvez a grande fraqueza da obra de Geoge G. M. James, que iremos estudar seja não ter considerado que o pensamento se enraíza no mundo social, nas instituições políticas, nas formas de produção econômica, desdobrando-se, ainda, em instituições específicas de saber e transmissão do saber, o que nos impede de entender a filosofia como uma prática de pensamento universal e baseada em critérios definitivos. 15 Desta maneira, poderemos, talvez, constatar ao final desta exposição a impossibilidade de tratar o pensamento antigo (ciencia, cultura e filosofia) como uma forma universal de experiência, seja pelo seu conteúdo ou sua forma, em suas manifestações gregas ou africanas. A universalidade possível à filosofia, talvez, encontre-se na sua existência como uma prática de pensamento possível a qualquer ser humano segundo suas circunstâncias e ser-no-mundo. O pensamento, assim, surge como uma práxis, dada como um esforço de compreensão, sistematização e interpretação pela qual, como considerava Gramsci (1999), uma classe social, uma cultura ou indivíduo, passam de uma visão fragmentada do mundo, da sociedade e do seu ser-no-mundo para uma visão unitária e crítica, algumas vezes aberta, outras, fechada, mas estruturada como devir no ambiente de sua cultura (GRAMSCI, 1999). A obra de James começa com uma afirmativa extremamente provocativa. "O termo filosofia grega, para começar, é um equívoco, pois não há tal, tal filosofia (2018). Com esse começo, ele visa questionar a compreensão de uma filosofia de origem puramente grega e constrói seu texto Stolen Legacy (O Legado Roubado) nos contando como teria sido a trajetória e as circunstâncias que levaram a formação da filosofia grega. O caminho realizado pelo autor não é ortodoxo. Segundo alguns de seus críticos, ele desenvolve sua história do pensamento tomando como base uma tradição esotérica oriunda da maçonaria, da qual participou e fundou uma loja para pessoas de pele preta nos Estados Unidos. Desta maneira, sua remissão ao Egito teria como base sua formação maçônica. No entanto, James possuía uma ampla formação intelectual e seu livro tem ainda um segundo aspecto importante: ele aponta que a primeira distorção em relação à história da filosofia antiga é dada quando se esquece das raízes africanas do mundo egípcio. Assim, em uma perspectiva diferente da hegeliana, James (2018) afirma desde o primeiro capítulo de seu livro que a filosofia grega teria sido fruto do roubo de um legado, o legado egípcio, que, no que lhe concerne, está assentado no continente africano e na cultura africana, através de sua longa história. O interesse do autor é, justamente, apontar a tamanha negligência e violência que se consolidou na história das civilizações contra as produções intelectuais africanas, quando seus traços e expressões foram retirados da história da filosofia, um processo orientado e 16 consolidado pelo tratamento da cultura egípcia como uma cultura branca e de origem oriental. A análise de James (2018) começa por reconstruir um ambiente geopolítico, onde, segundo sua leitura, teria ocorrido a construção da narrativa pela qual os gregos tomaram para si o papel de inventores de um saber universal sobre a mitologia e cosmogonia, questões políticas, filosofia natural e existencial. Segundo James (2018), os fatos históricos que atravessam o território grego, nos séculos de nascimento da filosofia, o século VII, apontam para a impossibilidade do surgimento da filosofia. Trata-se, de um ambiente marcado por constantes disputas de caráter militar e econômico. Segundo sua posição, em um ambiente fragmentado, marcado pela guerra não haveria espaço, para o que próprio Aristóteles entendia como condição do filosofar: o ócio. Não se trata do não precisar trabalhar simplesmente, já que o sistema de escravidão de estrangeiros era vigente em várias cidades gregas, mas da inexistência de uma 'comunhão' entre as comunidades que teriam dado origem ao discurso filosófico. Ele indica, nesse sentido, que a ideia de uma filosofia de origem puramente grega começa a se forjar quando Aristóteles tem acesso a textos de origem egípcia, na ocasião da tomada do Egito por Alexandre, o grande. Segundo James (2018), no drama a partir do qual se constitui uma ‘uma filosofia grega’ existem três atores, que desempenharam funções distintas e determinantes. O primeiro é Alexandre, o Grande, que através de seu projeto expansionista invadiu o Egito em 333 a.C., criando as condições para um grande saque da Biblioteca Real de Alexandria, a partir do qual foram usurpados um espólio de livros científicos, filosóficos e religiosos de grande relevância, mas ainda desconhecido pelos gregos. Assim, o Egito foi roubado e anexado como parte do império de Alexandre. No entanto, como indica o autor, “ [...] o plano de invasão incluiu muito mais do que a mera expansão territorial; pois ele preparou o caminho e o tornou possível para a captura da cultura do Continente Africano” (JAMES, 2018, documento online). Assim, o outro grande ator desta história é a Escola de Aristóteles cujos alunos se mudaram de Atenas para o Egito e converteram a biblioteca real, primeiro em um centrode pesquisa; posteriormente em uma universidade e compilaram aquele vasto corpo de conhecimento científico que eles tinham adquirido com a pesquisa da tradição egípcia, juntamente com as instruções orais que receberam dos Sacerdotes Egípcios, criando, assim, as condições discursivas e práticas para o que será, 17 posteriormente, chamado de filosofia grega e para difusão de teses como o milagre grego e orientalismo, já que essa apropriação terminou na formação de uma narrativa sobre a formação da filosofia grega que mencionava a importância deste contato para o modo como os gregos do era helenista interpretaram seu passo filosófico e cultural. A tese de James aponta em outra direção. Em sua perspectiva, os Gregos roubaram o legado do Continente Africano, retirando do povo africano o direito de ser entendido como berço de muitas das maiores criações intelectuais dos seres humanos. O resultado dessa desonestidade tem sido, segundo o autor, o fortalecimento de uma “opinião mundial errônea”, segundo a qual o continente Africano [...] não fez nenhuma contribuição para a civilização, porque seu povo é atrasado e pobre em inteligência e cultura” (JAMES, 2018). Podemos entender, partindo desta perspectiva, que é na formulação das bases de uma primeira história da filosofia grega, que pode ser mapeada as origens de uma exclusão, que, na perspectiva afrocentrista terá consequências políticas e epistemológicas relevantes para história do pensamento e as vivências intelectuais e afetivas dos povos africanos (ASSANTE, 2016). Um dos aspectos mais interessantes do livro de James é o objetivo da sua pesquisa em temos civilizatórios. Ele acredita que a consideração da origem africana da filosofia proporcionaria uma reeducação dos povos negros e brancos. Ou seja, se a origem do eurocentrismo e sua maneira de tratar a cultura e a vida das pessoas de pele preta tem como um de seus alicerces um falseamento das origens da filosofia, é essencial que tal narrativa seja questionada e desconstruída. Assim, segundo sua posição, o entendimento de que a filosofia grega não é nada mais que um roubo do que foi cultivado por sacerdotes egípcios e africanos do norte da África, mudaria a mentalidade das pessoas negras e brancas, pois iria determinar uma transformação no modo como elas se situam no campo da cultura e da história humana. Nas palavras de James, com a restituição do sentido africano da origem da filosofia aconteceria “[…] a mudança na mentalidade do povo preto e branco, grandes mudanças também são esperadas em suas respectivas atitudes em relação ao outro, e na sociedade como um todo (JAMES, 2018). 18 A EXPERIÊNCIA AFRICANA E SUA MULTI-TEMPORALIDADE: O OLHAR CONTEMPORÂNEO DE CHIMAMANDA ADICHIE A trajetória da África ao longo da história até o século XXI é permeada por uma narrativa rica em diversidade, sendo lamentável que a maioria dessas histórias esteja marcada por conflitos e atos de violência. Isso se deve ao fato de que o continente africano, desde suas origens, carrega o ônus de ter sido alvo de saques e abusos perpetrados por outras culturas e suas instituições políticas imperialistas. Nesse contexto, explorar a história africana exige uma análise das diversas narrativas que compõem esse complexo cenário de dinâmicas, categorizado sob o nome "África". É inquestionável, portanto, a importância de reconhecer a África como um continente em que a característica predominante é a pluralidade sócio-cultural. Através da perspectiva sugerida pela escritora nigeriana Chimamanda Adichie em seu ensaio "O Perigo de uma Única História", fica claro como as narrativas simplistas podem distorcer e limitar nossa compreensão da diversidade e riqueza das culturas e trajetórias africanas. A visão de uma única história sobre a África é um equívoco, que negligencia a multiplicidade de vozes, experiências e conquistas que compõem a complexa tapeçaria do continente. É crucial, portanto, transcender os estereótipos e preconceitos que, por vezes, cercam a representação da África e mergulhar nas inúmeras facetas de sua história e cultura. Somente assim podemos apreciar plenamente a profundidade e a riqueza das narrativas africanas, reconhecendo que as muitas histórias que se entrelaçam contribuem para a identidade multifacetada do continente. Se adotarmos a definição de cultura como o conjunto de expressões e experiências vivenciais manifestadas por um grupo na sua interação com o mundo, podemos considerar que a África abriga uma notável diversidade de culturas. Portanto, seria inadequado reduzir seu perfil cultural a uma identidade singular, como se houvesse uma "essência africana" universal. De fato, como afirma Appiah (1997), é importante ressaltar que todas as identidades humanas são construídas de forma histórica. Contudo, é frequentemente disseminada a concepção de que a África é um continente marcado por conflitos incessantes, mergulhado em situações de pobreza extrema, fome e doenças devastadoras. Da mesma forma, propagam-se imagens de paisagens naturais exóticas e intocadas, caracterizando o continente africano como 19 um cenário de desertos desabitados e savanas habitadas por leões e elefantes, um lugar de aventuras e safáris emocionantes. Essas representações, muitas vezes veiculadas por meio de documentários, veículos de notícias e revistas, e até mesmo incorporadas no currículo escolar, são embasadas na desinformação e no etnocentrismo que historicamente permearam as relações, especialmente entre a Europa e a África, ao longo dos últimos séculos (APPIAH, 1997). Tais representações estereotipadas acerca do continente e de seus habitantes são sintomáticas da simplificação que ocorre por meio da seleção de eventos isolados como sendo emblemáticos de toda a história e cultura africanas. Essas representações frequentemente se baseiam em eventos como guerras civis, doenças e fome, que simbolicamente são interpretados como a "face" da África, a sua essência. Entretanto, embora seja inegável que desafios sociais, políticos, econômicos e culturais existam na África, é essencial evitar a armadilha de enxergar essas questões como a única forma de compreender o continente em sua totalidade. Infelizmente, algumas perspectivas erroneamente atribuem à África uma tendência intrínseca à guerra civil, o que carece de fundamento; outras chegam até mesmo a imputar uma maldição a populações de origem africana. Esses estereótipos simplificadores refletem uma visão distorcida e prejudicial que não captura a riqueza e a complexidade das múltiplas experiências e identidades que compõem a África. Essas ideias infundadas continuaram a ser disseminadas, especialmente após a intensificação das relações entre a Europa e o continente africano, durante o longo processo de colonização da África. Essas noções negativas foram propagadas como forma de justificar a violência que foi imposta ao continente. Por várias razões, algumas pessoas chegaram a supor que as populações africanas não possuíam uma cultura ou história significativas, ou no máximo, teriam desenvolvido apenas formas primitivas de organização social, política e cultural. No entanto, essa visão contrasta com uma análise mais aprofundada das guerras civis que afetaram e ainda afetam o continente. É possível entender a maioria desses conflitos como resultantes de um complexo processo de agressão cultural, política e material enfrentado pelas populações africanas ao longo de séculos, especialmente durante o período de colonização (APPIAH, 1997). A história africana é marcada por uma série de eventos traumáticos, desde a colonização até a escravidão e o subsequente neocolonialismo. Durante o processo de colonização, as potências europeias impuseram seu domínio sobre vastas áreas 20 do continente africano, muitas vezes dividindo grupos étnicos e culturas previamenteestabelecidas para atender às suas próprias necessidades econômicas e políticas. As fronteiras arbitrárias traçadas pelos colonizadores não levaram em consideração as identidades étnicas, culturais e territoriais das populações locais, o que frequentemente resultou em conflitos internos e rivalidades (MATTOS, 2009). Além disso, o sistema colonial explorou brutalmente os recursos naturais e humanos da África, resultando em desigualdades socioeconômicas profundas. Essas dinâmicas persistentes de exploração e opressão frequentemente se transformaram em tensões internas e disputas por recursos escassos, contribuindo para conflitos civis. Um exemplo notável é a Guerra Civil na República Democrática do Congo, que tem raízes em parte nas disputas por recursos naturais valiosos, como minerais usados na fabricação de produtos eletrônicos. Esses conflitos são alimentados não apenas por fatores internos, mas também por interesses externos que buscam controlar e explorar os recursos da região (APPIAH, 1997). Portanto, a compreensão das guerras civis na África não pode ser simplificada como resultado de uma suposta propensão inata para a violência, mas sim como um desdobramento complexo das experiências históricas, culturais e políticas que as populações africanas enfrentaram ao longo do tempo. A compreensão desses conflitos requer uma análise profunda das causas subjacentes, incluindo a herança do colonialismo e as estruturas de poder globais que ainda impactam o continente. Isso não significa que não existissem conflitos anteriores à chegada dos europeus em África. No entanto, ao examinarmos com mais cautela muitos dos conflitos recentes, percebemos que suas raízes não estão em uma suposta predisposição inata para a guerra, mas sim no resultado das experiências de violência sofridas pelos africanos em decorrência do contato com outras culturas e povos. Diversos desses conflitos têm origem no aprofundamento de antigas disputas travadas entre grupos africanos, historicamente envolvidos em rivalidades por territórios e recursos, como ocorre também em outros continentes. Contudo, na África, esses conflitos frequentemente persistiram ou se intensificaram devido aos sistemas de dominação e expropriação impostos ao continente. A compreensão dessas dinâmicas complexas é fundamental para uma visão mais completa e precisa da história africana ( APPIAH, 1997) O mesmo exercício de discernimento vale para o caso das expressões culturais africanas, frequentemente consideradas como inferiores, atrasadas ou primitivas em 21 comparação com as culturas europeias. No entanto, tais avaliações são baseadas em preconceitos e falta de compreensão das ricas e diversas manifestações culturais do continente africano. As culturas africanas não devem ser julgadas a partir de parâmetros eurocêntricos, pois essas avaliações desconsideram sua autenticidade e complexidade. As culturas africanas são distintas e diversas, variando não apenas entre diferentes regiões do continente, mas também ao longo do tempo. Essas culturas são movidas por formas expressivas próprias, que refletem as histórias, valores e modos de vida das diversas comunidades. O erro está em rotular essas expressões como inferiores com base em padrões culturais estrangeiros. O que pode parecer primitivo ou atrasado em um contexto eurocêntrico muitas vezes é profundamente significativo e sofisticado dentro das próprias culturas africanas. É fundamental reconhecer que todas as culturas possuem intrínseca validade e valor. A diversidade cultural enriquece nosso entendimento do mundo e contribui para a riqueza da experiência humana. Portanto, ao se deparar com imagens, textos ou representações sobre a África e suas culturas, é importante questionar as suposições embutidas nessas representações e buscar uma compreensão mais profunda e informada da diversidade e complexidade das culturas africanas. CULTURA AFRO-BRASILEIRA: POVOS ORIGINÁRIOS, BRASIL, ÁFRICA E EXPERIÊNCIA. Na construção do que entendemos como cultura brasileira, encontramos representações das culturas africanas e das culturas originárias do país em diversas manifestações culturais. No entanto, é importante notar que quando nos referimos à "cultura brasileira", não estamos exclusivamente abordando a cultura afro brasileira. O termo engloba os elementos culturais e comportamentos que são percebidos por grupos sociais como representativos da história, vida e identidade do povo brasileiro como um todo (PROENÇA FILHO, 2004). Contudo, é fundamental reconhecer que o processo de determinar o que é digno de reconhecimento não é sempre uma prerrogativa da população em geral. Muitas vezes, esse processo passa por uma seleção cultural na qual as elites desempenham um papel significativo. Elas podem influenciar quais elementos culturais são valorizados e celebrados, moldando assim a maneira como a cultura é 22 percebida e transmitida. Isso pode levar a uma distorção da representatividade cultural, excluindo ou marginalizando certas expressões que não se enquadram nas visões valorizadas pelas elites. Portanto, ao abordar a cultura brasileira, é importante reconhecer a diversidade de influências e contribuições das culturas africanas, indígenas e originárias, ao mesmo tempo em que se questiona as dinâmicas de poder que moldam a percepção e o reconhecimento cultural. Nesse contexto, é crucial compreender, por exemplo, que a literatura ( estamos falando agora da literatura brasileira) frequentemente apresenta representações da cultura africana e das populações africanas que revelam mais sobre a perspectiva do próprio autor e sua posição na sociedade do que propriamente sobre o que está sendo retratado (PROENÇA FILHO, 2004). Em outras palavras, os relatos de escritores podem funcionar como testemunhos de uma cultura e de uma determinada visão sobre ela, porém, é importante não os tomar como reflexos autênticos da vivência dos povos originários e afrodescendentes. Essas narrativas literárias não podem ser consideradas como representações verdadeiramente autênticas da experiência das culturas em questão, mas sim como modos pelos quais essas culturas são representadas dentro do contexto da nossa própria cultura. A literatura serve como um espelho da sociedade em que é produzida, refletindo não apenas a realidade retratada, mas também as influências e preconceitos do autor, bem como as percepções dominantes da época. Além disso, tais obras ganham notoriedade por meio de dois aspectos que se relacionam entre si. O primeiro é o alcance dos leitores a serem atingidos pelas páginas dos romances, tendo mais facilidade para o leitor conhecer uma obra de ficção do que uma obra acadêmica. O segundo é que, não obstante, sejam obras de ficção, compartilham a semelhança com a realidade tornando possível analisar concretamente as formas pelas quais uma determinada da cultura é produzida e como essa imagem forma o que chamamos de experiência (PROENÇA FILHO, 2004). Essas obras tornam possível imaginar e refletir o quanto foi difícil a vida dos indígenas e negros naquela época, o que eles sofreram com estas represálias; logo, é necessário a introdução do combate as diversas formas de racismo nas escolas que deve considerar o perfil e a história dos povos e seus respectivos grupos em visita ao ambiente escolar. Para que este processo seja implementado de forma eficiente, a escola deve ampliar a definição de currículo, avaliação e material didático e formas de ação entre professores e alunos. Em geral, o foco está no debate sobre o preconceito 23 racial e como combatê-lo apenas em 19 de abril para a população indígena e em 20 de novembro dia da consciência negra. Esses marcos simbólicos, se não devidamente relatados, podem ser usados para demostrar estereótipos e amplificar opiniões péssimas sobre a população, transformandoa escola em um local fútil para determinados agrupamentos e a anulação de sua função social que permite o acesso a direitos e autonomia das pessoas. Ao verificar as ações dos movimentos da sociedade que visam por uma sociedade mais justa e igualitária, observar-se que a legislação avançou, possibilitando a materialização de um aparato legal capaz de reduzir e prevenir a prática do racismo no país (PROENÇA FILHO, 2004). No entanto, o trabalho contra o racismo deve superar o aspecto apenas jurídico, por isso a escola é tão importante. É preciso que seja descrito e enfatizado, via processos pedagógicos, que no decorrer da trajetória brasileira, os afrodescendentes e nativos americanos criaram várias táticas para driblar a ordem atual e realizam suas multiculturalidades, resistindo a política de destituição cultural e violência dos colonizadores. Esses truques se materializaram em diferentes aspectos do cotidiano dessas pessoas, também na área religiosa, com a geração de associações religiosas negras e pardas nas quais orixás e divindades africanas foram aceitas no culto dos santos católicos (IANNI, 2011). Na área da cultura, enfatiza-se a capoeira, mistura de luta e dança, previamente vedada e depois declarada patrimônio histórico, cultural nacional. No reino do sagrado, as religiões afro-brasileiras se incorporaram como práticas de crença. Nesse contexto, as irmandades negras, associado ao catolicismo; umbanda integrada ao espiritismo; ou candomblé; o culto dos orixás; tambor de mina (Maranhão); e o culto congo-angola (Rio de Janeiro e Bahia) (CAMPOS, 2011). A linguagem do vocabulário, que suavizou o português europeu e desenvolveu uma nova língua para se ter uma melhor compreensão. Panoramas do comportamento africano foram introduzidos no Brasil por meio da aquisição de diferentes indumentárias impregnadas de herança, memória e resistência étnica e culturais. Interação racial e cultural no Brasil era tão profunda que surgiram também reverências afro-indígenas, como: candomblés de caboclo (Bahia), jurema (Paraíba e Pernambuco), barba-soeira (Amazonas e Pará) e terecô (Maranhão), popularmente conhecida como catimbó, macumba e canjerê. As festas dos reis negros, também 24 chamadas sarau do rosário, são exposições da cultura que implicam a forte presença do ritual africano no Brasil. Essas manifestações culturais têm origem nas divindades religiosas de escravos, em fraternidade de ato de fé, escolhiam um rei que era popular pelos inseridos na irmandade e tinha sua liderança reconhecida até mesmo pelos colonizadores, apresentando como a vida social perante a escravidão era complexa. Esses conceitos aqui no Brasil alteraram consoante o lugar de origem, mas possuem simetrias entre si (IANNI, 2011). Lutas pela apropriação e manutenção do território, seja por comunidades tradicionais indígenas ou remanescentes de quilombos, externam a disputa para aquisição à posse no Brasil limitado a restritos grupos com capital necessário e que havia herdado a propriedade das terras dos antigos donos da região. Todos esses temas ilustram a luta pela sobrevivência dos negros e indígenas no Brasil contemporâneo, onde a resistência dos índios e negros não cessou, porque ainda extremamente necessário em contexto onde ainda são tratados de modo não igualitária e muitas vezes violento; não ficou somente no passado a luta desses grupos, ainda está em evidência e permanecendo no que é hoje o Brasil atual, enquanto há uma sociedade racista tentando eliminar pessoas que pensam e comportam-se de maneira distinta, faz com que a luta contra o racismo seja de forma continuada (.(PROENÇA FILHO, 2004). 4.1 O multiculturalismo como base para o combate ao preconceito e proteção das minorias. O interesse crescente pelos temas de multiculturalismo evidencia-se na atualidade, abarcando discussões sobre identidade, diferenciação e os direitos das minorias. As minorias, caracterizadas por serem grupos humanos ou sociais subordinados ou em situação de inferioridade em relação a outro grupo majoritário ou dominante, ocupam uma posição de destaque nesse contexto. Os movimentos afro- brasileiro e indígena se destacam por sua ênfase nas características étnico-culturais, as quais constituem elementos essenciais para os seus integrantes. Minorias, por definição, representam grupos não dominantes que partilham características relacionadas à nacionalidade, etnia, religião ou língua. 25 A Constituição Federal de 1988, ao consagrar o Estado Democrático de Direito, fundamentado na dignidade da pessoa humana, introduziu e reconheceu direitos antes negligenciados ou não incorporados ao âmbito constitucional (BRASIL, 1988). A expressão "dignidade humana", embora com nuances, refere-se a um atributo intrínseco e inalienável de cada indivíduo, constantemente em processo de construção e evolução. A autoestima, por sua vez, representa a manifestação da autonomia individual e estatal, especialmente em situações de fragilidade ou incapacidade de autodeterminação (SARLET, 2008). O princípio da igualdade, destacado na Constituição, enfatiza a oposição à discriminação no âmbito trabalhista, na disparidade salarial e na responsabilidade estatal em garantir o direito à educação, inclusive para pessoas com deficiência. Esse direito à igualdade permeia outras esferas, incluindo a própria liberdade. A Carta Magna de 1988 (BRASIL, 1988) deu voz e reconhecimento aos movimentos sociais e minorias que por muito tempo foram marginalizados tanto pela sociedade quanto pelo Poder Público. Isso conduziu a debates com implicações jurídicas e à obrigação do Estado de adotar posicionamentos distintos, também no que tange à legislação. Esse panorama foi moldado por meio de lutas e manifestações, especialmente durante a década de 1990, por parte de movimentos que enfatizavam a identidade e a cultura. Os povos indígenas possuem conhecimento sobre a natureza e as florestas, vivenciando e compartilhando seu habitat natural, com uma conexão com a terra que não implica posse. Quando abordamos o movimento indígena no Brasil, é imperativo não negligenciar as diferenças entre este e os movimentos de povos indígenas de outras nações latino-americanas. Historicamente, a maior parte da população indígena brasileira foi dizimada ou confinada em áreas remotas. O trabalho mais árduo foi frequentemente executado por afrodescendentes e pardos. Nesse contexto, a segunda metade do movimento modernista (a partir de 1924) trouxe uma mudança de ênfase do ataque ao passado para a valorização da elaboração de uma cultura nacional. Surgiu uma redescoberta do Brasil pelos próprios brasileiros. Apesar de uma certa tendência regionalista paulista, os modernistas rejeitaram o regionalismo em prol do nacionalismo, acreditando que a afirmação da brasilidade era o caminho para o alcance do universal. Nas nações latino-americanas onde a escravidão africana não foi tão predominante, a maioria da população era composta por indígenas ou seus 26 descendentes, que frequentemente viviam em condições precárias nas vilas e cidades. No Brasil, a organização dos negros evoluiu gradualmente, à medida que a sociedade passou a reconhecer a necessidade de políticas específicas para combater a discriminação e a desigualdade. As lutas por cotas ainda são uma realidade evidente, e a proposta de um Estatuto da Igualdade Racial introduz cotas para ingresso no serviço público para negros que contribuem para a produção cultural e participação na mídia. Na área da educação, merece destaque a fundação da primeira universidade para afrodescendentes em São Paulo: a Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares. Apesar disso, há sugestões para aprimorar a ação afirmativa, defendendo critérios sociais em vez de raciais para evitar a introdução de outra forma de discriminação oficial. Essas medidas buscamcorrigir as disparidades existentes na estrutura socioeconômica do país, as quais impedem que os menos favorecidos tenham acesso ao ensino superior e a uma formação adequada para o desenvolvimento profissional. Tópicos polêmicos também emergem, incluindo a discussão sobre a concepção de raça e racismo no Brasil. É imperativo mudar a cultura e as percepções dos brasileiros em relação aos negros e aos mestiços. Não se trata apenas de apagar os crimes do passado relacionados à escravidão; é necessário abordar a gravidade desse passado e buscar alternativas para que erros anteriores não se repitam no presente nem no futuro. A igualdade é um direito incontestável: o direito de não ser discriminado. De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o censo de 2010 revela que os pretos e pardos, que representam 50,7% da população brasileira, são mais prevalentes em situações de desigualdade social. O censo indica que 70% dos 16,2 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza em 2010 eram pretos e pardos. Além disso, relata que os negros continuam a receber salários inferiores aos brancos, enquanto os amarelos ganham duas vezes mais. A discrepância também persiste entre os analfabetos, com 13% dos negros com 15 anos ou mais sendo analfabetos em 2010. No Brasil, a prática de exclusão baseada na cor da pele ou na raça persiste, assim como a atribuição de valores pejorativos a indivíduos de determinada etnia. Esse processo de opressão e desigualdade é denominado racismo. 27 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE AFRO-BRASILEIRA Ao longo dos séculos, desde o período colonial até os dias atuais, a cultura africana desempenhou e continua a desempenhar um papel fundamental na formação do Brasil. Apesar da existência de um sistema de segregação racial historicamente estabelecido no país, a resistência dos afrodescendentes, juntamente com o grande número de escravizados, resultou na presença inquestionável de laços históricos e culturais com a África. Conforme mencionado por Trindade (2010), alguns estados brasileiros foram mais influenciados pela cultura africana do que outros. Embora o Brasil seja um país de dimensões geográficas vastas, a cultura africana deixou sua marca em todo o território nacional. Estados como Maranhão, Pernambuco, Minas Gerais, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul foram diretamente influenciados, tanto pela migração interna dos escravizados quanto pela quantidade de africanos que chegavam a cada região. Nesse sentido, é essencial que os aspectos da cultura brasileira de origem africana sejam devidamente valorizados e reavaliados. A realidade da pobreza no Brasil tem uma cor, a periferia tem uma cor, assim como os presídios e o genocídio de jovens. Essa cor é negra. É fundamental reconhecer as notáveis contribuições histórico-culturais dos afrodescendentes, buscando promover a integração plena de indivíduos na sociedade e devido ao reconhecimento de suas contribuições para a construção do país. Além disso, é relevante enfatizar que o Brasil possui a segunda maior população negra do mundo, ficando atrás apenas da Nigéria (MATTOS, 2009). No entanto, é importante notar que as teorias eugênicas de Pinto (1996) e Paula (2008), que abordavam ideias e práticas relacionadas ao "aperfeiçoamento da raça humana", perpetuaram a concepção de superioridade e inferioridade racial, refletindo uma perspectiva de racismo científico. Neste contexto, é essencial compreender e reconhecer os impactos históricos dessas teorias na sociedade brasileira. 5.1 Movimentos sociais e políticos na busca por igualdade racial A atuação dos movimentos sociais exerce um papel fundamental no Brasil, especialmente na luta pela consolidação e garantia dos direitos civis, políticos, 28 culturais e sociais. Nas últimas décadas, esses movimentos têm se destacado como uma arena política significativa, onde ativistas e grupos coletivos defendem agendas antigas e emergentes. Apesar da consolidação democrática no país após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ainda enfrentamos desafios no século XXI que ameaçam a democratização desses movimentos sociais e perpetuam práticas antidemocráticas presentes na sociedade brasileira. Nesse contexto, conforme descreve Rancière (2014), observamos uma grande heterogeneidade de movimentos sociais no Brasil, compostos por atores coletivos que buscam participação social e defendem projetos políticos diversos. Esses movimentos se manifestam de maneira diferenciada nas lutas sociais, expressando insatisfação e indignação diante dos retrocessos nos direitos sociais. No entanto, o debate atual sobre a participação desses movimentos sociais na sociedade gera um paradoxo. Por um lado, ainda existem movimentos organizados por trabalhadores, negros, indígenas, mulheres, membros da comunidade LGBT, sem-teto, sem-terra, entre outros. Por outro lado, a criminalização dessas ações está em ascensão, refletindo uma tendência global neoconservadora e reacionária. No século XXI, a busca pela democratização dos movimentos sociais tornou- se crucial, manifestando-se pelo reconhecimento e fortalecimento da identidade coletiva desses grupos, tanto no âmbito global quanto na sociedade em geral. A luta pelo reconhecimento, conforme descrito por Nancy Fraser (2007), é um desafio contínuo para preservar os direitos conquistados como um aspecto de status social, superando a subordinação e assegurando sua manutenção frente às ameaças às práticas democráticas já consagradas na agenda política do Estado. É imperativo destacar a importância desses esforços em promover uma sociedade mais igualitária e inclusiva, onde os direitos e a identidade das minorias sejam respeitados e valorizados. Esses diversos movimentos sociais reafirmam sua luta coletiva pelo reconhecimento de identidade e, principalmente, pela defesa de ações afirmativas que se expandiram no Brasil, ampliando seus direitos por meio da participação social e das lutas sociais em busca de democratização e igualdade em suas agendas políticas. As demandas são variadas, abrangendo desde questões amplas e relevantes relacionadas à garantia e expansão de direitos sociais até a necessidade de reafirmar políticas públicas que promovam redistribuição e/ou reconhecimento. Esse novo cenário está intrinsecamente ligado a duas questões centrais: a interação entre cultura 29 e política no contexto dos movimentos sociais e a busca por sua democratização na sociedade civil. No cenário brasileiro, as ações afirmativas são consequência das demandas e esforços dos movimentos sociais, em resposta às reivindicações de grupos sociais diversos, como negros, mulheres, pessoas LGBTQ+, pessoas com deficiência, entre outros. Essas comunidades têm batalhado por direitos que historicamente foram negados a elas, bem como pelo reconhecimento de suas particularidades enquanto grupos sociais. Nas últimas décadas, mudanças significativas ocorreram nas políticas afirmativas, especialmente nas áreas da educação e do trabalho. Essas transformações compõem um cenário em constante evolução e análise. As ações afirmativas apresentam complexidade tanto em relação à sua implementação efetiva quanto ao reconhecimento de sua relevância, o que gera debates. Essa complexidade justifica a necessidade de novas investigações e a organização de publicações temáticas. Atualmente, há uma experiência expandida no campo das políticas de ação afirmativa, que inclui a reserva de vagas em universidades para estudantes negros, trabalhadores, indígenas, pessoas com deficiência e outros grupos. No entanto, ainda há muito a ser conquistado, seja no acesso ao ensino superior público ou privado (conforme estabelecido por lei) ou na garantia da permanência desses estudantes em seus cursos 5.2 Expressões culturaise artísticas afro-brasileiras A cultura afro-brasileira possui raízes que remontam ao período colonial, quando milhões de africanos foram trazidos como escravizados para o Brasil por meio do tráfico transatlântico. Essa diáspora resultou na formação da maior população de origem africana fora do continente africano. A cultura afro-brasileira é caracterizada por sua interação com outras culturais, principalmente indígenas e europeias. Não é uma realidade estática, mas está em constante desenvolvimento, conforme as condições históricas do país. Uma das particularidades marcantes da cultura afro-brasileira é sua diversidade em todo o território nacional. A origem dos africanos trazidos para o Brasil levou-os a apropriar-se e adaptar-se, garantindo a sobrevivência de suas práticas e representações culturais. Como resultado, é comum encontrarmos a herança cultural africana manifestada em novas formas de expressão cultural. 30 Durante muitos anos, as manifestações, rituais e trajes africanos foram reprimidos e proibidos por lei. Somente a partir da década de 1930, durante o período do Estado Novo de Getúlio Vargas, essas práticas passaram a ser toleradas e valorizadas. Esse reconhecimento ganhou ainda mais força com a promulgação da Lei nº 10.639, em 2003, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que estabelece a inclusão obrigatória da história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos escolares. Dessa forma, a cultura afro-brasileira, com sua rica diversidade e resiliência, ganha cada vez mais espaço e valorização, garantida para a construção de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa com as múltiplas identidades culturais presentes no Brasil. A Lei nº 10.639, promulgada em 2003, estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio do Brasil. Essa medida busca promover o reconhecimento e a valorização da contribuição dos africanos e afrodescendentes para a formação da sociedade brasileira. Dentre os grupos africanos trazidos para o Brasil, destacam-se os Bantos, originários de regiões como Angola, Congo e Moçambique, e os Sudaneses, vindos da África Ocidental, Sudão e Costa da Guiné. Esses grupos tiveram uma influência significativa na formação da cultura afro-brasileira e deixaram marcas importantes na música, dança, religião e outras expressões culturais. É importante ressaltar que determinadas regras do Brasil receberam uma maior concentração de escravizados africanos. Entre as áreas mais povoadas por essa mão de obra estão a Bahia, Pernambuco, Maranhão, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Rio Grande do Sul. Essa distribuição está relacionada tanto à demanda por escravos dessas regiões, como é o caso do Nordeste, quanto à migração dos escravizados após a queda do ciclo econômico da cana-de-açúcar, como ocorreu no Sudeste do país. Essa distribuição geográfica da população africana e afrodescendente no Brasil contribuiu para a diversidade cultural e étnica do país, enriquecendo suas tradições e identidades. A compreensão desses aspectos é fundamental para uma abordagem completa e inclusiva da história e cultura afro-brasileira nas instituições de ensino. A cultura afro-brasileira desempenha um papel fundamental na memória e na história do Brasil, indo além das fronteiras deste texto. Ela abrange costumes, 31 tradições, mitologia, folclore, língua (falada e escrita), culinária, música, dança, religião e todo o imaginário cultural do país. A influência afro-brasileira é evidente em expressões como o Samba, Jongo, Carimbó, Maxixe, Maculelê e Maracatu. Essas manifestações musicais utilizam uma variedade de instrumentos, destacando-se o Afoxé, Atabaque, Berimbau e Tambor. Além disso, essas expressões estão intrinsecamente aplicadas à dança, como no caso do Maculelê, uma dança folclórica brasileira, e do samba de roda, uma variação musical do samba (MENDES, 2023) Outras formas de música e dança também são importantes, como as danças rituais, o tambor de crioula e estilos mais contemporâneos, como o samba-reggae e o axé baiano. Um destaque especial é dado à Capoeira, uma combinação de dança, música e artes marciais que foi proibida no Brasil por muitos anos e reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2014. A culinária também desempenha um papel significativo na cultura afro- brasileira, introduzindo técnicas como o uso de panelas de barro, o leite de coco, o feijão preto, o quiabo, entre outros ingredientes. Os pratos mais conhecidos são encontrados na culinária baiana, preparados com azeite de dendê e pimentas, que conferem sabores marcantes. Esses elementos da cultura afro-brasileira enriquecem a diversidade cultural do país e são expressões importantes da identidade brasileira. Reconhecer, defender e estudar essa rica herança cultural é essencial para uma compreensão mais ampla e inclusiva da sociedade brasileira. Na culinária afro-brasileira, destacam-se pratos como o Abará, Vatapá e o Acarajé, além do Quibebe nordestino, preparado com carne-de-sol ou charque. Os doces de pamonha e cocada também são bastante conhecidos e apreciados. Um prato emblemático da culinária brasileira é a feijoada, que teve origem na criatividade dos escravos ao apropriarem-se da feijoada portuguesa e utilizarem os restos de carne que os senhores de engenho não consumiam. A religião afro-brasileira se caracterizou pelo sincretismo com o catolicismo, unindo aspectos do cristianismo às suas tradições religiosas. Essa fusão permitiu que os africanos escravizados praticassem suas crenças africanas de forma secreta, associando santos católicos aos orixás. Surgiram assim manifestações como Batuque, Xambá, Macumba e Umbanda, ao mesmo tempo em que foram preservadas variações africanas como Quimbanda, Cabula e Candomblé. (MENDES, 2003). 32 MOVIMENTO NEGRO E EDUCAÇÃO: UM BREVE HISTÓRICO A conquista da cidadania entre a população negra não se deu de forma imposta, inclusive no âmbito educacional. Na década de 1930, o movimento negro enfrentou um desafio complexo, trabalhando para alcançar a igualdade entre indivíduos negros e brancos (GONÇALVES, 2003). Nesse contexto, nos primórdios do século XX, a educação representava uma das principais demandas dos movimentos sociais negros brasileiros. Em São Paulo, especialmente, esses movimentos alcançaram dimensões significativas. A herança do passado escravista deixou uma marca profunda nas vivências da população negra no campo educacional. Naquela época, crianças negras eram afastadas das salas de aula para contribuir financeiramente com suas famílias (GONÇALVES E SILVA, 2000). De acordo com Pinto (1993), o movimento negro sempre buscou e continua buscando transformar a situação em que esse grupo da sociedade se encontra em termos sociais e educacionais. Essa busca por mudanças sempre teve a educação como foco central de preocupação. Gonçalves (2000) destaca que a educação foi consistentemente uma das principais demandas dos movimentos negros. Embora tenha sido entendida com nuances diferentes, ela era percebida como uma estratégia para equipar os indivíduos negros aos brancos, proporcionando igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Além disso, a educação era vista como um meio de ascensão social e integração, bem como um instrumento de conscientização que permitiria aos negros aprender sobre a história de seus ancestrais, sua cultura e valores. A partir desse conhecimento, poderiam reivindicar seus direitos políticos, sociais e o respeito humano. O movimento negro e suas organizações da época contaram com o apoio da imprensa negra, ativa e engajada, que divulgava suas atividades e proporcionava um espaço para a produção literária negra, além de debater questões educacionais e a importância da educaçãopara superar os desafios enfrentados pela comunidade negra. De acordo com Domingues (2006), esses jornais abordavam as várias dificuldades que afetavam a população negra, incluindo trabalho, moradia, educação e saúde. Eles se tornaram um canal privilegiado para discutir soluções concretas para 33 o problema do racismo na sociedade brasileira. Além disso, esses jornais denunciavam práticas de segregação racial em várias cidades do país, que impediam os negros de frequentar hotéis, clubes, cinemas, teatros, restaurantes, entre outros locais. Durante a década de 1930, a educação era vista como um meio para combater a situação de desvantagem e pobreza vivida pela população negra. Esse período foi marcado por ativismo, no qual a educação era associada à instrução, visando reverter a situação de inferioridade dos negros. Conforme Pinto (1993, p. 29), críticas começaram a surgir contra as autoridades por não terem se preocupado com a educação dos negros após a abolição da escravidão. A criação da Frente Negra Brasileira, segundo Ianni (1987), visava promover a elevação moral, artística, técnica, profissional, intelectual e assistencialista da população negra, procurando moldar o comportamento negro conforme os padrões da sociedade branca dominante. Durante as décadas de 1940 e início de 1950, os eventos promovidos pelo movimento negro revelaram uma crescente preocupação com a cultura específica e a identidade dos negros. Nesse período, surgiram críticas em relação a escolas que discriminavam crianças negras e professores que tratavam essas crianças de forma preconceituosa. Esse engajamento prosseguiu nas décadas de 1970 e 1980, quando o movimento negro se esforçou para introduzir a disciplina de Estudos Africanos nos currículos de ensino fundamental e médio. A partir dos anos 1980, pesquisas específicas sobre a presença de negros na escola começaram a revelar outras razões para o fracasso escolar. Além das questões socioeconômicas, descobriu-se a inadequação do currículo, a postura dos professores e a inadequação dos temas nos livros didáticos como fatores relevantes para o insucesso escolar. Essa falta de identificação da criança negra com a escola resultava em fracasso escolar, que tinha como origem a incongruência entre os currículos e os valores, crenças, história de vida e identidade sociocultural dos alunos negros. Assim, a História passou a ser vista como central para a formação da identidade individual e coletiva, fundamental para a construção de memória positiva e autoestima elevada. Esse conjunto de ações continuou até as décadas de 1970 e 1980, quando o movimento negro se empenhou em realizar sua antiga demanda de incluir a disciplina de Estudos Africanos nos currículos de ensino fundamental e médio. Estas transformações na educação ao longo do século XX foram fundamentais para 34 construir uma identidade e autoestima positivas entre a população negra, buscando superar os resquícios do passado de discriminação e exclusão. 6.1 O ensino de história africana e cultura afro-brasileira A gradual valorização da História como disciplina central no processo de formação da “identidade” e de uma perspectiva crítica a partir da década de 1980, resultou no desenvolvimento de inúmeras pesquisas sobre a temática africana no ensino brasileiro. Apesar desse contexto de mudanças, de acordo com Oliva (2009), o ensino sobre a história da África no Brasil, até meados da década de 1990, pode ser considerado insignificante, pois o continente africano foi sempre retratado de forma secundária, associado ao período marítimo dos séculos XV e XVI, ao tráfico de escravos, processos do imperialismo e colonialismo no século XIX e da independência dos países africanos, na segunda metade do século XX, mas esquecendo de como concepções de mundo africanas e formas de resistência oriundas desta tradição marcam a formação da sociedade brasileira. Contudo, a partir de 1996 o ensino de História passa por uma evidente modificação com a entrada em vigor da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996 - Lei nº . 9394/96 - e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) da área de História, em 1998, que indicavam uma aproximação, mesmo que frágil, com os estudos africanos. No PCN de História (BRASIL, 1997, p.5), um dos objetivos gerais do ensino fundamental que os alunos sejam capazes de “conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando- se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais (...)”. O artigo 26, § 4º, da LDB, estabelece, assim, a diretriz de que o ensino de História do Brasil nas escolas deve considerar as valiosas contribuições das diversas culturas e etnias para a formação da identidade do povo brasileiro, com especial destaque para as matrizes indígena, africana e europeia. Entre os objetivos específicos deste avanço progressivo, destaca-se a promoção da compreensão da construção identitária. 35 Nesse contexto, compreende-se, ainda que de modo incipiente como é fundamental que o ensino de História estabeleça relações entre as identidades individuais, sociais e coletivas, incluindo aquelas que moldam a identidade nacional (BRASIL, 1997). Assim, por exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de História para o segundo ciclo do Ensino Fundamental, no eixo temático "Organizações e Lutas de Grupos Sociais e Étnicos", é sugerido que os alunos explorem as "diferenças e semelhanças entre grupos étnicos e sociais que, no passado, empenharam-se em batalhas por causas políticas, sociais, culturais ou econômicas" (BRASIL, 1997, p. 69). Para Oliva (2009), essas são pequenas aproximações que o PCN faz para o estudo da História da África. Em vários trechos, essas indicações podem ser caracterizadas como abordagens superficiais, insuficientes e pouco específicas sobre esta temática. No entanto, ainda segundo o autor, essas mudanças devem ser valorizadas em seu contexto, já que os objetivos presentes no PCN reforçam a construção do aluno cidadão, valorizando o respeito ao outro, a solidariedade, o repúdio às injustiças, a pluralidade cultural e condenam qualquer forma de discriminação. Para potencializar esse processo, em janeiro de 2003 o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei nº. 10.639, que tornou obrigatória a inclusão do ensino da História da África e da Cultura Afro-Brasileira nos currículos dos estabelecimentos públicos e privados da educação básica. Esta Lei trata-se de uma alteração da Lei 9.394/96, e deve ser compreendia como uma vitória das lutas do movimento negro em prol da educação (GOMES, 2008). Desta forma, desde 2003, a LDB passou a vigorar com a seguinte alteração: Art. 26-A - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro- brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira (BRASIL, 2003). A Lei 10.639/03 também introduziu na LDB o artigo 79-B, que estabelece que "o calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como o ‘Dia Nacional da Consciência Negra’" (BRASIL, 2003). Segundo Oliva (2009, p. 154), os conteúdos 36 relacionados aos estudos africanos, que até então eram abordados de forma limitada, passaram por uma transformaçãosignificativa com a promulgação da Lei Federal que alterou a Lei 9394/1996 e, especialmente, com o parecer emitido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) (CNE/CP 03, 2004, de 10.03.2004), que posteriormente se converteu na resolução 1, de 17 de junho de 2004. No ano de 2004, ocorreu a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais no Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana (DCN), a qual foi fruto da aprovação do parecer redigido pela conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves Silva e posteriormente transformado em resolução na mesma data do parecer mencionado anteriormente. Os autores dessas diretrizes enfatizam que a obrigação de incluir a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos escolares da Educação Básica é uma decisão política com profundas implicações pedagógicas (MORAES, ROSA, LOBATO, 2020). Para efetivar a implementação da Lei 10.639/03 no contexto pedagógico, é crucial compreender que o Art. 26-A, inserido na Lei 9.394/1996, transcende a mera inclusão de novos conteúdos. Ele demanda uma reavaliação das relações étnico- raciais, sociais e pedagógicas, além de uma reflexão sobre os métodos de ensino e as condições proporcionadas para a aprendizagem. Por meio dessa ação, reconhece- se que o objetivo vai além de assegurar vagas nas escolas para a população negra, abrangendo a necessidade de conferir uma devida valorização à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a fim de corrigir as injustiças sofridas ao longo de cinco séculos (BRASIL, 2004) Além disso, é crucial destacar que o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana não visa substituir um foco etnocêntrico predominantemente eurocêntrico por uma perspectiva unicamente africana. Em vez disso, o propósito é expandir o enfoque dos currículos escolares para abarcar a riqueza da diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira como um todo. Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana oferecem diretrizes para instituições e sistemas educacionais de todos os níveis, incluindo o Ensino Fundamental. Isso abrange a necessidade de fornecer materiais didáticos que registrem a "História não contada" dos brasileiros negros, incluindo a história das comunidades remanescentes de quilombos, bem como territórios urbanos e rurais de ascendência negra (BRASIL, 2004, p.23). 37 Para concretizar essa abordagem educacional conforme preconizado pela Lei 10.639/03, é essencial empreender uma série de ações. Uma delas consiste na produção de livros e materiais didáticos, abrangendo diversos níveis e modalidades de ensino, que estejam em consonância com as diretrizes delineadas nesse contexto. Isso implica em aderir ao teor do Art. 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), assegurando a exploração da riqueza da pluralidade cultural e da diversidade étnico-racial que caracteriza a nação brasileira. Além disso, esses materiais devem empreender esforços para retificar distorções e equívocos presentes em obras já publicadas que abordam a história, cultura e identidade dos afrodescendentes. Tais correções devem ser efetuadas sob a orientação e supervisão dos programas de disseminação de recursos educacionais do Ministério da Educação (MEC), notadamente o Programa Nacional do Livro Didático e o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE) (c.f BRASIL, 2004, p. 25). Esta ação conjunta visa promover uma narrativa mais fiel e inclusiva da história do país, em prol da construção de uma consciência crítica e culturalmente diversificada. 7 CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA A história da descoberta e exploração das terras brasileiras pelos portugueses inscreveu-se no âmbito da expansão europeia, através das grandes navegações, iniciadas no século XV pelos reinos de Portugal e Espanha. Em geral, esses países buscavam expandir seu território conquistando novos mercados consumidores, saqueando recursos naturais de outros contingentes e eliminando outros povos, especialmente aqueles que resistem ao processo de conquista e colonização. Esse processo colocou em embate visões de mundo e culturas que não podiam jamais conviver de modo amigável e empático, pois o modelo de exploração utilizado pelos europeus revelava um padrão de comportamento pautado pela ideia de que a cultura europeia deveria se sobrepor a qualquer outra cultura existente, entendidas como inferiores, especialmente porque não se tratavam de culturas cristãs. Assim, aqueles que não se adequassem a colonização e aos princípios de ‘existência’ dos colonizadores acabavam por ser destituídos de sua vida, terra e sua cultura. Isso mostra a violência que existe em todo processo de colonização. Em essência, colonizar significa a eliminação do outro, seja física, simbólica ou cultural. 38 No entanto, apesar disso, os povos colonizados e escravos (africanos e ameríndios) conseguiram resistir e se tornam alicerces culturais e sociais da construção da sociedade e da cultura brasileira, ainda que pouco reconhecidos pela sua importância na formação da nossa cultura. Eles são o exemplo de como o ser humano implementa um modelo comportamental denominado de "arte de fazer". O conceito de "arte do fazer" se refere à habilidade das pessoas em criar estratégias e táticas para resistir às normas e regras impostas pelo modelo dominante, seja ele político, econômico ou cultural. Essa arte do fazer envolve a modificação de códigos e objetos existentes para atender às necessidades e desejos dos indivíduos, permitindo-lhes sobreviver e resistir em um mundo que muitas vezes é hostil e opressivo. O pensador francês Michel de Certeau (1925-1986), em seu livro "A invenção do cotidiano: artes de fazer", destaca a importância da "arte do fazer" na persistência de características culturais africanas e indígenas na cultura brasileira, uma vez que esses grupos foram submetidos à opressão e marginalização durante a colonização e a escravidão. Através da criação de novas práticas e estratégias, essas culturas conseguiram sobreviver e resistir, mantendo sua identidade e sua herança cultural. Entende-se, assim, que fugindo das normas e regras imposta pelo modelo dominante, pessoas geram em suas vidas diárias diversas e criativas "táticas" de resistência e sobrevivência, ou seja, transformam o mundo simbólico e o imaginário social, atuando sobre códigos e objetos em favor de uma ‘identidade’ que possa se constituir a partir de sua diferença. Este termo é muito importante para entermos entender como aconteceu a persistência de características culturais africana e índigenas na cultura brasileira (CERTEAU, 2009). No contexto da colonização portuguesa no Brasil, os povos originários e africanos foram forçados a se adaptar à nova realidade imposta pelos colonizadores. Eles precisaram desenvolver estratégias para resistir à exploração de suas terras e recursos naturais, bem como para preservar suas culturas e tradições frente à imposição cultural europeia. Um exemplo de arte de fazer dos povos originários brasileiros é a prática da agricultura itinerante, também conhecida como roça de coivara. Nessa técnica, a terra é cultivada durante um período determinado e, depois, deixada em descanso por alguns anos para recuperar sua fertilidade. Essa prática permitia que as comunidades indígenas se deslocassem com frequência, evitando assim a fixação em um único 39 local e dificultando a ação dos colonizadores que tentavam impor sua presença e controle sobre o território. Outra forma de resistência dos povos originários foi a preservação de suas crenças e tradições, mesmo diante da imposição do cristianismo pelos colonizadores. Muitas comunidades indígenas mesclaram elementos do catolicismo com suas próprias crenças, criando assim umsincretismo religioso que lhes permitia manter suas práticas culturais e espirituais. No caso dos africanos escravizados, uma das artes de fazer mais conhecidas foi a capoeira. Essa arte marcial, que combinava elementos de luta, dança e música, era uma forma de resistência à opressão dos colonizadores e dos senhores de escravos. Os escravos praticavam a capoeira secretamente, muitas vezes disfarçando-a como uma dança ou ritual religioso, para evitar a punição por parte dos colonizadores. Além disso, os africanos escravizados também preservaram suas tradições culturais por meio da música, dança e culinária. Essas práticas eram formas de manter a identidade e a conexão com suas raízes africanas, mesmo diante da brutalidade da escravidão. Em suma, os povos originários brasileiros e africanos resistiram à colonização portuguesa por meio de estratégias de resistência e sobrevivência que envolviam práticas cotidianas, culturais e religiosas. Essas artes de fazer foram fundamentais para preservar a identidade e a autonomia desses povos diante da imposição do modelo dominante. Indígenas e negros na literatura brasileira. Há representações de indígenas e afrodescendentes na literatura brasileira que expõe muito mais a visão do autor do que necessariamente o que ele quer retratar, ou seja, não podem ser tomadas como uma visão autêntica da existência dos indígenas e dos afrodescendentes, mas são modos pelos quais eles são representados em nossa cultura, da qual são alicerces fundamentais. Tais obras ganham notoriedade por meio de dois aspectos que se relacionam entre si. O primeiro é o alcance dos leitores a serem atingidos pelas páginas dos romances, tendo mais facilidade para o leitor conhecer uma obra de ficção do que uma obra acadêmica. O segundo é que, não obstante, sejam obras de ficção, 40 compartilham a semelhança com a realidade tornando possível analisar concretamente os fenômenos que descreve e expressa através da ficção. Finalmente, em certa medida, tais obras iluminam a sociedade em que são inseridas, explanando os medos, ansiedades e pensamentos de um período. Segundo Certeau (2009, p. 21): As obras de ficção, ao menos alguma delas, e a memória, seja ela coletiva ou individual, também conferem uma presença ao passado, às vezes ou amiúde mais poderosa do que a que estabelecem os livros de história [...] Essas obras tornam possível imaginar e refletir o quanto foi difícil a vida dos indígenas e negros naquela época, o que eles sofreram com estas represálias; logo, é necessário a introdução do combate as diversas formas de racismo nas escolas que deve considerar o perfil e a história dos povos e seus respectivos grupos em visita ao ambiente escolar. Para que este processo seja implementado de forma eficiente, a escola deve ampliar a definição de currículo, avaliação e material didático e formas de ação entre professores e alunos. Em geral, o foco está no debate sobre o preconceito racial e como combatê-lo apenas em 19 de abril para a população indígena e em 20 de novembro dia da consciência negra. Esses marcos simbólicos, se não devidamente relatados, podem ser usados para demostrar estereótipos e amplificar opiniões péssimas sobre a população, transformando a escola em um local fútil para determinados agrupamentos e a anulação de sua função social que permite o acesso a direitos e autonomia das pessoas. Ao verificar as ações dos movimentos da sociedade que visam por uma sociedade mais justa e igualitária, observar-se que a legislação avançou, possibilitando a materialização de um aparato legal capaz de reduzir e prevenir a prática do racismo no país. No entanto, o trabalho contra o racismo deve superar o aspecto apenas jurídico, por isso a escola é tão importante. É preciso que seja descrito e enfatizado, via processos pedagógicos, que no decorrer da trajetória brasileira, os afrodescendentes e nativos americanos criaram várias táticas para driblar a ordem atual e realizam suas multiculturalidades, resistindo a política de destituição cultural e violência dos colonizadores. Esses truques se materializaram em diferentes aspectos do cotidiano dessas pessoas, também na área religiosa, com a geração de associações religiosas negras e pardas nas quais orixás e divindades africanas foram aceitas no culto dos santos católicos. 41 Na área da cultura, enfatiza-se a capoeira, mistura de luta e dança, previamente vedada e depois declarada patrimônio histórico, cultural nacional. No reino do sagrado, as religiões afro-brasileiras se incorporaram como práticas de crença. Nesse contexto, as irmandades negras, associado ao catolicismo; umbanda integrada ao espiritismo; ou candomblé; o culto dos orixás; tambor de mina (Maranhão); e o culto congo-angola (Rio de Janeiro e Bahia). A linguagem do vocabulário, que suavizou o português europeu e desenvolveu uma nova língua para se ter uma melhor compreensão. Panoramas do comportamento africano foram introduzidos no Brasil por meio da aquisição de diferentes indumentárias impregnadas de herança, memória e resistência étnica e culturais. Interação racial e cultural no Brasil era tão profunda que surgiram também reverências afro-indígenas, como: candomblés de caboclo (Bahia), jurema (Paraíba e Pernambuco), barba-soeira (Amazonas e Pará) e terecô (Maranhão), popularmente conhecida como catimbó, macumba e canjerê. As festas dos reis negros, também chamadas sarau do rosário, são exposições da cultura que implicam a forte presença do ritual africano no Brasil. Essas manifestações culturais têm origem nas divindades religiosas de escravos, em fraternidade de ato de fé, escolhiam um rei que era popular pelos inseridos na irmandade e tinha sua liderança reconhecida até mesmo pelos colonizadores, apresentando como a vida social perante a escravidão era complexa. Esses conceitos aqui no Brasil alteraram consoante o lugar de origem, mas possuem simetrias entre si. Lutas pela apropriação e manutenção do território, seja por comunidades tradicionais indígenas ou remanescentes de quilombos, externam a disputa para aquisição à posse no Brasil limitado a restritos grupos com capital necessário e que havia herdado a propriedade das terras dos antigos donos da região. Todos esses temas ilustram a luta pela sobrevivência dos negros e indígenas no Brasil contemporâneo, onde a resistência dos índios e negros não cessou, porque ainda extremamente necessário em contexto onde ainda são tratados de modo não igualitária e muitas vezes violento; não ficou somente no passado a luta desses grupos, ainda está em evidência e permanecendo no que é hoje o Brasil atual, enquanto há uma sociedade racista tentando eliminar pessoas que pensam e 42 comportam-se de maneira distinta, faz com que a luta contra o racismo seja de forma continuada. Combate ao preconceito e proteção das minorias. Atualmente, há um interesse crescente por temas de ambiente multicultural; ou seja, abordagens sobre identidade, distinção e direitos das minorias. Temos ciência que as minorias são agrupamentos humanos ou sociais que se apresentam em situação de inferioridade ou submissão em consonância a outro, sendo majoritário ou dominante. Os movimento afro-brasileiro e indígenas são movimentos de características e cultura que são intercambiáveis aos seus integrantes, um perfil que privilegia os fatores étnico-raciais. As minorias são consideradas um grupo não dominante de seres que comungam certas características de nacionalidade, étnicas, religiosas ou linguísticas. A Constituição Federal de 1988 atesta e almeja a busca pela consolidação de um Estado Democrático de Direito, cujo fundamento é a dignidade do ser humano, possibilitada pelos mecanismos de inovados direitos antes ignorados ou não constitucionalizados (BRASIL, 1988). O termo dignidade humana, embora polissêmico, trata deum atributonatural de cada pessoa, intransferível e irrevogável de estar em processo de construção e desenvolvimento em andamento. A autoestima denota como expressão da autonomia da pessoa e do Estado, especialmente quando enfraquecido ou quando não é capaz de se autodeterminar (SARLET, 2008). A dignidade do ser humano, destaca-se na Constituição o princípio da isonomia, que trata da oposição de discriminação na admissão de empregados, da diferença salarial, o dever do estado de garantir o direito a educação, inclusive para pessoas com deficiência. O direito à igualdade permeia outros direitos como a própria liberdade. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) deu ênfase e voz aos movimentos sociais e minorias que vieram (e continuam) por muito tempo tratados de maneira diferenciada por parte da sociedade e do Poder Público. Portanto, um debate com consequências jurídicas e com a obrigação do Estado de se posicionar de forma distinta, também no,que diz respeito ao ordenamento jurídico. Foi de lutas e manifestações que esse quadro tomou forma, principalmente com as reivindicações de movimentos de identidade e culturais na década de 1990. 43 Os povos indígenas têm conhecimento sobre a natureza, sobre as florestas, desenvolvem e socializar no habitat natural e ter uma relação com a terra que não implica a ideia de posse. Sobre o movimento indígena no Brasil, não podemos esquecer as distinções que ocorrem entre ele e o movimento de povos indígenas de outros países latino-americanos. No Brasil, historicamente, a grande parte do povo indígena foi exterminada ou aprisionada em locais desertos. O serviço bruto sempre foi executado pelos pardos e negros. Segundo Oliven (2001, p. 5) Nesse sentido, a partir da segunda parte do modernismo (1924 em diante), o ataque ao passadismo é substituído pela ênfase na elaboração de uma cultura nacional, ocorrendo uma redescoberta do Brasil pelos brasileiros. Apesar de um certo bairrismo paulista, os modernistas recusavam o regionalismo, pois acreditavam que era através do nacionalismo que se chegaria ao universal. Assim, para os modernistas, a operação que possibilita o acesso ao universal passa pela afirmação da brasilidade. Em muitas nações latino-americanas que não obtinham escravidão de origem africana, em sua maioria era composta por índios ou descendentes, os quais eram pobres dos vilarejos e cidades A organização dos negros tem tendência a expandir no Brasil, a adesão da sociedade à necessidade de políticas singulares voltadas parao combate a discriminação e a desigualdade. Os protestos para expansão de cotas ainda são muito evidentes. A proposta de Estatuto da Igualdade Racial estabelece cotas de ingresso no serviço público para negros que desenvolvem sua produção cultural e participação na mídia. Na educação, cabe destacar que em São Paulo foi fundada a primeira universidade para afrodescendentes: a Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, além de uma rede de exames de acesso à comunidade. Todavia, sugestões para melhorar a ação positiva e os critérios sociais e não raciais foram defendidos para não inserir outro tipo de discriminação oficial, visando corrigir as distorções existentes na estrutura de nível socioeconômico do país, um suporte que impossibilita que os mais pobres tenham acesso ao ensino superior e/ou a uma boa formação que lhes permita desenvolver-se profissionalmente. São questões polêmicas, como a existência de ou não da concepção de raça e racismo no Brasil. É necessário mudar a cultura e a ideia dos brasileiros sobre os negros e mestiços. Não é só deletar os crimes cometidos no passado de escravidão, deve-se discutir uma dinâmica sobre a gravidade do fato e procurar alternativas para que os erros cometidos anteriormente não sejam repetidos na atualidade e nem no futuro. A igualdade é um direito de fato: o direito de não ser discriminado. 44 Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o censo de 2010 registra que os pretos e pardos, que representam 50,7% da população brasileira, há um predomínio na questão de desigualdades sociais. O censo mostra que 70% dos 16,2 milhões das pessoas na extrema pobreza em 2010 eram pretos e pardos; também relata que negros continuam ganhando menos que os brancos, e amarelos ganham 2, vezes mais que os mesmos. A discrepância permanece entre os analfabetos: 13% dos negros de 15 anos ou mais eram analfabetos em 2010. No Brasil, ainda existe a prática de se excluirsujeito através da corda pele ou raça e atribuir valores pejorativos a indivíduos de determinada etnia. Esse processo de vergonha e poder é chamado de racismo. Multiculturalismo indígena e afro-brasileiro Diferentes aspectos precisam ser retratados no Brasil quando se refere a identidade cultural. Há a ideia de que nossa cultura é uma união entre indígenas, africanos e europeus. Há o problema de que cada região do país tem um clima diversificado que faz toda a diferença na recepção dos imigrantes europeus tendia a seguir para o sul em busca de um clima semelhante ao de sua terra natal. A proximidade com outras nações latinas ou com o oceano também é um fator que ocasiona diferenças culturais. Inclusive, os cenários de fauna e flora são extremos e diversos em todo o país. Outro agravante em destaque é a diferença entre as grandes cidade e o interior, essa diferença também pode existir em uma região, bastante formidável em modos de vida e suas rotinas. Dada a existência de tantas variáveis, isso é dificultado em aceitar que seria plausível elaborar uma única arquitetura. Mudanças climáticas, por exemplo, criam situações arquitetônicas completamente distintas. O vínculo com o contexto também pode influenciar fortemente o processo da inovação. As referências históricas e culturais às diferentes origens acabam produzindo contextos diversificados. No Brasil coexistem vários códigos de conduta. Seja assim, o território tem um costume que precisa ser observado considerando contradições e seus paradoxos para considerar os impasses de uma sociedade relacional. Neste contexto de várias realidades, os estudos étnicos sobre organizações ganham grande relevância ao 45 contribuir para compreender as semelhanças e as dicotomias detectadas em graus nacionais e regionais. O Brasil possui atributos culturais claros e nítidos que afetam as composições e assim integram uma cultura organizacional com padrões específicos pertencentes a todas as regiões. Esses aspectos integram componentes como: o autoritarismo, os atalhos (o chamado “jeitinho brasileiro”) e paternalismo. No entanto, existem diferenças quando compararam regiões ou aglomerações com diferentes níveis de educação formal. A ambiguidade é uma particularidade fundamental na cultura organizacional. As exposições da cultura são consideradas diversas, e seus conceitos abertos requerem múltiplas interpretações. Perante, o choque cultural é constituído por complexidades, diversidades e correntes contínuas e em constante transformação, sendo ambíguo. Nessa explanação, o Brasil é um local complexo com extensas dimensões, as culturas regionais impõem sua indefinição e multiplicidade para que a sociedade do país e sua cultura possam ser definido como unitárias (PARO; GEROLAMO, 2017). Por essas peculiaridades, os estabelecimentos brasileiros se direcionaram uma forma de organização ordenada verticalizada, ou seja, os vereditos são comunicados na escalonada de cima para baixo. Com exceção do chefe, todos são subordinados alguém, e decisões importantes são tomadas em níveis hierárquicos. Desta forma, ao realizar negócios com uma firma brasileira, é importante entender a estrutura, pois ajuda você a tomar decisões de negócios eficientes e eficazes (PARO; GEROLAMO, 2017). Tecnologias e mercados também contornam a cultura organizacional epreferências culturais dos coordenadores e subordinados. Além disso, a cultura organizacional tem forte influência sobre as interpretações e avaliações das pessoas nas composições. Os valores culturais têm ênfase para a convicção interpessoal, trabalho em conjunto e a função da mulher no ambiente de trabalho (JORDÃO; SOUZA; AVELAR, 2014). Embora seja o Brasil um país muito mestiço, os descendentes indígenas e negros enfrentam severas proibições no acesso à educação e, consequentemente, ao mercado de trabalho. Os autores também enfatizam que isso não pode explicar a pluralidade e multiplicidade brasileira e de suas organizações por parâmetros de causa e efeito ou descrições gráficas simples. Isto acontece porque muitas vezes as 46 instituições brasileiras têm funcionários de diversas regiões e classes sociais, com distintas formações culturais, religiosos e sociais. Nesta circunstância, faça um estudo organizacional considerando toda essa variedade e, simultaneamente, reivindicações de todos os brasileiros, muitas vezes sendo desafiador e complexo (SILVEIRA e CRUBELATTE, 2007). 8 POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS Fonte: https://bit.ly/3LZdM4E Durante o século XIX, houve muitas análises isoladas sobre a ação do governo. Foi nesse período que os estudos foram conduzidos de forma mais sistemática e organizada, dando origem ao campo de conhecimento das políticas públicas como disciplina universitária. Esse campo de estudo surgiu nos Estados Unidos, com foco na ação governamental e relacionand-se com os fundamentos teóricos do papel do Estado, e na Europa, com o objetivo de oferecer uma teoria explicativa sobre a função do poder público. Segundo esses estudos, percebeu-se que as estratégias de governo não são limitadas ao estado porque sofre interferências de outras parcelas da sociedade, ainda que haja perspectivas de defesa da autonomia ou de controle absoluto, conforme as formas de regime político. A análise das políticas públicas como campo do conhecimento inclui peculiaridades, pois é uma atividade social que abrange um 47 amplo espectro de atores e uma atividade intelectual, que busca resolver problemas conceituais e empíricos, apresentando-se como uma importante atividade de pesquisa, em contextos sociais, políticos e econômicos bem definidos. É importante entender que a análise política afeta as decisões que movem a vida e o bem-estar de muitos cidadãos, constituindo-se enquanto uma atividade coletiva onde profissionais e especialistas de diferentes áreas e de diferentes formações são envolvidos, orientada por um conjunto amplo de interesses (econômicos e políticos). Alguns conceitos, são frequentemente citados pela comunidade acadêmica que está preocupada com as questões sociais que dão poder à mídia (RUBIM, 2001). Na sociedade em rede, o poder da comunicação é central, inclusa a disputa política, principalmente por sua capacidade de produzir sentidos e significados. Desta forma, pode-se entender que as políticas públicas devem aderir, em princípio, dois objetivos principais: resolver problemas sociais; e ser uma ferramenta de controle popular, tentando alcançar esses propósitos em um mundo globalizado. Nesse contexto, a mídia e as redes sociais nos dão a conhecer e analisar os elementos e atores que interagem no processo de formulação da política pública, bem como as relações que decorrem dessa interação, disseminando informações relevantes para o planejamento e a execução de estratégias para fortalecer a participação e a ação coletiva, entre os vários agentes envolvidos o qual oferece uma perspectiva útil para entender como estruturas sociais e padrões de vínculos que pode influenciar o processo e, por sua vez, controlar os resultados alcançados. A importância das medidas acima apresentadas reside no fato de que segue a demanda de reinterpretar o conceito de justiça social. Partindo de um conceito universalista e baseada no princípio da meritocracia, podemos determinar que justiça significa tratar todos igualmente. Entendemos que a realidade do país é constituída por uma série de desigualdades resultantes de um processo histórico específico. A adoção desse princípio faz com que as desigualdades existentes sejam reproduzidas. Para aprofundar os aspectos conceituais do nosso estudo podemos tomar como exemplo a questão das políticas públicas no âmbito das cidades, apesar de precárias e distantes do arcabouço legal, atualmente sempre houve alguma forma de regulação urbana nas vilas e cidades brasileiras desde a sua criação. Em geral, havia dois tipos de tais normas: leis portuguesas que se aplicavam indiscriminadamente também nos territórios coloniais (ordenações, Afonsina de 1446 e Manuelinas de 48 1521) e códigos de posturas municipais. Essas regras foram abolidas e corrigidas logo após a construção da prefeitura. Essas normas possuem limites para comportamento, ocupação e uso do local, tanto a casas privadas quanto o uso do espaço público (ROLNIK, 2003). Durante o século XX existiram, a grosso modo, várias normatizações urbanas que surgiram independentemente uns dos outros. O caráter das legislações e intervenções urbanas, nos grandes centros do país, era sanitarista ou higienista, pois regulamentações destinadas a sanar a precariedade habitacional que eram consideradas fontes de doenças, além de abrir ruas e avenidas para melhorarem o trânsito e a exposição solar das ruas estreitas. Durante esse período novas cidades foram construídas e grandes intervenções urbanas foram inspiradas nas reformas de Haussmann, Paris, 1850. Ações nas grandes cidades estiveram associados à modernização da vida urbana, sendo organizadas por um sistema de circulação radial, com grandes avenidas arborizadas, uma rede de praças e parques e iluminação pública. Todavia, leis e planos foram então considerados um "embelezamento" e modernização das áreas nobres, fortemente ligadas à expulsão da população mais pobre de áreas centrais sem serviços habitacionais adequados (ROLNIK, 2003). Com o passar dos anos foi havendo um crescimento desordenado dos grandes centros (surgimento de favelas, periferias) devido as extensas migrações vindas de vários lugares. As raças menos favorecidas sofrem com as consequências desde o período colonia até o início do período democrático. Foi necessária uma nova constituição, promulgada em 1988. A Constituição de 1988 difere das anteriores pela ampla participação de diversos setores da sociedade em sua estrutura. Dela vem no século XXI o Brasil agora tem uma lei avançada. Esta fase das leis funciona hierarquicamente, partindo das normas mais amplas que se aplicam como princípios de planejamento para todo o território nacional, até projeto urbanístico para uma área específica da cidade, o qual podem ser implantadas politicas públicas. As políticas públicas são um conjunto de programas e ações destinadas a atingir esses direitos estabelecidos pela Constituição. Esses programas são realizados nos três níveis da administração pública: federal, estadual e municipal, com a participação direta ou indireta da sociedade. Para cidades asseguram que o espaço urbano atenda aos ideais sociedade que postula a Constituição Federal de 1988, por exemplo, moradia digna é um direito constitucional. 49 As medidas a serem tomadas para assegurar que todos os brasileiros vivam com dignidade, como demarcação áreas de interesse social no plano diretor ou plano municipal da habitação, que são documentos que visam definir soluções e objetivos a serem concluídos, corrigindo o déficit habitacional, fazendo com que diversas etnias tenham acesso (negros, indígenas, dentre outras). Com essas inserções abre opções para estas etnias em várias áreas profissionais. 8.1 Atuação do Profissional em diversas áreas O profissional que atua na área de gestão enfrenta muitos desafios,como o distanciamento do Estado na implementação de políticas, a escassez de recursos e mão de obra, bem como o declínio dos serviços disponibilizados à população. Nesse sentido, é essencial que o profissional baseie sua atuação no conhecimento e no planejamento que orientem sua prática profissional, indo além dos limites da implementação de políticas. Para tanto, é fundamental que o profissional aprenda o processo de trabalho e as técnicas de gestão, a fim de evitar práticas imediatistas, minimalistas e conservadoras, que pouco contribuem para o desempenho qualificador do serviço prestado. A atuação dos assistentes sociais na gestão da política social requer a demanda de ter clareza sobre os valores que norteiam a profissão e uma contribuição teórico-metódica para o seu desenvolvimento e conhecimento a respeito da política em que está introduzida, é importante que o assistente social não só se reconheça como profissional, na prática, como também se aprimora muitas vezes a dinâmica exigida que seu campo de trabalho e as condições gerais trazem consigo o qual não preferem discussões teóricas para poderem questionar sua prática profissional de forma crítica, ética e contínua. Todavia, os autores apontam outros temas que permeiam esta prática profissional e influenciar o desenvolvimento da prática profissional em políticas sociais, como autonomia e identidade profissional. Quanto sobre a autonomia, destacam que em virtude da condição de assistente social como empregado em regime assalariado, a direção de seu trabalho e, como resultado, a realização do seu projeto profissional pode restringir-se o qual aumenta a distância frequentemente percebida entre teoria e prática, mostram que esses profissionais têm que ter cuidado para que a vida cotidiana não se transforme suas ações em rotinas, burocracia e prescritivas, visto que o Estado está empenhado em 50 ampliar o direito à proteção social através das políticassociais integrais, com financiamento e recursos humanos suficientes, essa perspectiva, foi revisada segundo a lógica de redução de custos e expansão do trabalho de serviços sociais (Mioto e Nogueira, 2013). De acordo com Mioto e Nogueira (2013), compreender a particularização do objeto de intervenção nos diferentes contextos da política social é essencial para o campo das políticas sociais, permitindo uma interlocução efetiva entre os gestores das políticas e serviços sociais, outros profissionais e o Serviço Social. Isso também é importante para evitar análises unilaterais que possam bloquear a compreensão e a intervenção adequada nas políticas sociais. Os autores ainda destacam que, mesmo em condições objetivas específicas, o assistente social tem a capacidade de exercer sua relativa autonomia teórica, política, ética e técnica. Isso significa que o profissional tem a capacidade de realizar intervenções que levem em conta as especificidades e complexidades dos contextos sociais, sem deixar de lado os fundamentos éticos e teóricos que orientam a profissão. Nesse sentido, é fundamental que os assistentes sociais estejam preparados para atuar de forma crítica e reflexiva, buscando compreender as matrizes teóricas e políticas que orientam as diferentes práticas incidentes nos contextos das políticas sociais. Dessa forma, será possível desenvolver intervenções mais efetivas e comprometidas com a promoção da justiça social e da equidade. 8.2 Desigualdades sociais, ações e políticas de combate A sociedade civil é um espaço de confronto político e ideológico, onde se discutem projetos de classe. É um local de lutas, conflitos e contradições, e não é homogêneo. As lutas que surgem dentro desse sistema não são necessariamente dirigidas contra o Estado, mas são lutas declaradas por diversos projetos societários. Na sociedade civil, o capital e o trabalho são os protagonistas na luta pelos interesses das classes. Correa (2004), baseando-se nas análises de Gramsci, desvenda o mecanismo que fundamenta o controle social capitalista ao longo da história, especialmente no movimento sanitário. Gramsci argumenta que a sociedade civil e a sociedade política formam o conceito de Estado. No entanto, Coutinho (2000) define sociedade civil como tudo aquilo que se opõe ao Estado da ditadura, causando uma separação entre 51 o Poder Público e a sociedade civil. Essa visão dicotômica pode instigar o abismo que nasce das relações de ação educativa do assistente social nos aspectos de saúde contraditória e antagônicas da sociedade capitalista. Nesse contexto, as ações afirmativas são políticas públicas que visam corrigir desigualdades históricas e promover a inclusão social de grupos que foram historicamente marginalizados e discriminados, como negros, mulheres, pessoas com deficiência, entre outros. Essas políticas são importantes na sociedade civil, pois possibilitam uma maior igualdade de oportunidades para esses grupos, garantindo a efetivação de seus direitos. O papel do assistente social é fundamental na implementação e acompanhamento dessas políticas, pois ele é o profissional responsável por atuar nas demandas sociais e defender os direitos humanos e a justiça social. O assistente social deve estar atento às desigualdades e discriminações existentes na sociedade, buscando formas de promover a equidade e garantir que as políticas públicas cheguem a todos que delas necessitam. No contexto da saúde, por exemplo, o assistente social pode atuar na promoção da saúde da população negra, que historicamente sofre com o racismo institucional e o acesso desigual aos serviços de saúde. Através de ações afirmativas, como a implementação de cotas para profissionais de saúde negros nas instituições públicas, o assistente social pode contribuir para a inclusão desses profissionais e, consequentemente, para a promoção de uma saúde mais equitativa para a população negra. É importante ressaltar que as políticas de ações afirmativas são uma forma de reparação histórica e, portanto, não devem ser vistas como privilégios, mas sim como uma forma de garantir a justiça social e a igualdade de oportunidades. O papel do assistente social é fundamental na luta contra a desigualdade e na promoção da justiça social, através da implementação e acompanhamento dessas políticas em diferentes áreas. Nesse sentido, é importante também considera o contexto em que tais políticas se tornaram necessárias. Podemos fazer isso considerando que existem diversas leituras e experiências de interpretação da questão racial no Brasil. Podemos destacar pelo menos três leituras: a interpretação afro-brasileira, a análise histórica e o aspecto sociológico. A interpretação afro-brasileira, fundada por Nina Rodrigues, enfoca as contribuições dos africanos escravizados e suas descendências na cultura brasileira. 52 A análise histórica examina como os afrodescendentes são recebidos como parte da cultura brasileira, cujo principal representante seria Gilberto Freyre. O aspecto sociológico trata da interpretação das relações entre negros e brancos na sociedade brasileira (NOGUEIRA, 2007). Anteriormente, havia ainda uma tendência a romantizar e enfatizar a presença do negro na sociedade e na história brasileira, realçando as cores que trazem sua cultura, sua música, sua culinária. No entanto, essas perspectivas, apesar de sua importância história, ainda não refletiam sobre o fato de que as políticas de ação afirmativa precisam ser aplicadas porque os negros nunca foram convidados a povoar as terras brasileiras, mas foram forçados pela escravidão. Nenhuma menção foi feita ao nível de violência e segregação econômica no período pré e pós-abolição. Por isso, é essencial entender o contexto social em que vive um país para compreender a necessidade das políticas de ações afirmativas, que buscam combater as desigualdades sociais. Observar uma açãopositiva sem entender previamente o processo histórico que levou a essas políticas pode criar preconceito contra parte da esfera social. A história das ações afirmativas faz parte de um programa que aborda o legado histórico da escravidão e do racismo, buscnado diminuir desigualdades históricas e sociais. Para entender a necessidade das políticas de ações afirmativas, é fundamental compreender o contexto social em que o país está inserido. Infelizmente, muitas vezes as pessoas criam preconceitos contra determinados grupos sociais por não entenderem o processo histórico que justifica essas políticas públicas afirmativas. Por isso, é importante esclarecer e educar a sociedade sobre as razões por trás dessas medidas, a fim de combater a discriminação e promover a igualdade de oportunidades para todos. As políticas afirmativas são um esforço para corrigir as desigualdades históricas enfrentadas por grupos marginalizados na sociedade brasileira, incluindo os afrodescendentes. As políticas afirmativas, como as cotas raciais nas universidades e o sistema de cotas em concursos públicos, foram implementadas para enfrentar as disparidades que existem em relação à educação, emprego e representatividade política para os afrodescendentes. Essas políticas não são apenas baseadas em uma análise histórica ou sociológica, mas também levam em consideração a perspectiva afro-brasileira, reconhecendo as contribuições culturais dos afrodescendentes e a necessidade de justiça social para corrigir as desigualdades históricas. 53 O papel do assistente social no contexto das políticas afirmativas é fundamental. O assistente social é um profissional que trabalha com indivíduos, famílias e comunidades vulneráveis e marginalizadas. Ele atua na implementação de políticas públicas e programas sociais que visam promover a igualdade social e o bem- estar dos cidadãos. No contexto das políticas afirmativas, o assistente social deve estar atento às necessidades específicas das comunidades afrodescendentes, bem como trabalhar em conjunto com outras áreas, como a educação e o emprego, para garantir a efetividade das políticas afirmativas. Além disso, o assistente social deve estar preparado para lidar com a resistência e o preconceito que ainda existem na sociedade brasileira em relação às políticas afirmativas e ao combate às desigualdades raciais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. ASANTE, MolefiKete. An African Origin of Philosophy: Myth or Reality (Uma Origem Africana da filosofia: mito ou realidade? Press. Trad. Marcos Carvalho Lopes. Capoeira – Revista de Humanidade e Letras, v. 1, número 1, 2014, p. 117. ASSANTE, M. K. Afrocentricity. Africa: World Press, 2016. 54 BAPTISTA, M. V. Planejamento: introdução à metodologia do planejamento social. 4. ed. São Paulo: Editora Moraes, 1998. BERTOLLO, K. Planejamento em serviço social: tensões e desafios no exercício profissional. Temporalis, v. 16, n. 31, 2016. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. 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