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Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 1 Resumo Teoria Geral do Processo – Prof Eduardo Scarparo Aluno: Rached da Silva Centeno PÁG 2 Evolução histórica do processo 1 5 Jurisdição 2 12 Ação 3 23 Defesa do réu 4 27 Teoria da cognição 5 30 Natureza do processo 6 32 Pressupostos e requisitos do processo 7 35 Direitos fundamentais do processo 8 Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 2 TEORIA GERAL DO PROCESSO 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL 1.1 PROCESSO ROMANO No período histórico arcaico de Roma, ou ainda, nas fases políticas Monarquia e início da República, o processo romano era caracterizado pelo extremo formalismo processual. O processo estava, quanto à responsabilidade de condução, bipartido entre o Pretor, quem autorizada o início do processo, e o Iudex, responsável pelo julgamento. Outra característica marcante desse período, denominado ações da lei, é a oralidade do processo. Com a expansão de Roma, entre a república e o império, ocorreu a impossibilidade de continuar com o formalismo exagerado no processo, visto que os povos conquistados, que eram submetidos à cultura romana, não se adaptavam ao modo complexo de resolver os litígios, marcando a segunda fase do processo romano – o Processo formulário. Verificou-se, então, a necessidade da criação de um método mais flexível para resolução dos litígios. Em cada território que Roma conquistava, era designado um Pretor responsável pela organização da jurisdição local e estabelecimento dos éditos. A seu cargo estava também a designação de um cidadão romano responsável pelos julgamentos, o Iudex. Este recebia do Pretor uma espécie de “manual” contendo o procedimento que deveria seguir para resolução das demandas. Diversas vezes não havia norma prevista nos éditos que regulassem determinados casos. Diante dessa situação, o próprio Pretor dava a solução que achava mais justa, conforme achasse mais conveniente. Em decorrência dessa nova possibilidade de resolução, mais rápida e eficiente, o número de demandas aumentou drasticamente, assim como o número de normas criadas aleatoriamente pelo Pretor. Esse modo de resolução jurisdicional é denominado de “interdictus”. No perídio do império, ocorre a concentração do poder nas mãos dos príncipes, inconciliável com o modelo processual descentralizado, a cargo de responsáveis locais. O estado, então, avoca para si o monopólio da jurisdição, criando uma espécie de “codificação”, o édito perpétuo, consolidação dos principais éditos e responsável por uniformizar o direito de modo geral a todo território. O que antes poderia ser considerado como modelo common Law, direito costumeiro, baseado nas decisões judiciais, passa a ser estritamente vinculado à lei, sendo esta sua fonte principal, caracterizando o Civil Law. Nesse contexto, surge a possibilidade da apelação ou recurso das decisões proferidas em primeiro grau. É o período da cognição extraordinária (cognitio extraordinem) Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 3 1.2 FASES METODOLÓGICAS A evolução histórica do direito processual pode ser divida, didaticamente, em quatro fases, sucessivas gradualmente: praxismo, processualismo, instrumentalismo e formalismo-valorativo. A principal diferença entre as três primeiras fases é o tipo de relação entre o direito material e o direito processual, isto é, sua confusão, separação ou relação circular, respectivamente. Na primeira fase, o praxismo, não há distinção entre o direito substantivo e o processo. O processo não é estudado como ramo autônomo, como ciência, logo não possui rigor técnico. Característica marcante desse período é a isonomia do processo, pois a relação entre os todos os sujeitos do processo é de igualdade (autor – juiz – réu). Com os primeiros passos da ciência, o desenvolvimento dos primeiros métodos científicos, ligados, principalmente, à física e à matemática, surge a noção da busca por verdades e por precisão em todos os campos do conhecimento. Nesse período, dois autores destacam-se ao trazerem para o mundo do conhecimento métodos que, sobretudo, tinham como objetivo a busca pela certeza. Descartes, afastando sujeito e objeto do conhecimento, elabora o “discurso do método” (1637), segundo o qual tudo aquilo que pode gerar dúvidas deve ser rejeitado pelo filósofo (em qualquer campo do conhecimento). Pierre de la Rameé elabora o método da hierarquização do conhecimento em níveis, onde deve-se partir do elemento mais abstrato para um menos abstrato e assim sucessivamente, através de subdivisões. Deve-se, portanto, partir do princípio mais abrangente e abstrato para um princípio menos abrangente e mais específico, até que se chegue às regras concretas, estabelecendo uma ramificação do conhecimento. No direito, o juiz é o encarregado de fazer esse encadeamento. Processo Romano Ações da lei Formalismo extremo Oralidade no processo Processo formulário Processo Mais flexível Processo descentralizado Cognição extraordinária Concentração poderes - Príncipes Estado - monopólio jurisdição Possibilidade de recurso Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 4 Mas foi com o autor Oskar von Bülow (1868), através do questionamento sobre a relação entre as partes, diferenciando a relação puramente material – credor x devedor – da relação processual autor – juiz – réu, reconhecendo em cada uma atributos próprios, que o direito processual entra em nova fase, o processualismo. Sua obra “Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias” é considerada a primeira obra científica acerca do direito processual, passando esse a ser considerado como ramo autônomo, extinguindo a confusão, até então existente, entre direito material e processual. Destaca-se o caráter meramente idealizado das normas processuais. Com o passar do tempo, percebeu-se que o direito processual possuía uma função ou finalidade e que a mera idealização (no plano das ideias) não era suficiente. O processo só se justifica se o direito material está sendo realizado (fase do instrumentalismo). Ocorre uma reaproximação do direito material e processual, onde ganha destaque a importância da efetividade das normas processuais na concretização da idealização material. Diz-se “reaproximação”, pois, ao contrário da fase do praxismo, não há confusão entre ambos os ramos, os quais continuam dotados de autonomia, contudo em uma relação circular, onde um fornece para o outro os elementos necessários para que se obtenha, na prática, os resultados almejados. Marcando nova evolução do direito processual, a fase do formalismo-valorativo destaca que o direito processual não é mera técnica, mero instrumento, pois possui valor em si mesmo. Isso significa dizer que é possível estabelecer atributos que caracterizam o processo como “bom” ou “ruim” (valorativo). Como exemplo desses atributos, podemos citar que um processo bom é um processo seguro, célere, democrático e efetivo. As fontes dos valores que o processo deve conter é a constituição, norma máxima do ordenamento jurídico. Contudo, não basta que saber como deve ser um processo ideal, é necessário estabelecer normas que, na prática, serão capazes de efetivar esses valores, ou seja, que tornem realmente o processo seguro, célere, efetivo e democrático (formalismo). Através da ponderação dos valores, é possíveldeterminar e estabelecer a melhor norma (que abarca maior número de valores). Portanto, são caraterísticas do formalismo-valorativo: A) Aproximação do processo com a constituição; B) Carga valorativa das normas processuais; C) Ponderação de valores. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 5 2. JURISDIÇÃO 2.1 Teorias clássicas: Chiovenda x Carnelutti x Allorio Os três juristas elaboram teorias que tentam explicar o que é a jurisdição, qual a sua função e quais suas características/elementos. 2.1.1 Características comuns Como características comuns entre as teorias dos três autores, podemos citar: Busca pela certeza: A decisão jurisdicional deve ser proferida após processo de cognição exauriente, ou seja, depois de aprofundado exame dos diversos elementos que compõem o processo (ex.: provas, alegações, fatos, legislação), eliminando toda e qualquer dúvida que possa prejudicar a certeza de uma decisão justa. É essa “certeza” que justifica a atuação do estado sob a autonomia privada. Base em ideais Liberais: Ambas as teorias citadas demonstram enorme apego à lei como mecanismo de coibir a atuação arbitrária do estado (combate ao absolutismo), FASES DIREITO PROCESSUAL PRAXISMO DIREITO MATERIAL = DIREITO PROCESSUAL DIREITO PROCESSUAL NÃO CIENTÍFICO, SEM RIGOR TÉCNICO PROCESSUALISMO OSKAR BüLOW AUTONOMIA DO DIREITO PROCESSUAL (SEPARAÇÃO) IDEALIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL INSTRUMENTALISMO DIREITO PROCESSUAL NÃO VISTO COMO MERA IDEALIZAÇÃO RELAÇÃO CIRCULAR ENTRE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DIREITO PROCESSUAL COMO INSTRUMENTO DE REALIZAÇÃO DO DIREITO MATERIAL FORMALISMO- VALORATIVO CARGA VALORATIVA DAS NORMAS PROCESSUAIS DIREITO PROCESSUAL POSSUI VALOR EM SI Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 6 considerando a atividade jurisdicional como uma função intelectual de mera aplicação do direito idealizado previamente. Modelo privatista: Pensado para resolver litígios entre privados. Voltado para o direito privado, o que exclui, por exemplo, as relações jurídicas penais. Enquadram-se na fase do Processualismo na história do direito processual, cuja marca principal é a idealização do processo, distanciando-se da aplicação prática. 2.1.2 Chiovenda: A jurisdição busca realizar a declaração da vontade concreta da lei, ou seja, realizar o direito idealizado. Separa, radicalmente, a função legislativa da função judicial, afirmando que há "incompatibilidade psicológica entre a tarefa de legislar e a de atuar a lei". Assevera que a lei possui apenas uma única vontade (unívoca), cabendo ao juiz declará-la e impô-la aos sujeitos. Os juízes não criam o direito, apenas alegam a vontade da lei, já que o dever maior é “afirmar e atuar a vontade da lei que considerarem existente ao caso concreto, dados os fatos que eles julguem disponíveis.” A atividade jurisdicional, para Chiovenda, é uma atividade substitutiva da vontade privada, isto é, substitui direito das partes de agir, uma em relação a outra, pelo direito de exigir uma atuação estatal imparcial. Nas palavras do próprio autor, “pode-se definir a jurisdição como a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente efetiva". Juiz apenas declara a vontade da lei, não cria o direito. A lei possui apenas uma vontade. (unívoca) Substitutividade: O estado substitui a vontade das partes na resolução da lide. Cabe ressaltar as características já mencionadas no tópico anterior: A busca pela certeza, uma teoria baseada em ideais liberais e de cunho privatista. Atividade legislativa LEI VONTADE DA LEI: O DEVEDOR DEVE PAGAR A DÍVIDA Juiz Réu Autor Acusa o réu de pagamento de dívida pendente e consegue provar plenamente a acusação. Declara a vontade da lei, determinando o pagamento da dívida. Cognição Exauriente Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 7 2.1.3 Carnelutti: A função da jurisdição não é a mera declaração da vontade da lei, mas estabelecer a justa composição da lide. Esta, para Carnelutti, significa “um conflito (intersubjetivo) de interesses, qualificado por uma pretensão resistida. O conflito de interesses é seu elemento material, a pretensão e a resistência é seu elemento formal.” Em outras palavras, lide é uma prestação resistida. Pretensão é o direito de exigir uma ação de direito material. Resistida significa que teve a sua exigência negada. Há lide, portanto, quando surge um conflito de interesses por conta de uma pretensão não atendida. A expressão “justa composição” significa a resolução da lide, de modo fundamentado na lei, pelo juiz, isto é, uma sentença em favor de uma das partes e em desfavor da outra. O juiz aplica a norma abstrata e define a norma concreta, que nada mais é do que a concretização da primeira. A justa composição da lide se dá com o estabelecimento da norma concreta. Assim como Chiovenda, atribui à jurisdição a busca pela certeza na resolução do litígio, estabelece a separação entre o mundo ideal (conhecimento) e o mundo dos fatos, com concepções liberais, concebendo um modelo privatista. Contudo, difere do mesmo ao conferir à jurisdição uma função criativa, isto é, a passagem da norma abstrata para norma concreta. Por fim, na definição de Carnelutti: “só existiria um comando completo, com referência a determinado caso concreto (lide), no momento em que é dada a sentença a respeito: (criação da norma concreta) o escopo do processo seria, então, a justa composição da lide, ou seja, o estabelecimento da norma de direito material que disciplina o caso, dando razão a uma das partes”. Jurisdição não é mera declaração da lei Função criativa ( NA NC) Justacomposição da lide: Resolução do litígio com fundamento na lei (certeza) o Lide: Tem como requisito a pretensão resistida. Para o estabelecimento da lide exige-se o conflito de interesses. Essa concepção de Carnelluti é usada como argumento pela teoria clássica ou administrativa, quando afirma que a jurisdição voluntária não possui lide, logo não é atividade jurisdicional (ponto 2.5.1) A B CONFLITO LIDE JUIZ Atividade legislativa NORMA ABSTRATA NORMA CONCRETA FUNÇÃO CRIATIVA DECIDE EM FAVOR DE UMA DAS PARTES JUSTA COMPOSIÇÃO DA LIDE REQUISITO PARA JURISDIÇÃO Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 8 2.1.4 Allorio: Jurisdição é a capacidade de produzir coisa julgada. Essa característica é exclusiva da atividade jurisdicional. Tanto o administrador quanto o julgador aplicam a lei, no entanto, só o segundo é capaz de produzir coisa julgada – decisão final insuscetível de discussão posterior. Para Allorio, um ato só pode ser considerado jurisdicional se for apto à produção de coisa julgada. Esse conceito de jurisdição exclui do rol de atividades jurisdicionais, por exemplo, a jurisdição voluntária, vista sob a perspectiva clássica. Sua teoria, assim como a de Carnelutti e a de Chiovenda, é voltada para resolução das demandas de direito privado, com decisão fundamentada (certeza). Jurisdição Produz coisa julgada. Se não produz coisa julgada, não é jurisdição. 2.2 Teorias modernas: Michelli – E. Couture – E.T. Liebman 2.2.1 Michelli:Assim como Allorio, busca explicar a jurisdição atribuindo-lhe uma característica determinante. Não obstante, contrapõe o mencionado autor, afirmando que algumas atividades jurisdicionais não produzem coisa julgada. O que determina se dada atividade é ou não jurisdicional é a imparcialidade do julgador, o qual deve ser um terceiro imparcial, ou seja, sem interesse na lide. A teoria de Michelli é errônea, já que certas atividades, ainda que exercidas por um julgador imparcial, não são jurisdicionais. Exemplificando a falha: Se o juiz é credor do autor – tem direito a receber uma prestação (uma dívida) – e ninguém alega essa situação, o processo irá ter seguimento normalmente, produzindo coisa julgada. Assim como uma atividade jurisdicional pode ser exercida por terceiro parcial (exemplo do juiz credor), um terceiro imparcial pode exercer atividade não jurisdicional, como: Membros de bancas de trabalhos de conclusão de curso (TCC), que fazem julgamento de forma imparcial, contudo, não exercem atividade jurisdicional. Jurisdição Julgamento por terceiro imparcial. Se o julgador não é um terceiro imparcial, não é jurisdição. 2.2.2 E. Couture: Segue a linha de pensamento de Allorio ao mencionar como característica determinante da jurisdição a coisa julgada. Para entender a sua teoria faz-se mister distinguir o aspecto formal da jurisdição, que diz respeito ao seu modo de exteriorização, do aspecto material, que faz alusão à necessidade de dirimir conflitos e por consequência à prestação de uma tutela jurisdicional. Para Couture1, “tanto a ideia de jurisdição como a ideia de processo, são ideias essencialmente teleológicas e que jurisdição por jurisdição não existe, somente existe como meio de lograr um fim”. Logo, a jurisdição existe tão somente 1 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. 2.ed. Buenos Aires: Depalma, 1981, p.42-3. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 9 para alcançar uma finalidade, que se encontra em seu aspecto material, a tutela jurisdicional. Essa tutela ou proteção pode ser: declaratória, quando elimina incertezas, constitutiva, quando modifica uma relação jurídica, e condenatória quando determina uma ação a ser realizada. Assim, a jurisdição existe para proteção de direitos, mantendo a ordem, a paz e a segurança jurídica, através da produção de coisa julgada, ou seja, tornando a tutela desses direitos indiscutível. No aspecto formal, cabe destaque a ressalva que o juiz não é mero intérprete da lei, não cumpre a mera execução de um silogismo, pois mantém atualizados os valores do direito diante do caso concreto. 2.2.3 Enrico Tullio Liebman: Ao contrário de Couture, Liebman não trata da jurisdição apenas no âmbito do conhecimento, mas, essencialmente, na execução. A jurisdição serve à sentença e sua execução por meio da atividade interpretativa, que tem por função a de complementação da lei, já que a atividade legislativa não se realiza sozinha. Em um primeiro momento o juiz enuncia a regra destinada a regular o caso concreto e, na sequência do processo, é responsável pela efetivação de sua decisão. A jurisdição, portanto, formula (atividade interpretativa) e aplica a regra concreta. 2.3 Características e princípios da Jurisdição 2.3.1 Características da jurisdição Unidade: É única, pois, em um estado soberano, só há uma jurisdição. Contudo é fracionável entre diversos órgãos com respectivas competências. Imparcialidade: Sendo a jurisdição uma técnica de resolução de conflitos por heterocomposição (partes – juiz), é imprescindível que, para uma decisão justa, o terceiro julgador não tenha interesses na lide. Contudo, não se confundem imparcialidade e neutralidade. O juiz não é neutro em suas decisões, uma vez que possui princípios, valores e visões de mundo, que certamente influenciarão seu julgamento. Enquanto ser imparcial significa não ter interesses, a neutralidade pressupõe ausência de preconcepções. Aquela é indispensável e esta impossível. Substitutividade: A jurisdição é atividade secundária, porquanto visa resolução de litígios quando as próprias partes não o possam fazer entre si. O estado substitui, com sua atividade, a vontade das partes envolvidas no conflito, quando não há aplicação espontânea da lei. Se A causa dano a B, o segundo quer ser indenizado e o primeiro não quer indenizar. A jurisdição, diante do conflito, irá substituir a autonomia de A e de B e declarar se deve ou não indenizar e, se for o caso, quanto deve ser essa indenização. Instrumentalidade: Tem como escopo a realização do direito. É um mecanismo para dirimir conflitos. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 10 Criatividade: O órgão jurisdicional não faz mera aplicação da vontade da lei, como supunha Chiovenda, ou seja, a atividade jurisdicional não é passiva e sim ativa. Toda decisão pressupõe duas alternativas, a decisão não se confunde com nenhuma delas. “Trata-se de norma jurídica criada diante do caso concreto, mas não uma norma individual que regula o caso concreto, que, por indução, pode passar a funcionar como regra geral, a ser invocada como precedente judicial em outras situações.”2 Coercitividade: É imperativa, obrigatória, quanto aos seus efeitos. Irrevisiobilionalidade externa: As decisões jurisdicionais não podem ser objeto de revisão por outro poder. Aptidão para produção de coisa julgada ou definitividade: Possui capacidade de tornar indiscutível determinada matéria. 2.3.2 Princípios da jurisdição Juiz natural: Relacionado com a característica da imparcialidade da jurisdição. Decorre da previsão constitucional de vedação ao juízo ou tribunal de exceção (Art 5º,XXXVII). A determinação do juiz competente deve seguir critérios impessoais, objetivos e pré- estabelecidos. Investidura: A jurisdição deve ser exercida por alguém legalmente investido. (Ex.: Concurso público, preenchimento requisitos) Aderência ou territorialidade: A jurisdição manifesta-se apenas em dado território soberano. A territorialidade diz respeito ao lugar onde será proferia a decisão e não onde surtirão seus efeitos Indelegabilidade: O ato de delegar a jurisdição violaria o princípio do juiz natural. O juiz não pode delegar (transferir) suas funções ou competências a outra pessoa ou poder estatal. Inevitabildade: Relacionado à característica de coercitividade da jurisdição. A decisão jurisdicional impõe-se às partes de modo imperativo. Indeclinabilidade ou inafastabilidade: CF, art 5º ,XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” - “ Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” (art 3º CPC), “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” (Art 4º, DL 4657/42). Trata do direito de acesso à justiça e de ter sua pretensão apreciada. Inércia: Não é princípio absoluto. Como regra, as partes devem provocar a atuação estatal, porém, há situações em que o juiz pode tomar a iniciativa do processo de ofício. 2 DIDIER JR., Fredie Curso de direito processual civil. Vol.1. 2015, p.159. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 11 2.4 Alguns aspectos atuais acerca da jurisdição Muito embora as teorias clássicas da jurisdição preconizassem que a decisão jurisdicional deveria buscar a certeza e que essa seria sua característica intrínseca,atualmente, esse aspecto torna-se irrelevante ao determinar se uma atividade é ou não jurisdicional. Em outras palavras, a jurisdição existe independente do grau de certeza que contenha a decisão proferida, admitindo-se, inclusive, decisões proferidas com verossimilhança. A jurisdição não é tão somente aquilo que não pode ser revisado. Por exemplo, o juiz que profere uma decisão e posteriormente reconhece seu erro, em ambos os casos, exerceu atividade jurisdicional. Grande parte da doutrina, ao conceituar jurisdição, apenas elenca suas características, sendo muitas destas relacionadas às elencadas pelas teorias clássicas, como a substitutividade (Chiovenda) e a imparcialidade (Michelli). Sob outro aspecto a jurisdição pode ser brevemente conceituada como: a aplicação do direito, diante do caso concreto, feita pelo estado no uso de seus poderes de criação e efetivação do direito, perante a participação das partes. 2.5 Jurisdição voluntária O conceito de jurisdição voluntária pode ser dado sob duas perspectivas: 2.5.1 Teoria Clássica ou administrativa: É a doutrina majoritária. Considera a jurisdição voluntária como mera administração pública de interesses privados e não como atividade jurisdicional, visto que não possui: Lide Não há conflito de interesses Substitutividade O estado decide na mesma direção que as partes desejam Partes E sim interessados Ação nem Processo E sim procedimento Coisa julgada E sim mera administração de direitos Para essa teoria, na jurisdição voluntária, também chamada de graciosa ou administrativa, “não há lide nem partes, mas apenas um negócio jurídico-processual envolvendo o juiz e os interessados. (...) A função do juiz é, portanto, equivalente ou assemelhada à do tabelião, ou seja, a eficácia do negócio jurídico depende da intervenção pública do magistrado.”3 O juiz apenas atribui a eficácia necessária ao ato praticado pelos privados. 2.5.2 Teoria Moderna ou revisionista: Concebe a jurisdição voluntária como atividade jurisdicional. São argumentos para tanto: Inicialmente não há lide. Mas os casos de jurisdição voluntária são potencialmente conflituosos, isto é, nem sempre o processo terá início, meio e fim sem que ocorra 3 THEODORO JR, Humberto. Curso de direito processual civil. 55ª .ed.,2014 Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 12 conflito de interesses. (Como exemplo: Conflito de interesses entre o pai e filho nos casos de emancipação). A jurisdição voluntária também produz coisa julgada. A decisão em âmbito de jurisdição voluntária não fica a mercê de revisão por outra função estatal. Ainda que considerado administrativo, há processo. E se há processo há ação. Há partes. Pois parte em sentido substancial (parte do litígio) e parte processual (sujeito parcial da relação processual) não se confundem. Para Daniel Mitidiero, “a jurisdição voluntária, que no conceito tradicional de jurisdição não se identificava com a mesma, sendo considerada mera administração pública de interesses privados, possui natureza jurisdicional, não diferindo da jurisdição contenciosa senão pela ausência de conflito entre as partes. A doutrina contemporânea tende a confluir no entendimento de que a jurisdição voluntária apresenta-se como autêntica função jurisdicional.”4 Cabe destacar que a “ausência de conflitos” mencionada é “inicial”, já que as partes são potencialmente conflituosas. Quanto ao termo “confluir”, significa que a doutrina contemporânea dirige-se ao novo entendimento, de que a jurisdição voluntária é atividade jurisdicional, entretanto, a doutrina revisionista ainda é minoritária. 2.5.3 Características da jurisdição voluntária Independente de controvérsias doutrinárias, a jurisdição atribui eficácia a determinados atos, que não teriam o mesmo resultado sem essa atribuição, a exemplo da emancipação judicial, da expedição de alvará e da homologação de autocomposição. No capítulo XV do CPC, que trata dos procedimentos de jurisdição voluntária, o artigo 723, parágrafo único, destaca que “O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna”, demonstrando o princípio inquisitório da jurisdição voluntária, isto é, atribuindo maior liberdade de atuação para o julgador nesses procedimentos. 3. AÇÃO 3.1 O que é ação? O termo pode ser compreendido como exercício do direito de ação. É o direito material em movimento. Fato gerador do processo, ato jurídico que provoca a jurisdição, que por sua vez, será exercido por meio do processo. É considerada pela doutrina majoritária como um direito público abstrato subjetivo, ou seja, de exigir do estado uma tutela jurisdicional. 4 MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro, 2005, p. 84. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 13 3.2 Teorias da ação 3.2.1 Teoria civilista ou imanentista (Savigny): Na época em que essa teoria exercia grande influência, não se concebia o processo como algo autônomo em relação ao direito material. A ação seria o mero ato de buscar em juízo a reparação ao direito violado. Logo, não há ação sem direito material e vice-versa, pois a ação segue a natureza do direito. 3.2.2 Windscheid x Muther: Debatem sobre a natureza da ação: (séc XIX) Windscheid A ação é pretensão dirigida contra o réu. Violado o direito, nasce para o seu titular a pretensão. A ação é um direito que deriva do direito material. Distingue, portanto, direito lesado e ação. Muther A ação é o direito público de demandar contra o estado (Klage). Tanto o direito de exigir do estado quanto daquele que praticou a lesão são de natureza pública. Consequências da discussão: Windscheid admite a existência de um direito dirigido contra o estado e o outro contra quem violou o direito, contudo, o primeiro tem natureza pública e o outro privada. As duas teorias acabaram por completar-se e, sobretudo, marcam a separação teórica entre direito material e ação. 3.2.3 Teorias da ação como direito autônomo 3.2.3.1 Teorias concretistas – (teorias concretas da ação) Consideram a ação como direito subjetivo público, independente do direito material, mas que possui este como pressuposto. (Direito subjetivo é o direito que pode ser exigido de alguém) (Público porque é exigível do estado) Adolf Wach A ação é uma pretensão à concessão de uma tutela jurisdicional. Dirige-se contra o estado. O direito de ação só existe diante de uma sentença favorável. Chiovenda A ação é um direito potestativo cujo sujeito passivo é o réu e não o estado. Esse direito potestativo busca um efeito jurídico favorável ao autor e atribuição do ônus a outra parte. o Crítica: Não explicam casos em que ação é improcedente, ou seja, cuja justificativa é ausência de direito material. 3.2.3.2 Teorias abstrativistas – (teorias abstratas da ação) Consideram a ação como direito subjetivo público, autônomo e que NÃO pressupõe uma sentença favorável. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 14 Degenkolb A existência de direito material é irrelevante para propositura da ação. Se o estado proibiu a autotutela, deve abrir espaço para resolução dos litígios. Afirma que há um requisito para exercer o direito de ação: BOA-FÉ PLÓSZ Concorda com Degenklob quanto à irrelevânciada existência do direito material, todavia, descarta o requisito da boa-fé. TODOS têm o direito de ir a juízo o Crítica: Abrem espaço para que causas irrelevantes e fúteis sejam levadas ao judiciário, o que tomaria espaço de casos mais importantes. 3.2.3.3 Teoria abstrata eclética– (teorias abstratas da ação) Liebman A ação independe do direito material, porém algumas condições precisam ser preenchidas (LIPO Legitimidade, interesse de agir e possibilidade jurídica). Ter ação é ter direito a um julgamento de mérito, que é o que resolve o objeto litigioso, a lide, de modo favorável ou desfavorável. É teoria abstrata pois não requer existência, in concreto, de direito material e condicionada porquanto exige condições mínimas para o exercício da ação. Liebman, já em 1973, excluiu do rol das condições da ação a possibilidade jurídica do pedido. o Condições da ação: Legitimidade (diferente de legitimação) A legitimidade é verificada diante do que é discutido. É o poder conferido a alguém para atuar no contraditório e discutir determinada questão. Ilegitimidade ativa. (ex.) Cobrar dívida sem ser o verdadeiro credor Ilegitimidade passiva (ex.) Acusado de empréstimo que não fez. Interesse de agir Dois elementos: Utilidade: A ação é útil quando a tutela jurisdicional pode trazer alguma utilidade do ponto de vista prático. Necessidade: A ação é necessária quando o autor não conseguiria a pretensão sem entrar em juízo. Possibilidade jurídica Quando não se encontra vedação no ordenamento jurídico. (ex.: (impossibilidade) Ir a juízo solicitar a escravização de alguém) Teoria da asserção "Deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação"5 Em um primeiro momento, o juiz não deve analisar as condições da ação buscando a correspondência entre as alegações na petição inicial e a realidade. 5 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 8• ed. 2002. Vol, p. 127 Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 15 o Se “teoricamente” o autor preenche todas as condições haverá exame de mérito. o Se mesmo teoricamente o autor não preenche todas as condições Indeferimento da petição inicial sem exame de mérito. Em qualquer caso, o que importa para admissão da ação são as alegações do autor, ainda que falsas. O réu é quem deve alegar a falta de alguma condição. Paulo faz um empréstimo para Maria, que não o paga dentro do prazo previsto. Paulo sabendo que Maria tem uma irmã mais afortunada, Mariana, resolve ir contra esta a juízo, indicando na petição inicial que fez empréstimo para Mariana e a indica como réu. O Juiz deve acolher a inicial, pois deve considerar como verdadeiras as alegações do autor. Se, todavia, Paulo relatasse na petição que emprestou dinheiro para Maria, mas por motivos financeiros quer demandar Mariana, o juiz não poderia acolher a ação, devendo extingui-la por ilegitimidade passiva. 3.3 Carência de ação Carência de ação é a falta de qualquer dos seus pressupostos de existência processual. Não diz respeito aos elementos da ação (PPC – Partes, pedido e causa de pedir). O juiz deverá determinar carência de ação quando ausentes as condições: CPC/73: Legitimidade, Interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. CPC/15: Legitimidade e interesse de agir. Com o novo código processual civil, a possibilidade jurídica do pedido torna-se irrelevante em relação à existência da ação, ou seja, ainda que o juiz perceba que o pedido não poderá ser atendido por conta de vedação no ordenamento, estará impossibilitado decretar carência de ação por esse motivo. A possibilidade jurídica do pedido será avaliada no exame de mérito e, se ausente, será causa para improcedência do pedido. Exemplos: Ilegitimidade passiva: o “A União não é destinatária do produto do salário-educação, exercendo mera função de arrecadação e fiscalização da contribuição social, sendo, portanto, parte ilegítima para responder pela legalidade da cobrança do referido tributo. Agravo regimental desprovido.” STJ - AgRg nos EDcl no AREsp: 172540 RS 2012/0088473-6. (Indicação do réu) o A deve para B, porém B entra em juízo demandando C (ilegitimidade passiva de C) Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 16 Ilegitimidade ativa: o “O Ministério Público Federal não possui legitimidade ativa para propor ação civil pública com o objetivo de manter aposentadorias e pensões de um grupo específico de servidores públicos, diante da divisibilidade e disponibilidade do bem jurídico tutelado. II - Recurso especial improvido.” STJ - REsp: 1178660 MG 2009/0132301-0, o A deve para B, porém C, amigo de B, entre em juízo cobrando a dívida de A. (Ilegitimidade ativa de C) Falta de interesse de agir: o “A absolvição do impetrante afasta seu interesse de agir no tocante a mandado de segurança que pretendia a admissão de diligência tendente a demonstrar sua inocência. 2. Recurso ordinário em mandado de segurança prejudicado e não conhecido.” STJ - RMS: 33955 DF 2011/0063349-3 (Essa ação não apresenta nem Utilidade – não terá efeitos práticos - nem necessidade – O autor não precisa da tutela para alcançar a pretensão, porquanto já fora absolvido, logo teve declarada sua inocência). o “ (...)o Tribunal de origem examinou a prova dos autos para concluir que não houve pretensão resistida e extinguir o processo sem resolução do mérito por ausência de interesse de agir. Alterar tal fundamento é inviável em recurso especial ante o óbice da referida súmula. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. REsp: 1324848 RS 2012/0106722-4. (Pretensão resistida é pressuposto para o interesse agir. Se não há resistência da parte demandada em relação à prestação exigida, em regra, não há motivos para uma tutela jurisdicional, pois carece de necessidade, embora tenha utilidade). Impossibilidade jurídica do pedido (Apenas no CPC 1973) o “Não há falar em impossibilidade jurídica do pedido, porquanto inexiste vedação no ordenamento jurídico quanto ao pleito formulado pelas Reclamantes na petição inicial, qual seja, reconhecimento de vínculo de emprego com as tomadoras de serviços.” TST - RR: 16002420095030134 1600-24.2009.5.03.0134, (É impossível o pedido que encontra vedação no ordenamento jurídico). Cabe lembrar que a analise das condições da ação deve levar em consideração a teoria da asserção. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 17 3.4 Elementos da ação 3.4.1 Partes A primeira coisa a ser diferenciada é o conceito de parte material e parte processual. A primeira, material, é irrelevante para o processo, a exemplo da relação entre credor e devedor, que diz respeito, inicialmente, apenas a direito material. Já as partes processuais são as que demandam em juízo, seja aquele que pede (autor) ou aquele quem tem contra si um pedido (réu). “Parte processual é aquela que está em uma relação jurídica processual, faz parte do contraditório, assumindo qualquer das situações jurídicas processuais, atuando com parcialidade e podendo sofrer alguma consequência com a decisão.”6 Enquanto não houver demanda em juízo, serão partes materiais. Feita essa distinção inicial, é importante frisar que o autor não precisa ser, in concreto, titularde direito material, já que pode alegar o ser, falsamente, constituindo-se em parte ilegítima. Mesmo não possuindo legitimidade, o autor é parte. Para ser parte legítima, basta que se tenha autorização para estar em juízo. A legitimidade divide-se em ordinária e extraordinária. Na primeira, o legitimado busca em seu nome direito próprio. Na segunda, demanda em nome próprio direito alheio, como em uma ação onde o Ministério Público representa um direito coletivo violado (ex.: ar puro), ou seja, busca em seu nome o direito de outrem (coletividade). L. Ordinária: O titular do direito é o titular do poder de conduzir o processo. L. Extraodinária: O titular do direito não é o mesmo titular do poder de conduzir o processo. A legitimidade extraordinária depende de autorização legal (Art 18 CPC). Por fim, alguém pode ser parte: A) Demandando; B) Sendo demandado; C) Como substituto – intervindo no direito de terceiros. 3.4.2 Causa de pedir A causa de pedir é a razão ou motivação da ação. Constituem a causa de pedir: A) Causa de pedir próxima(CPP) ; B) Causa de pedir remota (CPR). 6 DIDIER JR., Fredie Curso de direito processual civil. Vol.1. 2015, p.287 P artes P edido C ausa de pedir QUEM? O QUE? POR QUÊ? Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 18 A CPP é o dispositivo legal que permite a entrada em juízo. Se não existisse tal lei, não haveria o que recorrer. (Para lembrar: O jurista deve ter sempre Próximo de si a lei). A CPR é constituída por um ou mais fatos que fundamentam a incidência da causa de pedir próxima (previsão de norma jurídica). Divide-se em ativa, causa constitutiva do direito, e passiva, que impulsiona a ação. Exemplificando: João empresa R$ 500,00 para Paulo, com prazo de 30 dias para pagamento. Transcorrem 31 dias e João não recebe o dinheiro de Paulo, logo decide entrar com uma ação contra o devedor. CPP Lei x/99, Art Y Transcorrido o prazo de dívida, fica o devedor obrigado ao pagamento, sob pena de multa diária estabelecida pelo juiz. CPR Ativa Emprestei 500 reais a Paulo CRP Passiva Paulo não me pagou. Acabou o prazo para pagamento da dívida. Duas teorias tratam da causa de pedir: Teoria da individualização: A causa de pedir deve conter a CPP e a CPRPassiva, sendo irrelevante a CPRA. São irrelevantes as causas constitutivas do direito, interessam apenas a norma e a relação jurídica. Teoria da substanciação: A causa de pedir deve conter a CPP, a CPRPassiva e a CPRAtiva. São relevantes tanto a norma quanto a relação jurídica e os fatos/causa constitutivos do direito A adoção de uma ou outra teoria tem consequência direta ao determinar se uma ação é igual à outra, o que por consequência, terá resultados diversos tendo em vista os institutos da coisa julgada, litispendência e conexão. Causa de pedir Próxima Remota Ativa Passiva NORMA Emprestei Não me pagou Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 19 Para teoria da individualização Mesma ação Para teoria da substanciação Ações Distintas O Brasil adotou a teoria da SUBSTANCIAÇÃO. 3.4.3 Pedido: O pedido pode ser próximo (imediato) ou remoto (mediato). Este é o bem da vida a ser tutelado e aquele a exigência que o sujeito faz ao estado (uso do direito a uma decisão). Ex.: Maria exige do estado uma sentença condenatória para que Paulo pague a dívida. Sentença condenatória Pedido imediato Pagamento da dívida Pedido mediato 3.4.4 Conexão: Se, em duas ou mais demandas, quaisquer dos elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir) forem diferentes, dever-se-á constituir ações distintas. O instituto da conexão tem por objetivo fazer com que ações distintas, porém semelhantes, tramitem processualmente juntas, desde que estejam no mesmo grau de jurisdição. É preenchido o critério de semelhança entre as ações quando há relação entre o pedido e a causa de pedir de ambas, ainda que as partes sejam distintas. 1 Processo 2 Pedidos 2 ações 2 Tutelas jurisdicionais HERDEI UM TERRENO FULANO NÃO QUER SAIR ART. X – LEI 991 USUCAPI UM TERRENO FULANO NÃO QUER SAIR ART. X – LEI 991 Teoria da individualização Teoria da individualização Teoria da substanciação Teoria da substanciação Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 20 3.5 Tutela jurisdicional – Eficácia da sentença São três os principais sistemas que tratam das tutelas jurisdicionais, a saber: o sistema binário, o sistema ternário e, mais contemporâneo, o sistema quinário. Em ambos os sistemas, há uma concepção diferente acerca da tutela condenatória; 3.5.1 Sistema Binário: Declaratória – Condenatória Tutela declaratória Não cria nada. Apenas declara, esclarece existência ou inexistência de determinada situação, dirime dúvidas ou desfaz divergência sobre relação jurídica. Binário Declaratória Condenatória Ternário Declaratória Condenatória Constitutiva Quinário Declaratória Constitutiva Condenatória Mandamental Executiva lato sensu Ex.: Ação declaratória de paternidade. Apenas dirime-se a dúvida sobre existência da relação jurídica. O réu não vai se tornar pai ou deixar de ser pai após a decisão jurisdicional. Será explicitada uma situação já existente. Ex.: Usucapião. A posse prolongada de um bem faz surgir o direito de propriedade. Se a lei prevê que o prazo para determinado bem usucapir é X, transcorrido o tempo X, o autor irá entrar em juízo para que o juiz apenas declare tal situação. O bem usucapiu no momento que cumpriu o prazo exigido e não após a sentença declaratória. Ex.: Cobrança indevida. O autor alega a inexistência de débito. O juiz declara a inexistência da relação. A dívida não deixou de existir, pois nunca existiu. Tal inexistência apenas foi explicitada mediante prestação de tutela declaratória. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 21 É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito (Art 20 cpc) Em regra, não se admite ação declaratória simplesmente para atestar um fato. A única exceção é a dúvida sobre autenticidade ou falsidade de documento. Tutela condenatória Não é autosatisfativa. Exige, para realização do direito, algo a mais que a mera condenação. 3.5.2 Sistema Ternário: Declaratória – Condenatória - Constitutiva Tutela declaratória Igual no sistema binário. Tutela Condenatória Não é autosatisfativa. Possui dois elementos: Declaração e o elemento sancionatório. Este gera a possibilidade de título executivo, que permitirá uma tutela executiva para concretização da pretensão. Tutela condenatória Título executivo Tutela executiva Divide o plano do conhecimento do plano da execução Busca algo além do conhecimento São tutelas de conhecimento e não de execução. Obs.: O código de 1973 não permitia a condenação e execução no mesmo processo. Após o autor conseguir o título executivo, deveria entrar com nova ação. O novo código processual inovou ao permitir, em algumas situações, a fase de conhecimento e de execução no mesmo processo. Tutela Constitutiva É autosatisfativa, pois ocorre no mundo do direito. Cria, modifica ou extingue uma relação jurídica.Ex.: Cobrança devida. O juiz declara que o réu deve. A sentença por si só não resolve o litígio, pois a dívida ainda existe. Ex.: Condenação ao pagamento. Em um primeiro momento, é declarada a existência do crédito e, posteriormente, estabelece-se uma sanção (consequência jurídica) prevista em lei (condenação ao cumprimento do ato exigido) Ex.: Separação conjugal. A relação só termina após ação do estado. Ex.: Contrato assinado sob coação. O juiz vai decretar a anulabilidade do contrato. Desfazendo a relação jurídica. Se, todavia, o vício do contrato for objeto ilício, não será a tutela constitutiva que o invalidará, pois já é inválido desde seu nascimento. Ex.: Alteração no valor do aluguel. Modificando a relação jurídica. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 22 3.5.3 Sistema Quinário: Declaratória – Constitutiva – condenatória – Mandamental – Executiva lato sensu Esse sistema, desenvolvido por Pontes de Miranda, não se preocupa somente com a constituição do título executivo, mas com o tipo de tutela ideal para cada prestação. Parte da premissa de que prestações diferentes exigem modos e mecanismos diferentes para sua efetivação. Pintar um quadro, por exemplo, exige uma tutela diferente do que o pagamento de uma dívida, já que, no primeiro caso, o estado não pode, por uma ação sua, forçar o pintor a cumprir com sua obrigação, já no segundo, pode, por exemplo, sub-rogar os bens do devedor. Assim, geralmente, a tutela condenatória está relacionada a dívidas em dinheiro, a mandamental a obrigações de fazer e não fazer e a executiva lato sensu a obrigações de restituir. TUTELA PRETENSÃO Declaratória Existência/Inexis. Relação jurídica Constitutiva Criar/Modificar/Extinguir Relação Jurídica Condenatória Dívidas em pecúnia R$ Mandamental Obrigações fazer/ não fazer Executiva Lato sensu Obrigações de restituir Tutela declaratória Igual no sistema binário. Tutela Constitutiva Igual no sistema ternário Tutela Condenatória Geralmente, relacionada a dívidas pecuniárias, com uso de mecanismos apropriados para efetivação dessas pretensões. Dita uma ordem, possibilitando a constituição de um título executivo para posterior tutela executiva. Tutela Mandamental Estando relacionada a obrigações de fazer e não fazer, atua sobre a vontade da parte demandada e não sobre seu patrimônio,. Determina X sob pena de Y, ou seja, dois elementos: o ORDEM o TÉCNICA COERCITIVA O estado não faz uso de força coercitiva, pois não o pode, dada natureza da prestação exigida. Tudo que se pode fazer é aplicar uma técnica coercitiva, que impulsione o réu ao cumprimento da prestação exigida. Ex.: Vizinho som alto. Autor entra com uma ação para que seu vizinho não escute música alta todos os dias, como costuma fazer. O juiz determina que assim o réu o faça, sob pena de multa diária de 200 reais (Astreinte). Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 23 Tutela Executiva Lato sensu Direcionada a pretensões de restituição, isto é, aquelas em que o bem está indevidamente na posse de alguém, devendo ser entregue ao legítimo proprietário. Não atua sobre a vontade da parte demandada e sim, como regra, diretamente sobre o bem específico. Pode recair sobre a vontade do réu, como na adjudicação compulsória, mas o fará, ao contrário da tutela mandamental, de forma imperativa. Tutela mandamental – poderá fazer uso das técnicas da tutela executiva LS, assim como a Tutela executiva LS pode fazer uso das técnicas da tutela mandamental. É apenas uso de técnica, uma não se converte na outra. 4. DEFESA DO RÉU 4.1 Observações iniciais Assim como o autor exerce a ação, o réu também exerce seu direito de defesa ao longo de todo o processo. É isso que dá movimento ao processo, ação de um lado e defesa do outro. Assim como o autor, o réu não precisa ter certeza em suas alegações. Em se tratando de processo civil, defesa e ação, não são obrigatórias e sim faculdades conferidas ao réu e ao autor, respectivamente. Já no âmbito penal, o exercício de ambas é obrigatório, caso contrário, o processo será nulo. Ex.: Ação de despejo. O contrato de aluguel termina, mas o morador não quer sair. O autor prova isso em juízo, fazendo com que o juiz determine a retirada compulsória. O sujeito não será ameaçado para sair, e sim retirado à força. Ex.: Ação reivindicatória. Se alguém acha determinada coisa e toma para si, indevidamente, o juiz pode determinar, mediante solicitação das forças estatais, a entrega forçada Ex.: Adjudicação compulsória. Quando o que se quer é uma manifestação de vontade. Dois sujeitos celebram contrato de compra e venda, com uma cláusula determinando a entrega após pagamento da última prestação. O comprador paga a última prestação, porém o vendedor não que ir ao cartório assinar a entrega da propriedade. Nesse caso, o juiz pode substituir a vontade do réu e realizar o ato. (Atua sobre a vontade do réu, imperativamente. (Art 501, CPC) Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 24 4.2 Espécies de defesa 4.2.1 Defesa de admissibilidade x Defesa de mérito A defesa de admissibilidade sempre alega falta de alguma das condições da ação – Legitimidade e interesse de agir - ou de pressupostos processuais. Se a defesa de admissibilidade for acolhida, inviabilizará o exame de mérito. o SEMPRE questões processuais (e não de direito material) o O Juiz não pode deixar de acolher uma ação com base em uma questão de direito material. Essa análise deve ser feita no exame de mérito. Se o réu, por exemplo, mostra o recibo da quitação da dívida em sua defesa, o juiz não poderá, por esse motivo, deixar de acolher a ação. A defesa de mérito opõe resistência contra o objeto litigioso (lide), após a admissibilidade da ação. o Regra questões materiais o Exceção questões processuais Exemplo de defesa de mérito em relação à questão processual: Ação rescisória: Busca desconstituir a coisa julgada por vício grave, como a corrupção do juiz: Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; AÇÃO DE COBRANÇA Parte demandada 2 DEFESAS Falta interesse de agir Já fiz o pagamento ADMISSIBILIDADE MÉRITO JUIZ ACOLHER EXTINGUE PROCESSO JUIZ NÃO ACOLHER lide Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 25 4.2.2 Objeção x Exceção 4.2.2.1 Objeção de direito material – ODM: O objeto da defesa nega a própria pretensão. Por exemplo, B afirma que A lhe deve R$500,00 A faz uma ODM alegando que nunca fez empréstimo com B. O direito material alegado pelo demandante é negado pelo demandado. Não precisa existir processo para existir ODM Decadência é ODM. Pois a decadência extingue o direito material. Se alguém alega que houve decadência de um direito, está alegando que esse direito não existe e, portanto, fazendo uso de uma ODM. 4.2.2.2 Objeção de direito processual – ODP: Qualquer defesa que possa ser reconhecida de ofício pelo juiz. O artigo 337 do CPC nos traz um rol de diversos casos que o juiz pode reconhecer de ofício como: inépcia da petição inicial; incorreção do valor da causa; ausência de legitimidade ou de interesse processual;São diversas as defesas que o magistrado pode reconhecer de ofício, o importante é saber que uma Objeção de direito processual é aquela que o magistrado pode reconhecer de Ofício. 4.2.2.3 Exceção de direito material – EDM: É a defesa que NÃO nega o direito material alegado, contudo, busca neutralizá-lo ou extinguir a sua eficácia. Exemplo: A entra em juízo cobrando dívida de B. Em sua defesa B admite a dívida, porém alega que o contrato ainda não venceu e por isso não pode ser demandado. Ex.: Prescrição Não extingue a pretensão, mas impede a cobrança. (A dívida existe, porém prescreveu). 4.2.2.4 Exceção de direito processual – EDP: É a defesa que o magistrado, geralmente, não pode reconhecer de ofício. O artigo 337 elenca possíveis objeções de direito processual, porém em seu § 5º, aponta duas exceções de direito processual: Defesa Objeção Direito material Direito processual Exceção Direito material Direito processual Nega direito Juiz pode reconhecer ofício Não nega direito, nega cobrança Juiz não pode rec. de ofício Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 26 Art 337, § 5º, Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo. (O juiz não reconhecerá de ofício nem a convenção de arbitragem nem a incompetência relativa) Convenção de arbitragem: Se as partes decidiram no contrato que qualquer conflito que viesse a ocorrer seria decido por arbitragem, e, ocorrendo conflito, uma das partes decide ignorar tal dispositivo, buscando a solução no poder judiciário, o juiz não pode exigir que as partes resolvam por arbitragem de ofício, ou seja, sem o consentimento da parte demandada. o A defesa: Alegação que a demanda deve ser resolvida por arbitragem. O juiz não poderá negar. Incompetência relativa: As partes firmam contrato, reconhecendo que os conflitos que porventura surgirem serão resolvidos no lugar X. Surge o conflito e uma das partes resolve ir a juízo no Lugar Y. O juiz não pode, de ofício, reconhecer que a demanda deve ser solucionada no lugar X e não em sua comarca. Deve primeiramente citar a parte demandada sobre assunto. o A defesa: Se a parte não foi ao julgamento no lugar X, pode alegar que o lugar tratado era outro. 4.2.3 Defesa dilatória x Defesa Peremptória Defesa dilatória: Dilata no tempo o exercício de determinada pretensão. Não extingue a ação. o Ex.: Réu é citado, porém não comparece. Tempos depois o réu alega que a citação foi inválida, pois não foi feita pelo meio correto. Independente se o juiz acolher ou não essa defesa, o processo continua. Defesa Peremptória: Extingue a ação. o Ex.: Réu alega ausência uma das condições da ação Juiz acolheu Carência de ação Ação extinta. 4.2.4 Defesa direta e defesa indireta Defesa direta: Nega os fatos constitutivos do direito do autor ou consequência jurídica dos fatos que o autor aduz. Nesse último caso, não nega existência dos fatos, apenas seus efeitos jurídicos. o Todas as defesas diretas são de mérito. Defesa indireta: Não nega os fatos, mas traz fatos ou situações novas que inviabilizam, modificam ou extinguem o direito alegado pelo autor. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 27 5. ESTUDO DO PROCESSO – TEORIA DA COGNIÇÃO 5.1 Questão principal x Questão incidental Questão principal: Diz respeito ao objeto principal do processo, a lide (pretensão resistida). (São postas para que sobre ela recaia a decisão judicial) Questão incidental: Diz respeito a outras questões ao longo do processo, como prazo, capacidade jurídica do autor etc.. (São postas para solução de outra) A regra é que só a questão principal possa produzir coisa julgada. o Art. 504. Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença. O novo CPC, ao contrário do de 1973, permite que uma questão incidental produza coisa julgada, se preencher três requisitos: (Art 503, § 1º, CPC) 5.2 Objeto do processo x Objeto litigioso: O objeto do processo é conjunto do qual o objeto litigioso é elemento. O primeiro é composto por todas as questões a serem resolvidas no processo, incluindo a lide (objeto litigioso). Já o segundo, contém apenas a questão principal. 5.3 Questão preliminar x Questão Prejudicial: São questões previas, isto é, subordinantes. Só se pode falar em questão preliminar e prejudicial quando há mais de uma questão a ser resolvida, sendo a prévia subordinante da outra. Questão preliminar: É uma espécie de barreira para o processo. Se não for ultrapassada, inviabiliza julgamento posterior. A solução da segunda depende do MODO como será decidida a primeira. (A primeira questão funciona como um semáforo Se a preliminar for decidida de modo X o sinal fica vermelho e o processo não segue; se decidir de modo Y, o sinal fica verde e o processo segue) Objeto litigioso Objeto do processo Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 28 Questão prejudicial: Apenas condiciona julgamento posterior. Se decidida de X ou de Y maneira, o processo continua. Não importa como será a decisão da questão prejudicial, mas sim que se decida algo. ( A resolução da primeira questão funciona como uma placa de trânsito indicando para direita ou para esquerda. Não interessa o rumo que tome, esquerda ou direita, o processo vai seguir). A chave para descobrir se uma questão é prejudicial ou preliminar é saber se vai ou não ocorrer julgamento após a decisão acerca da primeira questão, independente do que se decida nesta. Por exemplo, uma petição inicial requer uma declaração de paternidade e condenação à prestação de alimentos. Se a existência de paternidade for procedente terá julgamento para condenação? SIM. Se for a existência de paternidade for improcedente terá julgamento para condenação? SIM, haverá julgamento. Logo, a declaração de paternidade é prejudicial em relação à condenação à prestação de alimentos. 5.4 Espécies de cognição 5.4.1 A cognição no plano Horizontal Cognição Plena: Não há limites quanto aos objetos que podem ser postos em questão. Como regra, a cognição é plena. Cognição Limitada: Há limites quanto aos objetos que podem ser postos em questão. Ex.: Ação de inventário. Antes da distribuição dos bens entre os herdeiros, deve ser feita a análise da existência de dívidas do de cujus com o estado e com privados. Caso algum dos herdeiros venha a discordar do pagamento dessas dívidas, essas questões devem ser discutidas em vias ordinárias entre credor e devedor e não na própria ação de inventário. Portanto, na ação de inventário a cognição é limitada. 5.4.2 A cognição no plano Vertical Cognição Exauriente: Há um profundo exame do juiz em relação a todos os elementos do processo, buscando a maior certeza possível na decisão. (Quando Cognição Plano Horizontal Cognição Plena Cognição Limitada Vertical Cognição Exauriente Cognição sumária Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 29 alguém vai comprar um carro faz um processo exauriente de pesquisa de preços, comparação entre os veículos, pergunta para quem tem o mesmo carro etc...). Somente a cognição exauriente pode produzir coisa julgada Cognição Sumária: É feita quando por algum motivo a cogniçãoexauriente pode prejudicar a pretensão do autor. Por exemplo, o autor entra com uma ação alegando que o plano de saúde não quer cobrir uma cirurgia que deve ser realizada até o meio- dia. É um caso de vida ou morte, se o juiz parar para analisar todos os elementos (provas, argumentos, documentos etc...) a pretensão do autor (fazer a cirurgia para salvar sua vida) pode ficar prejudicada. Admite-se nesse caso, uma decisão com verossimilhança, aparência de verdade. A cognição sumária não produz coisa julgada. O fato de as partes terem ou não feito alegações e defesas (são facultativas) não é relevante para determinar se uma cognição é exauriente ou sumária. O que irá determinar o grau de profundidade da cognição é o respeito a todas as etapas do processo, que se tenha dado oportunidade das partes participarem efetivamente do processo. (O Juiz proporcionou oportunidade para apresentação das defesas, mas o réu prefere não fazer, não descaracteriza a cognição como exauriente). 5.4.3 Cognição eventual A cognição exauriente pode ou não ocorrer em alguns processos, a depender da apresentação ou não de contestação. Exemplo: Execução de título extrajudicial (cheque). Se houver qualquer alegação contra o cheque, o autor da alegação deverá entrar como novo processo – Embargos à execução – contra o devedor, onde ocorrerá cognição exauriente. Mas nada for obstado, não ocorrerá cognição exauriente, apenas a execução do cheque. Não confundir: Cognição eventual x Necessidade de contestação para cognição ser considerada exauriente. Alguns processos ficam condicionados à apresentação de alegações contra o objeto da ação para que ocorra cognição exauriente. Todavia, essa é uma peculiaridade de alguns processos. Como regra, a cognição exauriente não depende da apresentação de alegações/defesa e sim do cumprimento de todas as etapas do processo, o que inclui a oportunidade para manifestação das partes. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 30 5.4.4 Coisa julgada Secundum Eventum probationem (Conforme resultado da prova) Alguns processos não permitem todo tipo de prova, a exemplo do mandado de segurança coletivo, que não admite a prova testemunhal, já que o direito que se busca deve ser líquido e certo. Ainda que apresente limitação quanto à apresentação de algumas provas, esses processos produzem coisa julgada. 6. A NATUREZA DO PROCESSO – O QUE É UM PROCESSO? 6.1 Processo como relação jurídica (Teoria tradicional) A Teoria que considera o processo como uma relação jurídica, idealizada por Oskar Bülow, parte do pressuposto de que são distintas as relação puramente materiais – entre credor e devedor – e as relações processuais – Autor – Juiz – Réu. A primeira pode ocorrer sem mesmo que ocorra um processo. O processo é uma relação jurídica entre os três sujeitos elencados com a finalidade de resolver a lide. 1º Crítica: Para distinguir as duas relações, processual e material, essa teoria usa uma categoria do direito material – “relação jurídica”. Resposta para 1º Crítica: Só é válida se atribuirmos a “relação jurídica” exclusivamente ao direito material. 2º Crítica: Trata o processo como uma relação estática, não atribuindo dinamismo às relações que compõem o processo. O processo é dinâmico muda a cada etapa. Essa teoria tem em vista apenas a norma, isolando de forma absoluta os fatos. Processo como Relação jurídica Fato jurídico Ato complexo Procedimento qualificado Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 31 6.2 Processo como Fato jurídico 6.2.1 Processo como ato complexo Constitui-se um processo na reunião de todos os fatos que o compõem. No processo ocorrem vários atos: Petição, inicial, sentença, testemunhas, provas, recursos etc.. Cada um destes atos se considerados isoladamente não formam processo, mas quando unidos, formando um todo, há processo. (Analogia como casamento: Só ocorre casamento quando se tem a vontade dos noivos, testemunhas etc.. Diversos elementos que, unidos, formarão o “casamento”). Crítica: Também concebe o processo com algo estático, ainda que por motivo diferente da teoria tradicional: Não por olhar apenas para lei, mas por visualizar o processo como algo acabado, pronto. 6.2.2 Processo como Procedimento qualificado Procedimento: Uma sequência lógica para atingir um fim Qualificado: Procedimento em contraditório – permite-se às partes influenciar o processo através da participação em a cada etapa/ato. - O fato de existir uma sequência não significa que essa sequência será sempre igual. - Essa teoria não classifica o processo tão somente pelas normas ou fatos de modo isolado, mas pelo encadeamento dos atos, reconhecendo o dinamismo das relações. Fato jurídico Ato jurídico Simples única manifestação de vontado (Ex. Renúncia de crédito) Complexo Mais de uma manifestação de vontade. União de vários atos simples. S/ manifestação de vontade C/ manifestação de vontade Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 32 7. PRESSUPOSTOS E REQUISITOS DO PROCESSO 7.1 Pressupostos Trata do plano da EXISTÊNCIA do processo. São necessários todos os pressupostos elencados a seguir para que o processo exista. 7.1.1 Pressupostos subjetivos Órgão jurisdicional: É o estado intervindo. Não diz respeito à pessoa do juiz e sim a função jurisdicional. É considerado órgão jurisdicional ainda que incompetente para determinada demanda, pois todo Juiz tem poder para pronunciar que não é o órgão competente, ou seja, de qualquer forma o processo vai chegar na mesa do juiz e este vai distribuir ao órgão competente. Parte autora: Pode ser parte autora quem possui capacidade de ser parte. A capacidade de ser parte é semelhante à personalidade no direito civil. Toda pessoa (que possui personalidade civil) jurídica ou natural pode ser parte. Todavia, alguns entes despersonalizados podem ser parte, como os elencados no artigo 75 do CPC. Mesmo os absolutamente incapazes (menores de 16 anos) podem ser parte, bastando que estejam representados. Pressupostos Subjetivos Orgão jurisdicional Autor Objetivos Demanda Requisitos Subjetivos Juiz Natural Capacidade Postulatória Processual Objetivos Intrínsecos Extrínsecos Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 33 7.1.2 Pressuposto Objetivo Demanda: É o ato inaugural do processo, onde o autor especifica seu pedido. Não pode existir processo sem órgão jurisdicional, autor ou demanda, contudo PODE existir processo sem réu, a exemplo dos procedimentos de jurisdição voluntária. A ausência de citação do réu atinge a validade do processo e não sua existência. (Art 239 CPC) 7.2 Requisitos Enquanto os pressupostos determinam a existência ou não do processo, os requisitos definem se o processo já existente é válido ou inválido. 7.2.1 Requisitos subjetivos Juiz Natural: Ao contrário do pressuposto do órgão jurisdicional, que pode ser preenchido por qualquer juiz, no plano de validade o juiz deve ser natural, isto é cumprir dois elementos: A) Competência (critério formal-objetivo): Regras pré-determinadas especificam qual juiz é competente para julgar cada caso/matéria. (Determinado juiz é competente para causas de família outro para contratos etc...); O juiz competente não pode estar impedido (Art 144,CPC) nemsuspeito (Art 145,CPC) B) Imparcialidade (critério substancial-subjetivo): Em suma, não ter interesse na lide. - Desse requisito decorre a vedação a juízo ou tribunal de exceção (criados após a ocorrência do evento). (Ex.: Um parlamentar se envolve em um acidente de transito e resolve criar um projeto de lei para instituir um órgão responsável para julgar apenas os acidentes de transito envolvendo parlamentares). Capacidade Processual: É a capacidade que determinada pessoa tem de praticar atos válidos. Quase sempre se confunde com a capacidade civil plena (fato + direito – não é nem relativa nem absolutamente incapaz). Não obstante, algumas pessoas ainda que possuam capacidade civil plena não possuem capacidade processual para produzir determinados atos válidos. Ex.: Regime de comunhão parcial de bens. Art. 1.663. § 2o A anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns. (Os cônjuges não possuem capacidade processual para fazer, por exemplo, uma doação, até que Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 34 provem a anuência do outro). A validade do processo depende da capacidade processual das partes. Capacidade Postulatória: É a capacidade que determinada pessoa tem de postular em juízo, de ir a juízo e praticar os atos do processo (requerer prova, interpor recurso...). - Como regra, apenas o advogado legalmente inscrito na OAB, possui capacidade postulatória, contudo, há situações em que mesmo não sendo advogado uma pessoa possui capacidade postulatória: Em casos de reclamação trabalhista Juizado Especial civil (JEC) – Até 20 salários mínimos Habeas corpus * Obs.: O advogado não é parte do processo, apenas representa determinada pessoa. CAPACIDADE DESCRIÇÃO PLANO DE SER PARTE - Capacidade para ser autor de uma ação. Regra: = personalidade Exceção: Alguns entes despersonalizados EXISTÊNCIA – PRESSUPOSTO PROCESSUAL - Capacidade praticar atos válidos Regra: Capacidade civil plena Exceção: Tem CCP, mas precisa da anuência de alguém. VALIDADE – REQUISITO POSTULATÓRA - Capacidade de ir a juiz Regra: Advogado Exceção: Trabalhista, JEC, habeas corpus. VALIDADE - REQUISITO 7.2.2 Requisitos Objetivos Requisitos intrínsecos: (formalismo do processo) O processo deve obedecer a ordem correta dos atos. Requisitos extrínsecos: (requisitos negativos) Não podem ocorrer no processo: Litispendência: Macula o 2º processo em razão do 1º. Coisa julgada: Não se pode discutir o que já produziu coisa julgada. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 35 Arbitragem: Se há convenção de arbitragem, salvo nova disposição entra as partes, o processo não pode ter seguimento no judiciário. Perempção: Quando o processo é extinto três vezes por abandono. O autor não pode entrar em juízo pela quarta vez sobre a mesma causa que abandonou três vezes. O juiz pode reconhecer de ofício quaisquer dos pressupostos ou requisitos, salvo: Convenção de arbitragem Incompetência relativa 8. DIREITOS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS 8.1 Introdução aos direitos fundamentais Conceito: Um direito é fundamental quando é essencial à dignidade da pessoa humana, ainda que não esteja expressamente previsto na CF. Funções: Os direitos fundamentais possuem duas funções: A) Função subjetiva: Direito de exigir seja do estado ou de privados. (Exigir o cumprimento dos direitos fundamentais). B) Função objetiva: Funcionam como centro interpretativo e criador do direito. No âmbito processual, os direitos fundamentais exercem tanto a função subjetiva quanto objetiva. CPC, Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. O artigo primeiro do código processual civil é um reforço para ordem de observância dos direitos fundamentais em qualquer ato processual. Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. 8.2 Devido processo legal CF, Art 5º, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; O que é um processo devido que respeite os direitos fundamentais? É um processo: com Juiz imparcial, natural; Onde as partes são tratadas com isonomia; de amplo acesso à justiça; SÃO EXCEÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL – EDP – (ponto 4.2.2.4) Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 36 com publicidade, motivação, duplo grau de jurisdição ... Mas qual a função do princípio do devido processo legal se ele é união de todos demais princípios? O DPL é um regulador, garante o mínimo de todos direitos fundamentais no processo. Caso não existisse, poderia faltar algum direito fundamental nos processos. O devido processo nem sempre é o legal, ou seja, nem sempre o processo mais adequado será o previsto na lei. Ainda que não previsto em lei, o contraditório, por exemplo, deverá ser respeitado em todos os atos processuais. Portanto o princípio do devido processo legal possui duas funções? 1) Garantir um mínimo de todos direitos fundamentais no processo 2) Garantir o respeito aos direitos fundamentais no processo diante da insuficiência legislativa. 8.3 Acesso à justiça Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Segundo Mauro Cappelleti, o acesso à justiça não significa meramente “portas abertas” aos tribunais, mas também a uma tutela efetiva e adequada da jurisdição. Cappelleti concebe o acesso à justiça em três “ondas”: 1ª ONDA: Consiste em organizar formas que viabilizem aos que não possuem condições financeiras o devido acesso à justiça. São mecanismos para isso: (exemplos): AJG – Assistência judiciária gratuita; Defensoria pública. 2ª ONDA: Possibilitar a tutela de direitos inalcançáveis por uma via individual e tradicional do processo. Alguns direitos se tornam impossíveis de serem realizados individualmente, seja por motivos econômicos ou técnicos. o Econômicos: Alguns valores são muito baixos e desconsideráveis se forem avaliados individualmente, mas se considerados coletivamente podem ensejar uma ação coletiva. o Técnicos: Entrar em juízo individualmente pode colocar a segurança do autor em risco. Esse risco é amenizado quando se entra com uma ação coletiva. A segunda onda é atinente à possibilidade da tutela de direitos coletivos (é possível determinar os destinatários) ou difusos (impossível determinar os destinatários). Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Teoria Geral do Processo 37 3ª ONDA: Organizar técnicas e instrumentos inovadores de maior fomento ao acesso a justiça, quem tornem o acesso à justiça o mais amplo possível. o Um desses mecanismos é a possibilidade de inversão do ônus da prova. Quem deveria provar e não provou, arca com o ônus
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