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Introdução à Hidrologia 1.1 ÍNDICE DO CAPÍTULO 1 Lista de Figuras .................................................................................................................................. 1.2 Lista de Quadros ................................................................................................................................ 1.3 1 INTRODUÇÃO À HIDROLOGIA E AOS RECURSOS HÍDRICOS ............................. 1.4 1.1 CONCEITOS GERAIS ............................................................................................ 1.4 1.2 BREVE NOTA SOBRE A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA DA HIDROLOGIA ......................................................................................................... 1.5 1.2.1 A hidrologia na Antiguidade Oriental......................................................... 1.5 1.2.2 A hidrologia na Antiguidade Clássica ........................................................ 1.6 1.2.3 A hidrologia na Idade Média e no Renascimento ...................................... 1.7 1.2.4 A hidrologia nos séculos XVII e XVIII .......................................................... 1.9 1.2.5 A hidrologia no século XIX e na atualidade .............................................. 1.10 1.3 RESERVAS HÍDRICAS NA TERRA .................................................................. 1.11 1.4 UTILIZAÇÃO DA ÁGUA .................................................................................... 1.16 1.5 ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E SEUS IMPACTOS ....................................... 1.28 EXERCÍCIOS .................................................................................................................................. 1.30 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................. 1.32 Introdução à Hidrologia 1.2 Lista de Figuras Figura 1.1 — Nilómetro de Elefantina ....................................................................................... 1.6 Figura 1.2 — Platão e Aristóteles (fragmento do quadro A Escola de Atenas de Rafael) e Anaxágoras ................................................................................................................................... 1.7 Figura 1.3 — Leonardo da Vinci (Autorretrato)........................................................................ 1.8 Figura 1.4 — Edmond Halley, Daniel Bernoulli, Antoine de Chézy ..................................... 1.10 Figura 1.5 — Henry Darcy. Técnicos medindo com o tubo de Pitot ..................................... 1.10 Figura 1.6 — Distribuição de água na Terra ............................................................................ 1.12 Figura 1.7 — Escoamentos anuais médios expressos em altura de água ............................... 1.14 Figura 1.8 — Alturas dos escoamentos anuais médios em Moçambique e Portugal comparadas com os valores dos respetivos continentes .......................................................... 1.15 Figura 1.9 — Água: em utilizações e na natureza ................................................................... 1.17 Figura 1.10 — Evolução a nível mundial das captações de água para vários fins ................ 1.18 Figura 1.11 — Evolução a nível mundial das captações......................................................... 1.19 Figura 1.12 — Escoamento e captação nos vários continentes, km3/a .................................. 1.24 Figura 1.13 — Capitação das captações anuais nos continentes ............................................ 1.25 Figura 1.14 — Escoamento e consumo anuais médios nas regiões de Portugal continental 1.26 Figura 1.15 — Escoamento e consumo anuais médios nas regiões de Moçambique ........... 1.28 Introdução à Hidrologia 1.3 Lista de Quadros Quadro 1.1 — Importância das diversas reservas hídricas ..................................................... 1.12 Quadro 1.2 — Tempos de residência para várias reservas hídricas ....................................... 1.13 Quadro 1.3 — Valores anuais médios dos recursos hídricos renováveis............................... 1.14 Quadro 1.4 — Distribuição do escoamento anual médio por regiões hidrográficas em Portugal ...................................................................................................................................... 1.16 Quadro 1.5 — Distribuição do escoamento anual médio por regiões hidrográficas em Moçambique............................................................................................................................... 1.16 Quadro 1.6 — Captação de água em várias regiões (km3/a) .................................................. 1.23 Quadro 1.7 — Captação de água em várias regiões (% do total) ........................................... 1.23 Quadro 1.8 — Distribuição dos consumos por regiões hidrográficas em Portugal continental ..................................................................................................................................................... 1.26 Introdução à Hidrologia 1.4 1 INTRODUÇÃO À HIDROLOGIA E AOS RECURSOS HÍDRICOS 1.1 CONCEITOS GERAIS A hidrologia trata da ocorrência, circulação e distribuição da água na Terra, das suas propriedades físicas e químicas, da sua interação com o meio, de acordo com a definição apresentada em 1982 pela Organização Meteorológica Mundial (WMO 1982) e que é aceite de forma generalizada. Embora a hidrologia abranja o conhecimento da água tanto nos continentes como na atmosfera e nos oceanos, o estudo dos ramos aéreo e oceânico é feito nas disciplinas específicas de meteorologia e oceanografia, ficando a hidrologia propriamente dita dedicada ao ramo terrestre. A hidrologia da engenharia (engineering hydrology na terminologia inglesa corrente) é uma parte mais restrita da hidrologia, que inclui as áreas pertinentes ao planeamento, projeto e exploração de obras de engenharia visando o controlo e a utilização da água para satisfação das necessidades humanas. O seu enfoque é, por isso, o da aplicação da ciência na solução de problemas de engenharia. O objeto de estudo da hidrologia é o ciclo hidrológico nas suas várias componentes, que são fenómenos da natureza e, por conseguinte, processos essencialmente aleatórios. Isto significa que, diversamente do que acontece com outras áreas de engenharia, em que existe um grande controlo sobre o objeto do estudo (por exemplo, no caso de edifícios ou pontes ou de produtos industriais), o controlo dos processos que integram o ciclo hidrológico é pequeno ou nulo. No que se refere aos métodos de análise em hidrologia, a grande complexidade dos fenómenos exige uma grande acumulação de informações (dados hidrológicos e do meio biofísico) capaz de permitir o ajustamento de coeficientes a serem utilizados em métodos matemáticos relativamente simples. Os processos de cálculo têm beneficiado imenso do acesso a computadores cada vez mais potentes que, por sua vez, possibilitam o desenvolvimento e a utilização de programas de cálculo sempre mais sofisticados e o tratamento de quantidades crescentes de informação. As ferramentas mais utilizadas são a análise estatística e os modelos de simulação hidrológica das componentes do ramo terrestre do ciclo hidrológico, desde a precipitação até aos escoamentos superficial e subterrâneo, incluindo as interações com os processos atmosféricos e oceânicos. Um dos principais objetivos do estudo da hidrologia é o de aprofundar o conhecimento do ramo terrestre do ciclo hidrológico. Por outro lado, constitui objetivo igualmente importante utilizar os conhecimentosadquiridos em aplicações práticas como dimensionamento de obras hidráulicas (descarregadores de barragens, secções de vazão de pontes ou diques de defesa), Introdução à Hidrologia 1.5 sistemas de previsão e aviso de cheias, dimensionamento de sistemas de drenagem de regadios e áreas urbanas, determinação de necessidades de irrigação, gestão dos recursos hídricos e proteção do ambiente. Os progressos no conhecimento científico das diversas componentes do ciclo hidrológico têm permitido que estes e outros tipos de intervenção humana sobre a natureza se façam de forma mais segura, económica e sustentável. 1.2 BREVE NOTA SOBRE A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA DA HIDROLOGIA A ciência da hidrologia tem uma longa história que se inicia nas antigas civilizações orientais e prossegue nos nossos dias. Biswas (1972), Chow (1964) e Mays (1996) fazem excelentes descrições destes desenvolvimentos, conforme se apresenta resumidamente a seguir. 1.2.1 A hidrologia na Antiguidade Oriental A civilização egípcia floresceu à volta do Nilo. Para além das extensivas obras de irrigação do tempo dos faraós, há a referir a barragem de Saad-El-Kafara, no uadi El-Garawi, datada de cerca de 2900 a. C. e cujos encontros permaneceram até aos nossos dias. Heródoto descreve um conjunto de grandes obras hidráulicas levadas a cabo pelo grande faraó Menés, cerca de 3000 a. C., que incluíam uma barragem no Nilo e o desvio da água para um canal artificial, sendo a nova capital, Mênfis, construída sobre o antigo leito do rio. Quando Heródoto visitou o Egito, cerca de 2500 anos mais tarde, já o Império Egípcio desaparecera sob o domínio persa, mas a barragem continuava operacional — o que diz muito sobre a grande qualidade dos construtores egípcios. A importância dada à água, em particular às obras de irrigação e controlo de cheias, na China antiga, era tão grande que, diz a lenda, um engenheiro que dirigiu grandes obras hidráulicas acabou por se tornar o imperador Yü, o Grande. Constitui boa medida da importância atribuída a estas obras hidráulicas o fato de os Chineses considerarem uma dinastia como boa ou má conforme os respetivos governantes se tivessem ou não empenhado na manutenção dessas obras. A Mesopotâmia (nome que significa entre rios) era uma região fértil, atravessada pelos rios Tigre e Eufrates, ambos de regime muito irregular, obrigando a grandes cuidados com os diques de proteção contra cheias e obras de irrigação. Essa preocupação aparece bem explícita no famoso Código de Hamurabi, imperador da Babilónia (cerca de 1700 a. C.). Se a hidráulica, pelo impacto direto das obras, ocupava o primeiro plano, a necessidade de conhecimentos sobre a ocorrência e a distribuição da água tornava-se também muito importante. Sendo a irrigação no Nilo feita por inundação, a medição dos níveis nesse rio foi desde logo sendo feita, através dos nilómetros (cisternas com escalas graduadas ligadas ao rio por condutas subterrâneas). Os nilómetros serviam também para alertar sobre cheias excecionais. Quando a Introdução à Hidrologia 1.6 montante se registavam níveis de alarme, enviavam-se barcos que, remando a favor da corrente, eram capazes de ganhar avanço em relação à propagação da ponta da cheia e dar o alerta a jusante com suficiente antecipação para se tomarem as necessárias precauções. O nilómetro de Roda, próximo do Cairo, tem um registo contínuo de níveis, de 641 d. C. a 1890 d. C., constituindo a mais longa série hidrológica do mundo. Esta série permitiu o estudo de flutuações climáticas de ciclo curto e comparação com outras variáveis naturais como a espessura dos anéis dos troncos de árvores multisseculares. Este nilómetro não está já em funcionamento, mas pode ser visitado, tal como o monumento que o envolve, construído no século IX por ordem do califa abássida al-Mutawakkil. O nilómetro de Elefantina, perto de Assuão, é composto por uma escadaria que desce até o rio, com diversas escalas de leitura (Figura 1.1). Figura 1.1 — Nilómetro de Elefantina 1.2.2 A hidrologia na Antiguidade Clássica Enquanto as civilizações orientais se preocuparam principalmente com a utilização e controlo da água, as primeiras tentativas de explicação da origem e ocorrência da água (donde surgem os rios?) aparecem com os filósofos gregos. Platão apresenta o conceito dum mar subterrâneo (Tártaro) com inúmeras ligações à superfície, dando origem aos rios, lagos e mares. Aristóteles defendia que o frio transformava o Introdução à Hidrologia 1.7 ar em água, e isso acontecia tanto nas altas montanhas como no interior da terra, sendo essa a origem dos rios. Note-se que os Gregos dispunham de observações limitadas de muitos fenómenos e da sua interligação, o que de certa forma explica a sua incapacidade de descobrirem o conceito do ciclo hidrológico. Apesar disso, filósofos como Anaxágoras e Teofrasto apresentaram hipóteses próximas da concepção moderna do ciclo hidrológico, infelizmente caídas no esquecimento devido à influência dominante de Aristóteles. Figura 1.2 — Platão e Aristóteles (fragmento do quadro A Escola de Atenas de Rafael) e Anaxágoras A civilização romana não foi tão fértil como a grega em pensadores, tendo no entanto produzido grandes obras de engenharia através da aplicação empírica da experiência adquirida. Apesar disso, Vitrúvio apresenta no seu livro De architectura — libri decem um conceito bastante claro do ciclo hidrológico, com a precipitação nas montanhas a infiltrar-se e a reaparecer em nascentes e rios nas zonas baixas e a evaporação como fonte das nuvens. Há a referir ainda Hero de Alexandria, que escreve que o caudal depende da área e da velocidade, conceito que foi ignorado até ao século XVI. 1.2.3 A hidrologia na Idade Média e no Renascimento A Idade Média na Europa foi dominada ideologicamente pela Igreja, que se opôs fortemente à pesquisa experimental, baseando-se nos dogmas e na escolástica, para evitar o aparecimento de heresias. Foi um período de cerca de 13 séculos de fraco desenvolvimento científico, com o correspondente reflexo na hidrologia. Introdução à Hidrologia 1.8 O Renascimento corresponde ao desabrochar definitivo do pensamento científico e da experimentação. A partir do século XVI, a hidrologia, com as ciências irmãs da hidráulica e da meteorologia não parou de se desenvolver. Leonardo da Vinci, conhecido sobretudo como um pintor de génio, já nos princípios do século XVI tinha nos seus cadernos de notas, sobretudo no tratado Del moto e misura dell’acqua, conceitos importantes, embora não inteiramente corretos, sobre o ciclo hidrológico, sobre o escoamento em superfície livre e sobre a distribuição de velocidades numa secção. Infelizmente, tais notas só vieram a ser publicadas em finais do século XVIII, tendo por isso bastante menos influência no progresso da hidrologia e hidráulica do que poderiam ter tido se fossem conhecidas décadas antes. Leonardo baseava as suas conclusões nas observações que ele próprio fazia diretamente. Figura 1.3 — Leonardo da Vinci (Autorretrato) Bernard Palissy, um artista e cientista francês do século XVI com interesses ecléticos, apresentou a primeira formulação clara e completa do ciclo hidrológico, baseada em observações. Apresentou também ideias sobre o escoamento subterrâneo, nomeadamente sobre a razão para o fenómeno do artesianismo e a recarga de poços a partir de linhas de água próximas. Também as obras de Palissy, apesar de editadas em vida do autor, não tiveram grandeinfluência no desenvolvimento da hidrologia, possivelmente por terem sido escritas em francês Introdução à Hidrologia 1.9 numa altura em que a língua dos académicos ainda era o latim. 1.2.4 A hidrologia nos séculos XVII e XVIII O século XVII é berço da ciência moderna, o século de Galileu, Kepler, Newton, Harvey, Descartes, Van Leeuwenhoek. No domínio da hidrologia salientam-se os nomes de Castelli, Perrault, Mariotte e Halley, os três últimos marcando o início da hidrologia quantitativa. Benedeto Castelli apresenta uma explicação clara da relação entre caudal, secção transversal e velocidade, sistematizando ideias anteriores de Hero e Leonardo da Vinci. Pierre Perrault, no seu livro Da origem das fontes, publicado em Paris no terceiro quartel do século XVII, demonstra brilhantemente que o escoamento no troço de cabeceira do rio Sena podia ser totalmente explicado a partir da precipitação, apresentando um balanço hídrico rudimentar. Mariotte realizou experiências similares na região de Dijon e outras respeitantes à medição de velocidades, publicadas postumamente no livro Tratado do movimento das águas e de outros corpos fluidos. O livro refere a origem das fontes e dos rios, a determinação da velocidade do escoamento à superfície e junto ao leito e a medição do caudal num rio ou numa conduta. Halley, muito conhecido pelos seus trabalhos de astronomia, mostrou que a evaporação dos mares era amplamente suficiente para justificar a precipitação e os escoamentos dos rios. Halley estimou a evaporação no Mediterrâneo e o escoamento para esse mar a partir dos principais rios, incluindo o Nilo, o Danúbio, o Ródano, o Tibre e o Pó, e mostrou que a evaporação era cerca de três vezes mais do que o total do escoamento. Assim, o conjunto dos trabalhos destes três cientistas forneceu as bases quantitativas para ancorar firmemente o conceito de ciclo hidrológico. Os desenvolvimentos dos conceitos do ciclo hidrológico no século XVII e seguintes estão ligados às medições de precipitação, evaporação e caudal. É, assim, que começam a surgir os primeiros instrumentos hidrométricos modernos: pluviómetros, pluviógrafos e tinas de evaporação. O século XVIII testemunha o florescimento das medições hidrológicas e do desenvolvimento teórico. Podem referir-se como marcos fundamentais a medição de velocidade com o tubo de Pitot; a explicação de Leonard Euler sobre o papel da pressão no escoamento; o trabalho de Daniel Bernouilli sobre a conservação da soma das energias potencial e cinética, que conduziria mais tarde à equação de Bernouilli (conservação de energia), e sobre a relação entre pressão e velocidade; e a fórmula de Chézy para o cálculo do caudal numa secção transversal dum escoamento. Introdução à Hidrologia 1.10 Figura 1.4 — Edmond Halley, Daniel Bernoulli, Antoine de Chézy 1.2.5 A hidrologia no século XIX e na atualidade A ciência da hidrologia avançou muito rapidamente durante o século XIX. Verificaram-se progressos importantes na medição de variáveis hidrológicas, nomeadamente com a introdução de udógrafos, para registo contínuo da precipitação, de molinetes, para a medição de velocidades em rios e canais, e do medidor Venturi. Nos países mais industrializados, iniciou-se ainda de forma incipiente a colheita sistemática de dados hidrológicos e a sua análise. Em termos de conceptualização teórica, os marcos mais significativos a registar são o estudo de perfis de velocidade em canais, por Darcy e Bazin; a equação de Manning para o cálculo de caudais em escoamentos turbulentos uniformes; a fórmula racional para a determinação de caudais de cheia associada ao conceito de tempo de concentração, por Thomas Mulvaney; a teoria do escoamento em meios porosos, por Darcy, Dupuit, Thiem e Forcheimer; os princípios determinantes da evaporação, por Dalton; o diagrama de Rippl para o cálculo de capacidades de albufeiras; e a fórmula de Hagen-Poiseuille para o escoamento laminar. Figura 1.5 — Henry Darcy. Técnicos medindo com o tubo de Pitot Introdução à Hidrologia 1.11 O desenvolvimento da hidrologia e a sua importância nas aplicações da engenharia já era tal que em 1862 é publicado o primeiro Manual de Hidrologia por Nathaniel Beardmore, dividido em quatro partes: tabelas de hidráulica e diversas; rios, escoamentos, fontes, poços e percolação; marés e estuários; precipitação e evaporação. O livro continha dados hidrológicos de várias partes do mundo, fundamentalmente para ajudar os engenheiros ingleses, nesse tempo envolvidos no planeamento e projetos de recursos hídricos em inúmeros países. Os progressos alcançados na hidrologia durante o século XX são numerosos e representam um avanço qualitativo na direcção dum conhecimento científico dos fenómenos. Chow (1964) considerou três períodos para caracterizar o desenvolvimento da Hidrologia no século XX até à atualidade: período do empirismo (1900-1930), com uma grande abundância de fórmulas empíricas, criação de organismos para a recolha sistemática de dados hidrológicos, criação da (atualmente chamada) Associação Internacional de Ciências Hidrológicas; período da racionalização (1930-1950), caracterizado pelo aparecimento das teorias fundamentais da hidrologia moderna, nomeadamente as teorias do hidrograma unitário, de Sherman; da infiltração, de Horton; do escoamento em meios porosos para poços em regime variável, de Theis; do transporte de sedimentos, de H. A. Einstein; da análise estatística de fenómenos extremos, de Gumbel; finalmente, um período de teorização (1950 em diante), em que a hidrologia faz cada vez mais uso de métodos matemáticos avançados e dos modernos conceitos de mecânica de fluidos e da termodinâmica, em paralelo com uma utilização maciça de computadores e dos sistemas de informação geográfica como ferramentas básicas de trabalho. A moderna hidrologia, e em particular a hidrologia da engenharia, faz uma integração que se procura sempre mais perfeita entre as teorias dos processos hidrológicos e a informação disponível, em termos de registos de precipitação, caudais e de outras variáveis hidrológicas fundamentais. 1.3 RESERVAS HÍDRICAS NA TERRA A água é o líquido mais abundante na Terra. De fato, existe uma quantidade enorme, estimada em cerca de 1600 milhões de km 3 . Aproximadamente 15 por cento desta água está quimicamente ligada à crusta terrestre. A quantidade de água livre é cerca de 1386 milhões de km 3 (1386 × 10 15 m 3 ). Poderia parecer que a quantidade de água na Terra fosse quase ilimitada. Contudo, esta imagem muda bastante quando se considera a possibilidade de utilizar essa água. Tal é bem evidente na Figura 1.6, onde o volume total de água está representado no gráfico da esquerda e o volume apenas de água doce no gráfico da direita. Uma análise mais pormenorizada pode ser feita a partir do Quadro 1.1, adaptado de Shiklomanov (1998) e Gleick (1993), que mostra a importância das diferentes reservas hídricas. Introdução à Hidrologia 1.12 Figura 1.6 — Distribuição de água na Terra Quadro 1.1 — Importância das diversas reservas hídricas Volume (103 km3) Volume de água total (%) Volume de água doce (%) Oceanos e mares Lagos: doces salgados Pântanos Rios Humidade do solo Água subterrânea: doce salgada Gelo e neve (permafrost) Calotes polares Água na atmosfera Água biológica 1 338 000 91,0 85,4 11,5 2,1 16,5 10 530 12 870 340,6 24 023,512,9 1,1 96,5 0,008 0,006 0,0008 0,0002 0,0012 0,76 0,93 0,025 1,7 0,001 0,0001 - 0,26 - 0,03 0,006 0,05 30,1 - 1,0 68,6 0,04 0,003 Total de água Água doce 1 385 985 35 029 100 2,5 100 Deste quadro ressalta imediatamente a pequeníssima fração de água facilmente utilizável pelo homem em relação à totalidade da água existente no planeta. Vê-se que cerca de 97,5 por cento é água salgada e 1,7 por cento corresponde às zonas polares. Além disso, a maior parte da água subterrânea está situada a grandes profundidades, o que torna o seu aproveitamento antieconómico nas condições atuais. A parcela correspondente às águas superficiais e às águas subterrâneas pouco profundas, aquela que efetivamente pode ser utilizada com mais facilidade, é de fato bastante pequena, Introdução à Hidrologia 1.13 apenas cerca de 0,3 por cento da água que existe na Terra. Os números constantes no Quadro 1.1 são obviamente difíceis de estimar. Outros investigadores como Nace (1967), L’vovich (1979), Baumgartner e Reichel (1975) apresentam valores do total de água entre 1 360 000 e 1 454 193 km 3 , representando diferenças inferiores a 5 por cento relativamente a Shiklomanov (1998). No entanto, esses mesmos investigadores diferem bastante mais nas suas estimativas do total de água doce, que variam entre 23 000 e 70 000 km 3. A estimativa mais alta é a de L’vovich, sendo a diferença resultante de valores mais altos para o volume de água dos oceanos e para o volume da água subterrânea. O tempo de residência é o valor que se obtém dividindo o volume da reserva pelo correspondente fluxo médio de renovação. Assim, o tempo de residência representa o tempo médio que uma gota de água permanece numa certa reserva de água antes de passar para uma outra reserva. O Quadro 1.2, adaptado de Shiklomanov (1998), apresenta valores do tempo de residência para várias reservas hídricas. Quadro 1.2 — Tempos de residência para várias reservas hídricas Volume (103 km3) Tempo de residência Oceanos e mares Lagos e pântanos Rios Humidade do solo Água subterrânea Gelo e neve (permafrost) Calotes polares Água na atmosfera 1 338 000 187,9 2,1 16,5 23 400 340,6 24 023,5 12,9 2 500 a 17 a 16 d 1 a 1 400 a 10 000 a 9 700 a 8 d Note-se que, enquanto para as águas superficiais, especialmente para os rios, esses tempos são curtos, para oceanos, glaciares e água subterrânea esses tempos contam-se por centenas ou milhares de anos. Note-se também que os volumes das reservas, apresentados no Quadro 1.1, representam uma imagem estática, um instantâneo das disponibilidades de água e pouco têm a ver com a sua importância para o ciclo hidrológico (que representa uma imagem dinâmica) onde a contribuição dos rios ou da atmosfera, por exemplo, é muito superior ao respetivo volume total instantâneo devido ao reduzido tempo de residência. O tempo de residência também tem relevância no âmbito da poluição dos recursos hídricos. Por exemplo, um rio que sofra descargas de efluentes poluídos poderá, em princípio, autodepurar-se em relativamente pouco tempo (teoricamente, em apenas algumas semanas), quando as fontes poluentes deixam de existir. No caso dum grande lago, a sua limpeza já será um processo de muitos anos, ao passo que a contaminação dum aquífero pode impedir a sua utilização durante muitas gerações. L’vovich (1979) e Budyko e Sokolov (1978) desenvolveram balanços hídricos para os Introdução à Hidrologia 1.14 vários continentes. Um trabalho mais recente é o de Shiklomanov (1998), que estimou em 42 750 km 3 os recursos hídricos renováveis em valores médios, obtidos a partir de séries de 65 anos de estações espalhadas pelo mundo, sendo a quase totalidade correspondente a escoamento superficial. O Quadro 1.3 apresenta os valores anuais médios dos recursos hídricos renováveis dos diversos continentes. Quadro 1.3 — Valores anuais médios dos recursos hídricos renováveis Continente Área (106 km2) Recursos hídricos renováveis (km 3 /a) África 30,1 4 050 América do Norte 24,3 7 890 América do Sul 17,9 12 030 Ásia 43,5 13 510 Europa 10,5 2 900 Oceânia 8,9 2 405 Total 135,2 42 785 A Figura 1.7 apresenta os escoamentos anuais médios dos continentes expressos como alturas de água 1 , evidenciando a América do Sul e África como os extremos da abundância e da escassez relativas. 0 100 200 300 400 500 600 700 800 África América do Norte América do Sul Ásia Europa Oceânia Total E sc oa m en to a nu al m éd io (m m /a ) Figura 1.7 — Escoamentos anuais médios expressos em altura de água 1 O escoamento expresso como altura de água é obtido pela razão do volume de escoamento pela área da respetiva bacia hidrográfica. Introdução à Hidrologia 1.15 O escoamento anual médio em Portugal continental é de 34 km 3 /a, a que se somam 43 km 3 /a provenientes das bacias hidrográficas internacionais partilhadas com Espanha, conforme se refere em INAG (2002). Os valores para Moçambique, referidos em Vaz (1995), são de 100 km 3 /a gerados dentro do país e 116 km 3 /a provenientes dos países vizinhos. A Figura 1.8 revela que, em termos de escoamento anual médio expresso em altura de água, Portugal goza de uma posição confortável, com um valor superior à média do continente europeu quando se considera apenas o escoamento gerado no país, e mais ainda quando se considera o escoamento afluente transfronteiriço. Já a situação de Moçambique é bastante pior, atendendo a que África é, como se viu, o continente com maior escassez de recursos hídricos. 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Moçambique Portugal Es co am en to a nu al m éd io (m m /a ) Gerado no país Total no país Total no continente Figura 1.8 — Alturas dos escoamentos anuais médios em Moçambique e Portugal comparadas com os valores dos respetivos continentes Apesar da reduzida dimensão geográfica dos dois países relativamente à dos respetivos continentes, existem em cada um deles grandes disparidades na distribuição dos escoamentos médios pelas diversas regiões hidrográficas, como se pode verificar pelos quadros seguintes. Introdução à Hidrologia 1.16 Quadro 1.4 — Distribuição do escoamento anual médio por regiões hidrográficas em Portugal Região Área (km2) Escoamento gerado no país (km3/a) Escoamento proveniente do país vizinho (km3/a) Norte 24 630 15,9 26,6 Centro 14 000 7,2 0 Tejo 25 160 6,3 10,9 Alentejo 21 660 3,6 5,5 Algarve 3 840 0,8 0 Total 89 290 33,8 43,0 A região do Algarve sofre claramente de escassez de recursos hídricos, o que também aconteceria com as regiões do Tejo e Alentejo se tal não fosse compensado pelos escoamentos provenientes da Espanha através dos rios Tejo e Guadiana. Quadro 1.5 — Distribuição do escoamento anual médio por regiões hidrográficas em Moçambique Região Área (km2) Escoamento gerado no país (km3/a) Escoamento proveniente dos países vizinhos (km3/a) Norte 168 000 24,9 10,0 Centro-Norte 196 000 35,2 0 Zambeze 140 000 18,0 88,0 Centro 84 000 18,4 1,2 Sul 192 000 3,8 17,0 Total 780 000 100,3 116,2 No caso de Moçambique, a região Sul, caracterizada por um clima semiárido, mostra uma grandeescassez de recursos hídricos, situação parcialmente compensada pelos escoamentos provenientes dos países vizinhos. 1.4 UTILIZAÇÃO DA ÁGUA Quando se pensa na água como recurso natural, podem considerar-se diversos tipos de utilização. É costume categorizar tais tipos em quatro grandes grupos: utilizações para fins que são indispensáveis à vida e à saúde e bem-estar das pessoas, como beber, cozinhar, higiene pessoal e outros consumos domésticos; utilizações de consumo público: escolas, hospitais, comércio e serviços, bombeiros, jardins, lavagem de ruas e outros serviços urbanos; utilizações para fins económicos, ou seja, a água que é utilizada como fator no processo produtivo; utilizações ligadas à conservação ambiental. Introdução à Hidrologia 1.17 Os primeiros dois grupos de utilizações aparecem com alta prioridade quer nos países desenvolvidos quer em países em desenvolvimento, prioridade muitas vezes traduzida em dispositivos legais e regulamentares. No grupo de utilizações para fins económicos merece especial destaque a irrigação, que tem um peso muito grande em Moçambique, tal como em muitos outros países. Para além da irrigação, há a considerar a utilização da água sob diversas formas nos processos de produção industrial; na produção de energia (seja de energia hidroelétrica, seja em centrais térmicas para o arrefecimento); e em outras finalidades como a pesca, o abeberamento do gado, o recreio e o turismo ou a navegação fluvial. A Figura 1.9 ilustra algumas destas utilizações. Figura 1.9 — Água: em utilizações e na natureza Sendo um dos elementos fundamentais do meio ambiente, a água é também um meio recetor privilegiado. Por isso, é um meio que é afetado não apenas pelas captações de água para diversas utilizações mas também pelo tipo de descargas que recebe e que afetam em grande medida a sua qualidade e, por via disso, a qualidade do ambiente. Porque os Introdução à Hidrologia 1.18 problemas ambientais que se levantam são cada vez maiores e porque há nas sociedades mais consciência desses problemas, a gestão integrada da água com a devida consideração pela preservação da qualidade do meio hídrico e dos ecossistemas tem vindo a receber maior atenção e prioridade, como se evidencia na Directiva-Quadro da Água da União Europeia (Henriques et al., 2000) transposta para Portugal pela Lei da Água 58/2005. Jones (1997) indica que a utilização de água a nível mundial cresceu aproximadamente 35 vezes nos últimos 300 anos, chegando a cerca de 3500 km 3 por ano em termos de consumo e a cerca de 5000 km 3 /a em termos de captações. A Figura 1.10, adaptada de Abramowitz (1996), apresenta a evolução a nível mundial das captações para os principais consumos, com base em análise de informação disponível até ao início da década de 90 do século XX. 0 500 1 000 1 500 2 000 2 500 3 000 3 500 4 000 4 500 5 000 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020 Ca pt aç ão a nu al (k m 3 /a ) Irrigação Indústria Doméstico e municipal Total Figura 1.10 — Evolução a nível mundial das captações de água para vários fins Outros autores apresentam valores diferentes das captações e do consumo, resultado quer da pouca fiabilidade dos dados de base quer de metodologias diversas utilizadas para fazer extrapolações, como se pode ver da Figura 1.11 obtida de Shiklomanov (1999). Com base em informação até 1995, os resultados deste autor indicam, para o ano 2000, uma captação total de cerca de 4000 km 3 /a em vez de 5000 km 3 /a como apresentados por Jones e Abramowitz. Shiklomanov considera também como captação o valor resultante do acréscimo de evaporação nas albufeiras. Introdução à Hidrologia 1.19 Os consumos são claramente inferiores às captações, uma vez que parte da água retirada dos rios e aquíferos é devolvida embora com atraso no tempo e com a qualidade alterada. Shiklomanov apresenta valores dos consumos para as quatro categorias que considerou, resultando em percentagens relativas às captações de cerca de 70 por cento para a irrigação, 16 por cento para a indústria, 10 por cento para o consumo doméstico e municipal e 100 por cento para as albufeiras. No ano 2000, o consumo seria, segundo Shiklomanov, de cerca de 2200 km 3 /a, tendo este autor projetado para o ano de 2025 um consumo de cerca de 2800 km 3 /a. 0 500 1 000 1 500 2 000 2 500 3 000 3 500 4 000 4 500 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 C ap ta çã o an ua l ( km 3 / a) Irrigação Indústria Doméstico e municipal Albufeiras Total Figura 1.11 — Evolução a nível mundial das captações O crescimento da procura abrandou nos países desenvolvidos, mas continua a subir rapidamente nos países em desenvolvimento. As pressões que originam o crescimento contínuo da procura estão ligadas a quatro aspetos fundamentais: aumento da população e urbanização crescente; necessidade de aumento da produção agrícola; necessidade de aumento da produção industrial; desperdício e poluição da água. Introdução à Hidrologia 1.20 A população mundial era em 1900 de 1500 milhões, chegou aos 5000 milhões em 1987, em 2000 ultrapassou os 6000 milhões e, embora o ritmo de crescimento tenha abrandado significativamente 2 , espera-se que atinja os 8000 milhões em 2025 (USCB, 2004). Grande parte deste aumento da população ocorre nos países menos desenvolvidos, que tinham 67 por cento da população mundial em 1950, percentagem que passou para 76 por cento em 1990 e poderá chegar a 84 por cento em 2025. A população mundial está também a concentrar-se cada vez mais em cidades, tendo a população urbana passado de menos de 30 por cento em 1950 para mais de 50 por cento em 2007, podendo vir a exceder 60 por cento em 2025-2030 (UNFPA, 2007). O aumento da população representa um aumento direto do consumo doméstico, mas a crescente urbanização representa um grande aumento da procura. Mesmo nos países em desenvolvimento, enquanto o consumo em áreas rurais é tipicamente da ordem de 10-30 L/hab/dia, esse consumo unitário atinge facilmente 150 l/hab/dia em áreas urbanas. Estas tendências colocam dois problemas sérios. Em primeiro lugar, o consumo doméstico e municipal exige água de boa qualidade e está a ser cada vez mais difícil encontrar fontes sustentáveis de água potável. Em segundo lugar, o resultado do crescimento do consumo doméstico e municipal resulta em volumes cada vez maiores de águas residuais, poluídas por substâncias orgânicas e inorgânicas. Por outro lado, se uma proporção significativa do crescimento urbano nos países em desenvolvimento se materializar em bairros informais sem sistemas minimamente adequados de abastecimento de água e saneamento, tal poderá resultar numa menor procura de água, mas tal será à custa dum agravamento de problemas de saúde pública e poluição. A nível global, grande parte do volume de água anualmente consumido destina-se à irrigação. A irrigação permite garantir maiores rendimentos das culturas e produzir em épocas do ano em que não há precipitação ou ela é insuficiente. Organismos especializados como a FAO consideram que a única esperança de alimentar uma população mundial em contínua expansão é o de aumentar a agricultura irrigada. Por outro lado, a agricultura, e particularmente a agricultura irrigada, é uma das principais fontes de poluição difusa, constituindo por essa via motivo de preocupação. De acordo com WorldResources Institute (1992), a agricultura irrigada iria extrair cerca de 2600 km 3 em 2000, embora a percentagem do consumo mundial total viesse a baixar de cerca de 63 por cento para 55 por cento em virtude do crescimento do consumo doméstico e industrial. Grande parte da irrigação que se faz no mundo está concentrada na Ásia — 60 por cento do consumo de água, 75 por cento da área irrigada. Mais de metade da área irrigada no mundo está concentrada em quatro países, China, Índia, Paquistão e Bangladesh, através de captações realizadas em grandes rios como o Indo, o Ganges, o Bramaputra, o Yangtze e o Hwang-ho. Outros países com grandes áreas de irrigação são os Estados Unidos, a Rússia e 2 A taxa de crescimento da população decresceu de cerca de 2,2 por cento ao ano em 1963-64 para cerca de 1,2 por cento ao ano em 2002. Introdução à Hidrologia 1.21 outros países da antiga União Soviética. O crescimento do consumo de água para irrigação tem abrandado, quer por haver menos solos facilmente adaptáveis a irrigação, quer porque a água começa a tornar-se escassa. Este último aspeto tem levado à adoção, num número crescente de países e de perímetros de irrigação, de tecnologias mais eficientes, do ponto de vista do consumo de água e energia, e que minimizam o risco de salinização dos solos. O consumo industrial representa cerca de um quarto do consumo mundial total, estimando-se o consumo industrial em 2000 em cerca de 760 km 3 , apenas ultrapassado pelo consumo para a irrigação. Há enormes variações de carácter regional e local nos consumos industriais, determinados pelos níveis de desenvolvimento económico e industrial, nível de desenvolvimento tecnológico, tipo de indústria e características climáticas. Por exemplo, 1 tonelada de tecido de linho requer apenas 250 m 3 de água, ao passo que são necessários 5000 m 3 para produzir 1 tonelada de fibra sintética. As indústrias metalúrgica e química necessitam habitualmente de consumos unitários médios de água mais elevados. Os consumos unitários tendem a ser mais elevados na indústria pesada, em processos tecnológicos mais antigos e em climas quentes. Isto significa que a atual tendência de industrialização dos países menos desenvolvidos corresponde a altas taxas de consumo enquanto que nos países desenvolvidos, com tecnologias modernas, o consumo industrial de água tem-se mantido estacionário nas últimas décadas, apesar do aumento da produção industrial. A produção de eletricidade constitui um caso particular do consumo de água para fins industriais, distinguindo-se o consumo para arrefecimento de centrais térmicas e o destinado à produção hidroelétrica. Na utilização de água em centrais térmicas, o consumo corresponde ao volume abstraído que se perde para a atmosfera por evaporação no processo de arrefecimento. No caso da produção hidroeléctrica, não há praticamente perdas no processo de produção de energia, uma vez que a água abstraída é devolvida ao rio após passar pelas turbinas. No entanto, é frequente que a produção hidroelétrica exija a construção duma barragem com albufeira de armazenamento para regularizar os caudais a turbinar. Nessa situação, há um consumo que se deve atribuir à produção hidroelétrica e que corresponde à diferença entre o volume de água que se evapora a partir da albufeira e o volume anteriormente evaporado do rio 3 . Apesar dos impactos ambientais negativos associados às barragens, é previsível que a crise de energia decorrente do esgotamento a prazo das principais reservas petrolíferas e de gás natural e dos riscos com que a energia nuclear é socialmente percebida leve a um maior aproveitamento do potencial hidroelétrico a nível mundial, de que apenas cerca de 15 por cento estava desenvolvido nos anos 80 (Albertson, 1983). Esta tendência é ajudada pelo desenvolvimento tecnológico e pela reavaliação dos custos e benefícios (económicos, sociais, 3 Quando se refere evaporação pretende-se significar o excesso da evaporação relativamente à precipitação. Introdução à Hidrologia 1.22 ambientais) que estão a melhorar a viabilidade dos aproveitamentos de pequena escala e de baixa queda. No que se refere ao desperdício e poluição da água, existe atualmente a percepção do risco de se estar gradualmente a reduzir a disponibilidade dos recursos hídricos devido ao grande nível de desperdício e, em especial, pela devolução de água poluída ao meio hídrico recetor, o que pode reduzir muito a qualidade da água e do ambiente em rios, lagos e aquíferos. Há perdas enormes de água potável em sistemas urbanos de distribuição de água, resultando em maiores captações do que o necessário. A redução de perdas e uma utilização mais frugal da água são questões-chave que têm de constituir preocupação em qualquer parte do mundo. No entanto, a principal ameaça resulta da poluição. A poluição começou por ter origem doméstica e nos efluentes salinos das áreas de irrigação. Com o desenvolvimento da industrialização a nível mundial, surgiram novos produtos poluentes como os metais pesados e os petroquímicos, e a agricultura intensiva fez aparecer os fertilizantes, pesticidas e herbicidas. A intensificação da urbanização provocou um enorme aumento das águas residuais domésticas, juntamente com óleos, metais pesados e sedimentos diversos. Durante bastante tempo, o processo mais utilizado para tratar efluentes de águas residuais domésticas e industriais assentou na diluição inicial no meio recetor e subsequente autodepuração. Infelizmente, isto requer volumes pelo menos de uma ordem de grandeza superior aos dos efluentes, o que se vem revelando cada vez mais difícil em diversas regiões devido à redução dos caudais naturais por causa das crescentes captações em paralelo com o aumento dos volumes dos efluentes descarregados. L’vovich (1979) foi um dos investigadores que, na antiga União Soviética, mais cedo alertou para os riscos associados à poluição, tendo apresentado propostas bastante radicais para reduzir a zero as descargas poluentes nos meios hídricos, incluindo reciclagem industrial, tecnologias secas e espalhamento das águas residuais em terrenos apropriados. Os países desenvolvidos têm seguido uma estratégia de licenciamento para restringir os efluentes industriais, em paralelo com a aplicação do princípio do poluidor-pagador, além do desenvolvimento de infraestruturas de tratamento mais sofisticado e seguro das águas residuais urbanas (Jones, 1997). Neste aspecto, a situação entre os países menos desenvolvidos é bastante grave na generalidade dos casos, uma vez que faltam políticas adequadas para lidar com os problemas da poluição hídrica ou capacidade de as aplicar. O Quadro 1.6, adaptado de Gleick (2007), apresenta valores de captação de água estimados para 2000 para as várias regiões do mundo. Conforme o autor refere, estes dados são dos mais necessários na área de gestão dos recursos hídricos, mas, infelizmente, são igualmente dos menos fiáveis e menos consistentes. Os dados provêm duma grande variedade de fontes, sendo coligidos com abordagens também variadas e raramente sujeitas a padrões normalizados. Introdução à Hidrologia 1.23 Os dados apresentam valores de captação de água e não de consumo, que são inferiores, e correspondem a valores medidos ou estimados no período entre 1980 e 2000. O consumo doméstico inclui também os usos municipais, públicos e comerciais. O consumo industrial engloba água utilizada para arrefecimento em centrais térmicas. O consumo de irrigaçãoinclui ainda o consumo para pecuária. Quadro 1.6 — Captação de água em várias regiões (km3/a) Região Captação (km3/a) Doméstico Industrial Irrigação Total África 22 9 183 214 América do Norte 89 257 276 622 América do Sul 28 21 116 164 Ásia 169 249 1 876 2 294 Europa 63 203 126 392 Oceânia 5 3 19 26 Total 375 741 2 596 3 712 A Ásia é o continente com o mais elevado valor de captações de água, fundamentalmente para irrigação, enquanto que os valores que se registam para África, América do Sul e Oceânia são relativamente baixos. Colocando estes valores como percentagens da captação total em cada região, conforme o Quadro 1.7, aparece em evidência o consumo industrial nas regiões mais desenvolvidas do mundo (Europa e América do Norte), ao passo que nas restantes regiões as mais elevadas percentagens se destinam ao consumo para fins agrários. Quadro 1.7 — Captação de água em várias regiões (% do total) Região Captação (%) Doméstico Industrial Irrigação África 10 4 86 América do Norte e Central 14 41 45 América do Sul 17 12 71 Ásia 7 11 82 Europa 16 52 32 Oceânia 18 10 72 Total 10 20 70 Quando se comparam os valores das captações com os escoamentos totais anuais médios, Figura 1.12, verifica-se que as captações andam entre 1 e 5 por cento dos escoamentos para África, América do Sul e Oceânia, onde o potencial dos recursos hídricos ainda está, portanto, muito abaixo dos limites duma exploração sustentável. Introdução à Hidrologia 1.24 0 2 000 4 000 6 000 8 000 10 000 12 000 14 000 16 000 África América do Norte América do Sul Ásia Europa Oceânia Es co am en to e c ap ta çã o an ua is m éd ios (k m 3 /a ) Escoamento Captação Figura 1.12 — Escoamento e captação nos vários continentes, km3/a Na Ásia, as captações atingem cerca de 18 por cento do escoamento total anual médio, o que já é um valor alto, atendendo a que o escoamento que ocorre com as fiabilidades necessárias para os diversos tipos de consumo é muito mais baixo que o escoamento anual médio. Há, no entanto, que atender a que grande parte destas captações se destina à irrigação, onde o consumo é uma fração da captação, havendo retornos importantes de água aos rios. Na Europa e na América do Norte as captações já excedem 10 por cento do escoamento total anual médio, obrigando a uma gestão cuidada do recurso água. A situação nestas duas regiões torna-se mais difícil quando se considera o enorme peso do consumo industrial, onde os efluentes podem afetar grandemente a qualidade dos meios recetores e diminuir a sua disponibilidade para outras utilizações. Relativamente às capitações das captações, a Figura 1.13, com dados referentes ao ano 2000 de Gleick (2007), apresenta os valores anuais médios para os continentes. África tem a capitação mais baixa, cerca de cinco vezes inferior à da América do Norte. A relativamente baixa capitação da Europa explica-se por um lado pela menor importância da irrigação e, por outro, pela baixa capitação na Rússia e outros países da Europa do Leste. Introdução à Hidrologia 1.25 235 1217 440 588 538 839 0 200 400 600 800 1 000 1 200 1 400 África América do Norte América do Sul Ásia Europa Oceânia Ca pit aç ão (m 3 /h ab /a ) Figura 1.13 — Capitação das captações anuais nos continentes As capitações dos consumos eram no dealbar do século XXI de cerca de 900 m 3 /hab/a em Portugal e de 140 m 3 /hab/a em Moçambique. Considerando agora as capitações do escoamento anual médio gerado em Portugal e Moçambique, os valores resultantes dos censos de 2001 em Portugal (população — 9,73 milhões) e de 2007 em Moçambique (população — 20,6 milhões) indicam capitações para esses anos de 3500 m3/hab/a para Portugal e de 4850 m 3 /hab/a para Moçambique. Quando se incluem os escoamentos transfronteiriços, esses valores passam para cerca de 8000 e 10 500 m 3 /hab/a, respetivamente. Com base na experiência registada em muitos países e diversas situações climáticas, Falkenmark (1995) apresentou os seguintes indicadores de capitação do escoamento representativos da pressão da população sobre os recursos hídricos: abaixo de 10 000 m3/hab/a surgem problemas de qualidade da água na época seca; abaixo de 1700 m3/hab/a há uma situação de stresse hídrico; abaixo de 1000 m3/hab/a está-se numa situação de escassez crónica de água; abaixo de 500 m3/hab/a está-se numa situação de escassez absoluta de água. Assumindo esses indicadores, apesar do seu carácter extremamente esquemático, pode dizer-se que nem Portugal nem Moçambique se encontram em situação difícil no que respeita à disponibilidade de recursos hídricos. No entanto, há que ver que as capitações que se obtiveram são valores globais para todo o território, podendo verificar-se situações críticas em regiões específicas, como a região Sul em Moçambique ou o Algarve em Portugal. No que respeita a Portugal continental, o Quadro 1.8 sumaria os dados de consumo apresentados no Plano Nacional da Água. Introdução à Hidrologia 1.26 Quadro 1.8 — Distribuição dos consumos por regiões hidrográficas em Portugal continental Região Doméstico (hm3/a) Industrial (hm3/a) Irrigação (hm3/a) Energia (hm3/a) Turismo (hm3/a) Total (hm3/a) Total (mm/a) Norte 157 72 2 126 88 1 2 444 99,2 Centro 123 104 1 188 2 1 417 101,2 Tejo 221 146 1 992 477 3 2 839 112,8 Alentejo 40 61 938 672 2 1 713 79,1 Algarve 22 2 307 10 341 88,8 TOTAL 562 385 6 551 1 237 18 8 754 98,0 Em termos de consumo total, o valor de quase 9 km 3 já é uma fração apreciável, cerca de 25 por cento, do escoamento anual médio total gerado no território, embora essa percentagem desça para pouco mais de 10 por cento quando se entra em conta com os escoamentos transfronteiriços. O consumo por unidade de área apresenta-se extremamente equilibrado na sua distribuição regional, o que, atendendo à disparidade geográfica da disponibilidade de recursos hídricos, expressa no Quadro 1.4, cria uma pressão bastante grande sobre a água, sobretudo na região do Algarve, onde o consumo se situa à volta de 50 por cento do escoamento anual médio, Figura 1.14. 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 Norte Centro Tejo Alentejo Algarve Es co am en to e c on su m o an ua is m éd io s (k m 3 /a ) Escoamento no país Escoamento total Consumo total Figura 1.14 — Escoamento e consumo anuais médios nas regiões de Portugal continental Introdução à Hidrologia 1.27 As captações de água em Moçambique são extremamente baixas, refletindo o fato de o país se situar entre os mais pobres do mundo, estando assim os seus recursos hídricos muito longe de serem razoavelmente explorados para o abastecimento de água urbano e rural, consumo industrial e principalmente para irrigação, onde a área efetivamente irrigada em 2000 se situava ainda abaixo dos 100 mil hectares. De acordo com as mais recentes estimativas feitas para todo o país (DNA, 1998), a captação total anual média era na década de 90 de cerca de 645 hm 3 , dos quais 550 hm 3 para irrigação, 80 hm 3 para consumo doméstico e 15 hm 3 para consumo industrial. A esse valor total devem somar-se as perdas por evaporação nas grandes albufeiras, particularmente as da barragem de Cahora Bassa, que foram estimadas em 2200 hm 3 . Chega-se então a um totalde menos de 3 km 3 /a, valor muito baixo em comparação com os cerca de 100 km 3 de escoamento anual médio gerado no país, ou os cerca de 216 km 3 entrando em consideração com os caudais transfronteiriços. Verifica-se no entanto um crescimento muito rápido do consumo, particularmente em irrigação e no consumo doméstico, permitindo projetar consumos para 2015 (Vaz, 1999). A distribuição dos consumos projetados pelas cinco regiões hidrográficas do país apresenta-se no Quadro 1.9. Note-se que neste quadro não estão incluídas as perdas por evaporação nas grandes albufeiras. Quadro 1.9 — Distribuição dos consumos por regiões hidrográficas em Moçambique Região Doméstico (hm3/a) Industrial (hm3/a) Irrigação (hm3/a) Total (hm3/a) Total (mm/a) Sul 185 40 1 295 1 520 8,0 Centro 79 13 251 343 4,1 Zambeze 82 4 284 370 2,6 Centro-Norte 74 7 32 113 0,6 Norte 41 1 38 80 0,5 Total 461 65 1 900 2 426 3,1 Embora os valores dos consumos ainda se apresentem bastante baixos, o consumo total na região Sul é de cerca de 60 por cento do total, ocorrendo precisamente na região onde é menor a disponibilidade dos recursos hídricos. Nessa região, o consumo atinge perto de 40 por cento do escoamento anual médio gerado no país, ficando por isso extremamente dependente dos escoamentos transfronteiriços. Introdução à Hidrologia 1.28 0 20 40 60 80 100 120 Sul Centro Zambeze Centro-Norte Norte Es co am en to e c on su m o an ua is m éd ios (k m 3 /a ) Escoamento no país Escoamento total Consumo total Figura 1.15 — Escoamento e consumo anuais médios nas regiões de Moçambique 1.5 ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E SEUS IMPACTOS De acordo com o IPCC (2007) 4 , a designação de alterações climáticas refere-se a qualquer alteração do clima ao longo do tempo, seja ela devido à variabilidade natural ou como resultado da ação humana. O clima da Terra tem tido alterações dramáticas ao longo de milhões de anos, caracterizadas em primeira aproximação por períodos glaciares de cerca de cem mil anos de duração separados por períodos interglaciares dez vezes mais curtos, com transições entre estes períodos com poucos milhares de anos de duração. Encontramo-nos atualmente num período interglaciar, iniciado há cerca de dez mil anos. Durante este período interglaciar, o clima nunca foi estacionário: os registos de temperatura derivados a partir de sondagens nos gelos da Gronelândia mostram uma sucessão de oscilações de temperatura, culminando há cerca de oito mil anos com aquilo que foi designado como óptimo climatérico, com uma temperatura média superior em 2 ºC à de 1990 e nitidamente mais húmido. Sabe-se que, a partir dessa data e durante quase cinco mil anos, o deserto do Sara apresentava uma paisagem de lagos, pântanos e estepes povoados por uma fauna de grandes mamíferos (Lenoir, 1995). Mesmo em períodos históricos mais recentes registaram-se características climáticas 4 O IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) é um organismo criado pelas Nações Unidas que engloba cientistas, representantes dos governos de todo o mundo, agências das Nações Unidas, ONG e outras instituições interessadas nas alterações climáticas e formas de lidar com os seus impactos, tendo produzido sucessivos relatórios em 1990 (FAR – First Assessment Report), 1995 (SAR – Second Assessment Report), 2001 (TAR – Third Assessment Report) e 2007 (4AR – Fourth Assessment Report). Introdução à Hidrologia 1.29 muito distintas das que se nos tornaram habituais a partir da segunda metade do século XX. Embora polémico, é usual referir-se, ao menos em relação à Europa, que entre os séculos X e XIV se verificou um pequeno óptimo climatérico designado por Período Quente Medieval, ao passo que entre cerca de 1500 e 1850 as temperaturas baixaram significativamente na chamada Pequena Idade do Gelo, tanto no hemisfério norte como no hemisfério sul (Cronin et al., 2003, Tyson et al. 2000, Akasofu, 2008). Embora toda a história passada do clima na Terra pareça apontar para a entrada no período de transição para uma nova era glaciar, tal dá-se numa escala temporal de milhares de anos, que ultrapassa em muito a escala de tempo que motiva e condiciona a sociedade humana e que é da ordem dos dez a cem anos. A esta escala, como se viu, pode haver grandes variações em relação à tendência de alteração do clima a longo prazo. Nas últimas três décadas, de acordo com o IPCC (2007), reforçou-se a tendência para o aumento da temperatura média do planeta que vinha a registar-se desde o fim da Pequena Idade do Gelo, por volta de 1850. Segundo o IPCC, tal deve-se ao aumento da concentração dos gases de estufa, particularmente do dióxido de carbono de origem antropogénica que, por um feedback positivo, originaria um aumento do teor de vapor de água na atmosfera. Os cenários e os resultados da modelação apresentados no IPCC (2007) apontam para um aumento de temperatura entre 1,8 e 6,4 ºC e um aumento do nível médio dos oceanos entre 0,18 e 0,59 m por volta do final deste século. As alterações climáticas que podem vir a verificar-se poderão ter consequências diretas na disponibilidade dos recursos hídricos. Estas consequências foram analisadas com grande pormenor no Capítulo 4 do relatório do Working Group 2 no TAR (Arnell e Liu, 2001). O relatório coloca algumas reservas, sobretudo para tomar em consideração a incerteza que rodeia a previsão do que podem vir a ser as alterações climáticas e que levou o IPCC à metodologia de construção de cenários. Para além disso, o relatório coloca outras limitações, designadamente o desajustamento entre as escalas dos modelos climáticos globais (que consideram normalmente um passo de tempo mensal e uma resolução espacial de dezenas de milhares de quilómetros quadrados) e as dos modelos de simulação hidrológica de bacias (que utilizam um passo de tempo diário ou inferior e uma resolução espacial de poucas dezenas ou centenas de quilómetros quadrados), e a capacidade de os modelos hidrológicos gerarem valores corretos de escoamento, embora esta incerteza seja considerada muito inferior à incerteza associada às entradas principais do modelo (precipitação, evaporação) obtidas dos modelos climáticos globais. A precipitação é o principal fator determinante da variabilidade espacial e temporal do balanço hídrico. De acordo com o IPCC (2007), registam-se já determinadas tendências relativas à precipitação: aumento da precipitação anual nas latitudes média e alta do hemisfério norte, decréscimo da precipitação nas regiões tropicais e subtropicais de ambos os hemisférios, aparente aumento da frequência de precipitações extremas no Reino Unido e nos Estados Unidos. De acordo com o relatório do Working Group 2, os modelos climáticos simulam estas alterações nos padrões de precipitação, embora, em grande parte do Globo, as Introdução à Hidrologia 1.30 mudanças associadas ao aquecimento global sejam pequenas quando comparadas com a variabilidade natural multidecadal. No que respeita a precipitações intensas, geradoras de cheias, é difícil inferir potenciais mudanças a partir de modelos climáticos globais, principalmente devido à grosseira resolução espacial dos modelos. McGuffie et al. (1999) sugerem ser provável que a frequência de precipitações intensas aumente com o aquecimento global, mas a confiança nesta afirmação depende da confiança que se tenha nos modelos climáticos globais. Do mesmo modo, espera-se em muitas regiões do mundo um decréscimodos caudais de estiagem. O relatório reconhece as dificuldades em chegar a conclusões claras sobre os impactos das alterações climáticas na evaporação, humidade do solo, escoamento superficial e subterrâneo, com os efeitos de cada cenário de alteração climática a serem grandemente influenciados pelas características fisiográficas e de cobertura vegetal de cada bacia. No que respeita à procura de água, não é previsível que as alterações climáticas afetem significativamente a procura urbana e industrial, mas podem afetar substancialmente as necessidades de água para irrigação. Arnell e Liu (2001) referem que o impacto das alterações climáticas nos recursos hídricos depende não só de mudanças nos volumes, ocorrência temporal e qualidade da água mas também de outros fatores, como as pressões da procura sobre o sistema, a evolução da gestão dos recursos hídricos e as medidas de adaptação às alterações climáticas que forem implementadas. Nessa perspetiva, as alterações não climáticas como as que se relacionam com as características fisiográficas das bacias hidrográficas, particularmente alterações do uso do solo, podem ter um impacto muito superior ao das alterações climáticas. EXERCÍCIOS 1.1. Escreva um ensaio de uma página com a biografia de uma figura do século XX que tenha dado uma contribuição importante para o desenvolvimento da hidrologia e da gestão da água, referindo essa contribuição e o seu impacto. 1.2. Analise o potencial das transferências de água entre bacias hidrográficas no seu país como forma de aumentar a sustentabilidade dos consumos em determinadas regiões, referindo os possíveis impactos positivos e negativos. 1.3. Determine os tempos de residência duma grande albufeira (mais de 100 hm 3 ) e duma pequena albufeira (menos de 5 hm 3 ) no seu país. Comente. 1.4. Analise a influência do tempo de residência em problemas de poluição e intrusão salina em rios, lagos e aquíferos. Introdução à Hidrologia 1.31 1.5. Da água doce existente no globo terrestre, cerca de 35 × 10 6 km 3 , 30 por cento reside em média 1400 anos nos aquíferos subterrâneos e 0,006 por cento reside em média 16 dias nos rios. Calcule o volume médio de renovação anual nos dois reservatórios e, com base no resultado obtido, refira de qual dos reservatórios se poderá utilizar de modo permanente maior quantidade de água. 1.6. O volume de água existente nos oceanos, que ocupam uma área superficial de 70 por cento da superfície do globo terrestre, estima-se em cerca de 1338 × 10 6 km 3 . Sabendo que o coeficiente de dilatação térmica da água é de cerca de 0,00015 K -1 e desprezando outros efeitos, estime o aumento da profundidade média dos oceanos quando a sua temperatura se eleve uniformemente de 1 ºC. Considere que o raio médio da Terra é 6370 km. 1.7. Considere uma dada região (de pequena dimensão) do seu país. Estime os consumos para os diversos tipos de utilização e indique as fontes de água que permitem satisfazê-los. 1.8. Escolha uma região do seu país onde se verifiquem com certa frequência carências de água para vários fins. Analise a razão dessas carências, as políticas governamentais adotadas para as enfrentar e se tais políticas estão a ter sucesso. 1.9. Escreva um ensaio sobre medidas e programas de curto, médio e longo prazos que conduzam a uma maior eficiência na utilização da água e a uma redução do desperdício e da poluição hídrica. 1.10. Considere uma grande albufeira no seu país e compare o acréscimo de volume evaporado com o volume total de água utilizada para satisfazer diversos consumos com caudais regularizados pela albufeira. 1.11. Descreva qualitativamente as possíveis consequências das alterações climáticas na ocorrência e distribuição de água no seu país ou região e de como tais consequências podem afetar a utilização da água para diversos fins. 1.12. Indique como é que as alterações climáticas podem influenciar a escolha de ferramentas de análise, como os métodos estatísticos e os modelos de simulação, nos estudos hidrológicos. Introdução à Hidrologia 1.32 BIBLIOGRAFIA Abramovitz, J., Imperiled waters, impoverished future: The decline of freshwater ecosystems, Worldwatch Institute, Washington, D.C., 1996. 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