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Universidade de Brasília Introdução ao Direito 1 Prof. Marcelo Neves Al. Gabriela Almeida Fritz – 16/0088089 Resenha sobre os textos BOBBIO, Norberto: Teoria da norma jurídica, Bauru: Edipro, 2003, pp. 45-55 (cap. II.9-11). ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, pp. 101-112 (cap. 3, itens I e II). 1. Introdução Nesse trabalho, serão tratados trechos de duas obras de autores extremamente relevantes na teorização do Direito: Norberto Bobbio e Robert Alexy. Bobbio é um filósofo, jurista, escritor, sociólogo e político de origem italiana, nasceu em 1909, em Turim. Sua formação teve influência de intelectuais de grande relevância, como o historiador Franco Venturi, por exemplo. Na Itália fascista, se filiou ao Partido de Ação, da Resistência e foi preso três vezes pelo governo de Benito Mussolini. Sua posição política tem influência do socialismo democrático de Gobetti e Carlos Roselli. Foi senador italiano vitalício. Tratarei de um trecho do capítulo 9 da obra “Teoria da norma jurídica”. Esse livro trata de um elemento ontológico da Filosofia do Direito, a norma. Já Robert Alexy é um jurista alemão, dos mais influentes na contemporaneidade. Nasceu em 1945 em Oldenburg. Formou-se em Filosofia e em Direito na Universidade Georg-August. Alguns afirmam que sua concepção de direito é uma mistura do positivismo de Kelsen com o jusnaturalismo de Radbruch, mas nesse texto, a influência de Kelsen será mais evidente. Será tratado nesse trabalho um excerto do capítulo 3 da obra “Conceito e validade do Direito”. Como o próprio título indica, nessa obra Alexy tratará de sua concepção de Direito e do caráter da validade. 2. Desenvolvimento 2.1 BOBBIO Nesse trecho de sua obra, Bobbio explana a respeito da “justiça, validade e eficácia” (BOBBIO, 2005, p. 45) das normas jurídicas. O primeiro ponto que ele coloca é que há três critérios distintos – sem relação de interdependência – para a valoração de qualquer norma da ordem jurídica. São eles: o problema da justiça (justa ou injusta), da validade (válida ou inválida) e da eficácia (eficaz ou ineficaz). Com relação à justiça, o italiano coloca que depende da conformidade ou não de uma norma aos princípios e valores inspirantes de uma estruturação jurídica específica. O legislativo, seja por questão de consciência ou adequação, dirige suas ações para o cumprimento desses valores, ditados pelo objetivo final da ordem jurídica. Assim, se uma norma é justa ou injusta é um problema que reflete a dicotomia real e ideal, que sempre foi amplamente tratada pela Filosofia. Exatamente por isso, o problema da justiça é uma questão deontológica do direito. Percebe-se aí uma influência do jusnaturalismo: ao contrário do positivista Hans Kelsen, Bobbio não separa por completo Direito e moral. Já a questão da validade de uma norma jurídica, em Bobbio, refere-se à existência de tal norma, no sentido de assegurar se é realmente uma norma de caráter jurídico. Pressupõe, então um juízo de fato, diferentemente da questão da justiça que envolve um juízo de valor. Assim, o julgamento da validade se dá por um processo empírico-racional, que necessita de três operações. A primeira consiste na avaliação se a autoridade que criou a norma tinha autoridade legítima para fazê-lo. Seguidamente, deve-se averiguar se tal norma continua válida, no sentido de não ter sido ab-rogada. Por último, é preciso verificar se não há outra norma no sistema que a contradiga, já que “em todo ordenamento jurídico vigora o princípio de que duas normas incompatíveis não podem ser ambas válidas” (BOBBIO, 2005, p. 47). A determinação da validade pressupõe a conceituação de “direito”, é, assim um problema ontológico do direito. Para ele, a eficácia de uma norma tem relação com sua adoção por parte de seus destinatários (grupo social ao qual é dirigida) e com sua imposição coerciva no caso de não cumprimento. O estudo desse problema implica em análise histórico-sociológica, cujo objeto seria o proceder de um grupo social específico. Assim, essa questão caracteriza o problema fenomenológico do direito. Como já foi dito, Bobbio enfatiza que esses critérios de valoração propostos são independentes entre si. Assim, o fato de uma norma ser justa não exige que seja também válida. Para esclarecer, ele dá o exemplo dos sistemas de normas criados por teóricos adeptos do direito natural, que eram considerados por eles como justos. No entanto, só passavam a ser válidos quando (e se) eram aceitos e incorporados por um sistema do direito positivo. Também, há o caso de uma norma ser válida, mas injusta. Há, na história, vários exemplos disso. Ele usa, para exemplificar, a escravidão: foi uma prática legítima em todo o mundo em contextos específicos – e ainda o é em alguns lugares, considerados, como expõe o jurista, “civilmente ultrapassados” – mas ainda assim é injusta. Outro exemplo disso seriam os Atos Institucionais que legitimaram a Ditadura Militar Empresarial brasileira: eram válidos, no sentido de que foram institucionalizados pela ordem vigente, mas nem por isso justos no âmbito da população, que perdeu sua liberdade individual e ficou a mercê do regime. Para a situação em que há validade, mas não eficácia, o teórico exemplifica com a Lei Seca nos Estados Unidos que durou vinte anos, no período entre guerras. Aplicando ao contexto atual brasileiro, pode-se citar a lei que proíbe o aborto (nos casos que não se encaixam nas exceções à lei): é válida, no entanto, segundo uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, uma em cada cinco mulheres já adotou a prática (e o aborto ilegal, realizado sem segurança, é a quinta causa de morte materna no país). Ele ratifica a suposição da existência de normas justas mas ineficazes com um ditado popular: “não há justiça neste mundo”. Encaixa-se como situação concreta o artigo quinto da Constituição Federal de 1988: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. É extremamente justa, mas obviamente não é eficiente, levando-se em conta, por exemplo, a péssima distribuição de renda no país. Novamente ele usa a escravidão como um exemplo, nesse caso de normas eficazes mas injustas. O regime escravocrata era amplamente comum e legítimo, mas nem por isso era justo. Pode-se citar também as leis que caracterizaram o apartheid sul-africano, dentre outros inúmeros exemplos. Bobbio, então, coloca que cada critério exposto por ele constitui em um campo de estudo da Filosofia do Direito. O problema da justiça constitui a teoria da justiça, que se ocupa em elucidar os valores supremos seguidos pelo direito, é uma análise dos fins sociais a serem concretizados pelo ordenamento jurídico. Para o problema validade, há o campo da Teoria Geral do Direito, que se ocupa em estudar o que representa o direito no meio social, quais as diferenças entre a ordem jurídica e outras ordens normativas. Já o da eficácia compreende a sociologia jurídica, cujo objeto de estudo é o comportamento dos indivíduos socialmente, frente às normas estabelecidas e às autoridades impostas. Tal tripartição, ele explica, é amplamente reconhecida pelos jusfilósofos atualmente e compõe as funções da Filosofia do Direito: deontológica, ontológica e fenomenológica. Para corroborar o afirmado, cita três autores que seguem essa divisão: Eduardo Garcia Maynez, professor da Universidade do México; Julius Stone, professor da Universidade de Sidney (Austrália) e Alfred von Verdross, professor da Universidade de Viena. 2.2 ALEXY No excerto que será trabalhado a seguir, Alexy se preocupa com os conceitos devalidade (sociológico, ético e jurídico) e com as colisões de validade (entre a jurídica e a social e entre a jurídica e a moral). Inicia, então, expondo que “uma norma é socialmente válida quando é observada ou quando sua não observância é punida” (ALEXY, 2009, p. 101). No entanto, diz que há uma ambiguidade nos conceitos de “punição” e, especialmente, de “observância”. Ele coloca três pontos como relevantes para a discussão. O primeiro é que a validade social é graduada, no sentido de que normas têm sua observância e punição medidas em intensidades diversas. Em seguida, ele diz que, para corroborar a validade social, usa-se os critérios de sua observância e de sua punição para a não observância. O último é que a punição é exercida por meio da coação física, o que, nos ordenamentos jurídicos mais avançados, é feito pelo próprio Estado. Aqui, ele adere ao posicionamento de Max Weber, quando ele diz que o Estado (em seu conceito moderno) possui monopólio da violência legítima, no sentido de regular o organismo social. Então, Alexy entra na conceituação de validade a partir da ética. “Uma norma é moralmente válida quando é moralmente justificada” (ALEXY, 2009, p. 103). Assim, o critério para a validação de uma norma moral não é sua eficácia ou sua legitimidade conforme o ordenamento, mas sim sua “correção material”, como ele coloca, ou seja, seu respaldo empírico de justificação moral. Assim como Bobbio, percebe-se que Alexy não faz uma separação completa entre Direito e moral. Em relação ao conceito jurídico de validade, o autor indica que “seu objeto é a validade jurídica” (ALEXY, 2009, p. 103) e que uma norma é juridicamente válida se sua determinação ocorreu nos moldes do ordenamento. Para ele, uma norma ineficaz socialmente não pode ser juridicamente válida. Aqui, o alemão se difere de Bobbio, na medida em que estabelece uma relação de dependência entre a validade jurídica (que seria a validade do italiano) e a validade social (a eficácia em Bobbio). Em seguida, Alexy começa sua explanação a respeito das “Colisões de validade” (ALEXY, 2009, p. 105). Inicia com a validade jurídica e social dizendo que os sistemas normativos não são aplicáveis às normas individuais e que começará falando dos sistemas normativos. Assim, ele fala que para que esses tenham validade jurídica, devem ser socialmente eficazes “em termos globais” (usando aqui uma terminologia de KELSEN, 1960, p. 219), ou seja, estabelece dependência, como já foi dito, entre a aderência social à norma e à sua legitimidade como Direito. Para ele, mesmo que uma norma individual perca sua validade, as normas derivadas dela não são também invalidadas. Nesse ponto, há uma similitude com o “princípio de eficácia” de Kelsen, segundo o qual a invalidade de uma norma pode ocorrer “porque a conduta efetiva dos homens não mais se conforma a essa velha ordem jurídica” (KELSEN, 2005, p. 173). Já no caso das normas individuais, ele diz que sua validade jurídica não depende de sua eficácia, não precisam ser eficazes socialmente de forma generalizada. Na verdade, sua validez está relacionada com a validez do sistema jurídico como um todo: se ele for eficaz, também o será a norma individual, no sentido de que compõe um ordenamento cuja eficácia é generalizada. No entanto, ele fala que há um mínimo de eficácia que uma norma individual deve ter e abre espaço, assim, para a existência da invalidez por “dessuetude”, em que o costume contrário à norma a invalida (mais uma clara influência de Kelsen). Em seguida, o jurista passa a trabalhar com a validade jurídica e moral. Para os sistemas normativos, é inerente a intenção da correção, ou não se caracterizam como ordenamentos jurídicos. Ele aponta que os sistemas jurídicos no geral tem essa característica, apesar de em alguns ser subvertida e o sistema tornar-se injusto, o que, diferentemente das normas individuais, não pressupõe invalidez. A não ser que o adjetivo “injusto” se aplique a tal campo do sistema que não sobrem normas justas o suficiente para caracterizá-lo como jurídico. Já para as normas individuais, se forem injustas não há sentido que sejam válidas, já que assim, perderá sua eficácia social ou possibilidade para tal. Contudo, ele deixa claro que fazer parte de um sistema socialmente eficaz de normas e ser delimitada conforme o ordenamento é o que valida uma norma individual. Tanto o caráter da eficácia quanto o da justiça são aplicáveis apenas em situações extremas para definir isso. 3. Conclusão Pode-se perceber, assim, que há uma relação entre as teorias dos dois autores, com algumas diferenças conceituais. Em relação ao positivismo, tanto Bobbio quanto Alexy recebem grande influência dessa corrente, cujo expoente é Hans Kelsen. Alexy utiliza diversos conceitos kelsenianos para compor suas teorias. Há em ambas as concepções do Direito uma separação com o jusnaturalismo. No entanto, em Alexy principalmente, é perceptível que não é uma diferenciação completa, que os dois tipos de normatização (a jurídica e a moral) têm algumas relações. Isso é coerente na medida em que é mais real no campo da sociedade, já que em qualquer ordem jurídica, há uma influência da concepção e dos valores morais da sociedade. Até porque o Direito é construído pelos mesmos indivíduos que formam o meio social e a cultura coletiva. 4. Bibliografia BOBBIO, Norberto: Teoria da norma jurídica, Bauru: Edipro, 2003, pp. 45-55 (cap. II.9-11) ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, pp. 101- 112 (cap. 3, itens I e II) BRASIL. Constituição ( 1988 ). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988 AZEVEDO, Dermi. Brasil tem um milhão de abortos induzidos por ano. <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Brasil-tem-um-milhao-de- abortos-induzidos-por-ano/5/30755#> RICUPERO, Rubens. Pensamento de Bobbio extrapola “breve século 20”. 10 de janeiro de 2004. <http://www.rubensricupero.com/artigos/2004/folha_2004_10_01.htm> Cronologia da vida de Norberto Bobbio. <http://www.institutonorbertobobbio.org.br/#! nobertobobbio/biografia> Robert Alexy. <https://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Alexy> KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005 WEBER, Max. A política como vocação.
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