Buscar

Introducao a filosofia da ciencia lisa bortolotti

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 156 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 156 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 156 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

INTRODUÇÃO	À	FILOSOFIA	DA	CIÊNCIA
	
Lisa	Bortolloti
	
	
	
	
	
	
	
	
TRADUÇÃO
JORGE	BELEZA
	
	
	
	
	
	
	
REVISÃO	CIENTÍFICA
AIRES	ALMEIDA
	
	
	
	
	
	
	
	
	
Gradiva
	
	
	
Título	 original	An	 Introduction	 to	 the	 Philosophy	 of	 Science	 ©	 Lisa	 Bortolloti,	 2008	 Esta	 edição	 é
publicada	por	acordo	com	Polity	Press	Ltd.,	Cambridge
	
	
Tradução	Jorge	Beleza
Revisão	científica	Aires	Almeida
Revisão	de	texto	Maria	de	Fátima	Carmo
	
	
Capa	Armando	Lopes	(arranjo	gráfico)/©Michael	Stones	(ilustração)
Fotocomposição	Gradiva
Impressão	e	acabamento	Multitipo	—	Artes	Gráficas,	L.da
	
	
Reservados	os	direitos	para	a	língua	portuguesa	por
Gradiva	Publicações,	S.	A.
Rua	Almeida	e	Sousa,	21	r/c	esq.	—1	399-041	-	Lisboa
Tel.	213974067/8
Fax	213953471
geral@gradiva.mail.pt
www.gradiva.pt
	
	
l.a	edição	Novembro	de	2013
	
	
Depósito	legal	366	955/2013
	
	
ISBN	978-989-616-557-4
	
	
Colecção	coordenada	por	AIRES	ALMEIDA
	
	
CENTRO	DE	FILOSOFIA	DA	UNIVERSIDADE	DE	LISBOA
	
	
Gradiva
	
	
EDITOR	GUILHERME	VALENTE
	
À	Rita,	que	sempre	me	ajudou
	
Índice
	
	
Agradecimentos
	
Introdução:	O	que	é	a	ciência?
	
1.	Demarcação
1.1	Ciência	e	não-ciência
1.2	Ciência	e	pseudociência
1.3	Ciências	naturais	e	sociais
1.4	O	que	é	a	investigação	científica?
1.5	Boa	e	má	ciência
	
2.	Raciocínio
2.1	Maneiras	de	raciocinar
2.2	O	método	científico:	a	indução
2.3	O	problema	da	indução
	
3.	Conhecimento
3.1	O	que	é	uma	teoria?
3.2	Confirmação	de	teorias
3.3	Modelos	de	explicação
	
4.	Linguagem	e	realidade
4.1	Significado,	referência	e	categorias	naturais.
4.2	Implicações	do	descritivismo
4.3	Realismo
4.4	O	debate	sobre	o	realismo
	
5.	Racionalidade
5.1	Revoluções
5.2	Mudanças	de	paradigma
5.3	Além	das	revoluções
	
6.	Ética
6.1	Instrumentalização
6.2	Constrangimentos	éticos	aos	objectivos	da	investigação
6.3	Constrangimentos	éticos	aos	métodos	de	investigação
6.4	Constrangimentos	éticos	à	investigação	científica
	
Conclusão:	A	ciência	como	actividade
	
Glossário
Bibliografia	temática
Indice	de	figuras
Indice	de	quadros
	
Agradecimentos
	
	
	
	
	
Escrever	 este	 livro	 foi	 uma	 tarefa	 que	 contou	 com	mais	 colaboração	 do	 que	 pode	 parecer	 à	 primeira
vista.	 Ao	 longo	 dos	 capítulos	 que	 se	 seguem,	 passo	 em	 revista	 os	 debates	 clássicos	 em	 filosofia	 da
ciência,	mas	também	me	debruço	sobre	argumentos	específicos	que	desenvolvi	com	outros	filósofos,	em
particular	Matteo	Mameli	(sobre	a	 ilusão	metodológica	na	investigação	em	psicologia),	Bert	Heinrichs
(sobre	a	delimitação	do	conceito	de	investigação)	e	John	Harris	(sobre	a	ética	dos	aperfeiçoamentos).
Também	estou	em	dívida	para	com	Ángel	Fernandez,	Asja	Portsch,	Francis	Longworth,	Maggie	Curnutte
e	Nigel	Leary	pelas	suas	muitas	sugestões	úteis.	O	Nigel	foi	uma	ajuda	absolutamente	fantástica	em	várias
fases	do	projecto,	sendo	inteiramente	responsável	pelo	enriquecimento	da	bibliografia	sobre	os	 termos
para	 categorias	 naturais,	 em	 especial	 sobre	 «jade».	 Fico	muito	 grata	 pela	 sua	 competência,	 valorosa
assistência	e	entusiasmo.
Nunca	teria	escrito	este	livro	sem	o	encorajamento	de	Keith	Maslin	(Esther	College),	Emma	Hutchinson
(Polity	Press)	e	da	maravilhosa	directora	do	meu	departamento,	Helen	Beebee.	Escrever	este	livro	teria
sido	muito	mais	difícil	 sem	o	constante	apoio	dos	meus	 tão	compreensivos	pais	e	amigos.	Agradeço	a
Yujin	 Nagasawa,	 Matteo	 Mameli,	 Matthew	 Broome,	 Dan	 López	 de	 Sa,	 Jordi	 Fernández,	 Edoardo
Zamuner	e	Esa	Díaz-León	por	terem	estado	sempre	lá	e	por	me	terem	ajudado	amavelmente	a	atingir	a
meta.
Também	estou	grata	a	 todas	as	pessoas	que	me	ensinaram	a	amar	a	 filosofia	em	geral	e	a	 filosofia	da
ciência	 em	 particular:	 Maurizio	 Pancaldi,	 Eva	 Picardi,	 Maurizio	 Ferriani,	 Geoffrey	 Cantor,	 Donald
Gillies,	David	Papineau,	Bill	Newton-Smith,	Martin	Davies,	Kim	Sterelny	e	John	Harris	(pela	ordem	em
que	tive	o	prazer	de	os	conhecer).
Tive	 a	 sorte	 de	 fazer	 parte	 de	 um	 ambiente	 de	 investigação	 muito	 estimulante	 quando	 trabalhei	 no
Projecto	EURECA	(sobre	a	Delimitação	do	Conceito	de	Investigação	e	das	Actividades	de	Investigação)
no	Centre	for	Social	Ethics	and	Policy	em	Manchester,	de	2004	a	2005.	Desde	que	passei	a	fazer	parte	do
Departamento	 de	 Filosofia	 da	 Universidade	 de	 Birmingham,	 pude	 usufruir	 de	 um	 apoio	 fantástico	 de
todos,	 e	 testei	 versões	 prévias	 de	 capítulos	 deste	 livro	 em	 estudantes	 de	 licenciatura	muito	 pacientes.
Recentemente,	 tive	 também	 a	 oportunidade	 de	 visitar	 a	 Escola	 Europeia	 de	 Medicina	 Molecular
(SEMM),	 na	 Fundação	 do	 Instituto	 de	 Oncologia	 Molecular	 em	 Milão,	 onde	 testemunhei	 os	 frutos
inspiradores	do	casamento	feliz	entre	a	ciência	e	a	filosofia.
Muito	antes	de	ter	descoberto	a	filosofia,	prometi	que	dedicaria	o	meu	primeiro	livro	à	minha	irmã.	Nem
a	Rita	nem	eu	 imaginávamos	então	que	o	 livro	 seria	uma	 introdução	 à	 filosofia	da	 ciência,	mas	 ei-lo.
Espero	que	ela	não	fique	muito	desapontada.
	
Introdução:	O	que	é	a	ciência?
	
	
	
	
	
Este	 livro	 é	 um	 guia	 para	 as	 questões	 filosóficas	 centrais	 levantadas	 pela	 prática	 da	 ciência.	Não	 se
destina	 apenas	 ao	 filósofo	 curioso	 pela	 ciência,	 mas	 também	 ao	 cientista	 que	 quer	 saber	 mais	 sobre
filosofia.	E	também	a	todo	aquele	que	se	interessa	pelo	que	confere	à	ciência	um	estatuto	especial,	pese
embora	a	continuidade	entre	a	investigação	científica	e	as	outras	actividades	humanas.
Cada	capítulo	centra-se	num	conjunto	de	problemas	e	pretende	dotar	o	leitor	de	ferramentas	básicas	para
a	apreciação	dos	debates	clássicos	numa	área	tradicional	de	exploração	filosófica.	No	capítulo	1,	sobre
a	demarcação,	 são	 revistas	e	avaliadas	algumas	das	 tentativas	de	 resposta	 filosófica	à	questão	do	que
torna	 a	 ciência	 algo	 de	 especial.	 No	 capítulo	 2,	 sobre	 o	 raciocínio,	 são	 identificadas	 e	 comparadas
algumas	 estratégias	 de	 aquisição	 e	 derivação	 do	 conhecimento	 científico.	 No	 capítulo	 3,	 sobre	 o
conhecimento,	procede-se	ao	exame	da	estrutura	das	teorias	científicas,	da	sua	formação	e	confirmação,
bem	como	da	 natureza	 da	 explicação.	No	 capítulo	 4,	 sobre	a	 linguagem	e	a	 realidade,	 é	 analisada	 a
linguagem	usada	nas	teorias	científicas,	em	especial	a	distinção	entre	termos	observacionais	e	teóricos,	e
as	potenciais	barreiras	linguísticas	e	conceptuais	à	compreensão	científica.	Também	é	tratada	a	questão
da	 finalidade	 da	 ciência:	 ela	 visa	 descrever	 como	 as	 coisas	 realmente	 são,	 ou	 apenas	 dotar-nos	 dos
meios	para	prevermos	os	fenómenos	por	que	nos	interessamos?	No	capítulo	5,	sobre	a	racionalidade,	é
investigada	a	natureza	da	mudança	de	teorias	e	do	progresso	científico.	No	capítulo	6,	sobre	a	ética,	são
discutidos	alguns	exemplos	da	relação	complexa	entre	a	ciência	e	a	sociedade,	e	são	colocadas	questões
sobre	os	constrangimentos	éticos	que	devem	ser	impostos	à	investigação	científica.	A	capacidade	que	a
ciência	tem	de	proporcionar	benefícios	moralmente	relevantes	aos	indivíduos	e	às	sociedades	é	também
aflorada.
O	livro	dá	ênfase	a	duas	áreas:	(1)	a	aquisição,	sistematização	e	revisão	de	conhecimento	em	ciência;	(2)
a	complexidade	da	relação	entre	a	ciência	e	o	resto	da	sociedade.	Irá	 ler	sobre	os	debates	clássicos	e
actuais	acerca	do	raciocínio	científico	e	a	racionalidade	na	ciência,	e	será	a	todo	o	momento	convidado	a
reflectir	 sobre	 a	 autoridade	 e	 as	 responsabilidades	 daqueles	 que	 promovem	 a	 ciência	 e	 abraçam	 a
investigação	científica	na	nossa	sociedade.
Poderá	estar	ainda	a	pensar:	«Qual	a	vantagem	de	 ler	uma	introdução	à	filosofia	da	ciência?»	Embora
sejamos	bombardeados	com	informação	sobre	o	que	os	cientistas	fazem	e	como	a	ciência	afecta	todos	os
aspectos	 das	 nossas	 vidas,	 raramente	 paramos	 para	 reflectir	 sobreo	 peso	 da	 investigação	 científica,
sobre	o	seu	estatuto	e	sobre	como	difere	das	outras	actividades	humanas.	Ao	longo	da	nossa	formação	e
na	 vida	 de	 todos	 os	 dias,	 ficamos	 apenas	 com	uma	vaga	 ideia	 do	 que	 é	 a	 ciência.	Quando	vemos	um
documentário	 sobre	 os	 fósseis	 nas	 Ilhas	Galápagos,	 quando	 ouvimos	 a	 notícia	 de	 um	 surto	 recente	 de
gripe	das	aves	ou	quando	lemos	sobre	os	buracos	negros	em	livros	de	divulgação	científica,	ficamos	a
par	dos	esforços	e	dos	resultados	da	investigação	científica,	aumentando	o	nosso	conhecimento	sobre	a
natureza.	Mas	 quando	 somos	 confrontados	 com	 a	 variedade	 de	métodos	 e	 objectivos	 da	 investigação
científica,	 com	 os	 seus	 êxitos	 e	 os	 seus	 fracassos,	 é-nos	 extremamente	 difícil	 perceber	 o	 que	 torna	 a
prática	científica	única.
Em	 termos	 corriqueiros,	 se	 ninguém	 se	 tivesse	 dedicado	 de	 uma	 maneira	 sistemática	 à	 investigação
empírica	 da	 natureza,	 hoje	 não	 beneficiaríamos	 dos	muitos	 avanços	 tecnológicos	 que	 caracterizam	 os
nossos	estilos	de	vida,	como	a	vacinação,	as	medidas	preventivas	para	os	terramotos,	e	os	telemóveis.
Quase	tudo	o	que	nos	rodeia	—	o	vestuário,	os	alimentos,	os	edifícios	—	não	estaria	aqui	(pelo	menos	na
sua	 forma	 actual)	 se	 não	 tivesse	 havido	 pessoas	 a	 investir	 o	 seu	 precioso	 tempo	 e	 os	 seus	 poucos
recursos	a	fazer	ciência.	E,	no	entanto,	a	investigação	científica	não	tem	afectado	apenas	o	estilo	de	vida
de	muitos	 seres	 humanos.	Os	 seus	 resultados	 também	moldaram	 as	 nossas	 crenças	 sobre	 o	mundo,	 ao
alterarem	o	que	pensamos	sobre	nós	próprios	e	sobre	as	diferenças	entre	os	seres	humanos	e	outros	seres
vivos	na	Terra.	Influenciando	os	nossos	sistemas	de	crenças,	elementos	importantes	do	chamado	método
científico	 alimentaram	 o	 estilo	 e	 a	 forma	 da	 nossa	maneira	 quotidiana	 de	 pensar.	 Acreditamos	 que	 a
racionalidade	 exige	 que	 prevejamos	 acontecimentos	 futuros	 com	 base	 nos	 conhecimentos	 actuais.
Valorizamos	 explicações	 para	 os	 acontecimentos	 que	 observamos	 se	 estas	 forem	 abrangentes	 e
consistentes	com	os	indícios	disponíveis.	Quando	nos	deparamos	com	problemas,	encontramos	soluções
que	se	baseiam	na	nossa	experiência	passada	e,	com	o	tempo,	vamo-nos	tornando	melhores	a	resolvê-los.
Até	mudamos	de	ideias	quando	a	experiência	não	apoia	as	nossas	crenças	iniciais.	Ainda	que	raramente
ou	nunca	 reflictamos	sobre	a	 forma	como	formamos	opiniões	e	explicamos	os	 factos	que	são	para	nós
importantes,	 registamos	 informações,	 aprendemos	 com	 os	 nossos	 erros,	 revemos	 as	 nossas	 crenças	 e
melhoramos	o	poder	preditivo	e	explicativo	das	nossas	 teorias.	Num	sentido	fraco,	 todos	somos	—	ou
tentamos	ser	—	cientistas	no	dia-a-dia.
Estas	 observações	 imprimem	 uma	 tensão	 ao	 nosso	 conceito	 de	 ciência.	 Por	 um	 lado,	 a	 investigação
científica	 parece	 ser	 única	 entre	 as	 actividades	 humanas,	 e	 investida	 de	 uma	 importância	 e	 de	 uma
responsabilidade	especiais.	Há	mesmo	quem	diga	que	os	esforços	e	os	feitos	da	ciência	são	a	marca	da
humanidade.	Em	muitas	sociedades	contemporâneas,	a	ciência	é	uma	autoridade,	e	os	cientistas	são	os
especialistas	consultados	pelos	governos	em	estados	de	emergência,	bem	como	no	planeamento	do	futuro,
na	melhoria	da	qualidade	de	vida	e	na	prevenção	das	catástrofes	naturais.	Por	outro	lado,	os	objectivos	e
os	métodos	da	investigação	científica	estão	de	tal	modo	intrincados	com	outros	objectivos	e	métodos,	que
se	 torna	 bastante	 difícil	 assinalar	 as	 características	 da	 investigação	 científica	 que	 fazem	 dela
verdadeiramente	única.
Ao	 pensarmos	 sobre	 a	 ciência	 de	 uma	 maneira	 sistemática,	 podemos	 ficar	 em	 melhor	 posição	 para
resolver	 a	 tensão	 entre	 o	 seu	 carácter	 único	 e	 omnipresente.	 Nesta	 introdução	 à	 filosofia	 da	 ciência,
revisitaremos	alguns	dos	debates	clássicos	em	filosofia	sobre	a	racionalidade	e	o	raciocínio,	a	formação
e	a	 justificação	de	 teorias	e	a	natureza	da	realidade	e	do	progresso.	Também	exploraremos	os	debates
actuais	sobre	o	modo	como	os	nossos	conceitos	fraccionam	a	natureza,	e	sobre	como	a	ética	e	a	ciência
se	impõem	mutuamente	constrangimentos.	Embarcar	nesta	viagem	pode	ajudar-nos	a	ficar	com	uma	ideia
mais	informada	e	menos	turvada	do	que	é	a	ciência	e	porque	ela	é	importante.
Esta	viagem	destina-se	ao	principiante,	que	poderá	encontrar	ajuda	sob	a	forma	de	perguntas	e	exercícios
para	avaliar	a	compreensão	e	orientar	a	pesquisa;	quadros	para	facilitar	a	compreensão	e	ilustrar	alguns
pontos	discutidos	no	texto;	exemplos	das	ciências	naturais,	sociais	e	médicas;	questões	para	convidar	à
reflexão,	dar	forma	ao	trabalho	de	grupo,	estimular	o	debate	ou	orientar	a	redacção	de	ensaios;	algumas
sugestões	de	 leituras	complementares	no	final	de	cada	capítulo;	uma	bibliografia	 temática	exaustiva	no
final;	 um	 glossário	 substancial	 de	 termos	 técnicos,	 que	 também	 contém	 pequenos	 apontamentos
biográficos	de	cientistas	e	filósofos	importantes	que	vão	aparecendo	ao	longo	do	texto.
Espero	que	gostem!
	
	
1.	Demarcação
	
	
	
	
	
Há	um	grande	cepticismo	sobre	a	possibilidade	de	se	distinguir	efectivamente	a	ciência	da	não-ciência.	A
ideia	de	que	não	podemos	ter	um	critério	de	demarcação	satisfatório	é	motivada	pelas	tentativas	falhadas
de	 prover	 tal	 critério	 no	 passado,	 e	 pela	 observação	 da	 diversidade	 cada	 vez	 maior	 de	 métodos	 e
finalidades	das	disciplinas	que	somos	inclinados	a	considerar	como	científicas.	Como	podemos	esperar
oferecer	uma	explicação	unificada	do	que	faz	da	investigação	uma	investigação	científica,	em	disciplinas
tão	diferentes	como	a	física,	a	geologia	e	a	economia?
Ainda	que	a	tarefa	de	delimitar	a	ciência	possa	parecer	infrutífera,	há	muito	boas	razões	para	continuar	a
insistir.	É	importante	saber	em	que	especialistas	se	deve	confiar,	que	projectos	de	investigação	financiar,
que	teorias	ensinar	nas	escolas.	E	as	decisões	sobre	estas	questões	não	podem	ser	tomadas	apenas	com
base	na	consistência	teórica	ou	na	aparente	adequação	da	teoria	aos	dados	empíricos.	Precisamos	de	uma
explicação	 do	 que	 a	 ciência	 é,	 do	 que	 os	 cientistas	 fazem	 e	 de	 que	metas	 e	 métodos	 caracterizam	 a
investigação	científica.	Não	é	provável	que	a	explicação	bem-sucedida	(se	é	que	 tal	coisa	existe)	seja
muito	específica,	pois	é	um	facto	que	a	especialização	conduziu	a	uma	série	de	conceitos	diferentes	de
indícios	 e,	 além	 do	 mais,	 a	 diferentes	 critérios	 para	 o	 êxito	 nas	 ciências	 naturais	 e	 entre	 estas	 e	 as
ciências	sociais.
As	questões	ligadas	à	delimitação	da	ciência	adquirem	grande	importância	na	sociedade	contemporânea,
onde	 a	 ciência	 é	 investida	 de	 uma	 autoridade	 e	 responsabilidade	 especiais.	 Os	 cientistas	 são	 muitas
vezes	 quem	 aconselha	 os	 governantes	 sobre	 as	 políticas	 a	 seguir,	 e	 as	 suas	 opiniões	 são	 amplamente
solicitadas	e	ouvidas	nos	meios	de	comunicação.	Em	virtude	dos	seus	conhecimentos	especializados,	do
seu	estatuto	enquanto	cientistas,	alguns	deles	são	chamados	a	encontrar	soluções	para	muitos	dos	nossos
problemas	 quotidianos,	 desde	 lidar	 com	os	 efeitos	 das	 secas	 a	 evitar	 que	 novos	 programas	 de	 ensino
produzam	efeitos	adversos	nas	crianças.	Se	é	atribuída	tanta	responsabilidade	quer	aos	cientistas	quer	à
comunidade	 científica	 como	um	 todo,	 parece	que	precisamos	 com	alguma	urgência	de	uma	explicação
sobre	o	que	é	uma	disciplina	propriamente	científica,	por	oposição	ao	exercício	de	disciplinas	que	não
partilham	da	mesma	respeitabilidade	e	autoridade	social,	como	a	astrologia	e	a	quiromancia.	Além	do
mais,	fazer	investigação	científica	em	muitas	áreas	(em	biomedicina,	agricultura,	em	recursos	energéticos
renováveis,	por	exemplo)	pode	trazer	grandes	benefícios	às	pessoas	e	às	sociedades,	e	portanto	é	algo
que	 deveria	 ser	 amplamente	 apoiado	 e	 promovido.	 Se	 a	 ciência	 tem	 algum	 valor	 num	 contexto	 de
recursos	 públicos	 limitados,ele	 está	 em	 fazer	 pressão	 para	 que	 possamos	 ser	 capazes	 de	 identificar
exemplos	genuínos	de	investigação	científica	e	projectos	de	investigação	válidos.
Na	tradição,	a	discussão	sobre	o	critério	de	demarcação	entre	a	ciência	e	a	não-ciência	estruturava-se	em
torno	da	tentativa	de	explicar	por	que	razão	a	física	é	uma	ciência	e	a	astrologia	não,	e	de	que	maneira	o
método	 científico	 é	 diferente	 da	 magia	 ou	 da	 revelação	 divina.	 Hoje,	 porém,	 os	 filósofos	 que	 se
interessam	pelo	critério	de	demarcação	têm	em	mente	um	conjunto	de	questões	inter-relacionadas,	e	não
aspiram	necessariamente	a	fornecer	uma	descrição	da	ciência	que	responda	a	todas	elas	de	uma	só	vez.
Eis	uma	lista	provisória:
	
•Será	 que	 o	 tema	 da	 investigação	 é	 importante	 para	 se	 saber	 se	 um	 projecto	 de	 investigação	 é
considerado	científico?
•Podem	a	antropologia,	a	psicologia	e	a	economia	ser	consideradas	ciências	legítimas	mesmo	não	sendo
governadas	por	leis?
•O	criacionismo	tem	a	aparência	superficial	de	uma	ciência.	Ora,	por	que	razão	não	é	visto	por	muitos
como	uma	teoria	científica	legítima?
•Qual	 é	 a	 diferença	 entre	 a	 filosofia	 e	 a	 ciência,	 uma	vez	 que	 ambas	 pretendem	chegar	 a	 uma	melhor
compreensão	dos	fenómenos	à	nossa	volta?
	
No	século	XX,	filósofos	inspirados	por	um	movimento	chamado	Positivismo	Lógico	analisaram	formas
de	 obter	 e	 organizar	 conhecimento	 com	 vista	 a	 identificar	 diferenças	 importantes	 entre	 a	 ciência	 e	 a
metafísica	 e	 entre	 a	 ciência	 e	 a	 ética.	Os	positivistas	 lógicos,	muitos	 dos	quais	 formados	 em	ciências
naturais,	sociais	ou	matemática,	acreditavam	fortemente	no	valor	da	ciência	(é	por	isso	que	se	chamam
positivistas	lógicos),	tentando	justificar	o	seu	estatuto	de	única	fonte	respeitável	de	conhecimento	factual
ao	analisarem	a	estrutura	lógica	e	a	linguagem	das	alegações	de	conhecimento	(é	por	isso	que	se	chamam
positivistas	lógicos).	Um	dos	objectivos	deste	capítulo	é	passar	em	revista	e	avaliar	os	pontos	fortes	e	as
limitações	da	sua	explicação	da	demarcação	entre	a	ciência	e	a	não-ciência,	antes	de	passar	ao	exame
dos	desenvolvimentos	posteriores	das	suas	ideias	e	das	objecções	que	tal	explicação	originou.
Algumas	 destas	 objecções	 podem	 ser	 encontradas	 nas	 obras	 de	 Karl	 Popper,	 Paul	 Thagard	 e	 Paul
Feyerabend.	Popper,	que	partilha	alguma	da	ênfase	dos	positivistas	lógicos	no	valor	e	na	objectividade
da	 ciência,	 segue	 uma	 linha	 de	 orientação	 diferente	 na	 sua	 procura	 de	 um	 critério	 de	 demarcação.
Acredita	 que	 a	 ciência	 é	 a	 tarefa	 racional	 por	 excelência	 e	 procura	 activamente	uma	estratégia	viável
para	distinguir	as	 teorias	científicas	genuínas	das	 teorias	que	à	primeira	vista	parecem	científicas,	mas
que	não	conseguem	sê-lo	(exemplos	de	pseudociência).
Ao	 contrário	 de	 Popper	 e	 dos	 positivistas	 lógicos,	 Thomas	 Kuhn	 dá	 ênfase	 aos	 factores	 históricos	 e
sociais	que	determinam	o	êxito	de	uma	teoria	científica	ou	de	um	projecto	de	investigação.	Uma	teoria	ou
um	projecto	podem	ser	considerados	científicos	num	contexto	histórico	e	social	mas	não	noutro,	pois	os
critérios	que	uma	 teoria	ou	um	projecto	precisam	de	satisfazer	para	poderem	ser	considerados	ciência
também	variam.	Com	base	na	análise	feita	por	Kuhn	da	ciência	sensível	à	história,	Thagard	desenvolve
um	critério	de	demarcação	dependente	do	contexto,	que	tenta	explicar	por	que	razão	algumas	disciplinas
podem	ver	 o	 seu	 estatuto	mudar	 de	 científico	 para	 pseudocientífico	 ou	 vice-versa.	 Feyerabend	 adopta
uma	posição	mais	radical,	negando	qualquer	espécie	de	estatuto	especial	à	ciência.	Argumenta	contra	a
pretensa	supremacia	da	metodologia	científica	sobre	tradições	alternativas	de	pensamento.
Após	esta	breve	história	selectiva	do	critério	de	demarcação,	apresentarei	algumas	conclusões	sobre	os
desenvolvimentos	 recentes	 do	 debate	 e	 deixarei	 uma	 sugestão	 para	 a	 delimitação	 das	 actividades	 de
investigação.
No	final	deste	capítulo	o	leitor	estará	habilitado	para:
	
•Assinalar	 algumas	 diferenças	 entre	 a	 ciência	 e	 a	 metafísica	 e	 entre	 a	 ética	 e	 a	 ciência	 à	 luz	 das
considerações	apresentadas	pelos	positivistas	lógicos.
•Explicar	e	avaliar	a	tentativa	de	Popper	no	sentido	de	prover	um	critério	de	demarcação	entre	ciência	e
pseudociência.
•Estar	 ciente	 dos	 factores	 sociais	 que	 podem	 contribuir	 para	 a	 mudança	 de	 estatuto	 de	 uma	 teoria	 e
discutir	os	méritos	e	as	limitações	de	uma	metodologia	anárquica.
•Discutir	 e	 classificar	 diferentes	 tentativas	 de	 demarcar	 a	 ciência	 com	 base	 em	 exemplos	 de
pseudociência	e	má	ciência.
•Identificar	os	desafios	que	se	apresentam	ao	projecto	de	delimitar	as	actividades	de	pesquisa.
	
1.1	Ciência	e	não-ciência
	
A	 questão	 de	 quando	 os	 seres	 humanos	 começaram	 a	 fazer	 ciência	 é	 controversa,	 como	 veremos	 no
capítulo	seguinte,	no	qual	 iremos	em	busca	das	origens	do	chamado	método	experimental.	Em	todas	as
civilizações	houve	sempre	pessoas	interessadas	em	descrever	e	explicar	acontecimentos	naturais	como	o
movimento	 dos	 corpos	 celestes,	 os	 nascimentos	 ou	 a	 ocorrência	 de	 cheias.	 Construíam	 hipóteses	 e
tiravam	conclusões	após	terem	completado	uma	série	de	observações	sobre	os	fenómenos	que	queriam
explicar.	Num	sentido	lato,	estavam	a	fazer	ciência.	No	entanto,	a	ideia	comummente	aceite	é	a	de	que	a
ciência	moderna	tem	um	carácter	especial	que	não	é	passível	de	ser	encontrado	nas	tentativas	anteriores
de	explicar	os	fenómenos	naturais.	A	questão	de	saber	em	que	consiste	este	carácter	especial	é	objecto	de
discussão,	conquanto	se	pressuponha	que	para	que	uma	hipótese	seja	considerada	científica	é	preciso	que
se	apoie	em	indícios.
Desde	 a	Física	 de	Aristóteles	 (350	 a.	C.),	 o	 raciocínio	 científico	 tem	 consistido	 em	 formar	 hipóteses
para	explicar	um	acontecimento	observado	e	em	rever	as	hipóteses	explicativas	se	as	observações	futuras
não	forem	consentâneas	com	elas.	Se	este	processo	pode	ser	considerado	como	a	disponibilização	de	um
corpo	de	indícios	também	é	uma	questão	aberta	a	 interpretações.	Será	que	a	ciência	moderna	começou
quando	os	humanos	foram	além	da	observação	passiva	da	natureza	e	começaram	a	intervir	activamente
nos	 fenómenos	naturais?	Actualmente,	a	manipulação	da	natureza	é	comum	em	muitas	das	ciências	nas
quais	 os	 experimentadores	 criam	 condições	 especiais	 para	 a	 ocorrência	 de	 um	 evento	 para	 poderem
controlar	 as	 variáveis	 e	 afinarem	 as	 suas	 hipóteses.	 Porém,	 durante	 muito	 tempo	 na	 história	 das
investigações	humanas	sobre	a	natureza,	a	base	para	as	teorias	aceites	era	principalmente	constituída	por
experiências	 mentais	 e	 observações	 a	 olho	 nu,	 pelo	 que	 a	 distinção	 contemporânea	 entre	 ciência	 e
filosofia	era,	no	melhor	dos	casos,	difusa.
Poder-se-ia	argumentar	que	fiarmo-nos	em	indícios	e	que	mesmo	a	manipulação	activa	da	natureza	não
são	critérios	suficientes	para	distinguir	a	ciência	moderna	de	outras	 teorizações	com	base	em	indícios.
Uma	série	de	hipóteses	que	explicam	a	ocorrência	dos	fenómenos	por	que	nos	interessamos	não	constitui
conhecimento	científico	a	menos	que	as	hipóteses	sejam	coerentes.	As	hipóteses	 testadas	 têm	de	 fazer
parte	 de	 um	 sistema	 estruturado	 e	 coerente	 de	 modo	 a	 contribuírem	 para	 o	 corpo	 do	 conhecimento
científico.
A	 formulação	de	hipóteses	explicativas,	 a	manipulação	da	natureza	com	vista	a	afiná-las	e	a	 testá-las,
bem	como	a	formação	de	teorias	coerentes,	são	algumas	das	coisas	que	os	cientistas	fazem.	Ora,	haverá
uma	lista	de	condições	necessárias	ou	suficientes	para	que	um	corpo	de	conhecimento	seja	genuinamente
científico	ou	para	que	uma	actividade	seja	considerada	investigação	científica?
No	que	se	segue	consideraremos	com	algum	pormenor	as	razões	pelas	quais	se	pensa	que	os	cientistas	e
os	filósofos	se	ocupam	de	tarefas	distintas.
	
Exercício:	Antes	de	prosseguir,	tome	nota	de	três	diferençasentre	ciência	e	filosofia,	com	base	na	sua
compreensão	dos	respectivos	métodos	e	objectivos.
	
1.1.1	Afirmações	analíticas	e	sintéticas
Há	afirmações	de	vários	tipos.	Umas	são	sintéticas,	ou	seja,	não	poderíamos	saber	se	são	verdadeiras	ou
falsas	ao	reflectirmos	sobre	a	sua	estrutura	lógica	ou	sobre	o	significado	dos	termos	que	contêm.	«Hoje
vai	nevar»	é	uma	afirmação	sintética.	Outras	afirmações	são	analíticas,	ou	seja,	são	ou	verdadeiras	ou
falsas	em	virtude	da	sua	estrutura	lógica	ou	do	significado	dos	termos	nelas	contidos.	«Um	quadrado	tem
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
quatro	lados	iguais»	é	uma	afirmação	analítica,	uma	vez	que	por	definição	os	quadrados	têm	quatro	lados
iguais.	 «Hoje	 pode	 nevar	 ou	 não»	 é	 uma	 afirmação	 analítica,	 porque	 se	 trata	 de	 uma	 disjunção	 de
afirmações	que	são	mutuamente	exaustivas	(Isto	significa	que	a	disjunção	de	ambas	as	afirmações	esgota	os	estados	de	coisas	possíveis	-	N.
do	R.).
	
Os	positivistas	 lógicos	pensavam	que	 todo	o	conhecimento	sintético	 tem	de	ser	adquirido	e	verificado
por	meio	 da	 experiência	 (é	 por	 isso	 que	 também	 se	 lhes	 chama	 empiristas	 lógicos),	 ao	 passo	 que	 a
experiência	é	irrelevante	para	a	aquisição	ou	verificação	do	conhecimento	analítico.	Porém,	nem	todos
os	 exemplos	 de	 afirmações	 sintéticas	 parecem	 funcionar	 assim.	 Há	 algumas	 afirmações	 sintéticas	—
aquelas	 a	 que	 chamamos	 normativas,	 como	 «matar	 é	 errado»	—	 que	 não	 são	 sempre	 verdadeiras	 ou
falsas	 por	 definição,	 mas	 cuja	 veracidade	 ou	 falsidade	 não	 pode	 ser	 facilmente	 definida	 por	 uma
investigação	empírica.	Outras	afirmações	sintéticas	há	cuja	veracidade	ou	falsidade	depende	de	facto	de
como	as	coisas	 são,	mas	não	nos	é	possível	conceber	uma	maneira	de	a	 testarmos,	de	a	verificarmos.
«Ser	filósofo	era	uma	propriedade	essencial	de	Aristóteles»	—	esta	afirmação	não	satisfaz	as	condições
da	 analiticidade,	 mas	 é	 difícil	 dizer	 que	 testes	 empíricos	 poderiam	 determinar	 a	 sua	 veracidade	 ou
falsidade.	Poderíamos	basear-nos	numa	teoria	sobre	o	que	é	uma	propriedade	essencial,	mas	não	em	algo
de	empírico	(conquanto	existam	noções	mais	ou	menos	úteis	sobre	o	que	é	uma	propriedade	essencial,
dado	o	estado	presente	do	mundo).
A	ideia	tradicional	é	a	de	que	existe	uma	diferença	fundamental	entre	o	descritivo	e	o	empírico,	por	um
lado,	 e	 o	 prescritivo	 e	 o	 normativo,	 por	 outro.	 As	 ciências	 naturais	 incidem	 em	 factos.	 Qual	 é	 a
temperatura	da	água	quando	entra	em	ebulição?	Quão	rápida	é	a	aceleração	de	um	corpo	em	queda?	Qual
é	 a	 idade	daquele	 fóssil?	Porque	 é	 que	os	 terramotos	 acontecem?	O	que	 causa	uma	 reacção	química?
Porque	é	que	os	primatas	usam	sinais	de	alarme?	Noutras	disciplinas,	contudo,	 também	descrevemos	e
explicamos	 os	 factos.	 Quais	 são	 as	 metáforas	 mais	 comuns	 para	 a	 morte,	 e	 são	 partilhadas	 pelas
diferentes	 culturas?	Quais	 foram	 os	 efeitos	 da	 Primeira	Guerra	Mundial	 na	 Europa?	 Porque	 é	 que	 os
pintores	começaram	a	usar	a	perspectiva	no	século	XV?
Embora	muitas	disciplinas	estudem	aparentemente	factos,	descrever	e	explicar	como	as	coisas	são	não	é
tudo	o	que	fazemos.	Por	vezes	queremos	saber	como	as	coisas	deveriam	ser	com	base	num	princípio	ou
numa	norma.	Será	a	democracia	a	melhor	forma	de	governo?	Matar	é	intrinsecamente	mau?	Descarregar
música	da	internet	deve	ser	considerado	crime?	As	formas	de	governo	e	os	exemplos	de	comportamento
humano	 são	 objectos	 de	 avaliação	 e	 podem	 ser	 bons	 ou	maus,	 adequados	 ou	 inadequados,	 certos	 ou
errados.	E	pouco	provável	que	estas	afirmações	normativas	possam	ser	 justificadas	com	base	na	mera
experiência.
Para	os	positivistas	lógicos,	o	que	distingue	as	afirmações	científicas	das	da	lógica,	filosofia,	religião,
literatura,	etc.,	é	serem	sintéticas	e	a	sua	veracidade	poder	ser	definida	por	meio	de	testes	empíricos	(ou
seja,	são	verificáveis).	Na	sua	perspectiva,	a	possibilidade	de	conceber	indícios	que	possam	confirmar
ou	não	uma	afirmação	é	o	que	faz	uma	afirmação	sintética	ter	significado.	Por	outro	lado,	as	afirmações
sintéticas	 que	 não	 podem	 ser	 confirmadas	 ou	 infirmadas	 por	 meio	 de	 indícios	 empíricos	 não	 têm
significado	algum.	A	experiência	pode	confirmar	a	afirmação	de	que	a	água	na	chaleira	está	a	ferver,	mas
que	observação	directa	pode	confirmar	a	afirmação	de	que	matar	é	errado?	Os	positivistas	lógicos	não	se
contentam	 com	 a	 maneira	 de	 pensar	 da	 tradição	 segundo	 a	 qual	 algumas	 afirmações	 não	 são	 nem
analíticas	 nem	 verificáveis	 por	 meio	 da	 experiência,	 querendo	 encontrar	 uma	 maneira	 de	 explicar	 a
natureza	aparentemente	inexplicável	de	tais	afirmações.
No	 que	 se	 segue	 passaremos	 em	 revista	 algumas	 das	 implicações	 da	 ideia	 de	 que	 só	 as	 afirmações
sintéticas	podem	ser	verificadas	e	têm	significado,	e	reflectiremos	sobre	a	maneira	como	os	positivistas
lógicos	caracterizaram	a	diferença	entre	a	ciência	e	a	ética,	bem	como	entre	a	ciência	e	a	metafísica.
	
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
1.1.2	A	«eliminação»	da	ética
	
Para	Alfred	Ayer	(1936),	que	defendeu	e	divulgou	muitas	das	ideias	avançadas	pelos	positivistas	lógicos
sobre	a	distinção	entre	ciência	e	 filosofia,	 as	afirmações	éticas	não	podem	ser	verificadas	apelando	à
experiência.	Segundo	ele,	isto	explica	por	que	razão	as	questões	éticas	geram	discussões	infindáveis	que
acabam	por	ser	infrutíferas.	Ayer	diz	que	quando	pensamos	em	afirmações	éticas,	temos	a	impressão	de
que	 precisamos	 de	 nos	 agarrar	 a	 como	 as	 coisas	 deveriam	 ser,	 à	 sua	 dimensão	 normativa.	Mas	 essa
aparência	de	normatividade	nas	afirmações	éticas,	diz	ele,	é	apenas	uma	ilusão.	Não	há	uma	dimensão
normativa	 nas	 afirmações	 éticas;	 há	 apenas	 preferências	 que	 acabam	 por	 ser	 subjectivas	 e	 que
frequentemente	chocam	com	as	preferências	dos	outros.
Ayer	defende	que	a	ética	enquanto	disciplina	normativa	não	tem	razão	de	ser.	O	que	está	em	causa	nas
discussões	 sobre	 ética	 é	 a	 expressão	 de	 preferências	 que	 são	 em	 parte	 determinadas	 por	 factos
psicológicos	e	culturais	sobre	os	indivíduos	ou	os	grupos	que	as	expressam.	Quando	defendo	que	matar	é
errado,	tudo	o	que	estou	a	dizer	é	que	matar	não	é	uma	prática	que	aprovo	porque	tenho	associada	a	isso
uma	 emoção	 negativa	 («Matar	 é	 errado»	 quer	 dizer	 apenas	 «Matar	 nem	 pensar!»,	 diria	Ayer).	 E	 esta
associação	negativa	é	em	parte	determinada	pelo	facto	de	eu	ter	sido	criado	num	contexto	em	que	matar
sem	necessidade	é	condenado	pela	sociedade	no	seu	todo.	A	conclusão	de	Ayer	é	que	a	ética	não	deve
ser	vista	como	uma	disciplina	 independente	que	emite	afirmações	normativas,	mas,	 ao	 invés,	deve	 ser
subordinada	a	ciências	empíricas	como	a	psicologia	ou	a	sociologia.
As	ideias	de	Ayer	sobre	a	ética	são	radicais	e	controversas.	Para	considerarmos	algumas	alternativas	à
sua	posição,	teríamos	de	explorar	o	vasto	debate	filosófico	sobre	a	natureza	dos	factos	éticos.	Mas	para
o	 que	 aqui	 nos	 interessa,	 o	 que	 é	 relevante	 é	 que,	 na	 sua	 opinião:	 1)	 as	 afirmações	 científicas	 são
afirmações	 sintéticas	 que	 podem	 ser	 verificadas;	 2)	 as	 afirmações	 éticas	 podem	 ser	 vistas	 quer	 como
afirmações	sintéticas	que	não	podem	ser	verificadas	(e	que	portanto	são	destituídas	de	significado	e	uma
perda	de	tempo),	quer	como	afirmações	sintéticas	sobre	preferências	individuais	ou	sociais	que	podem
ser	estudadas	empiricamente	pelas	ciências	psicológicas	ou	sociais.
	
Exercício:	 Das	 frases	 seguintes,	 quais	 representam	 a	 realidade	 e	 quais	 expressam	 sentimentos	 ou
preferências?
	
•	A	ansiedade	conduz	à	depressão.
•	Todos	os	acontecimentos	têmuma	causa.
•	Jogar	às	cartas	é	uma	perda	de	tempo.
•	O	sumo	de	cenoura	faz	bem	porque	contém	vitamina	C.
•	Entrar	em	guerra	foi	um	erro.
	
Hans	 Reichenbach	 (1951),	 outro	 positivista	 lógico,	 chega	 de	 maneira	 independente	 a	 uma	 conclusão
muito	 semelhante	 à	 de	 Ayer,	 e	 também	 o	 faz	 reflectindo	 sobre	 a	 natureza	 daquilo	 que	 parecem	 ser
afirmações	 éticas.	Argumenta	 que	 estas	 expressões	 linguísticas	 não	 são	 afirmações	 genuínas,	 pois	 não
descrevem	como	as	coisas	são,	mas	emitem	directivas	ou	manifestam	desejos	e,	portanto,	não	podem	ser
verdadeiras	ou	falsas.
	
Dizer	que	matar	é	errado	é	ou	equivalente	ao	imperativo	«Não	matarás!»,	uma	elocução	linguística	que	as
pessoas	 usam	 para	 influenciar	 ou	 controlar	 o	 comportamento	 de	 outras,	 ou	 a	 expressão	 de	 uma
preferência	por	um	mundo	onde	matar	não	existe.	Enquanto	as	afirmações	que	podem	ser	verificadas	têm
um	 significado	 empírico	 ou	 cognitivo,	 as	 directivas	 ou	 os	 desejos	 têm	 apenas	 um	valor	 instrumental,
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
pois	são	uma	maneira	de	o	enunciador	atingir	algo	que	quer	ou	de	expressar	uma	preferência.	A	ética	não
é	a	«ciência	do	bem	último»:	não	contribui	de	modo	algum	para	o	conhecimento	científico	ou	empírico	e
não	é	sobre	o	bem	último,	o	que	quer	que	este	seja.	É	uma	expressão	da	vontade	de	um	indivíduo	ou	de
um	grupo	de	influenciar	a	conduta	de	outros.
Os	positivistas	 lógicos	 têm	 ideias	muito	 radicais	 sobre	o	estatuto	da	ética	porque	 tendem	a	ver	 toda	a
aquisição	 de	 conhecimento	 genuíno	 como	 uma	 tarefa	 fundamentalmente	 empírica,	 e	 impõem	 a
verificabilidade	como	uma	condição	para	o	significado	a	todas	as	afirmações	que	não	qualificam	como
analíticas.	A	normatividade	das	afirmações	éticas	é	por	eles	 interpretada	como	uma	ilusão	criada	pela
maneira	como	a	linguagem	é	(quantas	vezes	impropriamente)	usada.	Na	sua	maneira	de	ver	as	coisas,	a
análise	 dos	 enunciados	 linguísticos	 é	 um	meio	 de	 pôr	 a	 nu	 a	 alegada	 natureza	 das	 afirmações	 éticas,
proporcionando	uma	demarcação	entre	estas	e	as	afirmações	científicas	legítimas.
	
1.1.3	A	metafísica	enquanto	poesia
	
Como	devemos	pensar	a	distinção	entre	ciência	e	metafísica?	Há	um	sentido	no	qual	 tanto	as	ciências
naturais	como	a	metafísica	apontam	para	uma	melhor	compreensão	da	natureza.	É	 interessante	 reflectir
sobre	a	história	da	relação	entre	a	ciência	e	a	metafísica,	uma	vez	que	pensadores	que	contribuíram	tão
enormemente	para	o	progresso	da	ciência	como	Isaac	Newton	ou	Albert	Einstein	expressaram	pontos	de
vista	metafísicos	e	trabalharam	com	base	em	pressupostos	metafísicos	explícitos.
Para	os	positivistas	 lógicos,	 a	diferença	entre	a	ciência	e	a	metafísica	está	nos	métodos	pelos	quais	a
investigação	 da	 natureza	 é	 conduzida	 e	 no	 significado	 das	 alegações	 formuladas	 no	 âmbito	 destas
disciplinas.	Tomemos	por	exemplo	o	filósofo	grego	Platão.	Em	muitos	diálogos	que	escreveu,	afirma	que
o	mundo	da	nossa	experiência,	incluindo	as	cadeiras	em	que	nos	sentamos,	o	Sol	que	vemos	a	nascer	e	a
pôr-se	todos	os	dias,	é	apenas	meio	real.	A	realidade	última	é	feita,	não	de	objectos	materiais,	mas	de
formas,	ou	ideias,	que	não	podemos	ver	nem	tocar,	pois	habitam	um	mundo	diferente	do	mundo	da	nossa
experiência	e	não	podem	ser	apreendidas	pelos	nossos	sentidos.	Mas	se	as	formas	não	podem	ser	vistas
ou	tocadas,	então	não	podemos	saber	com	base	nos	nossos	sentidos	se	existem	e	se	têm	os	atributos	que
Platão	lhes	imputa.
Os	positivistas	lógicos	consideravam	que	alegações	metafísicas	como	«O	mundo	das	Formas	não	pode
ser	apreendido	pelos	nossos	sentidos»	não	tinham	significado	empírico	ou	factual	algum	porque	não	eram
analíticas	e	não	eram	de	modo	algum	baseadas	na	experiência.	O	seu	ponto	de	vista	é	o	de	que	a	maioria
das	alegações	metafísicas	não	tem	significado	e	conduz	ao	erro,	uma	vez	que	essas	afirmações	empregam
palavras	que	 se	 referem	comummente	a	objectos	que	podemos	apreender	com	os	nossos	 sentidos	para
descrever	objectos	que,	por	definição,	estão	fora	ou	além	dessa	experiência.
Rudolf	Carnap	(1935)	compara	uma	afirmação	sobre	a	existência	das	formas	platónicas	a	uma	afirmação
sobre	a	existência	de	cangurus.	Observa	que	quando	os	zoólogos	afirmam	que	os	cangurus	existem,	a	sua
asserção	pode	ser	verificada,	uma	vez	que	dela	se	segue	que,	em	certos	momentos	e	lugares,	podem	ser
observadas	coisas	de	um	certo	tipo.	A	asserção	de	Platão	segundo	a	qual	as	formas	existem	é	diferente,
pois	 as	 formas	 nunca	 podem	 ser	 apreendidas.	 Carnap	 pensa	 que	 afirmações	 metafísicas	 como	 «As
formas	existem	numa	esfera	sem	espaço	e	sem	tempo»	não	representam	a	realidade,	e	que	portanto	não
podem	 ser	 verdadeiras	 ou	 falsas.	 Ao	 contrário,	 elas	 expressam	 algo,	 como	 o	 desejo	 de	 acreditar	 em
entidades	 que	 não	 estão	 tão	 sujeitas	 à	 alteração	 e	 à	 destruição	 como	 os	 objectos	 físicos.	 O	 desejo
expresso	por	uma	afirmação	metafísica	não	tem	conteúdo	científico	nem	teórico,	podendo	ser	comparado
ao	trabalho	de	um	poeta.	Há,	contudo,	uma	diferença	entre	a	atitude	do	metafísico	e	a	do	poeta.	O	poeta
sabe	 quando	 está	 a	 descrever	 sentimentos	 e	 desejos	 nos	 seus	 escritos,	 ao	 passo	 que	 o	metafísico	 está
iludido,	erroneamente	convencido	de	que	está	a	contribuir	para	uma	forma	de	conhecimento	 factual.	A
prova	 desta	 ilusão	 está	 no	 facto	 de	 o	 metafísico	 se	 preparar	 para	 entrar	 numa	 discussão	 com	 outros
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
metafísicos	 sobre	 a	 verdade	 de	 alegações	 acerca	 de	 objectos	 ou	 propriedades	 que	 não	 podem	 ser
experienciados.	Para	Carnap,	as	alegações	metafísicas	são	expressivas	e	não	representacionais,	e	apenas
parecem	ter	conteúdo	teórico	para	aqueles	que	as	advogam.
	
Discussão:	 A	 distinção	 de	 Carnap	 entre	 expressões	 de	 sentimentos	 e	 desejos	 e	 afirmações
representacionais	é	convincente?	É	útil?
	
Karl	Popper	(1959,	2002)	discorda	da	ideia	positivista	lógica	de	que	as	afirmações	metafísicas	não	têm
mas	hipóteses	metafísicas	tiveram	uma	importante	influência	no	desenvolvimento	de	hipóteses	científicas.
Dá	 o	 exemplo	 do	 atomismo.	 A	 teoria	 de	 que	 toda	 a	 matéria	 é	 composta	 por	 partes	 indivisíveis
(«átomos»)	surgiu	na	Grécia	antiga	e	foi	primeiramente	formulada	por	Leucipo	(c.	500	a.	C.)	e	Demócrito
(460-370	 a.	 C.).	 Esta	 teoria	 foi	 resultado	 da	 especulação	 filosófica,	 desenvolvendo-se	 como	 uma
tentativa	de	resolver	paradoxos	sobre	o	movimento	e	a	alteração.	Permaneceu	uma	hipótese	metafísica
sobre	a	natureza	da	realidade	durante	muito	tempo:	no	século	xvii,	foram	articuladas	diferentes	versões	a
partir	dela,	pelos	filósofos	que	se	interessavam	pela	natureza	e	composição	últimas	da	matéria.
Pode	dizer-se	que	a	partir	do	século	xix	o	atomismo	passou	a	ser	uma	hipótese	científica,	desenvolvida
por	John	Dalton	na	química	orgânica	e	por	James	Maxwell	no	que	respeita	à	teoria	cinética	dos	gases.
No	século	xx,	a	existência	de	átomos	deixou	de	ser	uma	questão	controversa.	É	claro	que	os	átomos	cuja
existência	nós	hoje	aceitamos	são	descritos	de	uma	maneira	muito	diferente	dos	átomos	de	que	Leucipo	e
Demócrito	primeiramente	 falaram,	mas	pode	dizer-se	que	o	atomismo	enquanto	hipótese	científica	não
teria	surgido	na	ausência	da	tradição	metafísica	anterior.	Popper	considera	isto	como	um	caso	difícil	para
quem	insiste	que	as	hipóteses	metafísicas	não	têm	um	significado	representacional.	Defende	que	mesmo
os	mitos	podem	derivar	em	hipóteses	que	estão	sujeitas	ao	 teste	empírico:	o	 sistema	copernicano,	por
exemplo,	inspirou-se	no	fascínio	neoplatónico	pela	luz	emitida	pelo	Sol.
O	 modo	 como	 a	 natureza	 de	 uma	 alegaçãometafísica	 é	 considerada	 é	 parcialmente	 explicado	 pela
maneira	como	ela	é	justificada.	Metafísicos	da	Grécia	antiga	como	Demócrito	e	Platão	não	conduziram
experiências	 nem	 basearam	 as	 suas	 ideias	 numa	 série	 de	 observações	 exaustivas.	 Chegavam	 às	 suas
conclusões	unicamente	pela	 razão,	 com	argumentos	para	os	 seus	pontos	de	vista	que	normalmente	não
incluíam	 afirmações	 empíricas	 como	 premissas.	 Os	 metafísicos	 contemporâneos	 estão	 menos	 virados
para	a	especulação	sobre	um	mundo	de	objectos	e	propriedades	inobserváveis,	preferindo	compreender	a
realidade	de	uma	maneira	que	seja	compatível	com	as	teorias	físicas	actualmente	aceites,	e	que	por	vezes
até	 funcione	 como	 um	 auxiliar	 conceptual	 para	 as	 mesmas.	 Um	 exemplo	 desta	 interacção	 entre	 a
metafísica	 e	 a	 física	 é	 o	 estudo	 da	 natureza	 do	 tempo,	 que	 foi	 informado	 e	 inspirado	 pela	 teoria	 da
relatividade,	e	as	suas	importantes	consequências	para	a	noção	de	realidade	do	senso	comum.
	
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
	
Ainda	 que	 em	 metafísica	 não	 esperemos	 que	 os	 investigadores	 montem	 experiências	 e	 encontrem
confirmação	empírica	para	todas	as	afirmações	nas	suas	teorias,	a	verdade	é	que	alguns	metafísicos	iriam
ter	 em	 conta	 o	 que	 a	 física	 deu	 a	 conhecer	 sobre	 a	 estrutura	 da	 realidade,	 elucidariam	 os	 conceitos
envolvidos	 na	 explicação	 dada	 pelas	 teorias	 científicas	 aceites	 e	 aprofundariam	 a	 nossa	 compreensão
desses	conceitos	(Ladyman	et	al.	2007).	Pese	embora	isto,	o	debate	sobre	o	papel	da	metafísica	é	ainda
extremamente	 acalorado,	 e	 as	 tradições	 filosóficas	 diferem	no	 que	 respeita	 à	maneira	 como	 a	 relação
entre	a	ciência	e	a	metafísica	é	concebida.
	
Exercício:	É	capaz	de	dar	exemplos	de	hipóteses	que	são	consideradas	científicas	mas	que	não	 têm
bases	empíricas?	Deveriam	estas	hipóteses	ser	consideradas	científicas?
	
1.2.	Ciência	e	pseudociência
	
Os	 positivistas	 lógicos	 proporcionaram	 o	 critério	 de	 verificabilidade	 como	 um	 critério	 para	 o
significado	 das	 afirmações:	 uma	 afirmação	 tem	 significado	 se	 for	 sintética	 e	 puder	 ser	 verificada	 por
meio	da	experiência	ou	se	for	analítica.	As	afirmações	científicas	genuínas	(por	exemplo,	«Fumar	muito
aumenta	 a	 probabilidade	 de	 se	 contrair	 cancro	 do	 pulmão»)	 parecem	 satisfazer	 o	 critério,	 pois	 são
afirmações	 sintéticas	 que	 podem	 ser	 verificadas,	 mas	 muitas	 alegações	 éticas	 e	 metafísicas	 parecem
sintéticas	e	no	entanto	não	podem	ser	verificadas	por	meio	da	experiência,	pelo	que	falham	no	teste	do
significado.
As	 coisas	 são	 mais	 complicadas	 do	 que	 a	 clara	 distinção	 avançada	 pelos	 positivistas	 lógicos	 podia
sugerir.	Segundo	Schlick,	nas	suas	conferências	«Forma	e	Conteúdo»	(1938),	a	afirmação	de	Descartes
de	que	«Só	os	seres	humanos	são	dotados	de	consciência»	não	pode	ser	empiricamente	verificada.	No
entanto,	a	questão	de	querermos	considerar	as	afirmações	sobre	a	consciência	como	metafísicas	ou	outra
coisa	depende	do	tipo	de	justificação	que	podemos	dar	para	as	aprovarmos.	Se	temos	uma	definição	de
consciência	que	torna	impossível	a	outros	seres	que	não	os	humanos	serem	conscientes,	então	a	alegação
é	 uma	 afirmação	 analítica.	 Mas	 se	 a	 definição	 de	 consciência	 não	 exclui	 a	 priori	 que	 os	 seres	 não
humanos	podem	ser	conscientes,	a	alegação	de	Descartes	é	considerada	sintética	e	podemos	facilmente
imaginar	formas	cientificamente	respeitáveis	de	lhe	dar	uma	justificação.
Suponhamos	 que	 pensávamos	 que	 algumas	 regiões	 do	 cérebro	 humano	 estavam	 envolvidas	 em	 alguma
experiência	 que	 consideramos	 consciente,	 e	 que	 também	 soubéramos	 que	 tais	 regiões	 eram
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
significativamente	diferentes	nos	cérebros	dos	animais	não	humanos,	ou	que	estes	não	as	tinham	de	todo.
Em	tais	circunstâncias,	 teríamos	algumas	bases	empíricas	para	avaliar	a	verdade	de	alegações	sobre	a
consciência	 em	 seres	 não	 humanos.	 A	 alegação	 de	 Descartes	 passaria	 a	 ser	 uma	 afirmação	 sintética
verificável.
Schlick	 pensou	 que	 este	 era	 um	 bom	 exemplo	 de	 uma	 afirmação	 metafísica	 não	 verificável	 porque
assumiu	que	o	filósofo	que	a	tinha	avançado,	Descartes,	não	a	justificou	com	base	em	dados	empíricos
que	 podia	 ter	 verificado	 (embora	 Descartes	 fosse	 um	 vivisseccionista	 nato	 e	 tivesse	 muitos
conhecimentos	práticos	de	fisiologia	animal).	O	exemplo	mostra,	porém,	que	a	distinção	entre	o	que	pode
ser	 verificado	 e	 o	 que	 não	 pode	 ser	 verificado	 não	 é	 algo	 estabelecido	 de	 forma	 definitiva,	 e	 que
problemas	 aparentemente	 intratáveis	 podem	 tornar-se	mais	 abertos	 à	 investigação	 empírica	graças	 aos
avanços	da	ciência	e	da	tecnologia.
Foram	 feitas	 outras	 críticas	 ao	 critério	 de	 verificabilidade	 enquanto	 critério	 de	 significado,	 e	 também
enquanto	 critério	 de	 demarcação.	 Há	 dúvidas	 de	 que	 o	 critério	 possa	 ser	 suficiente	 para	 distinguir
afirmações	que	pertencem	a	teorias	genuinamente	científicas	de	afirmações	que	não	lhes	pertencem.	Por
exemplo,	o	critério	parece	não	ter	os	recursos	para	discriminar	as	afirmações	sintéticas	que	fazem	parte
de	uma	teoria	física	respeitável	das	de	um	horóscopo	semanal.	A	maioria	das	alegações	dos	astrólogos	é
indubitavelmente	 sintética,	 e	 algumas	 alegações	 são	 até	 sujeitas	 a	 verificação.	 Estas	 afirmações
satisfazem	o	critério	do	significado,	e	no	entanto	resistimos	a	aceitá-las	como	científicas,	considerando
muitas	vezes	que	são	falhas	em	justificação	e	base	empírica.	Portanto,	temos	de	procurar	noutro	lado	uma
maneira	de	delimitar	o	abismo	que	se	considera	existir	entre	a	física	e	a	astrologia.
	
Exercício:	Antes	de	continuar	a	ler,	tome	algumas	notas	sobre	as	principais	diferenças	entre	a	física	e
a	astrologia.
	
1.2.1.	Será	a	astrologia	falsificável?
	
Um	contributo	fundamental	para	o	problema	clássico	da	demarcação	foi	dado	por	Popper	(1959,	2002),
que	era	da	opinião	de	que	a	ciência	é	diferente	da	pseudociência	no	sentido	em	que	visa	a	produção	de
hipóteses	 falsificáveis.	Popper	não	está	 convencido	de	que,	no	contexto	da	demarcação,	 fazer	 apelo	 à
possibilidade	de	verificação	seja	satisfatório.	A	sua	sugestão	de	uma	estratégia	alternativa	é	baseada	na
observação	de	que	as	afirmações	gerais	nunca	podem	ser	verificadas	pela	experiência,	uma	vez	que	seria
necessário	um	número	infinito	de	observações.	Quantas	observações	de	cisnes	brancos	são	necessárias
para	verificar	a	afirmação	«Todos	os	cisnes	são	brancos»?	Afirmações	gerais	na	forma	«Todos	os	X	são
Y»	dizem	respeito	a	casos	passados,	presentes	e	futuros	de	X,	e	portanto	nenhum	número	de	observações
de	X	constituiria	prova	suficiente	para	estabelecer	com	certeza	a	verdade	dessa	afirmação	geral.	E	claro
que	se	eu	observo	cem	cisnes	e	são	todos	brancos,	é	razoável	que	espere	que	o	próximo	cisne	que	vou
observar	 também	seja	branco.	Porém,	como	sabemos,	a	observação	de	um	cisne	negro	numa	viagem	à
Austrália	pode	ser	 reveladora.	A	existência	de	apenas	um	caso	em	que	X	não	é	Y	prova	que	afinal	de
contas	a	afirmação	geral	é	falsa.
O	ponto	de	partida	para	a	 introdução	da	noção	de	falsificação	é	o	de	que	uma	única	experiência	pode
contradizer	a	previsão	baseada	numa	hipótese	geral,	e	que	isto	é	suficiente	para	provar	que	a	hipótese	é
falsa.	Segundo	Popper,	só	as	hipóteses	científicas	são	falsificáveis	desta	maneira,	ao	passo	que	as	teorias
pseudocientíficas	e	as	teorias	metafísicas	são	imunes	ao	fracasso	empírico.	Por	este	motivo,	pensava	que
o	apelo	à	falsificabilidade	era	a	forma	mais	promissora	de	distinguir	a	ciência	da	não-ciência.	Ora	será
que	esta	maneira	de	ver	as	coisas	pode	explicar	o	estatuto	pseudocientífico	da	astrologia?
Popper	 (1963)	 defende	 que	 há	 uma	 diferença	 importante	 entre	 a)	prever	 indícios	 observacionais	 com
base	numa	dada	teoria	e	b)	modelar	os	indíciosde	modo	a	serem	compatíveis	com	a	teoria.	A	primeira
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
prática	 caracteriza	 os	 empreendimentos	 científicos	 saudáveis,	 ao	 passo	 que	 a	 última	 é	 típica	 das
pseudociências.	Segundo	Popper,	uma	boa	 teoria	 científica	é	 incompatível	 com	a	ocorrência	de	certos
eventos,	 e	 por	 conseguinte	 impede	 que	 certas	 coisas	 aconteçam.	Neste	 sentido,	 a	 ciência	 é	 uma	 coisa
arriscada.	 Popper	 ilustra	 este	 argumento	 com	 o	 exemplo	 da	 teoria	 da	 relatividade	 de	 Einstein.	 As
previsões	 que	 a	 teoria	 nos	 permite	 fazer	 são	 passíveis	 de	 confirmação	 e	 infirmação,	 e	 se	 forem
infirmadas	a	teoria	não	terá	um	futuro	risonho.
Eis	outro	exemplo	de	uma	previsão	arriscada.	Suponha	que	está	a	considerar	um	modelo	de	flutuações	do
mercado	de	 acções	 segundo	o	qual	de	 cada	vez	que	há	 instabilidade	política	num	país,	 os	preços	das
acções	caem.	Com	base	neste	modelo,	prevê	que	da	próxima	vez	que	haja	instabilidade	política	em	Itália,
os	 preços	 das	 acções	 na	 Bolsa	 de	 Milão	 cairão.	 Se	 a	 sua	 previsão	 não	 se	 verificar,	 o	 modelo	 foi
falsificado.
Ao	 contrário	 de	 uma	 teoria	 científica,	 que	 faz	 previsões	 arriscadas,	 as	 teorias	 pseudocientíficas	 são
praticamente	 irrefutáveis.	Não	há	 indícios	que	possam	 ir	 contra	 estas	 teorias	 e	 levar-nos	 a	 rejeitá-las,
pois	 são	 formuladas	de	uma	maneira	ambígua	ou	podem	ser	modeladas	de	modo	a	acomodar	 todos	os
indícios	 aparentemente	 contrários.	 Um	 dos	 exemplos	 preferidos	 de	 Popper	 é	 a	 psicanálise.	 Qualquer
observação	clínica	pode	ser	 interpretada	à	 luz	da	teoria,	e	nenhum	exemplo	de	comportamento	humano
poderia	claramente	contradizer	as	hipóteses	construídas	com	base	na	teoria.	A	astrologia	também	encaixa
nesta	 descrição:	 as	 suas	 previsões	 são	 frequentemente	 formuladas	 em	 termos	 tão	 gerais,	 que	 nenhum
acontecimento	futuro	poderá	claramente	contradizê-las,	o	que	garante	imunidade	à	teoria.
Suponha	que	ainda	está	interessado	em	prever	o	comportamento	do	mercado	de	acções.	Desta	feita	usa
um	modelo	 diferente,	 que	 lhe	 diz	 que	 de	 cada	 vez	 que	 há	 estabilidade	 política	 num	país,	 o	 custo	 das
acções	 altera-se	—	mas	 não	 lhe	 diz	 se	 sobem	 ou	 descem.	 Este	modelo	 ainda	 é	 arriscado	 (pois	 seria
falsificado	 se	 os	 preços	 das	 acções	 continuassem	 exactamente	 os	 mesmos	 durante	 um	 período	 de
instabilidade	 política),	 mas	 é	 menos	 arriscado	 do	 que	 o	 modelo	 que	 antes	 considerámos,	 pois	 não
especifica	 como	os	 preços	mudam,	 e	 por	 conseguinte	 é	 imune	 a	 alguns	 casos	 de	 infirmação	 empírica.
Para	 Popper,	 o	modelo	 seria	 pseudocientífico	 se	 não	 houvesse	 circunstâncias	 nas	 quais	 pudesse	 fazer
previsões	 que	 acabariam	 por	 ser	 falsas.	 Resumindo,	 para	 Popper,	 as	 pseudociências	 não	 estão
genuinamente	abertas	à	falsificação,	uma	vez	que	é	óbvio	que	nenhum	evento	é	por	elas	excluído.
	
Exercício:	Faça	alguma	investigação	sobre	duasdas	seguintes	actividades	—	homeopatia;	frenologia;
arqueologia;	ovnilogia;	psicologia	evolucionária	—,	e	em	seguida	decida	se	satisfazem	os	critérios	de
pseudociência	de	Popper.
	
Os	 críticos	 de	 Popper	 puseram	 em	 causa	 a	 falsificabilidade	 enquanto	 critério	 de	 demarcação	 entre
ciência	e	pseudociência	com	base	no	facto	de	alguns	elementos	de	uma	teoria	científica	(como	as	leis	na
física	teórica)	não	serem	directamente	falsificáveis,	ao	passo	que	uma	pseudociência	como	a	astrologia
pode	gerar	 afirmações	 falsificáveis.	 Se	 estes	 críticos	 estiverem	certos,	 então	 a	 falsificabilidade	não	 é
nem	suficiente	nem	necessária	para	a	demarcação.
Não	é	suficiente	porque	parece	haver	hipóteses	falsificáveis	que	não	são	científicas.	Por	exemplo,	Paul
Thagard	(1978)	relata	algumas	tentativas	de	confirmar	empiricamente,	por	meio	de	métodos	estatísticos,
a	ideia	de	que	a	posição	dos	planetas	no	momento	do	nascimento	está	correlacionada	com	a	escolha	da
actividade	 da	 pessoa	 na	 sua	 vida	 futura.	 Ora,	 descobrir	 que	 o	 nascimento	 de	 uma	 pessoa	 não	 está
correlacionado	com	a	sua	posterior	ocupação,	como	as	teorias	astrológicas	indicam,	pode	em	princípio
constituir	uma	falsificação	da	teoria.
A	falsificabilidade	não	é	sequer	um	critério	necessário	da	demarcação.	Alan	Chalmers	(1999)	recorda-
nos	que	o	fracasso	de	uma	previsão	nem	sempre	indica	que	uma	teoria	científica	está	afinal	errada.	Como
veremos	 quando	 discutirmos	 as	 teorias	 científicas	 nos	 capítulos	 3	 e	 5,	 mesmo	 que	 as	 observações
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
pareçam	 contradizer	 os	 princípios	 de	 uma	 teoria,	 na	 prática	 da	 ciência	 por	 vezes	 é	 perfeitamente
aceitável	conservar	a	teoria,	e,	ao	invés,	modificar	as	hipóteses	auxiliares	que	precisamos	de	combinar
com	 a	 teoria,	 de	 modo	 a	 torná-la	 testável	 (Lakatos	 1970;	 Kuhn	 1962,1970;	 Kuhn	 1996).	 Pode	 haver
hipóteses	científicas	que,	de	tão	acerrimamente	defendidas	pelos	cientistas	que	as	testam,	são	feitas	para
resistir	a	tentativas	de	falsificação	perante	previsões	inexactas.
	
1.2.2	Factores	dependentes	do	contexto	na	demarcação
	
Inspirado	 pela	 análise	 histórica	 e	 social	 da	 ciência	 feita	 por	Kuhn,	Thagard	 concorda	 com	Popper	 no
ponto	em	que	a	astrologia	é	uma	pseudociência,	mas	defende	que	as	razões	pelas	quais	a	astrologia	é	uma
pseudociência	 não	 se	 esgotam	 na	 aplicação	 do	 critério	 de	 falsificabilidade.	 Para	 determinarmos	 o
estatuto	 de	 uma	 disciplina,	 também	 precisamos	 de	 examinar	 algumas	 características	 da	 comunidade
daqueles	que	a	praticam,	bem	como	o	contexto	histórico	no	qual	estas	investigações	são	conduzidas.	Uma
disciplina	científica	saudável	possui	uma	comunidade	de	praticantes	que,	em	grande	medida,	concorda
com	os	principais	princípios	e	métodos	que	a	caracterizam.	Os	praticantes	ficam	seriamente	preocupados
com	indícios	aparentemente	infirmantes,	tentam	encontrar	soluções	para	a	inadequação	entre	a	teoria	e	os
dados	 e	 envolvem-se	 activamente	 no	 teste	 rigoroso	 da	 teoria.	 Quer	 o	 estádio	 do	 desenvolvimento	 da
disciplina,	quer	o	reconhecimento	da	existência	de	uma	competição,	são	importantes	para	o	seu	estatuto
enquanto	ciência.	Será	que	a	 teoria	dominante	se	 tem	estado	a	debater	há	muito	com	aparentes	contra-
provas?	 Haverá	 outras	 teorias	 que	 possam	 explicar	 os	 fenómenos	 relevantes	 de	 uma	 maneira	 mais
satisfatória?
Segundo	Thagard,	a	razão	pela	qual	a	astrologia	está	em	má	forma	hoje	em	dia	deve-se	ao	facto	de	os
seus	praticantes	não	terem	feito	progressos	significativos	durante	algum	tempo	e	de	agora	termos	formas
mais	bem-sucedidas	e	fiáveis	de	explicar	o	comportamento	humano	no	âmbito	da	psicologia	cognitiva	e
social.	 Thagard	 não	 exclui	 que,	 em	 certo	 momento	 no	 passado,	 como	 por	 exemplo	 antes	 do
desenvolvimento	 da	 psicologia,	 a	 astrologia	 pudesse	 ser	 considerada	 capaz	 de	 proporcionar	 uma
explicação	e	uma	previsão	científica	genuínas	sobre	o	comportamento	humano.	Actualmente,	porém,	os
praticantes	da	astrologia	não	fazem	esforço	algum	para	desenvolver	soluções	para	os	problemas	que	a
disciplina	 enfrenta,	 não	 se	 empenham	 no	 teste	 rigoroso	 das	 suas	 teorias,	 parecem	 ser	 selectivos	 na
maneira	como	consideram	os	indícios	que	apoiam	ou	contrariam	as	suas	alegações	e	não	comparam	o	seu
enquadramento	 explicativo	 com	 enquadramentos	 explicativos	 alternativos.	 Segundo	 Thagard,	 estes
sintomas	sugerem	que	hoje	em	dia	a	astrologia	não	consegue	obter	o	estatuto	de	ciência.
	
Discussão:	Concorda	com	a	 ideia	de	que	o	contexto	n/	histórico	é	 importante	para	se	saber	se	uma
disciplina	 é	 considerada	 genuinamente	 científica?	 A	 título	 de	 exemplo,	 considere	 a	 química	 e	 a
psicologia.
	
1.2.3	«Vale	tudo»
	
Na	 edição	 de	 Setembro/Outubro	 de1975	 da	 revista	 The	Humanist	 surgiu	 uma	 declaração	 sobre	 a
astrologia	 subscrita	 por	 186	 cientistas	 e	 eruditos.	 Nela,	 defendiam	 que	 os	 conceitos	 modernos	 da
astronomia	e	da	física,	bem	como	a	ciência	da	psicologia,	não	sustentavam	de	modo	algum	a	ideia	de	que
a	posição	dos	planetas	pode	afectar	a	vida	e	o	comportamento	dos	seres	humanos.
Paul	Feyerabend	(1979)	defende	que	a	declaração	não	contém	argumento	algum	convincente	que	apoie	a
ideia	 de	 que	 a	 astrologia	 é	 menos	 respeitável	 do	 que	 qualquer	 outra	 das	 disciplinas	 mencionadas.
Feyerabend	 admite	 que,	 em	 grande	 parte,	 a	 prática	 contemporânea	 da	 astrologia	 tem	 como	 objectivo
«impressionar	 o	 ignorante»	 e	 não	 constitui	 um	 exemplo	 de	 investigação	 progressiva,	 mas	 contesta	 a
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
maneira	como	os	cientistas	proeminentes	envolvidos	na	declaração	tentam	ridicularizá-la.	Na	declaração,
defende-se	que	a	astrologia	surgiu	da	magia,	e	que	os	seus	princípios	originais	não	são	de	modo	algum
confirmados	pela	ciência	contemporânea.	Feyerabend	responde	que	se	isto	é	uma	objecção,	então	é	uma
objecção	ao	estatuto	científico	não	apenas	da	astrologia,	mas	 também	de	muitas	outras	disciplinas	que
são	normalmente	consideradas	exemplos	paradigmáticos	de	ciência.	A	alquimia,	que	não	era	desprovida
de	referências	mágicas,	é	a	precursora	da	química	moderna.
Feyerabend	 (1975)	 defende	 um	 ponto	 de	 vista	 segundo	 o	 qual	 a	 ciência	 é	 apenas	 uma	 tradição	 de
pensamento	entre	muitas	outras,	e	que	não	é	caracterizada	por	um	qualquer	tipo	de	regras	metodológicas
próprias	 e	 rígidas.	 O	 desenvolvimento	 histórico	 da	 ciência	 mostrou	 que	 foram	 feitos	 vários	 tipos	 de
abordagens	 a	 questões	 a	 que	 hoje	 chamamos	 científicas,	 e	 que	 foi	 precisamente	 esta	 variedade	 de
métodos	 que	 tornou	 o	 progresso	 possível.	 Referindo-se	 a	 alguns	 exemplos	 de	 prática	 científica	 em
diferentes	disciplinas	e	em	diferentes	épocas,	Feyerabend	tenta	mostrar	que	estamos	enganados	quando
pensamos	que	um	único	método	unifica	todos	os	empreendimentos	da	ciência.	Ao	invés,	defende	que	as
Leis	da	Razão	que	comummente	consideramos	como	parte	do	método	científico,	incluindo	a	ideia	de	que
as	 teorias	 científicas	 estão	 estreitamente	 relacionadas	 com	 a	 realidade	 por	 via	 da	 observação	 e	 das
experiências,	são	apenas	uma	reconstrução	racional	post	hoc	(Locução	latina	que	significa	 literalmente	«depois	disso».
Não	confundir	com	a	falácia	post	hoc		ergo	propter	hoc	[depois	disso;	logo,	por	causa	disso],	por	vezes	abreviadamente	referida	como	post
hoc	-	N.	do	R.)	da	metodologia	científica	e	são	divulgadas	para	fins	de	propaganda	política.
Nas	nossas	sociedades,	argumenta	Feyerabend,	os	cientistas	têm	um	poder	que	lhes	é	conferido	com	base
no	facto	de	serem	depositários	de	um	método	racional	para	investigar	a	realidade.	Para	conservarem	o
seu	poder,	dão	uma	imagem	distorcida	da	sua	maneira	de	pensar	como	superior,	pondo	de	parte	tradições
de	pensamento	alternativas.	No	capítulo	5,	passaremos	em	revista	e	avaliaremos	os	argumentos	a	favor	e
contra	a	 racionalidade	do	progresso	científico,	e	discutiremos	estes	assuntos	com	maior	pormenor.	Em
especial,	 pensaremos	 sobre	 a	 questão	 de	 saber	 se	 pode	 haver	 critérios	 objectivos	 para	 classificar
diferentes	metodologias,	e	se	a	ciência	contemporânea	nos	dá	realmente	um	estilo	de	pensamento	que	é
superior	ao	de	outras	 tradições	de	pensamento.	Para	a	presente	discussão,	porém,	será	suficiente	dizer
que	 pensadores	 como	 Feyerabend	 são	 da	 opinião	 de	 que	 não	 é	 possível	 encontrar	 um	 critério	 de
demarcação	coerente	e	satisfatório	entre	ciência	e	não-ciência.
	
Exercício:	Enuncie	três	razões	a	favor	e	três	razões	contra	a	negação	de	Feyerabend	da	supremacia
metodológica	da	ciência.
	
1.3	Ciências	naturais	e	sociais
	
A	questão	do	estatuto	das	ciências	sociais,	de	saber	se	são	exemplos	genuínos	de	ciência,	parece	girar	em
torno	 da	 comparação	 entre	 a	 sua	 metodologia,	 dada	 a	 natureza	 dos	 fenómenos	 que	 estudam,	 e	 a
metodologia	da	física.	Ora,	será	que	podemos	realmente	encontrar	elementos	de	continuidade	suficientes
entre	 a	 economia	 e	 a	 física	 para	 considerarmos	 ambas	 ciências?	 Popper	 (1957)	 distingue	 duas
abordagens	à	distinção	entre	as	ciências	naturais	e	as	ciências	sociais:	o	naturalismo	e	o	antinaturalismo.
De	 acordo	 com	 a	 perspectiva	 antinaturalista,	 há	 um	 abismo	 entre	 as	 metodologias	 da	 física	 e	 da
sociologia.	Eis	uma	listagem	parcial	de	alguns	dos	factores	que	sugerem	uma	profunda	desanalogia:
	
•	 Generalizações.	 Nas	 ciências	 físicas	 fazemos	 generalizações	 a	 partir	 de	 factos	 particulares	 para
chegarmos	 a	 verdades	 universais	 com	 base	 no	 pressuposto	 de	 que	 existem	 algumas	 regularidades	 na
natureza.	Na	sociologia,	porém,	este	procedimento	não	é	frutífero,	pois	as	circunstâncias	são	peculiares
de	um	momento	histórico	no	tempo,	e	ignorar	este	aspecto	seria	ignorar	o	facto	de	a	sociedade	estar	em
constante	evolução.
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
•	Experiências.	 Na	 física,	 as	 experiências	 representam	 uma	maneira	 de	 isolarmos	 um	 fenómeno	 para
podermos	controlar	algumas	variáveis	e	nos	centrarmos	num	número	limitado	de	factores	relevantes.	Na
sociologia,	este	método	não	funcionaria,	uma	vez	que	não	há	um	princípio	para	decidir	que	factores	são
relevantes	 para	 as	 questões	 a	 que	 se	 deve	 responder	 numa	 investigação.	 Além	 disso,	 em	 física	 as
experiências	podem	ser	repetidas	em	diferentes	laboratórios	e	podem	obter-se	os	mesmos	resultados,	ao
passo	que	na	sociologia	as	observações	sãosempre	únicas,	pois	dependem	das	características	do	 facto
observado.
•	Complexidade.	Os	factos	sociais	são	complexos,	não	só	porque	as	variáveis	não	podem	ser	facilmente
controladas	 em	situações	 artificiais,	 devido	à	 sua	 contingência	histórica,	mas	 também	porque	as	vidas
mentais	 são	 importantes	 para	 o	 desenvolvimento	 da	 sociedade,	 e	 para	 se	 compreender	 o	 papel
explicativo	das	vidas	mentais	têm	de	ser	invocados	factos	psicológicos	e	biológicos.
•	Previsão.	 O	 ponto	 é:	 embora	 seja	 possível	 fazer	 previsões	 em	 sociologia,	 é	 extremamente	 difícil,
devido	à	complexidade	dos	factos	sociais,	mas	também	ao	efeito	que	o	fazer	uma	determinada	previsão
pode	 produzir	 no	 facto	 que	 será	 previsto.	 Por	 exemplo,	 prever	 que	 um	 banco	 enfrentará	 uma	 crise
financeira	produz	um	efeito	nos	consumidores	que	confiaram	as	suas	poupanças	a	esse	banco.	E	provável
que	 retirem	 o	 seu	 dinheiro	 do	 banco	 com	medo	 de	 o	 perderem,	 comprometendo	 assim	 ainda	 mais	 a
situação	financeira	da	instituição.
•	Objectividade.	 Toda	 a	 relação	 entre	 a	 pessoa	 que	 observa	 aquele	 facto	 e	 o	 facto	 observado	 é	 uma
questão	que,	até	certo	ponto,	também	diz	respeito	às	ciências	naturais,	mas	que	parece	mais	premente	no
caso	das	ciências	sociais.	O	sujeito	que	tenta	dar	uma	explicação	para	um	facto	social	não	está	fora	do
facto,	 numa	 posição	 de	 neutralidade;	muitas	 vezes,	 está	 incorporado	 nele.	 Uma	 consequência	 extrema
desta	 alegação	 é	 que,	 diferentemente	 da	 física,	 na	 sociologia	 o	 objectivo	 do	 cientista	 não	 é	 revelar
verdades,	mas	originar	uma	nova	fase	de	desenvolvimento	social.
•	 Holismo.	 A	 partir	 do	 que	 os	 antinaturalistas	 dizem	 sobre	 a	 complexidade	 e	 a	 inadequação	 das
experiências	nas	ciências	sociais,	há	uma	outra	questão	que	afecta	a	esfera	da	previsão	e	da	explicação:
o	holismo.	A	ideia	é	que,	em	física,	um	agregado	pode	ser	apenas	a	soma	das	suas	partes,	mas	um	grupo
social	é	sempre	mais	do	que	a	soma	dos	seus	membros,	porque	as	relações	pessoais	podem	facilmente
alterar	a	dinâmica	e	o	comportamento	do	grupo.	O	próprio	grupo	terá	a	sua	história,	que	não	se	esgota	na
história	pessoal	dos	seus	membros.	Isto	significaque	quando	tentamos	dar	uma	explicação	ou	fazer	uma
previsão	 em	 ciências	 sociais	 temos	 sempre	 de	 tomar	 atenção	 a	 como	 acontecimentos	 ou	 interacções
particulares,	que	parecem	ter	consequências	muito	limitadas	e	confinadas,	determinam	alterações	em	toda
a	estrutura	do	fenómeno	social	a	estudar;	e	não	podemos	oferecer	explicações	ou	previsões	localizadas,
mas	temos	sempre	de	analisar	a	totalidade	dos	factos	sociais	relevantes.
•	Compreensão.	 Como	 fazemos	 quando	 queremos	 compreender	 factos?	 Se	 os	 factos	 forem	 naturais,
provavelmente	 procuraremos	 o	 que	 os	 causou.	 Se	 forem	 factos	 sociais,	 diz	 o	 antinaturalista,
procuraremos	o	significado	e	a	finalidade.	Enquanto	o	primeiro	objectivo,	a	explicação	causal,	pode	ser
posto	em	prática	pela	observação	de	 regularidades	e	generalizações,	o	último,	 a	compreensão,	 requer
imaginação	e	empa	tia.
	
Exercício:	 Que	 outras	 possíveis	 diferenças	 metodológicas	 entre	 as	 ciências	 naturais	 e	 sociais
consegue	imaginar?
	
1.3.1	Leis	e	experiências	nas	ciências	sociais
	
Popper	 discorda	 fortemente	 da	 posição	 antinaturalista,	 defendendo	 uma	 maior	 continuidade	 entre	 as
metodologias	 das	 ciências	 naturais	 e	 sociais.	 Argumenta	 convincentemente	 que	 a	 comparação
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
antinaturalista	 entre	 a	 física	 e	 a	 economia,	 ou	 entre	 a	 física	 e	 a	 sociologia,	 se	 baseia	 numa	 imagem
positivista	cândida	e	demasiado	simplificada	de	como	a	comunidade	científica	se	dedica	ao	estudo	da
natureza.
Ainda	que	possa	ser	verdade	que	as	generalizações	em	sociologia	assumem	uma	forma	diferente	das	da
física,	 também	é	verdade	que	 ambas	podem	 ser	 interpretadas	 como	 leis	 ou	hipóteses	 que	 estabelecem
uma	 proibição.	 Eis	 dois	 dos	 exemplos	 do	 próprio	 Popper:	 «Não	 se	 pode	 construir	 uma	 máquina	 de
movimento	perpétuo»,	ou:	«Não	se	pode	ter	emprego	para	todos	sem	inflação.»
	
Exercício:	 Consegue	 imaginar	 outros	 exemplos	 de	proibições	 estabelecidas	 por	 generalizações	 nas
ciências	sociais?
	
Popper	também	defende	que	a	ênfase	no	holismo	está	mal	pensada,	da	mesma	maneira	que	a	rejeição	da
metodologia	 daquelas	 experiências	 que	 pretendem	 encontrar	 regularidades	 em	 alguns	 aspectos	 do
desenvolvimento	social	em	vez	de	na	sociedade	como	um	todo.	Refere	que	há	exemplos	bem-sucedidos
de	experiências	fragmentárias	que	são	relevantes	para	a	articulação	de	teorias	sociológicas.
Pensemos	 na	 famosa	 experiência	 sobre	 a	 obediência	 à	 autoridade	 conduzida	 por	 Stanley	Milgram	 em
1974	 (a	 que	 voltaremos	 no	 capítulo	 6).	 Num	 cenário	 experimental,	 mostrou	 que	 as	 pessoas	 estão
fortemente	 inclinadas	 a	obedecer	 a	 figuras	de	 autoridade	que	 lhes	dizem	o	que	 fazer,	mesmo	que	 esse
pedido	implique	agir	de	uma	maneira	considerada	moralmente	objectável.	Milgram	queria	compreender
melhor	o	que	tinha	acontecido	na	Alemanha	nazi,	onde	ocorrera	uma	indignação	relativamente	moderada
quanto	à	maneira	como	as	pessoas	e	as	comunidades	judaicas	tinham	sido	perseguidas.	A	sua	hipótese	é
muito	geral,	uma	vez	que	pode	ser	aplicada	a	diferentes	pessoas	em	diferentes	sociedades	e	em	diferentes
contextos	 históricos:	 as	 pessoas	 têm	 dificuldade	 em	 desobedecer	 a	 ordens	 dadas	 por	 figuras	 de
autoridade.	 E,	 no	 entanto,	 a	 experiência	 foi	 conduzida	 num	 laboratório,	 com	 a	 metodologia	 de
investigação	da	psicologia	social	do	seu	 tempo.	Os	resultados	experimentais	confirmaram	a	hipótese	e
geraram	um	debate	 acalorado	 sobre	 as	 constantes	 do	 comportamento	humano,	 contribuindo	 assim	para
uma	melhor	compreensão	da	dinâmica	da	obediência	e	da	resistência	em	regimes	autoritários.
	
Exercício:	Conhece	outras	experiências	que	tenham	sido	importantes	para	as	ciências	sociais?
	
Experiências	como	a	de	Milgram	podem	contribuir	para	a	aquisição	de	conhecimento	generalizável.	O
método	 utilizado,	 diz	 Popper,	 é	 o	 método	 que	 recomenda	 para	 todas	 as	 ciências:	 tentativa	 e	 erro.
Tentamos	resolver	um	problema	dada	uma	certa	hipótese	e	podemos	falhar	ou	ser	bem-sucedidos,	mas	o
que	 realmente	 importa	 é	 que	 aprendemos	 com	 os	 erros	 que	 cometemos.	 Se	 a	 hipótese	 não	 parece
funcionar,	é	revista	ou	rejeitada,	e	são	feitos	novos	testes.	A	dificuldade	de	abordarmos	as	experiências
de	uma	maneira	holística	é	que	se	 testamos	hipóteses	que	dizem	respeito	à	sociedade	como	um	todo	e
fracassamos,	torna-se	extremamente	difícil	saber	exactamente	qual	foi	o	erro.	Ao	invés,	isolar	variáveis,
quando	isso	é	possível,	parece	ser	útil	tanto	nas	ciências	físicas	como	nas	sociais.
Há	 também	 outros	 elementos	 de	 continuidade	 no	 que	 respeita	 à	 questão	 da	 experimentação.	 Tanto	 na
física	 como	 noutras	 ciências,	 há	 experiências	 potencialmente	 muito	 reveladoras	 que	 não	 podem	 ser
conduzidas	 devido	 a	 limitações	metodológicas	 ou	 tecnológicas.	Nestes	 casos,	 os	 cientistas	 têm	muitas
vezes	de	fazer	as	experiências	na	sua	cabeça	e	usar	a	sua	imaginação	para	prever	o	que	poderiam	ser	os
resultados,	em	vez	de	conduzir	as	experiências	propriamente	ditas	(como	veremos	no	próximo	capítulo).
Nem	mesmo	no	que	 respeita	 ao	uso	 comum	de	 experiências	mentais	 parece	haver	 um	abismo	entre	 as
ciências	naturais	e	sociais.
Harold	Kincaid	(2004)	defende	um	ponto	de	vista	naturalista,	alegando	que	pode	haver	leis	nas	ciências
sociais.	Porém,	a	sua	perspectiva	é	diferente	da	de	Popper.	Em	vez	de	identificar	as	leis	com	afirmações
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
que	 estabelecem	 uma	 proibição,	 descreve-as	 como	 afirmações	 que	 identificam	 factores	 causais
relevantes.	 A	 complexidade	 dos	 fenómenos	 sociais	 não	 parece	 ser	 um	 obstáculo	 à	 identificação	 de
factores	causais	que	contribuem	para	uma	explicação	de	factores	sociais.	Para	Kincaid,	não	há	uma	boa
razão	 para	 pensar	 que	 a	 noção	 de	 compreensão	 em	 ciências	 sociais	 tem	 de	 ser	 concebida	 como
marcadamente	diferente	da	noção	de	explicação	causal	nas	ciências	físicas.
O	ponto	de	vista	antinaturalista	afirma	que	nas	ciências	sociais	os	«objectos»	investigados	são	pessoas
com	 livre-arbítrio	e	 com	a	 sua	maneira	de	conceptualizar	o	mundo,	não	 são	matéria	 inerte.	E	 isto	que
determinará	o	tipo	de	explicação	procurada	para	o	comportamento	estudado.	O	comportamento	humano,
diz	ainda	este	ponto	de	vista,	não	pode	ser	explicado	com	os	mesmos	princípios	do	comportamento	dos
objectos	físicos,	requerendo	um	esforço	de	interpretação	que	tem	em	conta	as	perspectivas	das	pessoas
cujo	 comportamento	 é	 estudado	 (Taylor	1971).	Kincaid	não	pretende	excluir	 que	alguns	 factos	 sociais
(como	um	ritual,	por	exemplo)	sejam	mais	bem	explicados	fazendo	referência	ao	seu	significado	em	vez
de	àquilo	que	os	originou,	mas	isto	não	significa	que	a	procura	das	causas	esteja	condenada	ao	fracasso
ou	 seja	 irrelevante	 para	 as	 finalidades	 da	 explicação	 nas	 ciências	 sociais.	Afinal	 de	 contas,	 o	 que	 as
ciências	 sociais	 procuram	 estudar	 é	 não	 apenas	 o	 comportamento	 de	 alguns	 indivíduos	 em	 algum
momento,	mas	também	a	natureza	das	instituições	e	o	desenvolvimento	de	fenómenos	em	larga	escala	(e
frequentemente	 recorrentes).	 Por	 vezes	 pode	 ser	 necessária	 uma	 compreensão	 empática	 para	 ver	 uma
determinada	situação	da	mesma	maneira	que	as	pessoas	que	estão	nela	incorporadas,	mas	esta	actividade
interpretativa	não	exclui	outros	métodos	para	averiguar	a	perspectiva	de	um	sujeito,	que	se	baseiam	na
psicologia	humana,	por	exemplo,	e	que	podem	conduzir	a	conclusões	em	certa	medida	generalizáveis.
	
1.4	O	que	é	a	investigação	científica?
	
Abordaremos	agora	a	questão	da	demarcação	a	partir	de	um	ângulo	diferente.	Em	vez	de	procurarmos
uma	explicação	da	ciência	como	um	corpo	de	conhecimento	unificado	e	estático	ou	uma	explicação	do
que	fazuma	disciplina	ser	científica,	consideremos	outro	projecto	de	demarcação.	O	que	caracteriza	uma
actividade	humana	como	uma	instância	de	investigação	científica?	Três	conjuntos	distintos	de	questões
parecem	surgir	quando	consideramos	 respostas	possíveis	para	esta	pergunta.	Primeiro,	uma	actividade
considerada	como	investigação	possui	uma	dimensão	metodológica	e	é	sistemática	em	vez	de	aleatória.
Segundo,	 uma	 actividade	 considerada	 como	 investigação	 tem	 uma	 função	 específica	 e	 visa	 contribuir
para	um	corpo	de	conhecimento.	Terceiro,	as	actividades	consideradas	investigação	científica	possuem
alguns	aspectos	sociológicos	em	comum,	tais	como	o	papel	que	os	cientistas	desempenham	na	resolução
de	disputas	sobre	questões	empíricas	ou	a	maneira	como	as	novas	gerações	são	formadas	em	ciências.
	
Exercício:	A	dimensão	 sociológica	da	 investigação	não	 será	aqui	 explorada,	mas	poderá	reflectir	 e
discutir	 sobre	 as	 seguintes	 questões:	 1)	 A	 investigação	 é	 acessível	 a	 qualquer	 pessoa,	 ou	 será
necessário	 algum	 tipo	 de	 formação	 ou	 estatuto?	 2)	 É	 importante	 o	 local	 onde	 a	 investigação	 é
conduzida,	 o	 modo	 como	 é	 financiada	 ou	 se	 se	 enquadra	 num	 projecto	 mais	 alargado	 que	 é
reconhecido	por	uma	comunidade	de	investigadores?
	
1.4.1	Questões	processuais
	
Há	várias	questões	processuais	que	são	relevantes	para	a	demarcação	das	actividades	de	investigação.
As	 actividades	 de	 investigação	 tendem	 a	 ser	 sistemáticas	 e	 a	 seguir	 um	 método	 cujas	 prescrições
dependerão	em	muito	da	disciplina	no	âmbito	da	qual	a	investigação	é	conduzida.	Enquanto	as	ciências
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
naturais	e	sociais	podem	requerer	testes	empíricos	rigorosos,	outras	disciplinas	podem	requerer	que	as
suas	práticas	correntes	sejam	apenas	transparentes	e	abertas	à	crítica	racional.
Quando	 pensamos	 nas	 questões	 de	 procedimentos	 tradicionais,	 parece	 que	 encontramos	 uma	 tensão
reflectida	no	desenvolvimento	da	 filosofia	da	ciência	do	 século	xx.	Por	um	 lado,	 a	 ciência	está	de	 tal
modo	 compartimentada	 e	 os	 procedimentos	 científicos	 variam	 tanto,	 que	 talvez	 só	 as	 comunidades
científicas	 especializadas	 possam	 determinar	 se	 uma	 actividade	 particular	 se	 conforma	 às	 exigências
tantas	 vezes	 abstractas	 da	 metodologia	 actualmente	 aceite.	 Por	 exemplo,	 Max	 Black	 (1954,	 cap.	 i)
observa	 que	 quando	 falamos	 em	metodologia	 científica	 em	 geral	 tendemos	 a	 abstrair	 a	 partir	 do	 que
sabemos	sobre	física,	mas	que	na	astronomia	não	há	experiências	e	que	a	geografia	é	em	grande	medida
descritiva.	 Tal	 sugere	 que	 não	 se	 espera	 encontrar	 uma	 descrição	 muito	 pormenorizada	 do	 método
científico	que	se	adeqúe	a	todas	as	ciências.	Por	outro	lado,	para	a	compreensão	por	parte	do	público	e
para	a	delineação	de	políticas,	 torna-se	necessária	alguma	espécie	de	critério	de	demarcação.	Embora
não	 seja	 realista	 aspirar	 a	 descrever	 um	 método	 definitivo	 para	 todas	 as	 disciplinas	 que	 possa	 ser
considerado	 científico,	 existem	 elementos	 metodológicos	 aparentemente	 essenciais	 que	 nos	 ajudam	 a
distinguir	a	investigação	de	outras	actividades.	Falar	de	uma	metodologia	científica	parece	erróneo	não
apenas	 devido	 à	 diversificação	 das	 disciplinas	 científicas,	 mas	 também	 porque	 o	 método	 usado	 na
investigação	científica,	assim	como	as	teorias	científicas	a	que	se	chegou	por	via	desse	método,	podem
ser	passíveis	de	revisão.
Em	termos	muito	genéricos,	há	duas	exigências	metodológicas	que	parecem	aplicar-se	a	toda	a	actividade
que	 gostaríamos	 de	 considerar	 investigação	 científica.	 Primeiro,	 a	 investigação	 científica	 deve	 ser
conduzida	de	uma	maneira	que	permita	o	cotejo	com	a	realidade,	ou	seja,	os	testes	devem	fazer	parte	do
processo	de	chegar	a	conclusões	e	de	justificá-las.	Segundo,	quer	as	conclusões	a	que	se	chegou,	quer	os
passos	do	 raciocínio	necessários	para	 a	 elas	 se	 chegar,	 devem	 ser	 transparentes	 e	 passíveis	 de	 serem
criticados.
Estes	dois	pontos	parecem	adequar-se	a	alguns	dos	 requisitos	 sugeridos	por	Popper	e	Thagard	no	que
toca	 às	 diferenças	 percebidas	 entre	 a	 prática	 da	 física	 e	 da	 astrologia.	Mas	 note-se	 que	 enquanto	 os
requisitos	de	sensibilidade	aos	dados	empíricos,	de	transparência	e	de	abertura	à	crítica	racional	eram
tradicionalmente	explicados	nos	termos	da	distinção	entre	disciplinas	ou	corpos	de	conhecimento,	agora
tentamos	identificar	se	algumas	actividades	serão	instâncias	de	investigação	científica.
	
Exercícios:	1)	Ilustre	com	alguns	exemplos	a	maneira	como	os	requisitos	processuais	antes	descritos
são	aplicados	pela	ciência	natural	ou	social	com	que	está	mais	familiarizado.	2)	Consegue	imaginar
outras	actividades	que	se	adeqúem	a	estes	requisitos	processuais	mas	que	não	sejam	manifestamente
exemplos	de	investigação	científica?
	
1.4.2	Questões	funcionais
	
É	completamente	incontroverso	que	a	principal	finalidade	da	investigação	seja	contribuir	para	um	corpo
de	conhecimento,	mas	nem	todos	concordam	na	definição	com	maior	pormenor	do	tipo	de	conhecimento
que	 a	 investigação	 pretende	 produzir.	 Por	 exemplo,	 quando	 anteriormente	 falámos	 sobre	 as	 possíveis
diferenças	entre	as	ciências	naturais	e	sociais,	perguntámos	se	os	 resultados	produzidos	no	decurso	de
uma	investigação	da	estrutura	ou	da	história	da	sociedade	humana	podiam	ser	generalizados.	Uma	ideia
comum	é	que,	para	que	a	investigação	seja	considerada	um	exemplo	de	investigação	científica	genuína,
os	seus	resultados	precisam	de	ser	generalizáveis,	e	que	toda	a	investigação	que	não	produz	resultados
generalizáveis	não	consegue	ser	científica.	Focar-nos-emos	aqui	noutro	requisito:	a	novidade.
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
est19
Realce
Parece	ser	consensual	classificar	a	confirmação	de	resultados	e	a	reorganização	de	dados	anteriormente
conhecidos	 como	 investigação	 quando	 a	 confirmação	 é	 necessária	 e	 quando	 há	 um	 elemento	 de
originalidade	 ou	 novidade	 na	 actividade.	 Este	 elemento	 de	 originalidade	 pode	 ser	 esgotado	 pela
possibilidade	de	se	tirar	mais	conclusões	ou	de	se	fazer	mais	generalizações	a	partir	do	mesmo	corpo	de
dados,	 reorganizando	 ou	 reinterpretando	 os	 dados	 à	 luz	 de	 novos	 pressupostos	 teóricos.	 Para	 Imre
Lakatos	 (1970),	 que	 retrata	 a	 ciência	 como	 a	 sucessão	 dinâmica	 de	 programas	 de	 investigação	 e	 não
como	 o	 agrupar	 de	 afirmações	 teóricas,	 um	 programa	 de	 investigação	 é	 científico	 se	 for	 progressivo.
Para	que	seja	progressivo	no	que	respeita	a	um	estádio	prévio	de	desenvolvimento	científico,	o	programa
de	investigação	tem	de	ter	pelo	menos	o	mesmo	conteúdo	empírico	e	tem	de	ser	capaz	de	proporcionar
uma	 explicação	para	 os	mesmos	 fenómenos	de	 uma	maneira	 pelo	menos	 igualmente	 satisfatória.	Além
disso,	 tem	 de	 fazer	 novas	 previsões	 que	 possam	 ser	 confirmadas	 pela	 experiência.	 Um	 programa	 de
investigação	 é	 degenerativo	 (isto	 é,	 é	 ainda	 ciência,	 mas	 não	 uma	 ciência	 muito	 boa)	 se	 as	 novas
previsões	que	são	feitas	não	são	confirmadas	pela	experiência.
Embora	 a	 perspectiva	de	Lakatos	 tenha	 sido	 até	 agora	 extremamente	 influente	no	 âmbito	do	 estudo	da
metodologia	científica,	têm	sido	levantados	alguns	problemas	no	que	respeita	à	noção	de	novos	factos	e
novas	 previsões.	Os	 factos	 e	 as	 previsões	 devem	 ser	 novos	 em	 relação	 a	 quê?	A	 literatura	 apresenta
respostas	 diferentes,	 que	 variam	 entre	 a	 novidade	 temporal	 e	 a	 novidade	 da	 interpretação.	 As
consequências	 do	 tipo	 de	 novidade	 que	 escolhemos	 são	 muito	 importantes	 para	 a	 definição	 dos
programas	de	investigação	progressivos.	A	novidade	temporal	requer	apenas	que	os	factos	que	antes	não
eram	considerados	prováveis	possam	agora	ser	previstos.	Ao	contrário,	a	novidade	da	 interpretação	é
bastante	 mais	 fraca,	 requerendo	 apenas	 que	 os	 factos	 antigos

Outros materiais