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Constituição o poder constituinte e os participantes de sua realização

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Constituição, Poder Constituinte e os participantes de sua realização
Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional | vol. 1 | p. 323 | Mai / 2011 | DTR\2012\986
A. B. Cotrim Neto 
Professor Titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
Sumário: 
- 1. A “Constituição” – Segundo Aristóteles - 2. Conceito moderno de Constituição - 3. O que é uma “Constituinte”? - 4. Teorização do Poder Constituinte - 5. Relação entre a teoria do Poder Constituinte e a teoria da Legitimidade do Poder - 6. O que é a “Sociedade”? Elemento atuante numa Constituinte - 7. O que se entende por “grupos de pressão” - 8. Os partidos políticos como os mais notórios “grupos de pressão”
 
Revista de Direito Público RDP 81/57 jan.-mar./1987 
 
1. A “Constituição” – Segundo Aristóteles
Desde o início de seu estudo sobre a “Política”, que plurimilenarmente tem sido estudado e se tem imposto à meditação de dezenas de gerações, Aristóteles, enfaticamente definindo o “homem como um animal social”, estabelecia nítidas diferenças entre a associação política e as outras formas de vida associativa, como a familiar e a aldeia: e tais diferenças seriam não apenas quantitativas mas ainda qualitativas, como são diversos, qualitativamente, os poderes do homem de Es­tado daqueles do Chefe de Família. Outro tanto, Aristóteles salientava que na sociedade política faz-se imperiosamente necessária a atuação da Justiça, a qual não será possível sem a presença do Direito; por isso, a justiça existe apenas nas relações entre os homens, cujas recíprocas relações são governadas por um sistema de leis.
Mas o genial estagirita considerava, por outro lado, que o fim último do Estado não se resumiria numa distribuição de Justiça puramente formal, “distri­butiva” ou “corretiva”, pois ele queria a esta como uma Justiça “geral” ou subs­tancial, um “bem” que se alcança não só mediante a Lei, mas através da Cons­tituição, uma “maneira de vida”, e pela Educação no sentido ético.
É certo que essa concepção de Estado em certos aspectos se distingue da noção contemporânea dessa entidade como organização jurídica para tutela do Direito, que Aristóteles a queria como Estado Ético, devotado à realização da vida moral em sua plenitude.
No entanto, no desenvolvimento seguinte da “Política”, Aristóteles apre­sentou considerações que o aproximavam da moderna concepção do Direito e do Estado, sobretudo quando substituía o critério ético de Constituição como maneira de vida por um entendimento puramente jurídico: “A Constituição de um Estado consiste no mecanismo com o qual é organizada a autoridade pública, sobretudo a autoridade soberana”; e ainda mais adiante – “por Constituição se define um ordenamento do Estado com relação às suas Magistraturas, o modo de distribuí-las, os atributos da soberania, a determinação dos fins de cada uma das associações; disso resulta que as Leis são fundamentalmente distintas da Constituição, enquanto só têm por finalidade prescrever as normas a serem obe­decidas pelos Magistrados no exercício do império e na punição dos transgres­sores”.
Com sua definição de Constituição, na forma apontada, que Alessandro Passerin D’Entrèves qualificou de “jurídica”, Aristóteles se teria aproximado muito da resposta à indagação que sempre se pôs: qual é, exatamente, a relação entre o Estado e o Direito e como se há de distinguir o Poder do simples exer­cício da força? (em La Dottrina dello Stato, Giappichelli, Turim, 1967, pp. 111-­112). E dessa concepção, segundo a qual a sociedade civil não se estruturará cor­retamente sem a distribuição do Poder entre seus componentes, organizando-se o Estado através de um ordenamento jurídico, daí se terá de reconhecer em Aristóteles o mérito de ter sido quem primeiro elaborou uma teoria de Estado em que o direito é reconhecido como elemento constitutivo como condição es­sencial da relação política (D’Entrèves, idem, ibidem).
 
2. Conceito moderno de Constituição
Outro dia, nesta mesma Casa, tivemos ensejo de proferir uma conferência que – posta sob o título “A Constituição, a Federação e o Planejamento Na­cional” – recebeu de nós amplo desenvolvimento sobre o conceito moderno de Constituição, a partir da indagação então formulada: o que é uma Constituição? 
Respondíamos, nesse trabalho:
“Em linguagem didática e no sentido jurídico, por Constituição entende-se o conjunto de regras concernentes à forma do Estado, à forma do Governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação (Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em Curso de Direito Constitucional, 2.ª ed., Saraiva, S. Paulo, 1970, p. 14).
“Com palavras que traduziriam essa mesma definição é como os clássicos dos últimos dois séculos apresentavam a Constituição: mas, aí, residia uma con­cepção liberal-burguesa, onde se pretendia que ao Estado incumbisse apenas o papel de tutor das liberdades do homem e do cidadão, e à Constituição protegê-las contra o abuso do Poder Público (Carl Schmitt em Teoria de la Constitución, trad. esp. da Revista de Direito Privado, Madri, s/d., p. 146 et passim).
“Acontecia, contudo, que a filosofia política dos Séculos XVIII e XIX, en­quanto encerrasse a idéia do Estado-mínimo, só poderia conceber um diploma constitucional se elaborado para a preservação dos direitos civis. Daí a ideação do Estado de Direito – a flor da ideologia burguesa da centúria anterior – consagradora do programa de separação dos poderes, concebido exatamente para espancar a univocidade dos poderes do Estado, inerente aos regimes do tempo do Absolutismo monárquico. E por isso as observações do Prof. Ernst Rudolf Huber, autor excelente do Nationalstaat und Verfassungsstaat (ed. Kolhammer, Stuttgart, 1965), quando – apresentando e comentando a teorização do Estado de Direito – escreveu ter ela emergido das lutas da burguesia contra o Estado e sido construída no propósito de adargar os direitos inerentes à vida, à liber­dade e à propriedade do indivíduo, mediante a restrição dos poderes de inter­venção estatal no processo social (ob. cit., p. 267).
“Todavia, essa construção ideal de pronto se chocaria com a realidade so­cial e seus imperativos. E isso se verificaria no próprio Século XIX, em que os excessos do Liberalismo alimentados pelo Individualismo Jurídico logo se cho­cariam com as forças imanentes das inquietações sociais, provocadas pelos abu­sos de poder do Capitalismo em desenvolvimento.
“Não obstante essas ocorrências, e o surgimento contemporâneo de outra construção para o embasamento de nova teoria de Estado, capaz de agasalhar a intervenção deste no campo social – que se encontra expressada até na letra da “Lei Fundamental” da República Federal da Alemanha, de 1949 (arts. 20 e 28) – mesmo os mais modernos constitucionalistas não discrepam muito da definição prisca de Constituição, como se pode ler em Konrad Hesse, Professor da Universidade de Freiburg e Juiz da Suprema Corte, precisamente da Alema­nha, qual é o Tribunal Constitucional Federal: “Constituição é a norma jurídica fundamental de uma entidade coletiva. Ela determina os princípios regedores com os quais se molda a unidade política, e as funções do Estado são estabele­cidas. Ela regula o processo de solução dos conflitos que surgem no seio da comu­nidade. Ela ordena a organização e o procedimento de aglutinação da sociedade, e da ação do Estado. Ela define os fundamentos e preceitua a essência das nor­mas jurídicas de ordem pública. Em suma, ela é o preceito fundamental que, a partir de determinados princípios, estabelece o plano estrutural da ordem jurí­dica de uma sociedade” (in Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepu­blik Deutschland, 15.ª ed., Müller, Heidelberg, 1985, p. 10).
Obviamente o conceito de Constituição que nessa assentada desenvolvemos era pertinente ao diploma escrito e formalmente elaborado, que de nenhum modo se confundirá com aquela espécie, de positividadeinstitucional, da definição aris­totélica. E agora, nesta oportunidade e no Brasil, o que se tem de considerar é a Constituição escrita e rígida, da tradição nacional e em vias de ser objeto de uma “Constituinte” até já convocada.
 
3. O que é uma “Constituinte”?
Então, cabe nesta oportunidade outra indagação: o que é uma Constituinte? 
A partir do conceito institucional de Constituição, quiçá dever-se-ia dizer que a Constituinte, o Poder donde surgiu a positividade informal e fundamental, terá sido aquele que assentou na tradição e no costume vivencial de um povo, amadurecido pelo transcurso dos séculos. A propósito, é oportuno lembrar o re­gistro de antigo chanceler britânico, John Simon, em Conferência que há cerca de 50 anos proferiu em Paris, sobre a Constituição da Inglaterra.
Nessa ocasião, Simon iniciava sua fala contando a história de um milio­nário americano, desses que compram castelo na Europa para desmontá-lo e re­movê-lo para seu país, a fim de lá reerguê-lo nas condições anteriores: um dia, esse magnata visitava Cambridge ou Oxford, onde, impressionado com a beleza dos gramados de seus parques, chamou o paisagista e perguntou-lhes como seria possível criar algo similar nos Estados Unidos. É simples, respondeu o homem: prepara-se o terreno, planta-se a gramínea, e, depois, resta apenas tratar o plantio durante uns 300 anos, que fica igual ao que ora o encanta…
Assim, concluía o ex-chanceler, é a Constituição inglesa.
Neste caso, portanto, Constituinte foi todo um povo, que elaborou suas instituições e a elas devotou culto pluricentenário.
Mas, então, tratou-se de uma ação constituinte até proto-histórica e pré-jurídica, que não é objeto de nosso atual estudo.
 
4. Teorização do Poder Constituinte
Focalizado o tema à luz do conceito de fonte da Constituição escrita, é possível – como o fez Carl Schmitt (ob. cit., pp. 86-87) – definir o Poder Constituinte como a vontade política cuja força ou autoridade é capaz de adotar a decisão concreta de um conjunto social sobre o modo e a forma da própria existência política, determinando a existência de sua unidade política como um todo:é das decisões desta vontade que deriva a validade de toda ulterior regulação legal-constitucional.
Em qualquer conjunto social aglutinado sob a égide de um Estado, a idéia dessa força capaz de adotar decisão concreta traduz a efetividade de um poder dotado de soberania e majestade, ao passo que a autoridade se manifesta no prestígio indefinido, com estribo na continuidade e na tradição. Aliás esses fatos são de prisca observação e virtualmente já estavam inscritos no símbolo do Poder Romano, apresentado na histórica sigla “S.P.Q.R.”, consoante observação de Mommsen no III volume de seu extraordinário Römisches Staatsrecht, onde referia que, em Roma, o Senado tinha auctoritas, ao passo que o Povo detinha a protestas com imperium.
O Poder Constituinte não tem vínculos com nenhuma forma ou procedi­mentos jurídicos, visto que, quando exercitado, se acha naquela condição que Emmanuel Joseph Sieyès chamou de “estado de natureza”.
É certo que a teorização do Poder Constituinte apresenta dificuldades insuperáveis, pelo simples fato de se ter de reconhecer seu exercício eficaz, nos últi­mos 200 anos, nas condições mais díspares.
Com efeito, tem sido reconhecido que a primeira Constituição escrita ela­borada para uma Nação, a dos Estados Unidos, de 1787, não surgiu com uma teoria de Estado preconcebida e, muito menos, não foi elaborada por uma assembléia constituinte formalmente instaurada, porque ela se reuniu para um fim – “com o único e expresso propósito de rever os Artigos da Confederação” – e terminou por construir os alicerces de uma União de Estados (apud Samuel Eliot Morison e Henry Steele Commager, em História dos Estados Unidos da América, Melhoramentos, t. I, p. 269).
O mesmo ocorreu em França, pouco depois, quando os Estados Gerais con­vocados por Luiz XVI – com o pensamento de que as ordens, as corporações, as classes nela se combateriam, deixando o rei, a final, como árbitro dessa luta, tal o ocorrido em 1614 – reuniram-se em Versalhes aos 5.5.1789: todavia, começava, então, a “Revolução Francesa”. E, como o clero passou para o lado da burguesia, ao mesmo tempo em que esse terceiro estado exigia o voto por cabeça e proclamava não se encontrarem mais em “estados gerais”, em face do desconcerto da nobreza e do rei aos 17.6.1789 passou-se a discutir uma Constituição para a França, na condição de Assembléia Nacional Constituinte (em Jacques Bainville, Histoire de France, Fayard, Paris, 1926, pp. 321-330).
Nessa ocasião abundariam os panfletos e os panfletários que, com sua de­sordenada edificação de doutrinas passavam a construir a teoria da soberania nacional e a edificar uma teoria eversiva da potestas constituens que até então não se conhecera, pois que precedentemente – consoante o pensamento medieval – este pertencia a Deus, ao passo que, agora, passaria a ser reivindicado pela Nação.
Dentre os panfletários e redatores de memoriais políticos que por essa época passaram a ser lidos – até mais do que Montesquieu e Rousseau – há de se destacar Sieyès, um sacerdote que viria a encarnar o ódio da burguesia contra a nobreza ao tempo em que imaginava uma Constituição “fundada numa lógica perfeita”: entre os meses de novembro de 1788 e janeiro de 1789 esse notório discípulo de Locke escreveria três brochuras, dentre as quais Qu’est ce que le Tiers État, que apenas em 1789 conheceria quatro edições e daria excepcional projeção ao seu Autor (apud André Jardin, em Histoire du Liberalisme Politique – de la Crise de l’Absolutisme à la Constitution de 1875, Hachette, Paris, 1958, pp. 100-103). Nesse trabalho seu Autor investe contra os privilégios da nobreza, remanescentes da “absurda feodalidade”, os quais se tornam obstáculo para a elaboração de uma boa Constituição, desde que existe antinomia entre a lei e o privilégio, visto como este envilece a massa da cidadania: com tal ponto de vista sustenta Sieyès que o Terceiro Estado é uma nação oprimida por outra, aquela dos privilegiados.
Entretanto, para esse escritor da Revolução de 1789 o grande princípio que ele sustentou residia na igualdade isonômica dos cidadãos: “A lei está no centro de um imenso círculo (…). Todos os cidadãos, sem exceção, encontram-se à mesma distância da circunferência”. Por isso, a representação nacional deve refletir uma maioria aritmética para propor-se a representar a Nação, em cujo seio as ordens privilegiadas correspondiam a 200.000 almas, numa coletividade de 25 milhões (a população da França na época: assim, o Terceiro Estado deve­ria ter 600 representantes nos Estados Gerais, cabendo quatro lugares aos privilegiados).
Ainda que sem vincular-se às idéias de Rousseau, para quem a lei é a expressão da vontade geral, Sieyès pretendia sustentar a teoria democrática do Poder Constituinte através da representação dessa vontade na Assembléia Nacional Constituinte.
Com razoáveis conhecimentos de Teologia, Sieyès estabeleceu um conceito do Poder Constituinte em relação com os Poderes Constituídos nos moldes meta­físicos da doutrina de Espinosa, a respeito da natura naturans e sua relação com a natura naturata: a primeira é o mundo ou Deus, como substância com seus atributos, enquanto a segunda, também o mundo ou Deus, enquanto manifes­tação fenomênica, é o conjunto dos modos da substância. Nessas condições, o Poder Constituinte não se funda em nenhum título jurídico, eis que deriva do Povo, ao mesmo tempo em que jamais se exaure, ainda que uma vez tenha sido exercido.
 
5. Relação entre a teoria do Poder Constituinte e a teoria da Legitimidade do Poder
Como quer que seja elaborada a teoria do Poder Constituinte ou melhor dito, as teorias – eis que elas são inumeráveis – uma conclusão há de ser esta­belecida: o exercício desse Poder estará sempre dependente de uma força sufi­cientemente capaz de obter o apoio da maiestas populi, ainda quetendo origem numa ação subversiva. E, então, nós entramos na área de perquirição da legiti­midade da Constituição elaborada.
Não foi dessa forma que um Poder Constituinte autoproclamado fez a Cons­tituição dos Estados Unidos da América em 1787? e não foi assim que se fez a Constituição da República Federativa do Brasil de 1969, embora rubricada como Emenda Constitucional? Para não se falar nas várias Constituições editadas em França durante o ciclo de sua Revolução da última década do Século XVIII?…
Temos de convir, e agora retomemos Carl Schmitt, a legitimidade de uma Constituição não significa que ela haja sido redigida na forma de trâmites esta­belecidos segundo leis constitucionais antes vigentes. A final, como titular do Poder Constituinte o Povo não é uma instância organizada, como organizada não é a forma de o Povo exprimir sua vontade ou seu assentimento à manifestação de quem no seu nome tenha editado uma Constituição.
Adaptando-se à conceituada do Poder Constituinte uma observação de Bur­deau sobre a solidariedade entre Poder e Direito, nós ousamos proclamar que a potestas constituens de alguma sorte está dividida contra ela mesma, entre seu titular, que é o Povo, e os agentes de seu exercício, aqueles que num momento histórico tenham autoridade para exprimir-se como seus delegados.
Se o Estado não é um bem particular dos juristas – eis que a estes incumbe apenas formular sua teoria jurídica – também o conceito de Constituinte não é um produto de mera elucubração jurídica, porque, sob pena de eludir a reali­dade sócio-histórica, ele deve proceder da observação da totalidade dos fatos sociais.
Em conclusão, é de ser reconhecido que todos os elementos tomados como ingredientes de uma teoria do Poder Constituinte são os mesmos ingredidos na temática do Poder legítimo: como este, que tem um conceito factual, indefinível, porque apenas se verifica historicamente sua presença, assim acontece com o outro, cuja natureza e oportunidade de manifestação ocorrem freqüentemente ao sabor de circunstâncias históricas.
 
6. O que é a “Sociedade”? Elemento atuante numa Constituinte
A indeterminação do conceito de Poder Constituinte, como pretendemos tê-lo demonstrado, supra, necessariamente há de refletir-se na imprecisão do de­terminativo de seus participantes.
Naturalmente, se focalizarmos um caso como o que hoje se observa no Brasil, onde é pretendida a instalação de Assembléia Constituinte que funcione como expressão da ordem democrática, temos de convir que dela venham a participar os mais idôneos agentes do querer social, desde os integrantes da coletividade cidadã até os mais expressivos segmentos da Sociedade.
Mas, aqui, novamente se impõe uma interrogação: o que é a Sociedade?
A nosso ver, cultores do Direito que somos, quem melhor a terá definido haverá sido o extraordinário Gurvitch, que assim o fez em sua Sociologie Juri­dique: a Sociedade é um macrocosmo de grupos, cada um dos quais realiza um microcosmo de formas de sociabilidade.
Se nós compreendemos o Estado como o Poder institucionalizado que se encontra na cúspide de uma Sociedade organizada, havemos de, por outro lado, compreender que o Estado, em sua atividade dinâmica, terá de realizar obra de conciliação dos interesses manifestados no seio de cada um dos grupos menores aglutinados nesse macrocosmo, que é a Sociedade globalmente considerada.
Nessas condições, o Estado em ação só estará realizando o bem comum – seu objetivo final – na medida em que reconheça a legitimidade dos interesses dos grupos menores da Sociedade, e promova a sua conciliação universal.
Não obstante, essa tarefa de admissão da legitimidade de interesses de par­cialidades sociais, e sobretudo, sua conciliação, para fins de aglutinação, nem sempre será realizada sem conflitos, máxime quando é óbvio que existe também universal tendência para predominância, no campo dos conflitos, dos interesses expressados por grupos mais poderosos, em detrimento daqueles manifestados por grupos de menor peso específico.
E aí é que entra a ação dos chamados grupos de pressão, cuja existência há de ser reconhecida no seio de não importa qual Sociedade organizada moderna, e cuja influência na atuação do Estado, por isso mesmo, tem de ser aceita; e, por isso, ainda, há de ser atuante numa frente Constituinte.
 
7. O que se entende por “grupos de pressão”
Daí estoutra indagação: o que se poderá entender como Grupos de Pressão? Sob essa expressão nós podemos identificar quaisquer conjuntos de pessoas ou entidades que se comportam de modo estruturalmente organizado, para obter reconhecimento de suas pretensões por parte de um poder que lhes seja superior.
O grupo de pressão pode ser formado com base na mais variada gama de pessoas, sejam as que integram uma fração étnica ou religiosa ou cultural ou econômica, do mesmo modo que, no plano internacional, pode ser constituído por entidades nacionais que intentem fazer prevalecer certos objetivos no con­certo das sociedades de nações, o que freqüentemente ocorre na ONU.
Não sendo de interesse, aqui, focalizar a presença histórica de não importa qual “grupo de pressão” nos sistemas de Poder estatal do passado, e nos atendo apenas à sua presença atuante no Estado democrático moderno, podemos dizer que os “grupos de pressão” têm tido presença e ação constantes – pública ou veladamente, legitimamente reconhecidos ou moralmente condenados – em qual­quer centro de deliberação do Estado, principalmente do chamado Estado de Direito.
Assim, as associações de industriais, de comerciantes, de agricultores, de profissionais liberais, bem como as federações de sindicatos de trabalhadores eram vistas como as principais forças capazes de influenciar os legisladores e o próprio Executivo. E, acreditavam os estudiosos, tais influências, provindas de campos diversos, veiculando interesses em geral opostos, constituiriam elemento positivo nas democracias, pois tenderiam a se equilibrar mutuamente, dando oportunidade à manifestação daqueles que, por meio do mecanismo político con­vencional, jamais teriam a oportunidade de se fazer ouvir. E isso já acontecia ontem.
Em tempos mais recentes essa posição tem sido colocada no foco da análise sociológica, a partir dos chamados institucionalistas e corporativistas americanos, como Commons, Bentley, Truman e outros. Segundo esses autores, a Sociedade nada mais será do que o conjunto de grupos associativos, cada qual unido em torno de um interesse próprio, pois não há grupos sem interesses. A grande maioria desses estudiosos, aliás, vê com otimismo a ação desses grupos, por considerá-los a expressão de uma necessidade social e, mesmo, por que sua proliferação decorre do próprio crescimento, diversificação e urbanização da Sociedade.
Sustentou Truman que o grupo quanto maior mais poderoso é. Entretanto esse tamanho também servirá para impor limites ao seu poder, pois haverá sem­pre uma sobreposição de membros entre os vários agrupamentos. Assim, as am­bições excessivas de um deles acabará gerando reações negativas e, possivel­mente, defecções, pois muitos dos seus membros pertencem igualmente a outros setores organizados e eventualmente prejudicados pela ação do primeiro. Mais do que isso, os excessos acabarão por gerar a formação de novos grupos dispostos a combatê-lo, neutralizando destarte as suas pretensões descabidas.
 
8. Os partidos políticos como os mais notórios “grupos de pressão”
Desnecessário se faz, após essas considerações sobre os “grupos de pressão”, colocar quaisquer considerações sobre os Partidos Políticos, eis que, estes, em qualquer Sociedade organizada, não deixam de ser os mais notórios desses grupos, quiçá seus precursores.
Contudo, porque os Partidos Políticos – na Sociedade moderna e no Estado moderno – têm um estatuto jurídico que lhes defere categoria saliente na organização do Poder do Estado, hão de ser eles objeto de outra espécie de considerações que, por sua naturezae extensão, transcendem de nosso trabalho atual.
Não obstante, desde logo registre-se que em qualquer Assembléia Constituinte por instalar-se será deles o mais saliente papel.

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