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Reforma e Revisão Constitucional

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MUTAÇÃO, REFORMA E REVISÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 5 | p. 5 | Out / 1993
Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional | vol. 1 | p. 765 | Mai / 2011 | DTR\1993\641
Anna Cândida da Cunha Ferraz 
Professora Assistente Doutora da Faculdade de Direito da USP 
Sumário: 
- 1. Introdução - 2. Premissas Necessárias - 3. Os "processos formais" de alteração constitucional previstos na Constituição de 5.10.1988
 
1. O tema Mutação,1 Reforma e Revisão das Normas Constitucionais é amplo, abrangente, rico em sua problemática, permitindo abordagem sob vários ângulos e aspectos, dentre os quais, talvez o mais relevante seja a contraposição, sugerida no seu enunciado, entre estática e dinâmica constitucional, entre permanência e mudança das normas constitucionais. Subjacente, pois, à temática, está, por sem dúvida, a sempre latente tensão que existe entre a Constituição normativa e a realidade constitucional, entre a Constituição e sua aplicação, entre a letra constitucional e a necessidade de sua adaptação a novos tempos e novas situações. Dele tratarei em duas partes, examinando-o apenas sob dois aspectos: numa primeira parte, tratarei da reforma e da revisão constitucional, ou seja, dos processos formais de modificação da Constituição, particularmente tendo em vista o caso brasileiro da Revisão Constitucional, prevista no art. 3.º do ADCT, da Constituição de 5.10.88; na segunda parte, abordarei a problemática da mutação constitucional, ou do que denomino processos informais de mudança da Constituição, tema relevante na teoria constitucional, que, em seu conjunto, tem sido pouco tratado entre nós. 
I - PROCESSOS FORMAIS DE MUDANÇA DA CONSTITUIÇÃO: REFORMA E REVISÃO CONSTITUCIONAL 
 
1. Introdução
2. Por "Processos Formais de Mudança da Constituição" entende-se todo e qualquer procedimento que, previsto pela própria Constituição, vise a alterar, modificar, acrescentar, reduzir, suprimir ou rever o texto constitucional, de modo expresso. 
3. A Reforma, a Revisão e a Emenda Constitucional são os rótulos mais usualmente utilizados para designar os Processos Formais de Mudança da Constituição.2 
4. O exame da problemática exige a colocação de certas premissas. E o que se fará a seguir. 
 
2. Premissas Necessárias
 
2.1 O Poder Constituinte Originário e a nova ordem constitucional
5. A existência de uma Constituição em vigor como Lei Máxima do país, leva a presumir-se ser ela obra do Poder Constituinte Originário, titulado pelo povo para estabelecê-la; vale dizer, que se existe Constituição, é ela obra de um Poder Constituinte Originário, que se manifestou pela fórmula escolhida pelo povo (por ex. um Assembléia Nacional Constituinte). Por seu caráter, significa esta Constituição o início da ordem jurídico-política no Estado, criada ex novo, independente e soberana, e com ruptura com a ordem jurídica existente anteriormente. 
Constituição nova, vigente, implica, por certo, total desvinculação jurídico-formal de eventual Constituição preexistente; pressupõe mais, pois pressupõe ruptura necessária com a ordem jurídica anterior. Sem este rompimento não é possível conceber nova Constituição, nova Lei Maior, novo fundamento de validade para o ordenamento jurídico-político do país. 
Este, portanto, o primeiro ponto a ser fixado: uma Constituição não guarda vínculos jurídicos (ou mesmo políticos) de subordinação com a ordem jurídico-constitucional existente anteriormente. 
 
2.2 As modificações constitucionais e o Poder de Reforma Constitucional
6. O Poder Constituinte Originário está permanentemente latente porque está nas mãos do seu titular soberano, que é o povo. Este, a qualquer momento, pode reativá-lo para mudar o curso e o rumo da organização fundamental do Estado. A retomada ou reativação do Poder Constituinte Originário pelo povo ocorre, via de regra, com ruptura da ordem constitucional vigente, mediante a supressão da Constituição em vigor e o estabelecimento da nova Constituição. Esta ruptura pressupõe revolução, ao menos em sentido jurídico, porque resulta na desvinculação total da Constituição nova em relação à Constituição anterior. 
7. Contudo, a assunção revolucionária do Poder Constituinte Originário não é fenômeno usual e freqüente na realidade constitucional, e nem é o recurso mais utilizado para mudar constituições. Toda Constituição busca refletir, como ensina Burdeau, uma "idéia de direito"; busca refletir "os valores, os fins e os fundamentos de uma nova organização política fundamental". Ao perseguir tais objetivos, toda Constituição - até para assegurar a estabilidade, política e social, necessária ao pleno desenvolvimento do povo e do Estado que rege - procura a maior durabilidade possível, busca permanecer. Se uma Constituição não tem vocação para ser eterna, tem, por sem dúvida, vocação para ser durável. 
8. Essa tendência, de busca de durabilidade, não afasta e nem pode afastar a necessidade de modificação das normas constitucionais, seja para adaptá-las aos novos tempos, seja para atender situações emergentes, não vislumbradas quando de sua elaboração. É lapidar neste sentido a lição de Jorge Miranda: "Se a grande maioria das Constituições são constituições definitivas no sentido de voltadas para o futuro, sem horizonte de duração prefixada, nenhuma Constituição que vigore por um período mais ou menos longo deixa de sofrer modificações - para se adaptar às circunstâncias, e a novos tempos, ou para acorrer a exigências de solução de problemas que podem nascer até da sua própria aplicação. A modificação das Constituições é um fenômeno inelutável da vida jurídica, imposto pela tensão com a realidade constitucional e pela necessidade de efetividade que as tem de marcar. Mais do que modificáveis, as Constituições são modificadas".3 
9. A tensão "permanência-modificação", presente, ainda que não de todo compreendida, desde a elaboração e aplicação das primeiras constituições escritas do século XVIII,4 encontra como solução "natural" a previsão, na própria Constituição, de regras, procedimentos e órgãos competentes para alterar suas próprias normas, sem rompimento com a normalidade constitucional, sem ruptura com a Constituição, sem colocar por terra os fundamentos da Lei Maior. 
Prevê, assim, a Constituição, porque assim o estabelece o Constituinte Originário, a possibilidade de modificações das normas constitucionais. Tais alterações, todavia, pela lógica e natureza das coisas pressupõem: a) a permanência do titular do Poder Constituinte Originário que elaborou aquela Constituição; b) a permanência da idéia de direito que informa a Constituição; e c) a permanência dos valores fundamentais que inspiraram a Constituição a ser alterada. 
Assim, as alterações, de forma ou de fundo, acidentais ou substanciais, não ultrapassam a "vontade" constituinte, não suprimem o Poder Constituinte Originário, não substituem a fonte de inspiração da Constituição ou a idéia de direito ali plasmada. Em conseqüência, não significam ruptura entre a Constituição e a nova forma ou o novo conteúdo constitucional que, certamente, deverão ser conformes, em espírito, inspiração e fundamento, com a Constituição originária, vertida no texto anterior, mesmo quando e se o modifica ou substitui. Dentro deste contexto, é possível admitir-se até mesmo modificação total da Constituição; porém o Poder Constituinte Originário será o mesmo, será ele, ainda, a fonte e o fundamento da modificação, o que significa dizer que a idéia de direito é a mesma e, quanto à natureza, o resultado da modificação não será, nunca, uma nova Constituição, mas sempre uma "alteração" constitucional da Constituição originária, ainda que o texto apareça com roupagem distinta e renovada. 
10. O poder que atua tais modificações é o chamado Poder de Reforma Constitucional, que aparece no direito comparado sob roupagem variada. Instituído pela Constituição, esse poder desencadeiamodificação constitucional designada genericamente de reforma constitucional. Trata-se de processo formal de mudança da Constituição pois que revestido de forma, requisitos e limites próprios, expressos, previstos no Texto da Lei Fundamental.5 Uma conclusão, todavia, decorrência também lógica das constatações retromencionadas se impõe: esse "poder", qualquer que seja o rótulo que se lhe dê, por ser um "poder" derivado, constituído pela6 própria Constituição há de observar: 
a) o processo de modificação previsto na Constituição; 
b) os limites eventualmente fixados pelo Poder Constituinte Originário. Usualmente, as Constituições têm certas cláusulas intocáveis, que contém matérias que o Constituinte Originário quis subtrair ao poder de reforma. Se tais limites são postos pelo Constituinte Originário, por decorrência lógica, deverão ser respeitados pelo poder de reforma; 
c) no tocante a prazos, certas constituições proíbem a atuação do Poder de Reforma durante certo período, ou, ao inverso, exigem modificações dentro de determinado prazo.7 "Proibições dessa ordem estabelecem um período de fixidez constitucional, que não pode ser abolido ou encurtado pelo poder reformador, da mesma sorte que não se podia adiar o início da rigidez da Constituição, por ela previsto, prorrogando a competência do legislador ordinário para realizar reformas constitucionais".8 
11. Variam, naturalmente, a freqüência, a extensão e os modos como se processam as modificações constitucionais, lembra Jorge Mirada. Variam, também, as "formas" assumidas por tais modificações, ora rotuladas de "emenda", ora de "reforma" ora "revisão". 
12. Todas essas "formas", Emenda Constitucional, Reforma Constitucional ou Revisão Constitucional, têm, note-se, a mesma essência ou idêntica natureza: constituem modificações ou alterações constitucionais introduzidas no texto de uma Constituição existente, pelo órgão e conforme as regras, o procedimento e o modo de expressão nela configurados. 
13. E verdade que há Constituições que, na prática, estabelecem diferenças entre esses termos. Todavia, mesmo nesses casos, a distinção não envolve a essência do fenômeno, mas apenas gira em torno de circunstâncias, limites, prazos, procedimentos, alcance, etc. 
Assim, para exemplificar, a Constituição do Império referia-se à "reforma" para rotular mudança de apenas um ou alguns dos artigos constitucionais, após quatro anos de "jurada" a Constituição, estabelecendo o procedimento a ser seguido, os órgãos competentes, o modo de concretização etc., (arts. 174 a 177); por outro lado, admitia "alteração", sem as formalidades da "reforma" de tudo o que não era considerado "constitucional" (art. 179). Nessa linha, a "reforma constitucional" de 1934 foi concretizada pelo Ato Adicional aprovado pela Lei n. 16, de 12.8. 
A seu turno, a Constituição de 1934 distinguia emenda de revisão, estabelecendo, inclusive, procedimentos e modos de concretização diferenciados para cada qual, consoante determinava o art. 178. 
Em qualquer caso, porém, de modificação constitucional se tratava. Daí, porque, observa Ferreira Filho com acerto "...não há, tecnicamente, nenhuma regra a definir o que seja reforma e revisão constitucional. São os documentos jurídicos que caracterizam ora um trabalho como reforma, ora como revisão".9 Observa, todavia, o Mestre do Largo de São Francisco, que cada qual transmite uma "idéia" diferente. "A idéia de revisão é de simples aprimoramento de um texto que está estabelecido. A idéia de reforma é mais ampla e ambiciosa, pois é a idéia do refazimento das instituições".10 
14. Efetivamente, entre constitucionalistas de renome, os termos "reforma" e "revisão" são, com freqüência, utilizados para significar a mesma realidade. 
Jorge Miranda preleciona: "revisão constitucional em sentido próprio é a modificação da Constituição expressa, parcial, de alcance geral e abstrato, e por natureza, a que traduz mais imediatamente um princípio de continuidade institucional". Mais à frente, continua: "é a modificação da Constituição com uma finalidade de auto-regeneração e auto-conservação, quer dizer, de eliminação de suas normas já não justificadas política, social ou juridicamente e de adição de elementos novos que a revitalizem".11 
Por igual, Loewenstein, em sua "Teoria da Constituição", reúne as modificações resultantes de procedimentos e regras previstos na Constituição sob o rótulo de "reforma constitucional" e registra: "o conceito de reforma constitucional tem um significado formal e material. Em sentido formal se entende, sob esta denominação, a técnica por meio da qual se modifica o texto, tal como existe no momento de realizar-se a modificação constitucional... A reforma constitucional em sentido material, de outra parte, é o resultado do procedimento de emenda constitucional, isto é, do objeto do procedimento retro-referido".12 
Jean Gicquel, sob o rótulo "revisão constitucional", trata do fenômeno das mudanças constitucionais previstas pela própria constituição, que ocorrem pela via formal ou jurídica, "atuada pelo poder constituinte derivado, o qual se manifesta toda vez que se pretenda emendar oficialmente uma constituição".13 
Na Espanha, Antonio Carlos Pereira Menaut reúne, sob o título "reformas constitucionais formais" as modificações que dão lugar a uma alteração formal da constituição, processada pelos métodos e procedimentos nela previstos.14 
 
3. Os "processos formais" de alteração constitucional previstos na Constituição de 5.10.1988
15. A Constituição Brasileira de 1988, Constituição escrita e rígida, prevê, em realidade, duas espécies distintas de reforma ou mudança constitucional, que se podem denominar, à falta de um rótulo mais adequado, de Poder de Reforma Ordinário ou Permanente e Poder de Reforma Extraordinário ou Transitório. O primeiro é disciplinado na parte permanente da Constituição, arts. 59 e 60; o segundo, no ADCT, art. 3.º. 
 
3.1 O Poder de Reforma Ordinário ou Permanente
16. O Poder Ordinário de Reforma Constitucional obedece às seguintes regras:
a) concretiza-se por intermédio de Emendas Constitucionais (art. 59, I); 
b) é atuado pelo Congresso Nacional; 
c) mediante proposta dos titulados indicados no art. 60, I, II, III, aos quais cabe a iniciativa da proposição de Emenda; 
d) independe de veto ou sanção presidencial, devendo a Emenda ser promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e Senado Federal, com número de ordem respectivo (art. 60, § 3.º); 
e) a proposta deve ser discutida em cada casa do Congresso, em dois turnos; 
f) a Emenda Constitucional é aprovada desde que obtenha, nos dois turnos, 3/5 dos votos dos membros de cada uma das casas do CN; 
g) Emenda Constitucional rejeitada ou prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa;
h) não poderá ocorrer reforma na vigência do estado de sítio, de defesa ou de intervenção federal (art. 60, § 1.º); 
i) finalmente, a Emenda Constitucional poderá incidir sobre qualquer matéria, salvo as indicadas expressamente no art.60, § 4.º, que são: I - forma federativa de Estado; II - voto direto, secreto, universal e periódico; III - separação de poderes; IV - direitos e garantias individuais. 
Observe-se, por oportuno, que esse núcleo material intocável é, na verdade, a positivação constitucional de princípios fundamentais,15 que integram o Tít. I da Constituição, especialmente os constantes do art. 1.º, caput: forma federativa de Estado, voto direto, secreto universal (parágrafo único e n. II do art. 1.º), voto periódico (forma de governo - república, caput), direitos e garantias individuais (art. 1.º, III) art. 3.º, em especial n. IV, e art. 4.º, II e a separação de poderes, consagrada no art. 2.º.
17. Todo esse regramento constitucional mostra que o Poder de Reforma Ordinário enfrenta limites expressos fixados pelo Constituinte Originário, limites materiais e circunstanciais e condicionamentos deforma ou limites procedimentais. 
 
3.2 O Poder de Reforma Extraordinário ou Transitório
18. Certamente sob inspiração da Constituição Portuguesa de 1976, o constituinte pátrio criou outro tipo de Poder de Reforma, o Extraordinário, Extravagante ou Transitório, sujeito a procedimentos e regras diferentes dos estabelecidos para o Poder de Reforma Permanente, retro-examinado. 
Com efeito, o art. 3.º, do ADCT, prevê mudança da Constituição segundo o regramento seguinte: 
a) forma: a mudança se fará sob o rótulo de revisão constitucional; 
b) prazo: a revisão se dará após 5 anos contados da data da promulgação da Constituição, ou seja, após 5.10.93; 
c) órgão reformador: caberá ao Congresso Nacional proceder à revisão; 
d) procedimento: o Congresso Nacional deverá reunir-se em sessão unicameral, e decidir pelo voto da maioria absoluta dos membros. 
Esgota-se nesses poucos aspectos a disciplina constitucional expressa da "revisão" a ser realizada após 5.10.93. 
19. Observe-se, contudo, que o art. 3.º, do ADCT, retrocomentado, vem subseqüentemente ao art. 2.º, que determina a realização de plebiscito para escolha da forma e do sistema de governo.16 A disciplina constitucional desse plebiscito, após a Emenda Constitucional n. 2, de 1992 (LGL\1992\11), prevê: 
a) normas regulamentadoras expedidas por "lei", sem prejuízo da "competência do Tribunal Superior Eleitoral para expedir instruções necessárias à realização da consulta plebiscitária"; 
b) afastamento da cláusula constitucional (art. 60, § 4.º, II) que prevê a intocabilidade do voto direto, universal e periódico, uma vez que admite a escolha da "monarquia constitucional" como forma de governo (a "monarquia constitucional" não é, em regra, eletiva e renovável periodicamente); 
c) afastamento, em princípio, da cláusula constitucional que prevê a intocabilidade do "princípio da separação de poderes" (art. 60, § 4.º, II) ao menos na visão clássica do Direito Constitucional Brasileiro;17 
d) gratuidade na livre divulgação das formas e do sistema de governo, através dos meios de comunicação de massa, disciplina que "poderá" ser estabelecida em lei.18 
20. Assim, em princípio, combinados os dois textos constitucionais (arts. 2.º e 3.º) observa-se que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, além de prever um Poder de Revisão Extraordinário, afasta, em vários aspectos, a disciplina que circunscreve a ação do Poder de Reforma Permanente. 
 
3.3 Aspectos da problemática da Revisão Constitucional na Constituição de 1988 - II - Processos Informais de Mudança da Constituição
21. A partir dessa disciplina constitucional, sobre a "Revisão Constitucional", prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Brasileira de 5.10.88, tema de exame obrigatório em eventos de caráter jurídico ou político que se realizam presentemente no País, duas ordens de questionamentos têm sido levantadas: uma, de caráter jurídico-constitucionaL outra de caráter político-institucional. 
22. Sob o ângulo jurídico-constitucional, os aspectos mais freqüentemente polemizados podem ser resumidos nos seguintes: 
a) quanto à forma de expressão: será a revisão consubstanciada em Emenda Constitucional? 
b) quanto à obrigatoriedade da revisão: é a realização da revisão obrigatória, deve ocorrer ou poderá não ser levada a efeito? 
c) quanto ao conteúdo: qual o conteúdo e o alcance da revisão constitucional? A modificação da Constituição deverá ser global ou parcial? Esta questão está intimamente ligada à interpretação do art. 2.º do ADCT, relativo ao plebiscito sobre escolha de regime e forma de governo, o que leva a indagar-se: a revisão deverá apenas concretizar o resultado do plebiscito ou irá para além dele? 
d) quanto aos limites materiais, circunstanciais, procedimentais: a revisão constitucional estará sujeita aos limites que circunscrevem a ação do Poder de Reforma Ordinário, constantes do art. 60 da Parte Permanente da Constituição, apenas excepcionados os expressamente indicados no ADCT, ou aqueles limites sobre ela não incidem, pelo que poderá ela ser ampla, geral e irrestrita? 
e) quanto à natureza da revisão: cogita-se, na espécie, de modificação da Constituição de 1988, sem alteração do titular do Poder Constituinte Originário, da "idéia de direito" que inspirou a Lei Maior de 1988, ou cuida-se, na verdade, da elaboração de nova Constituição, com ruptura da Constituição anterior, pelo que o Poder de Reforma Extraordinário não teria limites a observar, salvo os fixados no ADCT? 
f) quanto ao procedimento: o ADCT disciplina minimamente o procedimento da Revisão Constitucional; não determina quem deverá desencadeá-la, como será formalizado etc. Aplicar-se-ia, então, o procedimento do Poder de Reforma Permanente (com apenas as exceções expressas) ou caberia a criação de um procedimento inteiramente novo, naquilo que não vem expressamente prefixado? 
23. Sob o ângulo político-institucional também variada é a problemática suscitada pela Revisão Constitucional aprazada para após 5.10.93. Dentre tantos aspectos costuma-se salientar: a) a inoportunidade da revisão quanto ao momento;19 b) a inconveniência de a revisão ser procedida por congressistas em final de mandato; c) a falta de concretização da maioria das normas constitucionais dependentes de leis integradoras; d) a intranqüilidade institucionalizada, derivada da instabilidade determinada no texto constitucional submetido a uma reforma aprazada, o que dá à Constituição a feição de uma Constituição provisória.20 
24. Deixando-se de lado estas últimas questões, de ordem política, vamos examinar mais detidamente as apontadas como questões de caráter jurídico constitucional, que, a rigor, podem ser resumidas em três pontos principais: 
a) Existe necessária conexão e relação entre os arts. 2.º e 3.º do ADCT? Se existe, a revisão constitucional teria por objetivo, apenas, concretizar o resultado eventualmente decorrente do plebiscito; 
b) Os arts. 2.º e 3.º da ADCT são intocáveis, o que significa dizer que podem ser suprimidos ou modificados? Resposta afirmativa levaria à conclusão de que o plebiscito e a Revisão Constitucional deverão necessariamente ocorrer, nos moldes e no tempo constitucionalmente determinado; 
c) Está a Revisão Constitucional sujeita aos limites impostos ao Poder de Reforma Permanente, excepcionados apenas aqueles expressamente elencados no ADCT ou, ao contrário, a Revisão Constitucional prevista no ADCT obedecerá, apenas, aos limites expressos nesse ADCT, livre, portanto de quaisquer outros, inclusive daqueles estabelecidos para o Poder de Reforma Permanente. 
25. Realizado o plebiscito de que trata o art. 2.º, a opção popular por uma forma e um sistema de governo diferentes dos consagrados na atual Constituição exigirá, por sem dúvida, modificações constitucionais; dependendo da forma ou do sistema escolhido, é possível vislumbrar-se a necessidade de revisão constitucional extensa e profunda, como único modo de adaptar a Carta de 1988 à vontade popular demonstrada nas urnas. 
Há, pois, sob este aspecto, íntima relação entre os arts. 2.º e 3.º do ADCT.
E se o plebiscito não trouxer inovações, seja quanto a forma, seja quanto ao sistema de governo? Ainda assim será necessária a Revisão Constitucional prevista no art. 3.º? 
Duas são as interpretações possíveis: ou a revisão constitucional preceituada no art. 3.º é comando constitucional independente do preceito contido no art. 2.º, por isso que disposta em articulado independente, e é, bem por isso, inarredável, ocorra ou não o plebiscito e qualquer que seja o seu resultado; ou os preceitos são dependentes entre si, pelo que a revisão constitucional somente ocorreria se e para o fim de concretizar o resultado do plebiscito. No primeiro caso, a revisão objetivada no texto constitucional poderá ser a mais extensa e profunda possível, poderá ter conteúdo amplo e abrangente; nosegundo, sua extensão será limitada à adaptação do texto ao resultado do plebiscito. 
26. Inclino-me pela primeira das interpretações. Os arts. 2.ºe 3.º do ADCT contém, a meu ver, comandos constitucionais conexos, mas independentes. Afora o fato de virem os preceitos estabelecidos em articulados independentes, parece ficar evidente, diante do texto constitucional, que o constituinte buscou abrir espaço para uma revisão global da Lei Maior; e tão abrangente poderá ser essa revisão que a Lei Maior abriu uma expressa exceção ao art. 60. Isso mesmo demonstram os trabalhos constituintes como registra Oscar Dias Corrêa.21 
Destarte, o art. 2.º do ADCT é apenas uma exceção expressa à regra geral das limitações constitucionais permanentes traçadas ao Poder de Reforma Ordinário, adotada pelo constituinte talvez para espancar dúvidas, presumivelmente no tocante à separação de poderes, e, certamente no tocante ao sistema de governo. 
27. Por outro lado, com fulcro na "teoria do poder de Reforma Constitucional" exposta, não há, a rigor, cláusulas intocáveis, afora as expressas no art. 60 da parte permanente da Lei Maior. Em conseqüência, não se pode ter como intocáveis, juridicamente, cláusulas inseridas no Ato das Disposições Constitucionais Provisórias (embora a praxe, entre nós, tenha se encaminhado neste sentido). Admiti-lo seria "constituir" cláusulas pétreas onde a Constituição não o fez e introduzir "limites" ao Poder de Reforma não expressamente fixados no texto constitucional. Essa consideração, parece, aplica-se, em tese, a todo o conteúdo dessas disposições que, pela natureza, são transitórias: os limites para modificação desses textos são os decorrentes do art. 60; exemplificando: Emenda Constitucional não pode suprimir direitos constituídos nas disposições transitórias sob pena de ofensa ao princípio constitucional que resguarda direitos adquiridos. 
28. Não se pode ignorar, todavia, que as disposições expressas nos arts. 2.º e 3.º indicam, com segurança, a vontade constituinte de abrir espaço não só para a realização da revisão no texto constitucional por ele elaborado, mas também para uma discussão em torno do regime e do sistema de governo, temas polemizados na Constituinte e resolvidos apenas a nível de "compromisso" entre os vários grupos políticos que ali tinham assento. Daí parecer que ambos fazem parte do núcleo material componente da "idéia de direito" plasmada na Constituição de 1988. Porém, o intocável, a meu ver, é a essência do comando constitucional, ou seja, a Constituição de 1988 deve ser revista, o plebiscito relativo ao regime e ao sistema de governo deve ocorrer. Todavia, a data fixada no texto das Disposições Transitórias é questão acidental, secundária, e pode ser modificada.22 Aliás, no tocante à Revisão, não prefixa a Constituição época ou período; tão-somente determina lapso temporal após o qual a Revisão deve ser realizada. Por outro lado, no tocante ao plebiscito, é bem de ver que outras circunstâncias (afora a alteração do texto do art. 2.º mediante Emenda Constitucional) poderiam ensejar a postergação de sua realização; assim, p. ex., estar o País sob "estado de sítio", intervenção nos Estados, etc. 
Entendido desse modo, é possível superar a problemática trazida pelos preceitos constitucionais em questão, e pela situação de "intranqüilidade constitucional" bem apontada por Oscar Dias Corrêa.23 
29. No tocante aos limites aos quais se deve submeter o Poder de Revisão Extraordinário não há como fugir, a meu ver, àqueles estabelecidos no art. 60 da Lei Maior e que colhe a manifestação do Poder de Reforma Constitucional Permanente. Excepcionados foram tão-somente os que o próprio constituinte verteu, de modo expresso, na elaboração originária da Constituição. A essa conclusão conduz toda a teoria do Poder de Reforma Constitucional dantes examinada. Claro está, como se viu e disse, a Revisão Constitucional a ser levada a efeito com fulcro no art. 3.º do ADCT pode e, parece-me, convém que seja, no seu conteúdo e alcance, a mais ampla possível; convém mesmo se faça uma revisão geral e global da Constituição de 1988, principalmente se essa Revisão vier a suceder uma opção popular por novo regime e sistema de governo. Essa modificação global, porém, há de respeitar os limites impostos pela Lei Maior sob pena de ruptura dessa ordem. 
Assim, exemplificando, não é possível, na Revisão Constitucional por vir, abolir-se a forma federativa de Estado, ou suprimir-se direitos individuais. 
30. Recorde-se que o constituinte não convocou, na verdade, nova Assembléia Constituinte, investida de poderes constituintes originários para elaborar nova ordem constitucional no País. Convocou, apenas, um Poder "menor", livre de certos limites, para que se modificasse a Carta de 1988. Assim, não se pode vislumbrar, no caso, rompimento "constitucionalmente admitido" com a ordem vigente, ainda que se faça uma "reeleitura" integral da Lei Maior. 
31. Parece oportuno recordar que é impossível extrair conseqüências jurídicas maiores, decorrentes da terminologia adotada no ADCT, já que, como se viu, não há diferença essencial entre os termos "emenda constitucional" e "revisão"; ambos constituem processos de alteração formal de uma constituição preexistente. Destarte Emenda Constitucional e Revisão Constitucional não diferem entre si, quer quanto à natureza, quer quanto à função. Podem, quando muito, diferir em grau, ou traduzir uma "idéia" distinta: a revisão consistiria numa verdadeira reeleitura da constituição, conduzindo uma alteração extensa, profunda e principalmente sistêmica; através dela modifica-se a Constituição originária sistematicamente, dentro de uma visão global, visão de conjunto das normas constitucionais e de sua necessária conexão lógica.24 As Emendas Constitucionais, a seu turno, conduzem à idéia de modificações parciais, quase sempre isoladas, de uma ou de algumas normas constitucionais. Isto não impedirá, por óbvio, que tantas sejam as emendas propostas que o resultado final importe numa inteira reedição do texto originário. Todavia, nesses casos, perde-se a visão do conjunto, a ordem sistêmica, a necessária conexão de sentido entre as normas constitucionais, enfim, o sistema constitucional. 
Daí porque, parece, na prática, os documentos constitucionais diferenciam uma e outras, estabelecendo procedimentos distintos, alcance e conteúdo diverso para alteração parcial (Emenda) e alteração global (Revisão). Em qualquer dos casos, porém, repita-se, não há ruptura com a Constituição originária. 
O constituinte brasileiro demonstra ter assumido essa distinção, de grau, entre Emenda Constitucional e Revisão Constitucional, ao adotar, como forma de modificação transitória, não a Emenda Constitucional prevista na Parte Permanente, mas a Revisão Constitucional. O resultado, porém, dessa Revisão, qualquer que seja o rótulo adotado, será, sempre, mera alteração da Carta de 1988. 
Destarte, se os limites impressos na Constituição de 1988 para sua modificação, seja sob a forma de Emenda ou a de Revisão, não forem observados nos trabalhos revisionistas, se o Congresso Nacional elaborar Constituição com roupagem nova, desprezando as limitações de fundo e de forma, invocando poderes constituintes originários que não detém, estará ele ocasionando ruptura com a ordem vigente, afastando-se, portanto da teoria que embasa o desenvolvimento dos processos formais de mudança da Constituição e provocando conseqüências jurídicas e políticas não admissíveis pela Carta de 1988.25 
32. Apenas para constar observe-se que a Constituição Espanhola de 1978 contém, na parte permanente de suas Disposições, o Tít. X, versando sobre "Reforma Constitucional". Ali estão previstos: emendas, revisão total e revisão parcial da Constituição, ou seja, várias espécies de "modificações" constitucionais. É certo, também, que a Constituição Espanhola adota procedimentos distintos para a reforma e a revisão total ou parcial, especialmente se a revisão afetar o TítuloPreliminar, cujo conteúdo corresponde aos princípios fundamentais do Estado Espanhol. Observe-se, ademais, que não há limites materiais à reforma constitucional, em qualquer modalidade; essas devem obediência, todavia, às condições de forma e procedimento e aos limites circunstanciais.26 
Por igual, o texto atual da Constituição de Portugal engloba, sob o título "Revisão Constitucional", modificações globais ou parciais à Constituição (cf. arts. 286 a 291), às quais impõe o que rotula expressamente de "limites materiais da revisão" e "limites circunstanciais da revisão" (arts. 290 e 291). 
II - PROCESSOS INFORMAIS DE MUDANÇA DA CONSTITUIÇÃO: 
1. Mutações Constitucionais 
1.1 Considerações iniciais 
Os processos formais de mudança da Constituição, nas suas diferentes modalidades, não esgotam, todavia, o fenômeno da contraposição entre constituição normativa e realidade constitucional, ou, mais precisamente, da tensão permanente que se coloca entre a constituição normativa e sua aplicação. A realidade constitucional demonstra, ao contrário, que as constituições rígidas, a par das reformas constitucionais, sofrem outros tipos de mudança. Com efeito, a previsão constitucional de processos de mudança não tem sido suficiente para abranger e resolver toda a problemática da tensão entre estabilidade e mudança, entre a estática e a dinâmica constitucionais. Até porque "não é possível calcular sempre os rumos futuros; tampouco dispor de preceitos escritos para todas as possíveis mudanças e transformações que possam aplicar-se às novas relações jurídicas".27 
34. Assim, a relação entre estabilidade e mudança, ou entre a estática e a dinâmica constitucional, se apresenta qualquer que seja o tipo de ordenamento constitucional positivo, registra Constantino Mortati.28 
Destarte, as constituições escritas e rígidas, ainda que estabeleçam processos destinados a permitir sua modificação para acompanhar a evolução dos tempos, não conseguem impedir que, junto a elas ou entre elas, se desenvolva um direito constitucional não escrito,29 criado a partir dos chamados processos informais de mudança da constituição, genericamente rotulados de mutações constitucionais. 
Daí a distinção que vem ganhando ênfase na doutrina entre reforma constitucional e mutação constitucional.30 
 
1.2 A questão terminológica e o alcance da expressão Mutações Constitucionais
35. O fenômeno das mutações constitucionais, identificado inicialmente pela doutrina alemã,31 ignorado por longo tempo pela doutrina francesa e italiana e apenas aflorado pela doutrina espanhola, que só mais recentemente lhe dá maior realce,32 vem aparecendo com alguma freqüência nas obras de constitucionalistas e cientistas políticos contemporâneos.33 Trata-se de questão complexa, particularmente nos sistemas que adotam constituições escritas e rígidas, postas por um poder constituinte originário. 
É que esse fenômeno aparta a admissão de mudança constitucionais feitas ao largo dos procedimentos formais previstos nos textos da Lei Maior. 
36. O reconhecimento do fenômeno, visto e analisado no campo da dinâmica constitucional,34 se revela, não obstante, como um imperativo determinado pela constante tensão entre constituição escrita e as transformações sociais, que não dão tempo de, através de reformas constitucionais, alterar-se o texto para adequá-lo a novas realidades.35 
37. A expressão "mutação Constitucional" não é empregada uniformemente pela doutrina. quer no tocante ao conteúdo, quer no tocante às espécies, modalidades e tipos de modificações constitucionais que abrange.36 
38. Quanto ao seu sentido, admite-se, de um modo geral, que o termo signifique "mudanças constitucionais decorrentes de processos diversos dos processos formais previstos na própria Constituição", ou "transformações da realidade política que não se refletem no texto constitucional: muda-se o contexto, mas não se altera o texto" diz Menaut.37 
39. Já no tocante ao conteúdo da expressão, aos fenômenos que por ela são abrangidos, ou às classes nas quais o termo pode ser dividido, divergem os autores. Assim, p. ex. para Menaut, as "mudanças constitucionais" agrupam-se em duas classes: 1) mudanças que dão lugar a uma reforma formal da constituição, as chamadas reformas constitucionais formais; e 2) mudanças que não modificam a letra do texto constitucional. São as mutações constitucionais, o costume e a interpretação judicial.38 Já na classificação, quanto ao modo, do que denomina "vicissitudes constitucionais", Jorge Miranda inclui entre as "tácitas": o costume, a interpretação evolutiva,39 modalidades usualmente inseridas entre as mutações constitucionais. Verdú, em sua obra, escrita em 1982, abre capítulo específico para o tema das mutações constitucionais,40 dentro do qual examina várias classificações elaboradas em torno da expressão, não coincidentes no conteúdo ou alcance.41 
40. Na verdade, a experiência constitucional demonstra que a expressão mutação constitucional, ou seja, os processos não formais de mudança constitucional, abriga a um só tempo, dois tipos ou espécies de mutações: as que não violentam a Constituição, isto é, aquelas que, se confrontadas por qualquer meio de controle, particularmente pelo jurisdicional, não sofrerão a pecha de inconstitucionalidade, e as que contrariam a Constituição e que, num confronto com a Lei Fundamental, não devem subsistir.42 As primeiras constituem as mutações constitucionais propriamente ditas; as segundas, constituem o que denominamos mutações inconstitucionais. 
41. Partindo-se dessa dicotomia, fundada basicamente no reconhecimento da supremacia formal e material de uma Constituição e na sua intangibilidade, pode-se dizer que mutação constitucional é todo e qualquer processo que, sem modificar a letra constitucional, altere ou modifique o sentido, o significado e o alcance da Constituição sem contrariá-la; as modalidades de processos que introduzem alteração constitucional, ultrapassando os limites constitucionais fixados no Texto Constitucional, enfim, as alterações inconstitucionais da constituição, que não obstante vingam, podem ser designadas por mutações inconstitucionais.43 
42. Assim, em síntese, a mutação constitucional altera o sentido, o significado e o alcance do texto constitucional se violar-lhe a letra e o espírito. "Não é a mutação constitucional um mal em si: depende do alcance e do sentido da mudança. Quando esta, sem ferir a letra da Constituição, respeito sua ratio e seus fins, então se produz uma saudável aproximação da normatividade à realidade constitucional" enfatiza Verdú:44 
43. Qual o fundamento constitucional dessa modalidade de alteração fora ou para além do texto da Lei Maior, escrita, rígida, posta pelo Constituinte Originário, que a determina formalmente mutável apenas pelos modos e processos que prevê? 
Debruça-se a doutrina diante dessa intrigante, difícil e delicada questão, apontando razões de ordem política, filosófica, etc.45 
44. A admissibilidade da mutação constitucional reside, a nosso ver, em dois fundamentos: o primeiro, de ordem jurídica, que vê nesse fenômeno manifestação de uma espécie inorganizada do Poder Constituinte, o chamado poder constituinte difuso, na feliz expressão de Burdeau, que pontifica: "Há um exercício cotidiano do poder constituinte que, por não ser registrado pelos mecanismos Constitucionais, não é menos real.46 De certo modo, essa espécie de poder constituinte remonta àquela regra expressa na Constituição de 1793: "Um povo tem sempre o direito de rever, de reformar e mudar sua Constituição. Uma geração não tem o direito de sujeitar às suas leis as gerações futuras", retro apontada, ou ainda, na lição de Montesquieu "De duas maneiras pode um Estado transformar-se ou porque a Constituição se corrige, ou porque ela se corrompe.47 Por outro lado, as mutações constitucionais decorrem logicamente da própria Constituição, na medida em que se desenvolvem para dar-lhe efetiva aplicação.Com efeito, a Constituição é obra que nasce para ser efetivamente aplicada, sobretudo naquilo que tem de essencial, e o essencial, por vezes, é incompleto, exigindo atuação ulterior, capaz de defini-la precisá-la, resolver-lhe as obscuridades, dar-lhe continuidade e aplicação, sem vulnerar a obra constitucional escrita:48 trata-se, portanto, de buscar meios efetivos de fazer valer a "vontade" e o "espírito" do constituinte originário. Destarte, a Constituição, embora rígida, transforma-se espontânea e continuamente, ainda que de modo lento e imperceptível; adapta-se "sem deformações maliciosas e sem subversões traumatizantes às mutações da vida dos povos, que cada vez mais concorrem, para, nesta hora de aceleração, tornar mais cambiante e instável a famosa realidade".49 
 
1.3 Espécies de mutação constitucional
45. Não há tratamento uniforme e sistemático dos processos não formais de mutação constitucional, conforme já se salientou.50 
46. Adotando em essência a classificação de Biscaretti Di Ruffia, reunimos as mutações constitucionais, com o sentido que lhe atribuímos, em dois grupos: a interpretação constitucional, em suas várias modalidades ou subgrupos (interpretação constitucional legislativa, administrativa e jurisdicional, etc.) e os usos e costumes constitucionais. 
 
1.3.1 A interpretação constitucional
47. A interpretação constitucional é vista, em regra, como exigência prática para a atuação do texto, isto é, para sua aplicação. Quem é chamado a aplicar a norma constitucional deve necessariamente interpretá-la. 
48. A interpretação constitucional revela-se processo de mutação constitucional sempre que, pela via interpretativa, ao significado da norma constitucional se atribui novo conteúdo, ou se amplia a abrangência da norma para alcançar situações e relações dantes não consideradas como nela incluídos. 
Com propriedade demonstra Paulo Bonavides o caráter de processo de mutação constitucional atribuído à interpretação constitucional: "O emprego de novos métodos da hermenêutica jurídica tradicional fez possível uma considerável e silenciosa mudança de sentido das normas constitucionais, sem necessidade de substituí-las expressamente ou sequer alterá-las pelas vias formais de emenda constitucional". E acrescenta o constitucionalismo pátrio: "Excluída a via excepcional do golpe de Estado ou do apelo extremo aos recursos revolucionários, a ordem constitucional, quando se lhe depara o imperativo de renovação a que se acha sujeita, pode perfeitamente atender essa necessidade por três caminhos normais: o estabelecimento de uma nova Constituição, a revisão formal do texto vigente e o recurso aos meios interpretativos" para concluir mais adiante: "mediante o emprego dos instrumentos de interpretação logram-se surpreendentes resultados de alteração do sentido das regras constitucionais, sem que todavia se faça mister modificar-lhes o respectivo teor".51 
Com igual ênfase registra Pinto Ferreira: "muito se desenvolve e modifica a Constituição mediante a influência da interpretação constitucional, bastante citar, entre, nós a manifestação de Rui Barbosa: "Ninguém ignora o papel da interpretação judiciária na evolução do direito escrito. Sobre a letra fixada nos textos, passa a autoridade dos arestos, que os filtra, os decompõe, os alui. O Juiz, pela sua colaboração contínua, exerce uma função de cooperador e modificador na obra legislativa. A jurisprudência, obra sua, altera insensivelmente o direito positivo".52 
49. A mutação constitucional por via interpretativa é claramente perceptível numa das situações seguintes: a) quando há um alargamento do sentido do texto constitucional, aumentado-se-lhe, assim, a abrangência para que passe a alcançar novas realidades; b) quando se imprime sentido determinado e concreto ao texto constitucional, visando à integração e efetiva aplicação da norma em momento diverso daquele em que ela foi estabelecida; c) quando se modifica interpretação constitucional anterior e se lhe imprime novo sentido, atendendo à evolução da realidade constitucional; d) quando há adaptação do texto constitucional à nova realidade social, não prevista no momento da elaboração da Constituição; e) quando há adaptação do texto constitucional para atender exigências do momento da aplicação constitucional; f) quando se preenche, por via interpretativa, lacunas do texto constitucional. 
Observe-se que a enumeração exposta não é exaustiva, pois outros casos poderão refletir mutação constitucional por via interpretativa.53 
A relevância da interpretação constitucional como processo de mutação constitucional 
50. Não é possível, já se acentuou, ignorar o relevante papel desenvolvido pela interpretação constitucional com vistas a adequar o texto constitucional a um determinado momento, a uma determinada realidade social, distante daquela subjacente à elaboração da Lei Maior. 
"O meio mais seguro, sem dúvida, para manter a Constituição como permanente reflexo da realidade é a emenda formal; o texto formal da Constituição capta o momento, as circunstâncias presentes à época da elaboração; se estas mudam se os tempos mudam, as Constituição também devem mudar". 
"Porem, nem sempre as reformas constitucionais podem ocorrer com a freqüência desejável ou necessária. Por outro lado, nem sempre as mudanças são substanciais, a ponto de exigirem novo texto constitucional".54 
Registra Loewenstein: "Uma Constituição é tanto melhor, quanto com mais facilidade permite efetuar modificações na estrutura social, sem modificações da mecânica do processo político".55 
51. Dentre os fatores que influem para permitir à interpretação que atue como processo de mutação constitucional, podem ser assinalados os seguintes: o caráter sintético, genérico e esquemático das normas constitucional; a linguagem do texto constitucional, as "lacunas" da Constituição, a disciplina, na Constituição, de matéria de conteúdo social, a utilização de normas programáticos ou limitadas, que deixam grande margem de discricionariedade para a atuação do intérprete constitucional; o conteúdo essencialmente político ou a natureza política das normas constitucionais.56 
A interpretação constitucional legislativa 
52. Dentre as modalidades de interpretação constitucional como instrumento ou processo de mutação constitucional, relevância maior há de ser atribuída à interpretação constitucional operada pelo Poder Legislativo (interpretação constitucional legislativa) e, sobretudo, à interpretação constitucional produzida pelo Poder Judiciário. 
53. A complementação legislativa da Constituição é fenômeno que não pode ser ignorado, qualquer que seja o tipo de Constituição adotado. Claro está que há constituições que exigem mais ou menos do legislador ordinário; que deixam um espaço maior ou menor à discricionariedade do Poder Legislativo. Mas o fato é que nenhuma Constituição pode esgotar toda a matéria, mesmo a de natureza estritamente constitucional, pelo que forçosamente resta sempre largo espaço para a atuação do Legislador. 
54. A interpretação constitucional legislativa apresenta certas características,57 dentro as quais releva registrar: é mutável, no sentido de que normas de igual natureza, complementando e interpretando a Constituição sempre poderão ser editadas e modificadas, modificando-se, em conseqüência, a interpretação constitucional anterior dada à norma constitucional; e não é definitiva. O caráter de definitividade da interpretação constitucional legislativa somente existe onde a atividade legislativa de aplicação constitucional não pode ser contrastada por qualquer órgão ou poder, vale dizer, onde não existe controle de constitucionalidade jurisdicional das leis. 
55. Em resumo, as leis de aplicação constitucional, insensivelmente, invisivelmente, constante, diuturna e permanentemente, vão mudando a feição da Constituição, imprimindo-lhe novos significados, conteúdo renovado, alcance mais amplo ou mais restrito. 
É atravésdessas leis que a Constituição viva, à qual se referem Meirelles Teixeira e Karl Loewenstein é realmente conhecida.58 
56. Vários exemplos de mutação constitucional por via da interpretação legislativa são arrolados pela doutrina.59 No campo econômico, p. ex., a importância da tarefa legislativa como processo de modificação da Constituição é significativa, conforme aponta Cláudio Pacheco: "A expansão do intervencionismo do Estado nos domínios econômicos e sociais está sendo realizada, já agora não mais no nível constitucional e sim por via da legislação comum, em benefício das prerrogativas do Presidente da República, a que se dão, repetida e uniformemente, as atribuições para prover todas as direções dos mais avançados órgãos de previdência social, de assistência social, de pesquisa, de sondagem, de intervenção propriamente dita, de economia mista, seja comercial, seja industrial, todos com regalia de autonomia financeira, ou mesmo administrativa geral".60 
A interpretação constitucional judicial 
57. Dentre as espécies de interpretação constitucional orgânica, a interpretação judicial da Constituição, como modalidade de mutação constitucional, é a de maior relevância, pelas características de que se reveste e pelos efeitos que produz.61 
58. Na verdade, observe-se. é esta modalidade de interpretação a mais freqüentemente citada para exemplificar o fenômeno da mutação constitucional. Os exemplos de mutação constitucional veiculada quer pela interpretação evolutiva, quer pela construção jurisdicional são numerosos. Para lembrar, dentre as construções constitucionais da Corte Suprema norte-americana são citadas, com freqüência, a construction do judicial review, na famosa decisão proferida por John Marshall, em 1903, no caso "Marbury x Madison", a doutrina da proteção dos direitos individuais, principalmente em matéria de garantias processuais, formulada em torno da cláusula do due process of law, a teoria dos poderes implícitos, etc. No Brasil, a doutrina brasileira do habeas corpus e a aplicação ampliadora do mandado de segurança contra atos jurisdicionais são exemplos de construção jurisprudencial revestidas do caráter de processo de mutação constitucional.62 
 
1.3.2 O costume constitucional
59. A admissibilidade do costume constitucional é perfilhada por grande número de constitucionalistas.63 Como processo de mutação constitucional, o costume constitucional, à semelhança da interpretação constitucional, também produz mudança no sentido, significado ou alcance das disposições constitucionais, sem contudo alterar-lhe a letra e o espírito. Na verdade é possível concluir-se que, mediante o costume constitucional, interpreta-se a Constituição, complementam-se suas disposições, preenchem-se as lacunas constitucionais, suprem-se omissões das normas constitucionais, criando-se normação para situações não previstas no texto, sem todavia feri-lo. 
60. Exemplos vários são relacionados pela doutrina, particularmente a partir da atuação dos poderes políticos. O exercício de poderes de crise pelo Executivo, sem previsão constitucional e sem autorização parlamentar, para cobrir lacunas constitucionais, mencionado por Loewenstein, é significativo. Também significativo é o apontado por Wheare: o enfraquecimento do Poder Executivo na França, nas II e IV Repúblicas, em razão da multiplicidade de partidos. Não obstante a Constituição ter outorgado ao Poder Executivo consideráveis poderes, este não logrou exercê-los concretamente porque não contava com o apoio efetivo e constante dos partidos políticos. De resto, salienta o referido autor, circunstâncias políticas, externas à Constituição formal, determinaram o desequilíbrio entre os poderes constituídos - o governo e o corpo legislativo. Exemplo semelhante pode ser detectado no Brasil após 194664 e, por igual, no Brasil da Constituição de 1988 (LGL\1988\3). 
61. Por outro lado, os órgãos de representação popular, quer no regime parlamentar, quer no presidencialista, constituem, demonstra a experiência constitucional, inegavelmente, o campo mais propício para a formação de costumes e o desenvolvimentos de práticas constitucionais, pela dificuldade notória de reduzir, a regras escritas e rígidas, o delicado jogo do funcionamento dos poderes políticos. Assim, notadamente em certas matérias tais como: composição dos ministérios, nomeação de ministros, aceitação de sua demissão, relação entre os poderes políticos, poderes discricionários, poderes de crise, etc., os usos e costumes, preenchendo lacunas constitucionais, dão a verdadeira feição do órgão máximo de representação popular.65 
2. As Mutações Inconstitucionais 
62. Não se pode ignorar, no exame da temática, certos processos de mudança da Constituição que não se enquadram em nenhuma das classes retro examinadas: a dos processos formais e a das mutações constitucionais. Trata-se de modalidades de modificação da Constituição que reunimos sob a denominação genérica de "processos anômalos" e "mutações manifestamente inconstitucionais". 
63. No grupo dos processos anômalos incluímos a inércia dos poderes constituídos, o desuso, a mudança tática de normas constitucionais. Tais fenômenos nem sempre podem ser taxados de inconstitucionais, porquanto sobre não provocarem alteração da letra do texto constitucional, não é fácil determinar se violam - e até que ponto o fazem - o espírito da Constituição. Constituem antes práticas que paralisam ou impedem, por vezes apenas temporariamente, a plena aplicação das normas constitucionais. 
64. A inércia provoca mutação inconstitucional na Constituição quando a omissão dos poderes constituídos é intencional, provisória mas prolongada, de tal sorte que paralisa a aplicação da norma constitucional, evidentemente não desejada pelo constituinte. Configura, na verdade, uma inconstitucionalidade por omissão, figura hoje consagrada inclusive na Constituição Brasileira de 1988.66 Como modalidade de processo de mutação da constituição a inércia é processo pernicioso, que acarreta conseqüências desastrosas à vida constitucional dos Estados. De um lado, porque, ao contrário dos demais processos de mutação, raramente busca adaptar a Constituição à realidade. De outro, porque arrasta consigo, quase invariavelmente, a descrença na Constituição. 
65. O desuso consiste na inobservância; a) consciente; b) uniforme; c) consentida; d) pública; e e) reiterada, por longo tempo, de uma disposição constitucional. Aproxima-se o desuso da inércia porque, como esta, importa na paralisação da aplicação da norma constitucional. 
66. A mudança tácita da constituição é freqüentemente referida pela doutrina.67 Via de regra decorre a mudança tácita do processo de reforma constitucional, que acaba por produzir efeitos não exatamente previstos ou desejados pelo Poder de Reforma Constitucional. 
67. No grupo dos processos manifestamente inconstitucionais englobamos, de modo geral, as violações à Constituição, nelas consideradas abrangidas todas as práticas, inclusive as formais, que provocam mudança da Constituição contra a letra expressa do texto e que, pela ausência ou ineficácia do controle, acabam por prevalecer. A ausência de controle é resultado de vários fatores: os processos de mudança são incontroláveis pela natureza da matéria que versam ou pelo modo em que ocorrem; os controles são ineficazes, não os atingindo em plenitude; ou predominam, sobre eles, forças extraconstitucionais, forças políticas, pressão de grupos sociais, etc., de tal sorte que a mudança inconstitucional se impõe e gera efeitos na vida constitucional do Estado.68 
68. Exemplos de práticas, leis e atos manifestamente inconstitucionais, que alteram pontos constitucionais específicos e não obstante acabam por prevalecer são encontrados constantemente na experiência constitucional. Recorde-se, dentre tantos, a "delegação legislativa", expressamente proibida na Constituição Francesa de 1946 e não obstante praticada; a criação, no Chile, de decretos com forçade lei, sem prévia autorização constitucional etc.69 
69. Aplicando-se as considerações expostas à problemática da Revisão Constitucional prevista no ADCT, da Constituição de 1988, é possível concluir-se que, se as modificações constitucionais a serem introduzidas alterarem: a) o processo de atuação do Poder de Revisão Constitucional; b) os limites pré- fixados pelo Constituinte Originário; c) o próprio titular do Poder Constituinte; ou a "idéia de direito" e os princípios fundamentais positivados na Constituição, poder-se-á teoricamente pressupor a ocorrência de uma das seguintes hipóteses: 
A) a Revisão Constitucional não vinga, por inconstitucional, mediante declaração eficaz do órgão de controle de constitucionalidade, 
B) a modificação constitucional subsiste, com respaldo político e até mesmo jurisdicional (proferido em sede de controle de constitucionalidade); legitima-se, porém não com o caráter de revisão ou emenda constitucional, mas como nova Constituição. Nesse caso, não se tratará, na realidade, de modificação constitucional, mas de nova ordem constitucional, nova Constituição, principalmente se a alteração do texto for global. Ocorrerá, na espécie, o chamado fenômeno da mutação inconstitucional, que, no seu resultado, significa rompimento da ordem jurídico-constitucional anterior, que não mais prevalecerá para nenhum efeito porque é da essência da nova Constituição "varrer" o que ficou posto anteriormente a ela. 
C) a modificação, embora parcial, subsiste, porquanto não infirmada pelos controles cabíveis, mas não altera e nem modifica a Constituição em sua essência ou globalidade, pelo que persistirá como anomalia constitucional, como mutação inconstitucional da Lei Maior, podendo a qualquer tempo ser questionada ou contrastada pelo órgão de controle jurisdicional. 
III - CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÕES 
1. O tema modificação constitucional no direito constitucional contemporâneo impõe estabelecer, de início, distinção entre os processos formais de mudança da Constituição (reforma, revisão, emenda) e os processos informais de mudança da Constituição. 
2. Na 1.ª Parte, examinamos os processos formais de modificação das constituições: terminologia, procedimentos, limites, etc., particularmente tendo em vista a Revisão Constitucional prevista no art. 3.º do ADCT da Constituição Brasileira de 5.10.88. 
3. Na 2.ª Parte, examinamos os processos informais de mudança da Constituição, que alteram o espírito, o sentido e o significado das normas constitucionais, sem alterar-lhes a letra; esses processos abrangem, de modo especial, as chamadas mutações constitucionais, e incluem, também, o que se pode denominar de mutações inconstitucionais ou violações da Constituição. Na primeira classe examinamos algumas espécies de mutação constitucional: a interpretação constitucional e o costume constitucional; na segunda, dentre outras, inércia dos poderes constituídos, o desuso e a mudança tácita da Constituição.
1. Trabalho apresentado no Congresso Luso-Brasileiro de Direito Constitucional, realizado em Belo Horizonte. 30.11 a 4.12.92, no Painel: "O valor Jurídico, Mutação, Reforma e Revisão das Normas Constitucionais".
2. Cf. "Revisão Constitucional no Brasil", no prelo da Revista de Informação Legislativa. Brasília Senado Federal. Este tópico deste trabalho é examinado a partir das considerações tecidas no referido texto.
3. Cf. "Manual de Direito Constitucional", t. II, Coimbra, 2.ª ed. rev., 1983, pp. 108-109.
4. Cf. Declaração de Direitos adotada pela Convenção Nacional de 29.5.1793: "Um povo tem sempre o direito de rever, de reformar e mudar sua Constituição. Uma geração não tem o direito de sujeitar às suas leis as gerações futuras".
5. Para exame aprofundado do tema cf., dentre outros, Burdeau, Georges, "Essai d'une théorie de la revisión des lois constitutionnelles", Paris, 1930 (thése); Henri Bousquet de Florian, "Revisión des constitutions", Paris; Arthur Rousseau, 1981; Nelson de Souza Sampaio, "O poder de reforma constitucional", Salvador. Livraria Progresso Ed., 1954; Monoel Gonçalves Ferreira Filho, "Direito Constitucional Comparado", S. Paulo, Saraiva, 1983.
6. Cf., por todos, Ferreira Filho, Poder Constituinte,S. Paulo, Saraiva, 1983.
7. Cf. dentre outros, meu Poder Constituinte do Estado Membro,RT, 1979, p. 257, Ferreira Filho, Poder Constituinte,1983, p. e Nelson de Sousa Sampaio, O Poder de Reforma Constitucional,Bahia, Livraria Progresso Ed., 1954, p. 81.
8. Cf. Sousa Sampaio, O Poder de Reforma Constitucional,ob. cit., p. 81.
9. Cf. I Cadernos Liberais,III/XCI, Constituição de 1988, Revisão Constitucional de 1993, Colóquios, 1991.
10. Idem, ibidem. Diferentemente, para José Afonso da Silva, a expressão revisão constitucional prevista no art. 3.º do ADCT significa ampla reforma constitucional, ao contrário do procedimento de emenda, que significa modificações pontuais e circunstanciais. Cf. Curso de Direito Constitucional Positivo,S. Paulo, 8.ª ed., 1992, p. 57.
11. Cf. Manual,ob., cit., p. 113.
12. Cf. Karl Loewenstein, Teoria de la Constitución,trad., 2.ª ed., Barcelona, Ediciones Ariel, 1970, p. 165.
13. Cf. Droit Constitlltionnel et Institutions Politiques,10.ª ed., Paris, Montchrestien, 1989, pp. 199-200.
14. Cf. Lecciones de Teoria Constitucional,2.ª ed., Madrid, Editoriales de Derecho Reunidas, 1987, p. 66.
15. As normas de princípio, na linguagem de José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo,cit.
16. A data prevista neste artigo foi alterada para 21.4.93 pela Emenda Constitucional n. 2, de 1992, promulgada em 1.1.92. Afora a alteração da data do plebiscito, essa Emenda Constitucional introduziu outras modificações no texto do Ato das Disposições Transitórias, ao determinar que "a forma e o sistema de governo definidos pelo plebiscito terão vigência em 1.1.95" (§ 1.º, do art. único) e ao delegar à "lei" dispor sobre o plebiscito (cf. § 2.º, do art. único).
17. A "separação de poderes" vem, tradicionalmente ligada ao sistema presidencialista, no qual os poderes são separados, independentes e harmônicos. O sistema parlamentarista prevê, também, poderes diferentes que, todavia, são interdependentes. É verdade que a ilação não é absoluta. Muitos admitem que a cláusula da "intocabilidade da separação de poderes" não seria violentada pela adoção do sistema parlamentar; assim, o sistema parlamentar poderia ser adotado, diante do texto do art. 60, mesmo sem a previsão do art. 2.º do ADCT.
18. O texto do art. 2.º do ADCT, na redação originária, não indicava o órgão responsável para promover ou coordenar essa divulgação. A Emenda Constitucional n. 2, de 1992, que alterou este artigo, estabelece que a "lei poderá dispor sobre a realização do plebiscito, inclusive sobre a gratuidade da livre divulgação das formas e sistemas de governo, através dos meios de comunicação de massa concessionários ou permissionários de serviço público, assegurada igualdade de tempo e paridade de horários".
19. Cf. Oscar Dias Corrêa. A Constituição de 1988: Contribuição crítica,Rio, Forense Universitária, 1991, p. 30.
20. Idem ibidem, p. 30.
21. Idem ibidem, pp. 31 a 33.
22. O que aliás ocorreu, por força da Emenda Constitucional n. 2, de 1992. Não consta tenha havido questionamento de "inconstitucionalidade" dessa Emenda. Se essa Emenda Constitucional fosse inquinada de inconstitucionalidade e, mesmo assim, prevalecesse e produzisse os resultados por ela objetivados, estaríamos diante do fenômeno da mutação inconstitucional, que será examinado mais adiante.
23. Cf. Oscar Dias Corrêa, ob. cit., p. 24.
24. Cf. Jorge Miranda, Revisão Constitucional,fevereiro 1983, p. 5.
25. Eventualmente, estará o legislador constituinte derivado adentrando no campo do fenômeno da chamada mutação constitucional, a ser tratado mais adiante.
26. Cf. arts. 166 a 169 da Constituição da Espanha de 1978.
27. Cf. Hebert Kier, invocado porPablo Lucas Verdú, Curso de Derecho Político,v. IV, Madrid, Tecnos, 1984, p. 165.
28. Cf. "Constituzione", in Enciclopedia del diritto,Giuffrè, 1962, v. 11/186.
29. É o que afirma Jellineck, apud Verdú, ob. cit., p. 166.
30. O exame do tema "Mutações Constitucionais" é feito a partir de tese, elaborada em 1982 e publicada em 1986, sob o tit. "Processos Informais de Mudança da Constituição: mutações constitucionais e mutações inconstitucionais".
31. Cf. Pablo Lucas Verdú, ob. cit., p. 165.
32. Cf. idem retro, pp. 169 e 172.
33. Cf., dentre outros, Loewenstein, Teoria de La Constitutión,1970, cit., Antonio Carlos Pereira Minaut, Lecciones de Teoria Constitucional,1987, cit., Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional,1983, cit., Pablo Lucas Verdú, Curso de Derecho Político,1984, cit., entre nós, cf. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo,SP, 1992, pp. 56-63, e o meu Processos Informais de Mudança da Constituição: Mutações Constitucionais e Mutações Inconstitucionais,(Tése, 1982) pub. SP, Max Limonad, 1986.
34. É significativo, a esse propósito, o título da obra de Edward S. Corwin The Constitution an What It Means Today. Por outro lado, Pablo Lucas Verdú registra a mudança, não formal, da Constituição Espanhola, no curto espaço de quase quatro anos (CF. Curso de Derecho Político,cit, p. 608).
35. CF. meu Processos Informais de Mudança da Constituição,cit. pp. 6-8.
36. Na verdade, sob o rótulo mutação constitucional vários fenômenos são identificados e arrolados: mutação tácita, desconstitucionalização, anomia constitucional, falseamentos constitucionais, quebrantamentos constitucionais, etc.
37. Ob. cit., p. 69. O Autor exemplifica com a eleição presidencial nos EUA, eleição indireta, segundo o texto constitucional, mas direta, de fato.
38. CF. ob. cit., p. 66.
39. CF. ob. cit., p. 112.
40. CF. Caps. I, II e III, da letra "B" da 1.ª Parte, ob. cit., pp. 137-257.
41. Exemplificando, o autor apresenta a classificação de Hsú Dau-Lin, que arrola quatro tipos de mutação constitucional: a veiculada mediante prática que não vulnera formalmente a Constituição escrita, a decorrente da impossibilidade do exercício de direitos constitucionais, a provocada por prática política que contraria a Constituição, mas que não afeta ou interfere no texto da Lei Maior, e a mutação constitucional veiculada pela interpretação, vale dizer, quando se interpretam as normas constitucionais conforme considerações e necessidades do tempo em que se aplica a norma e não segundo o sentido que lhes deu o constituinte originário. CF. cit., pp. 202-203.
42. CF. meu Processos Informais de Mudança da Constituição,cit., p. 9.
43. A adoção deste significado de mutação constitucional e a identificação de um outro fenômeno designado por mutação inconstitucional foram conclusões extraídas na tese de doutoramento sobre os "Processos Informais de Mudança da Constituição", em 1982, posteriormente publicada em 1986. Reconhecendo embora a complexidade da questão, não encontrei razões que me levassem a modificar tais conclusões.
44. CF. ob. cit., p. 609.
45. CF., por todos, Pablo Lucas Verdú, ob. cit.
46. CF. Traité de Science Politique,pp. 246-247.
47. CF. nota 2: Embora essa norma não mais figure expressa nos textos constitucionais, permanece o poder constituinte sempre latente nas mãos do soberano, e, por via de conseqüência, nas mãos de seus representantes. Este, todavia, somente podem atuá-lo para os fins e dentro dos limites pré-estabelecidos.
48. CF. Meu Processos Informais de Mudança da Constituição,1986, p. 10.
49. CF. Milton Campos, Constituição e realidade, apud Processos Informais de Mudança da Constituição,1986, p. 11.
50. Não há consenso sequer quanto à terminologia. Processos oblíquos, processos não formais, processos de fato, revisão informal, mudança material, são alguns dos rótulos utilizados para designá-las. CF. Processos Informais de Mudança da Constituição,1986, p. 12.
51. CF. Direito Constitucional,pp. 293-294, apud Processos Informais de Mudança da Constituição,1986, p. 57.
52. CF. Pinto Ferreira, Princípio Gerais do direito constitucional moderno,1971, p. 159, apud Processos Informais..., 1986, p. 57.
53. CF. Processos Informais..., 1986, p. 59.
54. CE idem retro.
55. CF. Teoría de la Constitución,p. 164.
56. CF. idem retro, pp. 61 e 62.
57. CF. idem retro, p. 67.
58. CF. idem retro, pp. 91-92.
59. Para conferir veja-se Processos Informais..., pp. 92 e ss.
60. CF. apud Processos Informais...,p. 96.
61. Para exame deste tópico, cf. Processos Informais...,pp. 102 e ss.
62. Para outros exemplos, conferir Processos Informais...,p. 130 e ss.
63. Cf. idem retro, pp. 182-211.
64. Idem retro, p. 95.
65. Para exemplos, confira-se Processos Informais...,pp. 208 e ss.
66. Sobre o tema ver "Inconstitucionalidade por omissão: uma proposta para a Constituinte", Revista de Informação Legislativa,Senado Federal, ano 23, n. 89, jan.-mar./86, pp. 49-62.
67. Cf. Loewenstein, Jorge Miranda, dentre outros. Também Processos Informais...,pp. 238 e ss.
68. Cf. Processos Informais...,pp. 243 e ss.
69. Para exame de outros exemplos cf. Processos Informais...,pp. 246 e ss.

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