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psicanalise no direito

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Conceitualmente poderíamos afirmar que o direito tem por objeto precípuo a organização da sociedade, buscando então, a compreensão das relações intersubjetivas que acontecem no dia a dia entre os cidadãos que a compõe, com a finalidade em última instância, de regulamentar a forma que deve ser seguida por tais relações. Visto desta maneira, o direito possui por objetivo a criação de normas que visam instruir os indivíduos de uma dada sociedade a reger suas práticas cotidianas levando em consideração o que é aceitável por esta sociedade, de acordo com o bem geral de toda a comunidade.
 Por outro lado, a psicanálise analisa o inconsciente do indivíduo para tentar entender suas estruturas psíquicas e tentar explicar determinados comportamentos. A psicanálise, ao mergulhar no inconsciente humano para entender suas estruturas psíquicas tais como o ID, o EGO e o SUPEREGO, demonstra que mesmo pessoas ditas normais, possuem no seu inconsciente fantasias, tendências criminosas e anti-sociais. O ID é a parte de nosso psiquismo onde estão nossos desejos, é herdado da natureza, é parte instintiva da personalidade e opera segundo o psiquismo do prazer. O EGO vem do mundo externo, opera através de um processo secundário, controla as funções cognitivas e intelectuais, é o executivo da personalidade. O SUPEREGO é o defensor da moral, representa valores da sociedade, é a força moral da personalidade e busca a “perfeição” dita pela sociedade e não o prazer.
 Trazendo a psicanálise para o Direito Penal, com o seu desenvolvimento e sua ascensão nos anos cinquenta, as teorias de Cesare Lombroso foram substituídas pelas ideias de Freud, que procuravam desvendar os mistérios da mente. Pouco a pouco, então, o criminoso nato de Lombroso foi sendo desacreditado, em virtude das observações feitas por diversos estudiosos da área da Medicina, do Direito e da Criminologia, que não comprovavam a existência do criminoso nato.
 Cesare Lombroso foi o iniciador da Escola Positiva, pai da Antropologia Criminal. O médico psiquiatra italiano defendeu a tese do criminoso nato, um indivíduo que, segundo ele, possui traços e características próprias. O criminoso nato teria anomalias cerebrais que o tornavam, determinantemente, um criminoso. Indivíduos portadores de certas moléstias no cérebro, fatalmente, cometeriam crime, nada os impedindo na sua conduta criminosa.Ao lado do criminoso nato, Lombroso admitia também outras espécies de criminoso como o ocasional e o passional, no entanto nos deteremos no estudo do criminoso nato, que ora nos interessa mais de perto. O tipo do criminoso lombrosiano (nato) apresenta características particulares, de formações e anomalias anatômicas e psíquicas. O indivíduo criminoso, segundo Lombroso, tem olhos não perfeitamente iguais, um menor que o outro, em alturas diferentes; orelhas em asa, com lóbulos pregados; assimetria craniana; fronte fugidia; zigomas salientes; arcada superciliar proeminente; prognatismo maxilar; face ampla e larga; cabelos abundantes; o dedo anular se iguala ou supera em tamanho ao dedo médio; nos pés há pregas, como resquícios da antiga forma simiesca.
 Segundo o criminologista Vitorino Castelo Branco, Lombroso afirmava que os tipos humanos menos evoluídos apresentam testa larga, puxada para trás, queixo saliente, puxado para a frente.
 Tais conclusões da psicanálise contribuem para a mudança de paradigmas à respeito de algumas teorias do direito, tais como o livre arbítrio, oriundo da escola Clássica, e o conceito de determinismo, da escola Positivista. Refutando o determinismo defendido pela Escola Positiva, o criminologista Vitorino adere à teoria do livre arbítrio, ao asseverar que “é a educação que dá ao homem o autocontrole de seus atos, através do juízo crítico que então possui, e por meio dele pesa os prós e os contras de seus desejos, chegando à conclusão do que deve e do que não deve ser feito. ’’Ainda segundo o supra mencionado criminologista, basta recorrer à observação para que não se confirme a existência do criminoso nato: há milhares de indivíduos atrás das grades que não possuem as características físicas e psíquicas gizadas por Lombroso, nem por isso são pessoas pacatas, mas sim criminosos, muitos de alta periculosidade, ladrões, assaltantes, sequestradores, estupradores e assassinos, que devem cumprir pena pelos atos praticados. Há também, pessoas honestas e tranquilas que apresentam muitos dos traços físicos do criminoso nato de Lombroso.
 Muitos outros criminologistas, nacionais e estrangeiros, engrossam a corrente dos que se opõem a teoria do criminoso nato, asseverando que ninguém nasce criminoso, somente o sendo depois de cometer o crime, não sendo possível essa forma, falar-se em criminoso nato.
Conforme o italiano Pietro Nuvolone, a corrente sociológica que estuda as causas da criminalidade hoje predominante, exclui a possibilidade de uma configuração da personalidade criminosa e coloca toda a culpa da prática do delito sobre a estrutura da sociedade. Para a referida corrente, “não existem delinquentes, mas apenas pessoas que cometem ações penalmente relevantes pela influência e coação dos fatores sociais.”
 A Escola Clássica prendia-se à figura do delito, ignorando o delinquente como pessoa e portanto, dando ao delinquente tratamento rígido e pouco humanista.
 O livre arbítrio é um dos princípios da Escola Clássica e foi aceito como dogma, já que o mesmo não se discute, uma vez que a ciência penal careceria de base, de acordo com os pensadores da Escola Clássica.
 Um dos maiores pensadores da Escola Clássica foi Marquês de Beccaria, o qual em 1763 escreveu o livro “Dos Delitos e das Penas” no qual criticou o sistema penal da época, se insurgindo contra aberrações teóricas e abusos dos juízes, denunciando as torturas, os suplícios, os julgamentos secretos e a desproporcionalidade das penas, colaborando dessa forma para uma futura reforma daquele sistema.
 A Escola Positivista nega o livre arbítrio defendido pelo classicismo pregando o determinismo e a responsabilidade social, ou seja, “o delinquente assim o é por força de fatores diversos, principalmente de origens antropológicas e sociais, devendo responder pelos seus atos unicamente porque vive em sociedade e precisa respeitar a harmonia da convivência.” O determinismo da escola positivista também foi refutado pela psicanálise naquela época, uma vez que a totalidade dos fenômenos constitutivos da realidade se encontra submetida a determinadas leis, estas sendo compreendidas como possuindo caráter natural.
 Deste modo, a realidade se estrutura a partir de leis que regem e estão presentes em todos os acontecimentos. O determinismo foi utilizado, como sistema explicativo do universo, a partir da Idade Moderna, em especial para a determinação das leis que governam os fenômenos naturais.
 Relacionando psicanalise com o direito de acordo com os pensamentos de Hans Kelsen, vemos que A primeira interlocução entre a psicanálise e o Direito floresceu em Viena, na década de vinte, com a contribuição de um magistrado da Corte Constitucional da Áustria, Hans Kelsen. Em 1922, ele escreveu seu livro: “O Conceito de Estado e a Psicologia Social” influenciado pelo livro “Psicologia das Massas e Análise do Eu, de Sigmund Freud de 1921.
 Para saber se o grupo social concebido pelo Estado, conserva em si as características desse mesmo laço, a empreitada de investigação sugerida por Kelsen versou sobre Totem e Tabu, texto que norteia a história da humanidade a partir de uma narrativa mítica sobre a revolta dos filhos contra o chefe da horda primitiva, o qual cometem parricídio. Para Kelsen, o pensamento primitivo era dominado por uma tendência emocional normativa, a psiquê humama se caracterizava pela predominância do componente emocional sobre o racional. Na psiquê primitiva as coisas existiam quando se tornavam emoções de esperança ou temor, desejo ou terror. O homem primitivo reagia conforme o que sentia, neste sentido podemos afirmar que o componente emocional maisantigo era o desejo.
 Portanto, o que Freud chama de inconsciente, de desejos do ID, Kelsen trata como uma falta notável da consciência do “eu” quando diz que o predomínio da tendência emotiva prevalece sobre o racional nos povos primitivos.
 Kelsen diz que o homem primitivo não é movido por uma atitude coletivista somente por ausência de consciência do “eu”, mas também por uma “tendência substanciadora”, fazendo com que o indivíduo não exclua a condição do indivíduo da sociedade, e assim a ideia do indivíduo sem comunidade não poderia existir.
 Agora relacionando com Sigmund Freud vemos que, De acordo com a teoria de Freud o ser humano no ventre materno vivia em um verdadeiro “paraíso”, onde não possuía nenhuma necessidade, já que todas eram supridas fisiologicamente pela própria mãe, sendo certo que o parto representaria, então, o rompimento com esse paraíso, o que Freud chamou de Paraíso Perdido. Após o parto, o homem é lançado ao “mundo real”, no qual terá contato com até então inexistentes, necessidades. A primeira necessidade com a qual o homem se depara é a necessidade de alimentação, uma vez que agora não recebe mais o alimento do corpo de sua mãe e terá, portanto, que consegui-lo.
 Para sobreviver neste “novo mundo” o homem se vê obrigado a adaptar-se, a necessidade conduz à adaptação. Tais adaptações consistem, geralmente, num relativo controle sobre a natureza, que o homem deve ter proporcionando assim a sobrevivência humana. Para uma maior potencialização de sua capacidade de sobrevivência, isto é, o aperfeiçoamento de sua capacidade de trabalho, o ser humano passa a se organizar em grupos, em coletividades. Há a necessidade gradativamente maior de que o trabalho seja desenvolvido em grupos organizados, para que a produtividade deste seja mais eficiente, o que gera mais necessidades e colabora para o ensejo da organização em sociedades.
 Quando passa a compor uma determinada coletividade, entretanto, o indivíduo deixa de se portar da mesma maneira que em ambientes solitários e passa a “frear” certos instintos que vão contra a harmonia da comunidade. Isto porque, como bem colocado pelo contratualista Jean Jacques Rousseau, “o bem de um indivíduo, se considerado isolado, geralmente se difere bastante do bem de todo um grupo, onde devem ser mediados os interesses individuais para a construção sintética de um interesse geral”. Há portanto, diferenças comportamentais entre o indivíduo e a sociedade.
 Seguindo esta vivência em sociedade, o sujeito deve reprimir os instintos e desejos individuais e limitá-los à instância do inconsciente o “Id” freudiano. Essa limitação, entretanto, nem sempre é alcançada, havendo a possibilidade de certos indivíduos externarem tais instintos e desejos, como bem acompanhamos em crimes de assassinatos cruéis e barbaridades cometidas.
 Por outro lado, não é conveniente para uma coletividade que cada indivíduo externe o seu instinto reprimido, sob pena de causar uma grande desordem social e, até mesmo, o fim desta sociedade. Portanto, a sociedade passa então, a reprimir os sujeitos, moldando-os em um padrão que não represente risco para a organização social, que seja aceito socialmente. Tal repressão é feita durante toda a vida do indivíduo e por diversas instituições sociais, quando criança pelos pais, na juventude pela religião que impõe dogmas e conservadorismos, no trabalho pelos chefes, sendo criados ao longo da vida um padrão de condutas que devemos seguir, com as determinações do que podemos e do que não podemos fazer.
Para uma maior efetivação do controle dos indivíduos, a coletividade faz uso da chamada coercitividade social, a sociedade cria canais coercitivos para manter reprimidos os instintos indesejáveis dos indivíduos. Tal coercitividade pode ser informal, como se apresenta nas religiões, na ética e na moral, ou pode ser formal, normatizada em um texto regulamentar, em leis.É aqui que se encontra o direito para Sigmund Freud: o ordenamento jurídico é uma forma de repressão punitiva (com poder sancionador de implicação de penas) que impele o indivíduo a limitar seus instintos ao plano do “Id” (é regido pelo princípio do prazer). Em caso contrário deve arcar com os ônus e gravames da exteriorização de tais instintos.
 No direito penal, o fundamento da pena privativa de liberdade é manter isolado do resto da sociedade aquele indivíduo que não soube controlar seus impulsos e instintos e pode representar, portanto, um perigo para a ordem social. Podemos fazer um paralelo destes conceitos com o “complexo de castração” com o que o próprio Freud definiu. Em psicanálise, o conceito de “castração” designa uma experiência psíquica completa, inconscientemente vivida pela criança por volta dos 5 anos de idade, e decisiva para realização da sua futura identidade sexual.O complexo de castração compõe, juntamente com o complexo de Édipo, a base onde a estrutura dos desejos que funda e institui o sujeito na sua relação com o mundo opera a sua subjetividade. Reconhecer que os limites do corpo estão aquém dos seus desejos é admitir a quebra de um certo sentimento de onipotência que o seu “eu” insiste em sustentar, na nossa relação imaginária do outro.
 Segundo Thomas Hobbes, movido pelo instinto de autopreservação, o indivíduo busca dominar os outros, conduta esta que dá ensejo à “guerra de todos contra todos”. Nesse sentido, defende a insociabilidade natural dos homens e a acidentalidade da vida social, de modo que o homem não é um ser sócio-político por natureza. Assim como em Hobbes, a referida expressão latina transmite a ideia central de Freud ao observar a vida social, apontando para o fato de que o homem em situações desfavoráveis revela-se como uma besta selvagem, a quem a consideração para com sua própria espécie é algo estranho. “A inclinação para a agressão constitui, no homem, uma disposição instintiva original e autosubsistente”.
 O pensamento freudiano possui muitas semelhanças acerca das teorias de Thomas Hobbes, quando à visão da natureza humana, especialmente ao afirmarem que “o homem é o lobo do homem”. Como desdobramento disso, as duas teorias se aproximam em ao menos três outros pontos: a primeira semelhança que encontramos nas teorias hobbesiana e psicanalítica consiste na figura do “ser desejante”. Hobbes entende que a vida humana é caracterizada pelas paixões. Estas consistem num elemento essencial à vida, que “não passa de movimento”. O homem é, portanto, visto como um “ser desejante”, e na satisfação de seus desejos é que ele encontra sua felicidade. A natureza de “desejante” é inerente ao homem de tal maneira que “jamais pode deixar de haver desejo”. Entende o filósofo que a felicidade não reside na satisfação plena das paixões, que é impossível de se alcançar “nesta vida”. Em razão disso, a felicidade é um “contínuo progresso do desejo”, pois ao se alcançar um objeto, desloca-se a paixão para outro.
 Hobbes entende que, sendo dotado de paixões (insaciáveis) e visando garantir a própria sobrevivência, o homem direciona suas paixões especialmente ao poder. Com efeito, a busca do poder é razão de uma insegurança tal que conduz os indivíduos ao abandono do estado natural.
 De modo similar, para Freud a vida social é uma fonte de sofrimentos, acerca do qual “tendemos a encará-lo como uma espécie de acréscimo gratuito, embora ele não possa ser menos fatidicamente inevitável do que o sofrimento oriundo de outras fontes”. 
 Assim como em Hobbes, Freud entende que a vida humana em sociedade é fonte de problemas, de sofrimento. Surge uma terceira semelhança entre a teoria hobbesiana e a psicanálise freudiana: a necessidade da regulação da vida social.
 Para Hobbes, o Estado aparece como um ser possuidor de um poder muitas vezes superior ao poder de qualquer indivíduo, e é por isso que ele se faz necessário.
 Freud afirma acerca dos homens que eles não são criaturas gentis, que desejam ser amadas, que se defendem apenas quando atacadas, mas são criaturas dotadas de uma poderosa agressividade.Para eles, o próximo não é naturalmente um objeto de seu amor, mas sim alguém que os tenta a satisfazer sobre ele sua agressividade, por exemplo, ao explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, ao utilizar dele sexualmente sem consentimento, ao apoderar de suas posses, ao causar-lhe sofrimento e matá-lo. Daí a frase: “homo homini lúpus”. Analisa Freud o mandamento de “amar ao próximo como a si mesmo” como uma exigência que contraria a natureza do homem. A ideia de que os homens vivem socialmente por amor mútuo é uma ilusão.
 Por isso mesmo é um mandamento, e não algo naturalmente desenvolvido pelos homens. Neste sentido, observa-se que socialmente não há uma relação mútua de amor, mas de interesses. Cada um quer ver seus desejos satisfeitos. Entretanto, o homem necessita de regras para viver em sociedade, caso seja dirigido de modo incontrolado a outros homens, é causa de contendas, e assim, da impossibilidade em vida social.
 Tanto a Psicanálise de Freud quanto a Teoria Política de Hobbes fornecem ao direito o fundamento de sua legitimação. Para que o homem tenha satisfação de seus desejos sem que isso destrua a existência comunitária, bem como viva sem maiores sacrifícios e sofrimentos, torna-se imperiosa a necessidade de regulação da vida em sociedade, das relações entre sujeitos, adequando os impulsos individualistas à vivência coletiva. Trata-se de uma operação dialética operada pelo direito, porquanto busca, ao mesmo tempo, satisfazer os desejos individuais e limitar algumas formas de manifestação destes, tarefa muitas vezes difícil e conflituosa, mas que se faz necessária em benefício da convivência social e preservação da humanidade.
 Inegável é a contribuição dada por Hobbes e Freud, dois importantes pensadores, que mesmo separados pelo tempo, contribuíram para a compreensão da origem dos problemas sociais e para evidenciar a função e legitimação do direito nesse contexto. Na verdade, o que se busca é que o homem “transforme” seus instintos em “produtos benéficos” para a sociedade. Tal processo, no meio psicanalítico, é conhecido como Sublimação.
 Na literatura psicanalítica, a sublimação é frequentemente considerada como um mecanismo ou um modo de defesa contra as pulsões.
 A pulsão, de uma forma geral, refere-se a uma fonte de energia psíquica não específica, que pode conduzir a comportamentos diversos. A sublimação segundo Freud, é um mecanismo de defesa eminentemente positivo para a sociedade, constituindo um bem social. Pois, pode-se dizer que a maior parte das grandes personalidades e dos grandes feitos ocorridos na história humana só foram possíveis graças à sublimação.
 A sublimação de uma pulsão implica que esta possa se satisfazer com os objetos de substituição e também que uma satisfação imaginária ou simbólica possa se igualar com uma satisfação real. O resultado da sublimação é o desvio da energia libidinal de suas metas originais e investida em realizações culturais, ou em realizações individuais úteis ao grupo social. 
 A sublimação é um meio de reconciliar as exigências sexuais com as da cultura, por conseguinte, reconciliá-las com a sociedade, ou reconciliar a sociedade com elas. E apesar de a maioria dos indivíduos não possuírem igual aptidão para a sublimação, é uma solução restrita a poucos, tal destino pulsional propicia uma solução menos infeliz para o conflito cultural da sexualidade.
 Para Freud, o direito é um mecanismo coercitivo usado pela sociedade para impulsionar o homem a sublimar em prol desta coletividade.
 Na obra “O Mal Estar na Civilização” Freud apresenta como idéia central a discussão da repressão que é imposta pela civilização, e a consequente ausência de felicidade plena nesse meio social repressivo. Freud passa a comentar a respeito da lei, que certamente desempenha um papel primordial na repressão de condutas sociais. De sua exposição, podem ser destacadas duas apreciações, a saber, seu posicionamento quanto à inclinação do homem para a agressão e o papel do Direito no processo civilizatório.
 Uma vez reconhecida a oposição natural entre os indivíduos, a civilização utiliza esforços supremos para estabelecer limites para seus instintos agressivos e manter suas manifestações sob controle. Assim, nasce o direito na civilização, o qual substitui-se o poder do indivíduo pelo poder na comunidade, sendo aquele condenado como “força bruta” e o poder desta como “Direito”.
 Sem a regulação dos relacionamentos sociais, sem o Direito, a vida humana comum é impossível. Somente quando se reúne uma maioria mais forte do que qualquer indivíduo isolado, a qual permanece unida contra todos os indivíduos isolados é que a comunidade é possível, e assim, todos os seus benefícios são desfrutados.
Veja-se que, embora não seja a lei capaz de refrear plenamente “as manifestações mais cautelosas e refinadas da agressividade humana”, ela desempenha um importante papel na vida humana comunitária.
 O jurista italiano Francesco Carnelutti, ao refletir a respeito do conceito de direito reconhece que o direito surge em razão dos conflitos existentes entre os homens em sociedade. Defende ele que “enquanto os homens não saibam amar temos que obrigá-los”. O direito é uma força imperiosa na sociedade, mas não a força original. O direito só existe onde não há o amor, onde o homem é um lobo e não um cordeiro.
Freud compreende que sejam necessárias alterações na civilização, e assim, no sistema normativo-valorativo das sociedades, porém, ele não faz crítica ao direito em si. Mesmo sendo imperiosas as alterações, o direito não deixa de ser necessário.
 Ao contrário, ele ressalta que “a primeira exigência da civilização, portanto, é a da justiça, ou seja, a garantia de que uma lei, uma vez criada, não será violada em favor de um indivíduo”.
 O resultado dessa exigência consiste em que:
 “A lei seria um estatuto legal para o qual todos – exceto os incapazes de ingressar numa comunidade – contribuiriam com um sacrifício de seus instintos, e que não deixa ninguém (novamente com a mesma exceção) à mercê da força bruta”.
 Desse modo, “o homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança”. Em função das diversas possibilidades de sofrimento, os homens se acostumaram a moderar suas reivindicações de felicidade.
Nesse ponto, voltamos a citar o papel da sublimação dos instintos. Uma vez que a felicidade é equivalente à realização dos desejos, o ser humano sente a necessidade de satisfazer seus instintos, inclusive o de agressividade.
O redirecionamento dos impulsos instintivos, a objetos e não a pessoas, conduz à satisfação das necessidades do sujeito. Assim, o domínio sobre os instintos viabiliza ao mesmo tempo a vida social e a felicidade, ainda que parcial.
 Nesse contexto, a sublimação desempenha um papel fundamental, pois é uma das técnicas que o homem pode adotar para afastar o sofrimento. Através dela, o sujeito redireciona, reorienta os objetivos instintivos, de maneira que evitem as frustrações do mundo externo.
 Assim, de um lado, o indivíduo é caracterizado por seus ímpetos agressivos e sexuais, sendo necessário o direito para a proteção do mesmo, dos outros e da comunidade. Por outro lado, ele é um ser singular, sujeito de juízos de fato e de valor, de apreciação e interpretação das circunstâncias; é um ser que interage com o meio em que está inserido. Assim como em razão da existência comunitária faz-se necessário um Direito protetor da vida social (que a possibilita), a existência singular requer uma “ética da tolerância”. Um direito garantidor da liberdade e da existência individual e singular. A lei, como sistema regulador da vida social, encontra em Freud uma finalidade dialética: proteger os indivíduos da força bruta proporcionando-lhes também a satisfação dos instintos, a felicidade, ainda que de modo parcial.
Referencias bibliográficas:CARNELUTTI, Francesco. A arte do direito. Campinas: Bookseller, 2001;
CROMBERG, Renata Udler. Psicanálise: contribuições à prática em educação. In: Revista Interface – Comunic, Saúde, Educ, Agosto de 2001. Pp. 159-168. Entrevista concedida a Lilia Schraiber e Maria Lúcia Toralles-Pereira;
FREUD, Sigmund. Cinco lições de psicanálise; A história do movimento psicanalítico; O futuro de uma ilusão; O mal-estar na civilização; Esboço de psicanálise. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural, 1978;
LACAN, J. Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
Internet
FREUD, Sigmund. O mal-estar da civilização. Capítulo V. In: Religião e Sociedade, 15/1, 1990, pp. 120-127 in Revista Espaço Acadêmico, ano III, nº 26, julho de 2003.
Fonte:http://www.portalcatalao.com/painel_clientes/cesuc/painel/arquivos/upload/temp/4e78b49d528807308956f7e82222b02e.pdf,
Fonte:http://psicologado.com/abordagens/psicanalise/totemetabu#ixzz3AHEpo7Qg

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