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Apostila Didática 2020 SOCIOLOGIA Capítulo 1 - Socioantropologia Capítulo 1 - Socioantropologia - Exercícios 312 356 380 332 369 389 Capítulo 2 - Ciência Políticas Capítulo 2 - Ciência Políticas- Exercícios Capítulo 3 - Ciências Sociais em Temas Capítulo 3 Ciências Sociais em Temas - Exercícios SOCIOLOGIA TRODUÇÃO À FILOSOFIA 312 Sociologia | Curso Enem 2019 CAPÍTULO 1 Curso Enem 2019 | Sociologia Ciências Sociais em Temas INTRODUÇÃO: EM BUSCA DA IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA CAPÍTULO 1 Socioantropologia Socioantropologia APRESENTAÇÃO Este material foi pensado e projetado para ser executado por você, estudante do Percurso, em parceria com seus colegas e amigos, sob a supervisão e as orientações do seu mestre, o professor. Seja muito bem-vindo (a)! No decorrer de nossa trajetória, buscaremos integrar duas dimensões fundamentais: Por um lado, conhecer teorias so- ciológicas, antropológicas e políticas. Por outro lado, aprender a fazer sociologia, antropologia e ciência política. Isso impli- cará, ao menos, uma tríplice atenção e cultivo. Inicialmente, uma conversão de nosso olhar para as múltiplas dimensões da realidade social, antropológica e política, buscando captar singularidades, relações, confl itos, e diferentes processos de construções históricos. Implicará, igualmente, leitura atenta das teorias que caracterizam os autores mais expressivos das áreas de conhecimento que compõem as ciências sociais. Em terceiro lugar, implicará a aprendizagem de competências e habilidades relacionadas ao aprender a fazer análises socioló- gicas, leitura e interpretação de textos O conteúdo que veremos poderá não nos ser estranho. Ele provavelmente será muito familiar, uma vez que o vemos ou ouvimos diariamente em diferentes meios. Contudo, a forma de abordar essa realidade familiar deverá ser diferente da for- ma corriqueira de como tratamos o assunto. Conforme Gil- berto Velho, “O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo pon- to, conhecido” (VELHO;1987:126). Desse modo, deveremos aprender a “estranhar o familiar”, com uma atitude de distan- ciamento crítico. Essa nossa tarefa de sermos aprendizes de sociologia, de an- tropologia e de ciência políticas em espaços sociais cada vez mais complexos e diversifi cados, pede de nós uma atitude capaz de desnaturalizar as questões, de reconhecer a dimen- são histórica presente em tudo o que constitui as sociedades humanas. Dito isso, reitero o convite a fazermos uma aprendizagem ver- dadeiramente signifi cativa, na qual possamos nos apropriar das muitas conquistas das ciências sociais, ao mesmo tempo em que nos capacitemos e habilitemos para podermos inter- vir no universo social e político tendo em vista uma sociedade democrática, plural e inclusiva. O autor. 1. A modernidade científi ca e o positivismo a) A sociologia na emergente sociedade industrial e ca- pitalista O que precisam [os indivíduos de hoje em dia] e o que sentem precisar é uma qualidade do espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fi m de perceber com lucidez o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar ocorrendo dentro de- les mesmos. É essa qualidade, afi rmo, que jornalistas e professores, artistas e públicos, cientistas e editores estão começando a esperar daquilo que poderemos chamar de imaginação sociológica [...] O primeiro fruto dessa imaginação e a primeira lição da ciência social que a incorpora é a ideia de que o in- divíduo só pode compreender a sua própria experiên- cia e avaliar seu próprio destino localizando-se dentro de seu próprio período; só pode conhecer suas pos- sibilidades na vida tornando-se cônscio das possibili- dades de todas as pessoas, nas mesmas circunstancias em que ele. [...]. Para compreender as modifi cações de muitos ambien- tes pessoais temos a necessidade de olhar além deles. E o número e a variedade dessas modifi cações estru- turais aumentam à medida que as instituições dentro das quais vivemos se tornam mais gerais e mais com- plicadamente ligadas entre si. Ter consciência da ideia da estrutura social e utilizá-la com sensibilidade é ser capaz de identifi car as ligações entre uma grande va- riedade de ambientes de pequena escala. Ser capaz de usar isso é possuir a imaginação sociológica. (MILLS;1982: p. 9-17) Num período de oitenta anos, ou seja, entre 1780 e 1860, a Inglaterra havia mudado de forma marcante a sua fi sionomia. País com pequenas cidades, com uma TRODUÇÃO À FILOSOFIA 313 CAPÍTULO 1Socioantropologia Curso Enem 2019 | Sociologia c) O positivismo e os estágios da humanidade No primeiro estagio da humanidade , o ser humano explica os fenômenos fazendo referência a vontades exteriores, sobre- naturais, divindades. Comte denomina esse estado de teológi- co ou fi ctício, encarnado historicamente no período medieval. A passagem do primeiro estado, o teológico, para o segundo estágio, o metafísico ou abstrato representou uma verdadeira revolução, por trazer uma nova visão de mundo. No segundo estado, estado da metafísica, acontece um deslocamento dos deuses para as abstrações. Trata-se ainda de uma preocupa- ção com o absoluto, só que agora localizado não mais em se- res sobrenaturais, mas em ideias abstratas. Historicamente, a revolução francesa seria representação desse estagio. Finalmente, o terceiro estágio, o estado físico, é aquele em que o ser humano abandona as pretensões metafísicas ou absolutas, concentrando-se nas evidencias empíricas, naqui- lo que é relativo, e não absoluto. Há uma radical mudança da imaginação abstrata para a observação. Augusto Comte, na obra Discurso sobre o espírito positivo, caracteriza o positivis- mo como a saber compromissado com a realidade, por meio de pesquisas verifi cáveis através da experiência. d) Nos caminhos da antropologia Nos processos renascentistas e modernos de colonização, não é difícil imaginar a reação dos viajantes europeus ao se depa- rarem com povos bem distintos, tanto física quanto cultural- mente. A antropologia cultural nasce com esse olhar sobre as culturas não europeias. E como foram esses primeiros olhares? O que sabemos desses olhares? Veremos isso a seguir. O Evolucionismo Cultural A concepção evolucionista está no contexto da publicação da obra “A origem das espécies”, de Charles Darwin, em 1859. Um postulado histórico específi co do século XIX é o princípio do monogenismo, postulado pós-darwiniano que afi rma que toda a humanidade teria uma origem comum. Nesse caso, tendo os seres humanos a mesma ou comum origem, como se deveria compreender e explicar a diversidade que existe entre as diferentes tradições culturais? Essa é a grande questão com a qual os antropólogos evolu- cionistas se defrontaram. E a resposta que constitui o modo singular de pensar dessa tradição afi rma que os povos evo- luem numa mesma direção de modo uniforme e ascen- dente, partindo do estágio selvagem, passando pelo estágio da barbárie, até chegar no estágio civilizacional. Haveria desse modo uma natureza homogênea da humanidade. Entre os antropólogos mais importantes desse período merecem des- taque o americano Lewis Henri Morgan (1818-1881) e o Inglês Edward Burnett Tylor (1832-1917) e o escocês James George Frazer (1854-1941). Esse evolucionismo cultural serviu como a ideologia que moti- vou os processos de colonização realizados pelo imperialismo europeu nos diferentes continentes. Nesse contexto, enten- de-se a ideia de que haveria diferentes raças humanas. E não é difícil imaginar como esse conceito, situado historicamen- te, pode ser usado para justifi car a exploração dos europeus sobre outros povos, outras etnias. Atualmente, o termo que se usa para essa atitude é etnocentrismo ou, especifi camente, eurocentrismo. As revoluções Industrial e Francesa provocaram profundas transformações na sociedade moderna, especialmente rela-cionadas à industrialização e urbanização. A rapidez das mu- danças fez com que a sociedade moderna se transformasse em um problema a ser investigado e explicado. A sociologia se forma nesse contexto com essa fi nalidade, tentando com- preender as novas condições sociais do mundo em mudança. Portanto, pode-se afi rmar que a Sociologia é a forma de co- nhecimento genuinamente moderna, expressando uma nova visão de mundo. b) O positivismo e o otimismo técnico-científi co Para Comte, o objeto e o objetivo da ciência deve ter relação com a pesquisa e o conhecimento das leis que regem os fe- nômenos. E as leis são como que as relações necessárias que derivam da natureza de cada fenômeno. Uma vez tendo ciên- cia dessas leis, o resultado disso será a possibilidade efetiva de prever o funcionamento futuro desses fenômenos. E com essa habilidade, o ser humano poderá ter uma vida melhor, poderá usar isso para o seu proveito, poderá agir sobre a natureza. Desse modo, para Comte, ciência possibilita conhecimento, conhecimento possibilita previsão, previsão possibilita ação. Buscando conhecer as leis dos fenômenos sociais, a Sociologia coloca-se no caminho da observação dos fatos e neles busca as regularidades. Embora a sociologia, como ciência, busque o conhecimento, esse conhecimento não é fi m em si mesmo. Em Comte, a sociologia volta-se também para fi ns práticos, de natureza intelectual, moral e política, para o aperfeiçoamento moral do ser humano. Desse modo, os sociólogos deveriam atuar como “sacerdotes”, capazes de aconselhar, de orientar. Por um lado, existiria o Es- tado, com o poder temporal. Por outro lado, existiria o poder espiritual, que seria o poder da sociedade civil, na qual os so- ciólogos deveriam estar e atuar com formadores ou reforma- dores da opinião publica. população rural dispersa, passou a comportar enor- mes cidades, nas quais se concentravam suas nascen- tes indústrias, que espalharam produtos para o mundo inteiro. Tais modifi cações não poderiam deixar de pro- duzir novas realidades para os homens dessa época. A formação de uma sociedade que se industrializava e urbanizava em ritmo crescente implicava a reorde- nação da sociedade rural, a destruição da servidão, o desmantelamento da família patricial etc. A transfor- mação da atividade artesanal em manufatureira e, por último, em atividade fabril, desencadeou uma maciça emigração do campo para a cidade, assim como en- gajou mulheres e crianças em jornadas de trabalho de pelo menos doze horas, sem férias e feriados, ganhan- do um salário de subsistência. Em alguns setores da indústria inglesa, mais da metade dos trabalhadores era constituída por mulheres e crianças, que ganha- vam salários inferiores dos homens. A desaparição dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos indepen- dentes, a imposição de prolongadas horas de trabalho etc. tiveram um efeito traumático sobre milhões de seres humanos ao modifi car radicalmente suas formas habituais de vida. Estas transformações, que possuíam um sabor de cataclisma, faziam-se mais visíveis nas cidades industriais, local para onde convergiam todas estas modifi cações e explodiam suas consequências. (MARTINS; 1994: p. 12) TRODUÇÃO À FILOSOFIA 314 Sociologia | Curso Enem 2019 CAPÍTULO 1 Curso Enem 2019 | Sociologia Socioantropologia ridade em suas singularidades foi preciso superar o “olhar de fora e de longe” e instaurar a etnografia definida como o olhar “de perto e de dentro” (MAGNANI; 2002:11). *ALTERIDADE provém do vocábulo latino alteritas, que significa “outro”. Desse modo, alteridade significa o encontro entre “outros”, o plano das relações inter- subjetivas, heterogêneas, entre individuos diferentes que se reconhecem e se respeitam como outros. Nessa habilidade de colocar-se na ótica do outro e buscar ver o mundo com os olhos dos “nativos”, em um encontro auten- tico com as expressões culturais do outro, podem acontecer alterações nas próprias expressões culturais dos indivíduos ou grupos que entram em relação. A abordagem antropológica provoca, assim, uma ver- dadeira revolução epistemológica, que começa por uma revolução do olhar. Ela implica um descentra- mento radical, uma ruptura com a ideia de que exis- te um "centro do mundo" e, correlativamente, uma ampliação do saber e uma ampliação de si mesmo. (LAPLANTINE;2000:p. 22) Cultura: Um conceito polissêmico Etimologicamente, a palavra cultura deriva do verbo latino co- lere, que significa cultivar, criar, cuidar. Desse modo, da forma de cultivar e de cuidar nascem certos hábitos, comportamen- tos, produtos, objetos e técnicas. Nesse sentido, cultura é tudo o que foi cultivado e criado pelo fazer humano, tanto em sua dimensão material, de objeto criado, quanto em sua dimen- são psíquica ou espiritual, das ideias, dos valores, das crenças. 2. Karl Marx e a sociologia do capitalismo a) O materialismo histórico e dialético Os homens fazem sua própria história, mas não a fa- zem como querem, não a fazem sob circunstancias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. (MARX; 1974: p.335) O pensamento filosófico e sociológico de Karl Marx Karl Marx (1818-1883) a concepção filosófica segundo a qual o modo de pensar do ser humano está condicionado pelo seu contexto material, por suas relações sociais, pelos meios de produção e reprodução de sua existência, conforme consagrada e repeti- da expressão de Marx: “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência” ( MARX; 1997: 254). Contra uma perspectiva liberal centrada no indivíduo e seus direitos individuais, Marx parte do pressuposto de que o ser humano é um ser social e político. E isso não de maneira abs- trata, mas bem concreta, como um ser que tem sua vida con- dicionada historicamente pelo meio onde vive, pelas condi- ções que afetam a sua realidade de vida e os modos como vai O Culturalismo americano de Franz Boas Para o antropólogo Franz Boas (1858-1942), cada cultura tem sua história singular. E não se deveria proceder a comparações à luz de um pretenso sentido único, ascendente, evolutivo, uma vez que a história seria múltipla e variada. Contrapondo a cultura à natureza biológica, Franz Boas critica um dos valo- res liberais mais fortes, o valor da igualdade, por reconhecer na forma como essa ideia estava sendo pensada um caráter etnocêntrico, que não permitia reconhecer as diferentes his- tórias, as diferentes sociedades. Isso representou uma grande revolução nos começos da antropologia, uma vez que a con- dição humana não deve ser olhada sob o ângulo da biolo- gia, mas sob a perspectiva da cultura. O funcionalismo inglês de Malinowski O antropólogo polonês Bronislaw Malinowski (1884-1942) é considerado um dos fundadores da Antropologia Social. Sua reflexão antropológica supera a visão evolucionista e, com seu o novo método antropológico, conhecido como etnografia*, trouxe uma decisiva contribuição para os caminhos que a an- tropologia iria percorrer a partir de então. Boas e Malinowski identificam o antropólogo como um pro- fissional da “pesquisa de campo”. Cabe ao antropólogo ir ao campo e ele mesmo deverá fazer as pesquisas e estudar os modos particulares de vida de cada grupo cultural. Por essa razão, podemos afirmar que esses dois antropólogos são con- siderados os fundadores da etnografia. *ETNOGRAFIA: Observação participante . Segundo Malinowski, para que haja uma verdadeira aproximação à compreensão de uma cultura, em sua singularidade, é preciso que o pesquisador ou o antro- pólogo faça etnografia, ou seja, que seu método con- sista em uma pesquisa de profundidade, tornando-se membro da comunidade cuja vida e relações serão estudadas e analisadas. Trata-se de uma “observação participante”, que capta ações e palavras no ato, no momento em que acontecem. Para compreender uma cultura singular, o antropólo- go mergulha emsuas tradições, passando a conviver com a comunidade local. Desse modo poderá evitar a formulação de juízos abstratos e preconceituosos. Esse método de compreensão e de interpretação dos traços de uma cultura, de sua língua, de seus costu- mes, de seus valores e de suas práticas, por meio de diferentes técnicas e instrumentos é conhecido como etnografia. Com essas reflexões torna-se compreensível o quanto a antropologia é bem definida como ciência da alte- ridade* ou da diversidade cultural. Para se conseguir ver e reconhecer a alteridade em suas singularidades foi preciso superar o “olhar de fora e de longe” e ins- taurar a etnografia definida como o olhar “de perto e de dentro” (MAGNANI; 2002:11). Com essas reflexões torna-se compreensível o quanto a an- tropologia é bem definida como ciência da alteridade* ou da diversidade cultural. Para se conseguir ver e reconhecer a alte- TRODUÇÃO À FILOSOFIA 315Curso Enem 2019 | Sociologia CAPÍTULO 1Socioantropologia produzir e reproduzir a sua sobrevivência e a sua existência, em termos materiais e imateriais, econômicos e espirituais, di- mensões que caminham juntas, de modo inseparável. b) A divisão social em Classes sociais. Para Marx, a divisão social no sistema capitalista deve ser com- preendida como sendo estruturada a partir de classes antagô- nicas. Existe a classe dos proprietários dos meios de produção e existe a classes dos não proprietários, dos trabalhadores. Nessa divisão em classes, a classe dominante é a dos proprie- tários que cria estratégias para perpetuar essa situação. c) O trabalho humano alienado. Segundo Marx, a automação do processo produtivo implica não só a alienação do trabalhador e a alienação do produto do seu trabalho, mas produz uma vida estranha, de opressão não natural. Estes trabalhadores, que precisam vender a si próprios aos poucos, são uma mercadoria como qualquer outro artigo do comércio, e são, por consequência, expostos a todas as vicissitudes da competição, a todas as flu- tuações do mercado. Em virtude do uso excessivo de maquinarias e da divisão do trabalho, o trabalho dos proletários perdeu todo o seu caráter individual e, em consequência, todo o estímulo para o trabalhador. Ele se torna um apêndice da máquina e dele só é exigi- da a habilidade mais simples, mais monótona e mais facilmente adquirida. Por isso, o custo da produção de um trabalhador é restrito, quase completamente, aos meios de subsistência que ele requer para a sua manutenção e para a propagação de sua raça. (MARX e ENGELS; 1998: p. 20). Para o operário, o trabalho, no sistema capitalista, transforma- se em mortificação do ser do trabalhador, uma atividade es- tranha, que não realiza a personalidade do trabalhador d) A ideologia como instrumento de classe O instrumento que a classe dominante cria para a manuten- ção do status quo, para a perpetuação da situação de explo- ração, é a ideologia, capaz de fazer a classe dominada pensar que a situação na qual se encontra seja natural. Desse modo, a ideologia é instrumento da burguesia para dominar a consciência do oprimido, invertendo o sentido das coisas, mascarando a realidade e impedindo a percepção da ação opressora de uma classe sobre a outra. Portanto, a dimen- são ideológica consiste em manipular a consciência a partir de cima, de cima para baixo, dos interesses da burguesia que são universalizados, impostos a todos. Com isso, a consciência do trabalhador fica refém de uma mentalidade estranha à ver- dadeira realidade. É nesse estranhamento, no qual o operário não mais se pertence, que consiste em a alienação. e) A Natureza classista do Estado Marx (1818-1883) analisa o Estado em perspectiva oposta a de Hobbes. Em Hobbes, o Estado aparece como a solução criada pela sociedade, pois dará fim ao reino da violência que resulta da impulsividade agressiva do ser humano, lobo do homem. Para Marx, o Estado seria um conjunto de meios de coerção, criado por uma classe para dominar a outra. Sob a ótica de Marx, na contramão de Hobbes e do idealismo de Hegel, e influenciado por Feuerbach, o Estado não resultaria de um acordo entre os indivíduos de uma sociedade, mas do poder organizado da classe dominante.. f) Infraestrutura e superestrutura. Esses são dois conceitos centrais no pensamento de Karl Marx. Na contramão do idealismo, a teoria materialista de Marx afir- ma que no centro de toda a vida social está a estrutura eco- nômica, a infraestrutura que forma a unidade central e que tudo conecta. Por isso nada pode ser pensado fora da estru- tura econômica, a base material de tudo, a matéria-prima, os meios de produção e a relações de produção. Assim, por exemplo, a linguagem é um fenômeno social, a religião é um fenômeno social, as leis, os valores, tudo deve ser visto como decorrência dessa base material, da produção material da existência humana. É dessa necessidade humana de produzir e reproduzir a vida que se forma a consciência. A consciência não se forma do nada. Ela pressupõe uma base concreta, constituída pelas relações humanas concretas. E essa consciência situada no concreto se exterioriza ou se ex- pressa por meio da linguagem. A superestrutura, na visão de Marx, seria um produto, uma criação da classe dominante para consolidar a dominação que ela exerce sobre a classe dos trabalhadores ou operários. Assim, a super-estrutura seria a estrutura jurídica, política e ideológica (Estado, Leis, Religião, Meios de comunicação, etc.), que não pode ser explicada por si mesma ou em si mesma, ela é uma criação a serviço de algo. Em Marx, são criações burguesas a sérvio dos interesses de sua classe. g) A mais-valia Desse processo de exploração e alienação, segundo Marx, nascem margens cada mais amplas de lucro, mola mestra do capitalismo. A força de trabalho seria mera mercadoria, mas uma mercadoria capaz de criar valor, e o valor criado terá di- reta relação com o tempo dispendido e com as tecnologias investidas no serviço da mercadoria. Com efeito, todo o in- vestimento capitalista está em função do lucro. Dessa forma, a organização do trabalho é feita com o objetivo de adquirir sempre maior mais-valia A mais valia refere-se ao excedente ou à diferença en- tre o que o patrão gasta com o operário e o que ele ganha com o produto desse trabalho. Pode-se falar em “um trabalho não pago, disfarçado pela forma de sa- lário, do qual se extrai a mais-valia” (DUSSEL; 2000: p. 327). Com o investimento em novas tecnologias, e com as exigên- cias de um mundo cada vez mais acelerado em todos os âmbi- tos da vida capitalista, a tendência desse excedente ou desse lucro é ser crescentemente maior, uma vez que não haveria significativas contrapartidas para o trabalhador. E o mais sério ou profundo seria a progressiva substituição do trabalhador por máquinas que realizariam esse trabalho com mais efici- ência e rapidez. h) As crises cíclicas do capitalismo Para Marx e Engels, em termos econômicos, o capitalismo consiste num tripé: produzir mercadoria, circular mercadoria e consumir mercadoria. É disso que resulta o acúmulo privado de riqueza e é dessa lógica que decorrem as permanentes ou TRODUÇÃO À FILOSOFIA 316 Sociologia | Curso Enem 2019 CAPÍTULO 1 Curso Enem 2019 | Sociologia Socioantropologia cíclicas crises do sistema capitalista. Para esses autores, o capi- talismo tem um incontrolável impulso que vira uma epidemia, a epidemia da superprodução. As condições da sociedade burguesa são estreitas de- mais para abranger toda a riqueza que criou. E como faz a burguesia para vencer essas crises? Por um lado, reforça a destruição da massa de forças produtivas; por outro lado, tenta conquistar novos mercados e busca uma exploração mais completa dos antigos. Ou seja, pavimentando o caminho para crises mais extensas e mais destrutivas e diminuindo os meios pelos quais previnem-se crises. (Marx e Engels;1998: p.19) i) Revolução do proletariado Considerando a histórica realidade de opressãoe dominação por parte da classe dominante, a libertação do trabalhador vi- ria somente na negação das múltiplas negações que lhe são impostas. E como se faria essa afirmação da dignidade do tra- balhador? Marx se refere a uma revolução do proletariado, por meio da qual a propriedade de si mesmo e de sua produção deverá voltar aos trabalhadores. Isso implicaria a destruição da realidade da propriedade privada, que se encontra condi- cionada por uma realidade histórica de classe dominante . Quando os indivíduos que foram transformados em vítimas pelo sistema se unirem em comunidade, somente então, afir- ma Marx, poderá acontecer a superação da imposição capita- lista. Marx sinaliza para a condição de superação histórica das alienações: a atuação da comunidade. E sem a opressão de classe, as relações humanas passariam a ser mais autônomas e livres, e os objetos produzidos não se- riam mais concebidos como propriedade privada, mas como propriedade coletiva, resultante de um trabalho cooperativo. A partir de Marx, podemos sintetizar o modo de produção so- cialista como o modelo econômico estruturado sobre a pro- priedade social ou coletiva dos meios de produção. Por meio do socialismo*, o comunismo poderia ser instaurado e com ele teríamos o fim do Estado classista que existe no capitalis- mo. : O SOCIALISMO é um sistema econômico e político, um modelo de organização social, que nasce como um novo ideal, em reação às péssimas condições de vida dos trabalhadores no século XIX. Esse modelo se contrapõe ao liberalismo e ao capitalismo, fundados na propriedade privada dos meios de produção. Entre os ideais de luta do socialismo temos a extin- ção da propriedade privada dos meios de produção, a tomada do poder por parte dos operários, por meio da revolução do proletariado, o controle do Estado no sentido de assegurar a igualdade social, a destruição do sistema de classes e uma divisão de renda iguali- tária, revolucionando o modo de produção que não mais estaria voltado para o lucro, mas para o bem co- mum, por meio da cooperação. Segundo Marx, após a implantação desse novo mode- lo social, o comunismo poderia ser instalado. 3. Sociologia de Émile Durkheim Émile Durkheim ( 1858-1917), ao lado de Comte, Marx e We- ber, é um dos pais da sociologia. a) O método de trabalho: Os fenômenos sociais como “coi- sas” As ciências sociais emergentes na era industrial necessitam de um método para fazer aparecer aquilo que é não evidente, para explicitar as relações implícitas. Dessa forma, há um rigor presente no método que o afasta do olhar mecânico e irrefle- tido do senso comum. Por isso, o primeiro passo do método de trabalho do cientista social é a atitude do olhar que toma distancia para ver com novos olhos a realidade, buscando perceber as tendências que estão se formando na vida so- cial. Dessa forma, transcendendo a intuição sensível, a atitu- de do cientista social vem marcada por profunda habilidade analítica. É preciso considerar os fenomenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresen- tam a nós. [...] Essa regra aplica-se portanto à realidade social inteira, sem que haja motivos para qualquer ex- ceção. (DURKHEIM; 2007:p. 28-29) Influenciado pelo pensamento positivista de Augusto Comp- te, Durkheim insiste em analisar os fatos sociais como coisas objetivas, externas, anteriores ao indivíduo. Desse modo, po- de-se encontrar uma ênfase na ideia de que as subjetividades não deveriam interferir no procedimento científico. b) O objeto da sociologia: O fato social FATO SOCIAL é toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais. (DURKHEIM; 2007: p.13) A partir desse fragmento, vemos que o conceito de fato so- cial se refere à realidade social como independente e anterior ao sujeito que a vivencia. Assim, em primeiro lugar, os fatos sociais são marcados pela exterioridade e pela objetividade; ou seja, existem e atuam sobre os indivíduos independente- mente de sua vontade ou de sua livre e consciente adesão. Assim, cada indivíduo ao nascer em uma sociedade é recebido e educado numa tradição já existente. Em decorrência disso, uma segunda dimensão se impõe: a coercitividade; o fato social traz sua identidade vinculada à coerção social. Em ou- tros termos, as normas, as regras, os costumes sociais exercem força e pressão prévias sobre o indivíduo. Uma terceira carac- terística do fato social é a generalidade, ele se impõe a todos os indivíduos daquele grupo social. Vinculada à noção de ge- neralidade, Durkheim aborda a noção de consciência coletiva. Entendida como conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma comunidade, a consciência co- letiva forma a moral vigente na sociedade, em conformidade com a qual atitudes serão interpretadas como morais ou imo- TRODUÇÃO À FILOSOFIA 317Curso Enem 2019 | Sociologia CAPÍTULO 1Socioantropologia Suicídio altruísta Em relação ao tipo altruísta de suicídio, que pode ser classi- ficado como heroico ou religioso, um traço comum nesses casos é o excessivo vínculo ao grupo, predominando nele a paixão, a entrega vital. Se uma individuação excessiva leva ao suicídio, uma individuação insuficiente produz os mesmos efeitos. Quando é desligado da sociedade, o homem se mata facilmente, e também se mata quando é integrado rais, louváveis ou reprováveis. Em suma, sociologicamente, na perspectiva de Durkheim, estamos falando da prioridade do todo sobre as partes. Assim, o conjunto social não se reduz à soma dos elementos. Ao contrário, os indivíduos sentem a pressão do meio e suas ações são socialmente condicionadas. c) O Suicídio como fato social normal e patológico Suicídio é todo ato de morte provocado direta ou indi- retamente por um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia provocar esse resultado. (DURKHEIM; 2000: p. 14) Mesmo quando a solidão se associa ao desespero, levando o indivíduo ao suicídio, é a sociedade que está na raiz dessa de- cisão, é a sociedade que move a consciência desse indivíduo e o conduz a esse ato solitário. Durkheim estava seguro de que o suicídio dependia de uma realidade social e não da vontade dos indivíduos, uma vez que era perfeitamente observável e verificável a sua regularidade, que acontecia sempre em conformidade com as mesmas ou similares condições históricas. É fato verificável: em condições normais, as taxas de suicídio nos países se mantêm constantes de um ano para outro. Considerando que as circunstâncias sociais determinam as taxas de suicídio, Durkheim acredita que seja possível esta- belecer uma tipologia de suicídio. Nessa pesquisa, ele define quatro tipos de suicídio: suicídio egoísta, altruísta e anômico e fatalista Suicídio egoísta. Em relação ao suicídio egoísta, há maior tendência ao suicídio quando o pensamento do indivíduo está basicamente volta- do sobre si mesmo¸ sem a presença e a força integradora do grupo social. É o afastamento do grupo. Essa forma de suicídio se manifesta por um estado de apatia e pela ausência de vín- culo com a vida, decorrente do enfraquecimento do vínculo social. Esse tipo de suicídio, portanto, bem merece o nome que lhe demos. O egoísmo não é apenas um fator au- xiliar dele; é sua caua geradora. Se nesse caso, o víncu- lo que liga o homem à vida se solta, é porque o próprio vínculo que o liga à sociedade se frouxou. Quanto aos incidentes da vida privada, que parecem inspirar ime- diatamente o suicídio e que passam por ser suas con- dições determinantes, na realidade são apenas causas ocasionais. Se o indivíduo cede ao menor choque das circunstâncias, é porque o estado em que a socieda-de se encontra fez dele uma vítima sob medida para o suicídio. (DURKHEIM; 2000: p. 266-267) nela demasiado fortemente. [...]. Em todos esses casos, com efeito, vemos o indivíduo aspirar a se despojar de seu ser pessoal para mergulhar nessa outra coisa, que ele vê como sua verdadeira essência. Pouco importa o que lhe dê, é nela, e apenas nela, que ele acredita exis- tir, e é para existir que ele se inclina tão energicamente a se confundir com ela. Portanto, é porque o indivíduo se considera como não tendo existência própria. A im- pessoalidade, aqui, é levada a seu máximo; é o altruís- mo em estado agudo. (DURKHEIM; 2000: p. 269.280) O exemplo clássico dessa modalidade de suicídio é o que foi praticado, durante a segunda guerra mundial pelos Kamika- zes, pilotos japoneses que voluntariamente se lançaram con- tra os navios inimigos. E você certamente se lembra do aten- tado terrorista de 11 de setembro de 2011, em Nova York, no ataque ocorrido contra as famosas Torres Gêmeas do World Trade Center, por dois aviões comerciais. Nesse caso, não se trata evidentemente de suicídio por excesso de individualismo, mas, ao contrário, pelo completo desaparecimento do indivíduo no grupo. O indivíduo se mata devido aos imperativos sociais, sem pensar sequer em fazer valer seu direito à vida. Do mesmo modo, o comandante de um navio que não quer sobreviver à perda da sua nave se suicida por altruísmo; sacrifica-se a um imperativo social interiori- zado, obedecendo ao que o grupo lhe ordena, a ponto de sufocar o próprio instinto de conservação. (ARON; 2008: p. 484) Suicídio anômico Um terceiro tipo de suicídio, que é justamente o que mais in- teressava a Durkheim, é o denominado anômico. A palavra anômico tem sua origem no vocábulo grego nomos, que sig- nifica norma. Dessa forma, a palavra anomia refere-se à falta de normas ou de referências. Assim, suicídio anômico tem re- lação com a debilidade dos laços que vinculam o indivíduo ao grupo na sociedade moderna. Percebe-se uma correlação entre a frequência do suicídio e a instabilidade da vida social, econômica e cultural. Em tempos de crise ou de prosperidade econômica, situações que indicam “perturbações da ordem coletiva”, os índices de suicídio são mais elevados. Se, portanto, as crises industriais ou financieiras au- mentam os suicídios, não é por empobrecerem, uma vez que crises de prosperidade têm o mesmo resulta- do; é por serem crises, ou seja, perturbações da ordem coletiva. Toda ruptura de equilíbrio, mesmo que resul- te em maior abastança e aumento da vitalidade geral, impele à morte voluntária. Todas as vezes que se pro- duzem graves rearranjos no corpo social, sejam eles devidos a um súbito movimento de crescimento ou a um cataclismo inesperado, o homem se mata mais facimente. Como isso é possivel? [...] Qualquer ser vivo só pode ser feliz ou até só pode viver se suas necessidades têm uma relação suficiente com seus meios.[...]. Seja qual for o prazer que o homem tenha em agir, em se mover, em fazer esforços, é preci- so que ele sinta que seus esforços não são vãos e que andando ele avança. Ora, não avançamos quando não andamos na direçao de nenhum objetivo. (DURKHEIM; 2000: p.311-314) TRODUÇÃO À FILOSOFIA 318 Sociologia | Curso Enem 2019 CAPÍTULO 1 Curso Enem 2019 | Sociologia Socioantropologia Suicídio fatalista Sendo historicamente mais raro, o caso do suicídio fatalista é aquele que é realizado em situações de extrema pressão , de excessiva regulamentação social, em que o indivíduo se per- cebe como em situação de quase ausência de liberdade. Essa é a razão pela qual Durkheim afirma ser raro esse tipo de suicí- dio na modernidade. Esta tem sido uma das explicações para os muitos suicídios que aconteceram entre escravos que não suportavam a opressão social. Assim se confrontarmos as tipificações de suicídios, construí- das por Durkheim, veremos que ele os coloca em relação aos critérios de alta ou baixa regulamentação social e alta ou bai- xa integração social. Assim, poderíamos esquematizar dessa forma FORMAS DE SOLIDARIEDADE: MECÂNICA E ORGÂNICA Durkheim se refere a duas formas de solidariedade. Inicial- mente, considerando as primeiras formas de sociedade, em contexto pré-capitalista, nas quais o processo de identificação dos indivíduos operava-se especialmente por meio da tradi- ção familiar e religiosa. Nesses modelos de sociedade, a forma de solidariedade reinante era a “mecânica”, uma forma de solidariedade por semelhança, na qual a consciência coleti- va estava marcadamente presente. Nessas sociedades, por exemplo, um filho costuma aprender de seu pai a profissão e o substitui. É uma forma de solidariedade mecânica, sem a dimensão da escolha explicita, consciente ou reflexiva. Nessas sociedades, predominam na consciência do indivíduo os sentimentos e as crenças comuns a todos, que orientam a vida social. É possível perceber a força dessa consciência co- letiva por ocasião de algum crime. Quanto mais intensa for a consciência coletiva maior será a indignação e a revolta contra o crime, que é uma a violação do imperativo social que co- manda as vidas particulares Nas sociedades de matriz capitalista, fundamentadas na divi- são social do trabalho, a forma de solidariedade passa a ser “orgânica”, pois existe maior e mais complexa interdependên- cia, devido ao processo de acentuada especialização das di- versas atividades e devido à crescente diferenciação existente entre os indivíduos. Apesar de haver maior interdependência entre as diversas atividades, o individualismo moderno enfra- quece a consciência coletiva. Isso é perceptível, por exemplo, na pouca mobilização social coletiva contra o crime. No reino da solidariedade orgânica, as reações coletivas contra a vio- lação daquilo que é considerado como proibido decrescem acentuadamente. e) A Religião como Instituição social. “A religião existe, é um sistema de fatos dados; numa palavra, ela é uma realidade”. (DURKHEIM; 1978: p. 232) Para Durkheim, importa analisar a religião sob a perspecti- va de uma instituição social. Nessa lógica de pesquisa, ele acredita que a sociologia ganhará muito em sua busca de compreensão e explicação da relação que existe entre com- portamentos individuais e vida social. Os rituais que existem nas religiões criam entre os indivíduos vínculos e alimentam sentimentos que corroboram uma consciência coletiva. Um dos principais estudos de Durkheim encontra-se em As formas elementares da vida religiosa, obra publicada em 1912. Nela, afirma que a religião é um “sistema de crenças e de práticas”, que não necessariamente está vinculado a um Deus transcendente. “A simples consideração das formas religiosas que nos são familiares fez acreditar durante muito tem- po que a noção de deus era uma característica de tudo o que é religioso. Ora, a religião que estudare- mos mais adiante é, em grande parte, estranha a toda ideia de divindade. (DURKHEIM; 1978: p. 209). Para Durkheim, na religião a sociedade toma consciência de si mesma, uma vez que é expressão da consciência coletiva. BAIXA INTEGRAÇÃO SOCIAL SUICIDIO ANÔMICO ALTA (EXCESSIVA) INTEGRAÇÃO SUICIDIO ALTRUÍSTA BAIXA REGULAMENTAÇÃO SUICIDO ANOMICO ALTA (EXCESSIVA) REGULAMENTAÇÃO SUICIDIO FATALISTA Embora o suicídio seja um fato social normal, o aumento da taxa de suicídio na sociedade moderna é fato social patoló- gico. E o principal sintoma patológico da sociedade moderna é a insuficiente integração do indivíduo na coletividade. Um dos traços da vida moderna é a permanente novidade, a supe- ração dos valores tradicionais e a ausência de valores sociais substitutivos daqueles que foram superados. Em decorrência, sentimentos modernos comuns são a frustração e o desgosto com a vida, relacionados com o hiato que existe entre a expec- tativa pessoal e o que a sociedade oferece. d) A divisão social e as formas de consciência e solidarie- dade Ao considerarmos o fenômeno da divisão social do trabalho,depois das análises de Karl Marx, talvez a nossa maior tentação seja fazer uma leitura econômica. Contudo, para Durkheim, a divisão social da sociedade produz em efeito moral muito mais significativo do que o efeito econômico. Por essa razão ele se concentra nessa dimensão moral. Para Durkheim, será graças à divisão do trabalho que a própria vida social se torna possível, uma vez que ela cria entre os indivíduos o sentimen- to da solidariedade, da percepção de que estão vinculados, de que um depende do outro. Como pode uma reunião de indivíduos constituir uma socie- dade? Como nasce o consenso? Émile Durkheim constrói uma reflexão sobre as possibilidades e os fundamentos de uma vida em sociedade. Nessa reflexão, ele afirma que sociedade não é uma simples justaposição de indivíduos. A sociedade cria a moral. E a moral social cria o indivíduo social. E é por meio da moralidade que a própria sociedade de sustenta. Assim, em Durkheim, a força motriz que gera e transforma a vida social é a solidariedade, produzida pela divisão social do trabalho. Durkheim reconhece duas formas de consciên- cia, duas formas de solidariedade. Em uma delas predomina a consciência coletiva; na outra, predomina a personalidade individual. Vejamos a reflexão que o sociólogo desenvolve TRODUÇÃO À FILOSOFIA 319Curso Enem 2019 | Sociologia CAPÍTULO 1Socioantropologia A religião é, decididamente, o sistema de símbolos pelos quais a sociedade toma consciência de si mes- ma; é a maneira de pensar própria do ser coletivo. Eis, portanto, um amplo conjunto de estados mentais que não se teriam produzido se as consciências particu- lares não se tivessem unido, os quais resultam dessa união e se sobrepuzeram aos que derivam das nature- zas individuais. (DURKHEIM; 2000: p.402) Para Durkheim, a base humana que motiva essa busca coleti- va é de natureza emotiva. Os seres humanos têm necessidade da vivencia comunitária, e a buscam por questões afetivas. É o afeto que o conduz. A religião pode ser vista como expressão da autocriação humana. É muito interessante percebermos que ao submeter-se à religião, que é imagem e produto social, os indivíduos encontram-se condicionados à própria socieda- de. Sendo uma instituição social, a religião reflete a sociedade em todos os seus aspectos, positivos e negativos. A religião é uma coisa eminentemente social. As repre- sentações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades coletivas; os ritos são maneiras de agir que nascem no seio dos grupos reunidos e que são destinados a suscitar, a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos. DURKHEIM; 1978: p. 212) Não existem religiões falsas Mas, debaixo do símbolo, é preciso saber atingir a rea- lidade que ele figura e que lhe dá sua significação ver- dadeira. Os ritos mais bárbaros ou os mais extravagan- tes, os mitos mais estranhos traduzem alguma neces- sidade humana, algum aspecto da vida, seja individual ou social. As razões que o fiel concede a si mesmo para justificá-los podem ser __, e muitas vezes, de fato, são __ errôneas; mas as razões verdadeiras não deixam de existir e é tarefa da ciência descobri-las [...] É um postulado essencial da sociologia que uma ins- tituição humana não pode repousar sobre o erro e a mentira, caso contrário não pode durar”.[...].No fundo, portanto, não há religiões falsas. Todas são verdadei- ras a seu modo: todas correspondem, ainda que de maneiras diferentes, a condições dadas da existência. (DURKHEIM; 1978a: 206. Os fenômenos religiosos distribuem-se muito natural- mente em duas categorias fundamentais: as crenças e os ritos. As primeiras são estados da opinião, consis- tem em representações; os segundos são modos de ação determinados, e entre as duas classes de fatos existe toda a diferença que separa o pensamento do movimento [...]. DURKHEIM; 1978a: p.40 O sagrado e o profano A divisão do mundo em dois domínios, compreenden- do um tudo o que é sagrado, o outro tudo o que é pro- fano, tal é o traço distintivo do pensamento religioso; as crenças, os mitos, os gnomos, as lendas são repre- sentações que exprimem a natureza das coisas sagra- das, as virtudes e o poderes que lhe são atribuídos, a sua história, as suas relações umas com as outras e com as coisas profanas. Contudo, por coisas sagradas, não devemos entender simplesmente esses seres pes- soais chamados deuses ou espíritos; um rochedo, uma árvore, uma fonte, uma pedra, um pedaço de madeira, uma casa e, numa palavra, qua qualquer coisas, po- dem ser sagradas. Um rito pode ter o mesmo caráter e nem sequer existe rito que em certo grau não o tenha. Há termos, palavras, fórmulas, que não podem ser pro- nunciadas senão pela boca de personagens consagra- dos; há gestos, movimentos que nem por toda a gente podem ser executados. (DURKHEIM; 1978a:40 ) Religião motivação e ação Para Durkheim, a verdadeira função da religião não está no campo das ideias, mas no campo da motivação e da ação. A verdadeira função da religião não é fazer-nos pensar, enriquecer nossos conhecimentos, acrescentar às re- presentações que devemos à ciência representações de uma outra origem e de um outro caráter, mas a de fazer-nos agir, auxiliar-nos a viver. O fiel que se comu- nicou com seu deus, não é apenas um homem que vê novas verdades que o descrente ignora; ele é um ho- mem que pode mais. Ele sente em si mais força, seja para suportar as dificuldades da existência, seja para vencê-las. Ele está como que elevado acima das misé- rias humanas porque está elevado acima de sua condi- ção de homem; acredita-se salvo do mal, sob qualquer forma, aliás que ele conceba o mal. O primeiro artigo de toda fé é a crença na salvação pela fé. Ora não se vê como uma simples ideia poderia ter essa eficácia (DURKHEIM; 1978a:222 ) Desse modo, a religião é mais do que pensamento e ideia. É atitude de sair do profano e buscar o sagrado na esfera do sa- grado. Nessa dinâmica compreende-se a importância do cul- to, como mediação eficaz, que cria e recria periodicamente a fé e exalta a vida moral. Para que a sociedade possa tomar consciência de si e manter, no grau de intensidade necessário, o senti- mento que ela tem de si mesma, é preciso que se re- úna e se concentre. Ora, esta concentração determina uma exaltação da vida moral, que se traduz por um conjunto de concepções ideais onde se exprime a vida nova que assim despertou. (DURKHEIM; 1978a:226) 4. A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA DE MAX WEBER a) A ação social: objeto e método da sociologia Para Weber, a sociologia deve ser compreensiva, uma vez que seu objeto de estudo é a ação humana. Weber parte do pres- TRODUÇÃO À FILOSOFIA 320 Sociologia | Curso Enem 2019 CAPÍTULO 1 Curso Enem 2019 | Sociologia Socioantropologia preocupada com a escolha dos melhores meios para atingir o objetivo desejado. Portanto, a ética da responsabilidade não é fim em si mesma, mas está voltada para fora de si, para os efei- tos desejados. Por outro lado, a ética da convicção age com base na convicção em si, sendo uma ação movida por uma ideia prévia, anterior a qualquer contexto. Entre a ética da responsabilidade e a ética da convicção não encontramos uma necessária contradição; ao contrário, en- contramos complementaridade. Evidentemente, há muita diferente entre a ótica de um chefe de Estado e a ótica de um cidadão comum. O primeiro, seguramente, estará mais vincu- lado à dimensão pública; por isso, mais focado na responsabi- lidade, na preocupação pelos efeitos da ação e mais concen- trado na escolha dos meios mais eficazes. Em contrapartida, o cidadão comum, provavelmente, tenderá a agir mais em conformidade com a ética da convicção Por um lado, encontramos a dimensão pura e abstrata de uma ética separada do contexto; por outro lado, a ética encarna- da na realidade histórica e política dos homens. Assim, se um indivíduo adere cegamente à ética da pura convicção, ele po- derá, inclusive, alimentar atitudes fundamentalistas, fanáticase intolerantes. É no campo político que esses antagonismos costumam se manifestar. c) Estado, poder e dominação, na ótica de Max Weber No campo das ações sociais e políticas, Weber trabalha com os conceitos de poder e de dominação. Quanto à concepção weberiana de poder e de domínio, encontramos em Raymond Aron uma excelente síntese O poder (Macht) é definido simplesmente como a probabilidade de um ator impor sua vontade a outro, mesmo contra a resistência deste. Situa-se, portanto, dentro de uma relação social, e indica a situação de desigualdade que faz com que um dos atores possa impor sua vontade ao outro. Estes atores podem ser grupos __ por exemplo, Estados __ ou indivíduos. A do- minação (Herrschaft) é a situação em que há um se- nhor (Herr); pode ser definida pela probabilidade que tem o senhor de contar com a obediência dos que, em teoria, devem obedecê-lo. A diferença entre poder e dominação está em que, no primeiro caso, o coman- do não é necessariamente legítimo, nem a obediência forçosamente um dever; no segundo, a obediência se fundamente no reconhecimento, por aqueles que obedecem, das ordens que lhe são dadas. As moti- vações da obediência permitirão, portanto, construir uma tipologia da dominação. ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 7ª ed. Trad. Sergio Bath. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 806-807. d) Vocação política: paixão, responsabilidade e senso de proporção. suposto de que o ser humano é movido pelo sentido que atri- bui às coisas e às relações; ou seja, toda ação humana recebe um sentido que orienta o ser humano em suas práticas coti- dianas. Por ação social, Weber entende toda ação motivada do indivíduo, influenciada socialmente. Trata-se de uma ação que acontece inserida em um contexto sociocultural, que recebe um sentido ou uma motivação subjetiva, tendo como referên- cia a ação do outro. Dessa forma, a Sociologia é concebida como “uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e em seus efeitos”. (WEBER; 1998:3). Assim, o objeto da sociologia seria captar e compreender a conexão de sentidos das ações humanas. Por ação entende-se qualquer conduta, já ação social seria uma “ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, refere-se ao comportamento de outros, orientando- se por este em seu curso” (WEBER; 1998:3). Na sociologia compreensiva de Weber, existem quatro tipos ideais de motivações dos comportamentos humanos: ação social realizada por tradição, por afeto, por valor, por uma finalidade. Inicialmente, inseridos na cultura, os seres hu- manos costumam agir pela força da tradição, do hábito ou do costume social. Nessa dimensão, estamos diante de uma conduta muitas vezes irrefletida, pouco ou nada racional. Isso dificulta a própria compreensão dessa conduta humana. Em segundo lugar, a atividade humana é também passível de ser movida pelo afeto, pela dimensão emotiva, impulsiva. Nesse horizonte, inserem-se muitas de nossas ações cotidia- nas, também as ações movidas pelas paixões do ódio ou da vingança. Outra forma de ação humana é aquela atividade racional mo- vida pelo valor. Nesse terreno, encontramo-nos na ética da convicção, pois o sujeito é movido por uma causa, seja ela reli- giosa, politica, artística ou científica. Aqui, o olhar traz uma co- erência interna, portador de convicções, não necessariamente conectado a uma consciência das decorrências de suas ações. A forma racional de atividade, guiada pela finalidade, insere- se no horizonte da ética da responsabilidade, na qual o olhar considera as consequências possíveis da ação. Aqui se estabe- lece a relação entre fins e meios. Busca-se os melhores meios para chegar à meta estabelecida. Nessa escolha dos fins, cos- tuma também estar presente a ação guiada por valor. Nes- se caso, o indivíduo estabelece prioridades e, assim, atribui maior valor a um meio específico em detrimento de outros. b) Ética da Responsabilidade e ética da convicção Para Max Weber, em toda ação social deve-se ficar atento a dois aspectos fundamentais: por um lado, às influências do meio sociocultural e, por outro lado, as motivações individu- ais. Considerando as motivações individuais das ações sociais, Weber reconhece duas espécies de motivações, que darão ori- gem a duas formas fundamentais de ética, denominadas ética da responsabilidade e da convicção. Nessa abordagem, de um lado, está a referência a Maquia- vel e, de outro, a Kant. Por um lado, a ação praticada sob a ótica ou ética da responsabilidade considera os efeitos ou consequências possíveis da ação. É o reino da política. Nes- sa dinâmica, o olhar se volta para a eficácia da ação, para os efeitos desejados. Por isso, a ética da responsabilidade está Todo homem, que se entrega à política, aspira ao po- der ___ seja porque o considere como instrumento a serviço da consecução de outros fins, ideais ou egoís- TRODUÇÃO À FILOSOFIA 321Curso Enem 2019 | Sociologia CAPÍTULO 1Socioantropologia Se, portanto, o amor a uma causa deve ser sentimento pre- ponderante na vida do indivíduo que exerce função pública, a vaidade é, então, a grande inimiga política, uma vez que essa leva o individuo a centrar-se em si mesmo, esquecendo os projetos sociais e políticos. Assim, a vaidade conduz à medio- cridade política. Em verdade e em última análise, existem apenas duas espécies de pecado mortal em política: não defender causa alguma e não ter sentimento de responsabilida- de. [...]. De uma parte, a recusa de se colocar a serviço de uma causa o conduz a buscar a aparência e o brilho do poder, em vez do poder real; de outra parte, a au- sência do senso de responsabilidade o leva a só gozar do poder pelo poder, sem deixar-se animar por qual- quer propósito positivo. [...]. Política dessa ordem não passa jamais de produto de um espírito embotado, so- beranamente artifi cial e medíocre, incapaz de apreen- der qualquer signifi cação da atividade humana. Nada, aliás, está mais afastado da consciência do trágico, de que se penetra toda ação, e, em especial, toda ação política do que essa mentalidade. (WEBER: 2000, p.107-108) tas, seja porque deseje o poder “pelo poder”, para go- zar do sentimento de prestígio que ele confere. (WEBER; 2000: p. 56) e) Tipos e Fundamentos da legitimidade Entre os fundamentos que conferem legitimidade, Max Weber indica a crença na tradição, o carisma pessoal e a legalidade. Ou seja, existe uma tradição de longo tempo, que criou a mo- ral da comunidade. Essa moral permite falar em identidade de um povo ou comunidade. E de acordo com esse povo, o seu representante, para chegar à eleição e ao exercício legitimo de seu poder, deve apresentar um carisma político que receba da comunidade sua efetiva e afetiva adesão. Para Max Weber, quem se dedica à vida pública, assumindo a carreira política deve ter determinados traços de persona- lidade que esse estilo de vida requer. Quais são os riscos, os desafi os e as alegrias inerentes a essa vida? O que se espera de quem se dedica a essa vida? A carreira política concede, antes de tudo, o sentimen- to de poder. A consciência de infl uir sobre outros seres humanos, o sentimento de participar do poder e, so- bretudo, a consciência de fi gurar entre os que detêm nas mãos um elemento importante da história que se constrói podem elevar o político profi ssional, mesmo o que só ocupa modesta posição, acima da banalidade da vida cotidiana. Pode-se dizer que há três qualidades determinantes do homem político: paixão, sentimento de responsa- bilidade e senso de proporção. Paixão no sentido de “propósito a realizar”, isto é, devoção apaixonada a uma causa [...]. Com efeito, a paixão apenas, por sin- cera que seja, não basta. Quando se põe a serviço de uma causa, sem que o correspondente sentimento de responsabilidade se torne a estrela polar determi- nante da atividade, ela não transforma um homem em chefe político. Faz-senecessário, enfi m, o senso de proporção, que é a qualidade psicológica fundamen- tal do homem político. Quer isso dizer que ele deve possuir a faculdade de permitir que os fatos ajam so- bre si no recolhimento e na calma interior do espírito, sabendo, por consequência, manter à distância os ho- mens e as coisas. A “ausência de distância”, como tal, é um dos pecados capitais do homem político. [...] O que se chama “força” de uma personalidade política indica, antes de tudo, que ela possui essa qualidade. ( WEBER; 2000:105-106) Existem, em princípio, três razões internas que jus- tifi cam a dominação, existindo, consequentemente, três fundamentos da legitimidade. Antes de tudo, a autoridade do “passado eterno”, isto é, dos costumes santifi cados pela validez imemorial e pelo hábito, en- raizado nos homens, de respeitá-los. Tal é o “poder tra- dicional”, que o patriarca ou senhor das terras, outrora, exercia. Existe, em segundo lugar, a autoridade que se funda em dons pessoais e extraordinários de um indivíduo (carisma) ___ devoção e confi ança estritamente pes- soais depositadas em alguém que se singulariza por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades exemplares que dele fazem o chefe. [...]. Existe, por fi m, a autoridade que se impõe em razão da “legalidade”, em razão da crença na validez de um es- tatuto legal e de uma “competência” positiva, fundada em regras racionalmente estabelecidas ou, em outros termos, autoridade fundada na obediência, que reco- nhece obrigações conformes ao estatuto estabeleci- do. Tal é o poder, como o exerce o “servidor do Estado” em nossos dias e como o exercem todos os detentores do poder que dele se aproximam sob esse aspecto. (WEBER; 2000:57-58) f) O Estado, a burocracia e o uso legítimo da força Sociologicamente, o Estado não se deixa defi nir a não ser pelo específi co meio que lhe é peculiar, tal como é peculiar, a todo outro agrupamento político, ou seja, o uso da coação física. [...]. Em todos os tempos, os agrupamentos políticos mais diversos ___ a começar pela família ___ recorreram à violência física, tendo-a como instrumento normal de poder. Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâ- neo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território ___ a noção de terri- tório corresponde a um dos elementos essenciais do Estado ___ reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. [...]. O Estado se transforma, portanto, na única fonte do “direito” à violência. (WEBER; 2000:56). O ESTADO pode ser concebido sob duas perspectivas diferentes: juridicamente e politicamente. Sob o ponto de vista jurídico, para que haja Estado, é preciso haver território, povo, governo e soberania. TRODUÇÃO À FILOSOFIA 322 Sociologia | Curso Enem 2019 CAPÍTULO 1 Curso Enem 2019 | Sociologia Socioantropologia pole, onde se verifi ca não só a mais elevada divisão econômi- ca do trabalho, como também o acentuado divórcio entre a cultura subjetiva e objetiva. E nesse divórcio o mais grave de tudo é que a luta humana não é por humanização, evolução e aperfeiçoamento da subjetividade, mas por sobrevivência, como na natureza, só que agora em uma disputa na qual o produto será concedido, à duras penas, por outros homens. b) A divisão do trabalho e a tragédia da cultura Simmel se refere à modernidade como tragédia cultural. A tra- gicidade desse fenômeno consiste especialmente no fato de os objetos culturais, que são produtos do espírito humano e que formam a cultura objetiva, caminham para a autonomiza- ção de tal nível que deixam de ser objetos ou meios e passam a se tornar fi ns, alienando a si seus próprios criadores. Simmel usa a expressão “tragédia cultural” para referir-se a essa acentuada discrepância entre as conquistas materiais da sociedade e o estado pouco evoluído do próprio ser humano. Nessa grande tragédia cultural, os sujeitos que criam a cultura não mais se reconhecem e nem são reconhecidos na cultu- ra que criam. Portanto, a sociedade moderna, marcada pelas crescentes metrópoles, iniciou um processo de automatiza- ção da vida, que implicou a alienação do indivíduo. A sobreposição da cultura objetiva sobre a cultura subjetiva tem sua origem na divisão do trabalho e da imposição da eco- nomia monetária, uma vez que a especialização crescente da produção está fundamentada no princípio da calculabilidade precisa, mediada pelo dinheiro. Dessa forma, o que possibilita tanto a produção quanto o consumo é a economia monetá- ria, da impessoalidade e generalidade do dinheiro que tudo nivela sob o princípio da quantifi cação, do calculabilidade, da previsibilidade, da ação e razão instrumental ou estratégica. Trata-se de uma sociedade governada pelo impessoalidade do dinheiro, sem consideração à pessoa. c) Comportamento reserva e atitude blasé Se, por um lado, a vida moderna exalta a liberdade como li- bertação das amarras e coloca no centro o indivíduo e suas buscas, por outro lado, o estilo de vida moderna deixa as rela- ções sociais com vínculos mais débeis ou fracos, se compara- dos com as relações sociais em sociedades mais tradicionais. A nova mediação fundamental entre as pessoas seria realizada pelo aspecto monetário, pelo dinheiro, que é algo impessoal e universal. E nessa dinâmica, segundo Simmel o que mais se intensifi ca é a vida nervosa, os estímulos, as múltiplas exci- tações. Em razão disso, os indivíduos passam a adquirir um comportamento de reserva em relação aos outros, o que fun- cionaria como uma forma de defesa de sua individualidade. Assim, o individualismo é apresentado como a marca do es- pírito moderno. Considerando os estilos e os ritmos da vida moderna, Simmel afi rma que os indivíduos são cotidianamente submetidos a um excesso de estímulos. Hiperestimulado, o indivíduo acaba fi cando sem forças de reação; nas palavras de Simmel: “inca- paz de reagir a novos estímulos com as energias adequadas”. Com isso, nasceria uma impessoalidade que caracterizaria a vida do indivíduo metropolitano moderno, produzindo indi- ferença. Para falar desse sentimento e atitude Simmel fala em atitude blasé, uma espécie de anestesia, de insensibilidade, de não reação, de não espanto, de distanciamento passivo. Assim, por exemplo, a nação cigana não constitui um Estado, por não ter um território; igualmente, não exis- te o Estado da Palestina, pois não tem uma autonomia, embora haja povo e território. O povo é a população que tem vínculo jurídico com o Estado: certidão de nascimento, carteira de identidade, título de eleitor, etc. O governo corresponde aos indivíduos inseridos no poder executivo: prefeito, governador, presidente. Diferentemente do Estado, é importante lembrar que o governo, que é um componente do Estado, é tempo- rário, como foram os governos FHC, Lula, Dilma, Temer. Politicamente, como se defi ne o Estado? O conceito mais claro foi construído por Max Weber, para quem o Estado é a Instituição que detém o monopólio legí- tima do uso da força física dentro de um determinado território. No âmbito do Estado, que é o do domínio legal, a burocracia exerce um papel decisivo para a criação, o fortalecimento e a perpetuação do Estado Moderno. A BUROCRACIA, em Max Weber, é uma forma de ad- ministrar na qual cada funcionário, aprovado em con- curso público sob critérios igualmente públicos e uni- versais, exerce uma função específi ca e especializada, dentro de uma hierarquia reconhecida. Estabelecendo uma relação de superioridade, a burocracia é um me- canismo de poder. Em sua atuação a serviço do Estado, o funcionário tem uma série de proteções e garantias, que fazem com que muitos busquem esse serviço. Essa estrutura burocrática acentua a impessoalidade nas repartições públicas, uma vez que o funcionário deve fazer com que sua especialidade funcione, com que sua função seja bem exercida, com que o regula- mento seja bem cumprido, buscando atender e admi- nistrar a igualdadereivindicada pelas pessoas. 5. A sociologia de G. Simmel: a vida na metrópole a) A vida na metrópole moderna Nesse contexto moderno de migração para os centros urbanos e de formação das metrópoles, onde a vida acontece de modo mais agitado, a sociologia de Georg Simmel (1858-1918) está focada nas reações dos indivíduos a esse rápido processo de urbanização, no qual torna-se problemática a questão da au- tonomia do sujeito diante das forças impessoais da cultura em rápida expansão. O indivíduo sente a pressão, a força coerciti- va de uma sociedade que está fi cando cada mais mecanizada e provoca alterações profundas na vida privada e social dos indivíduos. Afi nal, para Simmel, a sociedade não é constituída pelos indivíduos, mas ela é a eles anterior, ela preexiste a eles e os condiciona, ao mesmo tempo que os socializa. O locus por excelência dessa modernidade é a grande metró- TRODUÇÃO À FILOSOFIA 323Curso Enem 2019 | Sociologia CAPÍTULO 1Socioantropologia 6. A natureza repressora da cultura, em Sigmund Freud O mal-estar na civilização Na parte V de sua obra O mal-estar na civilização, de 1930, Sigmund Freud (1856-1939) fala da natural agressividade que existe no ser humano. Sendo assim, a vida em sociedade não aparece como algo natural. Com efeito, a instituição da socie- dade civil acarretará no ser humano um necessário mal-estar, devido à impulsividade e natural busca pelo prazer que terá de ser reprimida pela sociedade. dade de liberdade sexual remanescente. Aqui, como já sabemos, a civilização está obedecendo às leis da necessidade econômica, visto que uma grande quan- tidade da energia psíquica que ela utiliza para seus próprios fins tem de ser retirada da sexualidade FREUD S. Mal-estar na civilização. Obras psicológicas completas. Edição Standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago editora, 1996; p. 109. 7. Processo civilizador em Norbert Elias. a) O processo civilizador e o refinamento das ações e dos sentimentos Em O processo Civilizador, Norbert Elias Norbert Elias (1897- 1990) analisa a formação dos valores sociais e os efeitos que o Estado moderno provoca sobre os costumes e a conduta moral dos indivíduos. O Olhar de Elias favorece a desnaturali- zação dos valores e dos sentimentos morais. Os nossos sen- timentos e valores seriam uma construção história, que tem contexto, e atenderiam a objetivos ou interesses de classe. Desse modo, no percurso histórico de construção da cultu- ra, os valores sociais aprendidos e apreendidos ou assimi- lados e internalizados passam a ser vistos como se fossem naturais, e incorporam a estrutura da personalidade do indivíduo. Por exemplo, o sentimento de vergonha, que mui- tos julgam como natural, Elias evidencia como socialmente aprendido nas relações sociais. Uma das mais significativas contribuições de Norbert Elias está justamente na crítica que faz à ideia de civilização que imperava, evidenciando que as maneiras “civilizadas” não são naturais, mas resultado de um lento e progressivo desenvol- vimento histórico, no qual vai sendo processado um “refina- mento” das ações e dos sentimentos dos indivíduos, por meio de coações e coerções sociais, transformando modos de pensar, de perceber, de sentir e de agir . Metodologicamente, Elias se concentra em uma documen- tação referente à instituição de regras e padrões de condu- ta, manuais de boas maneiras que lentamente promovem o “refinamento” das ações e dos sentimentos dos indivíduos. Norbert Elias mostra como, historicamente, a centralização do poder nas monarquias absolutistas exigia maior controle das emoções e dos impulsos entre os indivíduos que se relacionavam nesse nível hierárquico a ponto de ser um elemento definidor da identidade, que distinguia a elite social. A partir do momento em que a burguesia passa a as- sumir funções governamentais, a instituição família receberá como uma de suas principais funções a educação das crian- ças, na direção do seu condicionamento para os padrões de comportamento socialmente aceitos. Esse processo civilizador seria um processo de internaliza- ção dos comportamentos considerados “civilizados”, cul- minando no autocontrole das ações e emoções, produzindo uma mudança profunda na personalidade do sujeito. Para Elias, a condição de sobrevivência de uma sociedade está atre- lada à canalização das pulsões e emoções do indivíduo na A existência da inclinação para a agressão, que po- demos detectar em nós mesmos e supor com justiça que ela está presente nos outros, constitui o fator que perturba nossos relacionamentos com o nosso próxi- mo e força a civilização a um tão elevado dispêndio de energia. Em consequência dessa mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê permanentemente ameaçada de desintegração. [...]. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificações e relacionamen- tos amorosos inibidos em sua finalidade, daí a restri- ção à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito. Espera- -se impedir os excessos mais grosseiros da violência brutal por si mesma, supondo-se o direito de usar a violência contra os criminosos; no entanto, a lei não é capaz de deitar a mão sobre as manifestações mais cautelosas e refinadas da agressividade humana. FREUD: Mal-estar na civilização. Obras psicológicas completas. Edição Standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago editora, 1996. p. 160-161 Uma das estratégias da cultura para reprimir a libido humana tem relação com o culto ao trabalho, conduzindo os indivídu- os a trabalharem cada vez mais. Contudo, isso também acaba contribuindo para um profundo mal-estar no indivíduo nessa sociedade. Sobre a repressão social, na parte IV de sua obra Mal-estar na civilização Freud assim se expressa: A tendência por parte da civilização em restringir a vida sexual não é menos clara do que sua outra ten- dência em ampliar a unidade cultural. Sua primeira fase, totêmica, já traz com ela a proibição de uma es- colha incestuosa de objeto, o que constitui, talvez, a mutilação mais drástica que a vida erótica do homem em qualquer época já experimentou. Os tabus, as leis e os costumes impõem novas restrições, que influen- ciam tanto homens quanto mulheres. Nem todas as civilizações vão igualmente longe nisso, e a estrutura econômica da sociedade também influencia a quanti- TRODUÇÃO À FILOSOFIA 324 Sociologia | Curso Enem 2019 CAPÍTULO 1 Curso Enem 2019 | Sociologia Socioantropologia direção de algo socialmente aceito e valorizado. É nesse contexto que nascem ou se formam as normas de conduta. OBJETO DE ESTUDO DA ANTROPOLOGIA: O OUTRO Mostramos como o controle efetuado através de ter- ceiras pessoas é convertido, de vários aspectos, em autocontrole, que as atividades humanas mais ani- malescas são progressivamente excluídas do palco da vida comum e investidas de sentimentos de vergonha, que a regulação de toda a vida instintiva e afetiva por um firme autocontrole se torna cada vez mais estável, uniforme e generalizada. Isso tudo certamente não re- sulta de uma ideia central concebida há séculos por pessoas isoladas, e depois implantada em sucessivas gerações como a finalidade da ação e do estado de- sejados, até se concretizar por inteiro nos “séculos de progresso”. Ainda assim, embora não fosse planejada e intencional, essa transformação não constitui uma mera sequência de mudanças caóticas e não estrutu- radas. ( ELIAS; 1993: 193-194 Desse modo, o processo civilizador, muito mais do que um processo racional, se constituiria como um processo no qual aumenta o sentimento de vergonha sobre determinados comportamentos indesejados socialmente, gerandoprofun- das alterações emocionais e mentais nos sujeitos culturais. Na verdade, [a limitação dos instintos] é cultivada des- de tenra idade no indivíduo, como autocontrole ha- bitual, pela estrutura da vida social, pela pressão das instituições em geral, e por certos órgãos executivos da sociedade (acima de tudo, pela família) em particu- lar. Por conseguinte, as injunções e proibições sociais tornam-se cada vez mais partes do ser, de um supere- go estritamente regulado. (ELIAS; 1993: 186-187) Assim, a força coercitiva da cultura move os comportamentos sociais de seus membros. O próprio indivíduo passa a exercer um autocontrole para não frustrar as expectativas sociais e sentir-se incluído socialmente. Nesse sentido, para Norbert Elias, o critério que define ou orienta o processo civilizador de uma cultura é a passagem da coerção externa para a autocoerção, estágio no qual, de forma antecipada, o indivíduo evita a necessidade da punição externa, necessidade através de um comportamento social- mente esperado, sendo gentil, polido e generoso. Portanto, o processo civilizador acontece na medida em que os impulsos primários e agressivos do ser humano são controlados e cana- lizados para a vida social. 8. A Antropologia de Lévi-Strauss. a) O estruturalismo como método O antropólogo Lévi-Strauss (1908-2009) é considerado funda- dor da antropologia estrutural. Ele introduziu na Antropologia o método estruturalista, que consiste em descobrir os ele- mentos mais profundos que existem numa cultura e que sustentam determinados costumes e valores. “Enquanto as maneiras de ser ou de agir de certos ho- mens forem problemas para outros homens, haverá lugar para uma reflexão sobre estas diferenças, que, de forma sempre renovada, continuará a ser o domínio da antropologia.” (LÉVI-STRAUSS; 1962: p.54) Em sua obra, o pensamento selvagem, Lévi- Strauss ao falar do objeto e da metodologia do etnólogo ou do antropólogo afirma: (...) O que todo etnólogo tenta fazer com culturas dife- rentes: colocar-se no lugar dos homens que aí vivem, compreender sua intenção em seu princípio e em seu ritmo, perceber uma época ou uma cultura como um conjunto significante. (LÉVI-STRAUSS,1989: p. 292) No reconhecimento da singularidade das diferentes etnias, afirma: Um povo primitivo não é um povo ultrapassado ou atrasado; num ou noutro domínio pode demonstrar um espírito de invenção e realização que deixa aquém os êxitos dos civilizados. (LÉVI-STRAUSS, 1967: P.122) Além da visão distorcida e preconceituosa, costuma prevale- cer, no senso comum, uma concepção essencialista de identi- dade cultural. Quando se pergunta sobre o significado de ser índio costuma-se ouvir uma resposta padrão, universalizada, como se houvesse uma única identidade indígena, desvincu- lada de seu movimento histórico. Cada vez que somos levados a qualificar uma cultura humana de inerte ou estacionária, devemos, portanto, nos perguntar se este imobilismo aparente não resulta da ignorância que temos de seus interesses verdadei- ros, conscientes ou inconscientes, e se, tendo critérios diferentes dos nossos, esta cultura não é, a nosso res- peito, vítima da mesma ilusão. (LÉVI-STRAUSS,1976: P. 346) Portanto, a identidade cultural não é simplesmente sin- gular e fixa, ou seja, não há um único jeito de ser índio, por exemplo, e nem permanece de uma única forma ao longo da história. A identidade é complexa e dinâmica. Sendo histórica, toda cultura é comunidade imaginada, pensada, inventada, em projeção e em realização. Em Lévi-Strauss, encontramos uma preocupação mais focada em olhar para a singularidade de cada povo na situação atual em que se encontra, um olhar sincrônico, e não tanto para a dimensão diacrônica, ou seja, um olhar mais voltado para a estrutura do que para o movimento histórico das transforma- ções. Lévi-Strauss busca captar no momento, na situação real os elementos mais profundos de uma cultura e nelas perceber a presença de algo universal. E somente após haver compre- endido como a cultura está estruturada e como ela opera seria possível refletir e compreender os processos de mudança. TRODUÇÃO À FILOSOFIA 325Curso Enem 2019 | Sociologia CAPÍTULO 1Socioantropologia De acordo com Lévi-Strauss, ao olhar para as relações sociais, para os modos de vida, para os sistemas de representação, o antropólogo encontra a matéria-prima para construir os mo- delos que evidenciam a estrutura social. O foco especial do seu olhar era chegar ao que fosse comum ao grupo, algo que fosse um universal humano. Diferentemente da metodologia emprega pela História, focada em expressões conscientes, a etnologia (Antropologia cultural e social) busca as relações inconscientes da vida social, aqueles elementos não conscien- tes, profundos, os invariantes universais que funcionam como cimento ou elo da vida social. Ao optar pela estrutura, a antro- pologia não estava recusando a história, mas concentrando- se metodologicamente num aspecto. Levi- Strauss foi um antropólogo que dedicou sua vida ao es- tudo do comportamento e do pensamento dos índios ameri- canos. Para esse estudo, ele usou o método estruturalista, que consistia em captar os invariantes profundos da mente huma- na, a “procura por harmonias inovadoras”. Para tanto, sempre partia da empeiria, da experiência, e nela percebeu que não há motivos para aceitar a noção de que a civilização ocidental é privilegiada. Em seus inúmeros estudos, que aconteciam entre inúmeras viagens para muitas tribos indígenas, sempre reconhecia que a mente “selvagem” é igual à “civilizada”. Afirmava que as ca- racterísticas humanas são as mesmas. Ele se dedicava espe- cialmente a buscar a racionalidade nativa. A passagem da natureza para a cultura é o ponto central de sua reflexão. Ele afirma que essa passagem se dá pela media- ção da linguagem. O ser humano usa, por exemplo a língua, que tem sua própria racionalidade, que nós mesmos não co- nhecemos. No estudo de natureza e cultura, afirmava que o ser huma- no é uma espécie passageira, que um dia estará extinta. Em 2005, quando completou 97 anos, ele recebeu, na Espanha, um premio internacional. Na ocasião, ele se pronunciou nes- ses termos: "Fico emocionado porque estou na idade em que não se recebem nem se dão prêmios, pois sou muito velho para fazer parte de um corpo de jurados. Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente". b) A proibição do incesto e a formação da cultura Em As estruturas elementares do parentesco, Lévi-Strauss afir- ma que existem na natureza humana ou no espírito humano determinados esquemas ou modelos universais de pensa- mento. E nesses modelos se encontraria o fundamento da passagem da natureza à cultural, a partir da proibição do in- cesto e a partir das instituições matrimoniais. Para Lévi-Strauss, a proibição do incesto deve ser vista den- tro de uma regra de reciprocidade positiva, na dinâmica da dádiva, que exige a troca das mulheres nos sistemas de alian- ça matrimonial. Como avesso negativo dessa regra surgiu a proibição do incesto. Dessa forma, a troca aparece como o fundamento da vida social. Existe aqui um postulado de uma unidade estrutural do ser humano na diversidade das cultu- ras, no interior das quais sempre se encontram modelos clas- sificatórios duais. No princípio da reciprocidade, existe uma transferência de va- lor, consentida entre indivíduos, que faz com que uma nova qualidade seja acrescentada ao valor transferido. A proibição do incesto aparece assim como a verdadeira certidão do nas- cimento da vida social, “a passagem do fato natural da consan- guinidade para o fato cultural da aliança” (Lévi-Strauss, 1967: p.35). O que faz o incesto ser interdito socialmente é o fato de ele ser uma ameaça a uma ordem social estabelecida. Lévi-Strauss se
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