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UMA CRUZ NA BEIRA DO CAMINHO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE- UFRN 
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ- CERES 
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES- DHC 
 
 
LUANA BARROS DE AZEVEDO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UMA CRUZ NA BEIRA DO CAMINHO: O IMAGINÁRIO JARDINENSE SOBRE AS 
CRUZES DE UMA ESTRADA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAICÓ, 
2014 
LUANA BARROS DE AZEVEDO 
 
 
 
 
 
 
 
 
UMA CRUZ NA BEIRA DO CAMINHO: O IMAGINÁRIO JARDINENSE SOBRE AS 
CRUZES DE UMA ESTRADA 
Monografia apresentada ao Curso de História 
Bacharelado, da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte-CERES, para obtenção do 
título de Bacharel em História. 
Orientador: Prof. Dr. Lourival Andrade Junior 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAICÓ, 
2014 
LUANA BARROS DE AZEVEDO 
 
 
 
 
 
 
 
 
UMA CRUZ NA BEIRA DO CAMINHO: O IMAGINÁRIO JARDINENSE SOBRE AS 
CRUZES DE UMA ESTRADA 
 
Aprovada em: _____/_____/_______ 
 
BANCA DE DEFESA 
 
___________________________________________________________________________ 
Professor Dr. Lourival Andrade Júnior 
Departamento de História do CERES- UFRN 
(Professor Orientador) 
 
___________________________________________________________________________ 
Professor Dr. Joel Carlos de Souza Andrade 
Departamento de História do CERES- UFRN 
 
___________________________________________________________________________ 
Professor Dr. Helder Alexandre Medeiros de Macedo 
Departamento de História do CERES- UFRN 
 
 
CAICÓ, 
2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho inteiramente a Marlene Barros da 
Silva, minha mãe, que desde o começo do curso acreditou 
na minha capacidade e me deu forças para ir até o fim. 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Vez por outra me pergunto o que seria do homem se este fosse sozinho e vivesse 
apenas por si, sem a necessidade do próximo. Acredito que isso não seria possível. Por esse 
motivo, devemos reconhecer e agradecer inteiramente àqueles que fazem parte da nossa vida 
e que nos ajudam a seguir em frente e aprender a cada dia. 
 Primeiramente agradeço às forças da natureza e ao meu deus interior, protetor 
espiritual, que me faz ter forças e não desistir jamais dos meus propósitos. 
 Aos meus pais, Alberto Luis de Azevedo, Marlene Barros da Silva, e ao meu irmão, 
Aldo Lúcio Barros de Azevedo, o meu muito obrigada, por estarem sempre comigo. 
 Aos meus amigos e irmãos do peito, Jackson Silva Pereira Júnior e Luana de Medeiros 
Silva Henrique, o meu muito obrigada por fazerem parte da minha vida, e espero levar essa 
amizade pelo resto da vida. 
 Agradeço aos meus colegas de curso, e, em especial, Rafael Jefferson que, desde o 
começo da vida acadêmica, foi como um irmão para mim. E Antônio Alves, amigo e 
companheiro, que pretendo levar por toda a vida. 
 Agradeço aos meus professores, que me ensinaram muito bem o que é a vida 
acadêmica. Que a História não é apenas uma disciplina, mas um reconhecimento do que 
somos. Agradeço também por nos ensinar a acreditar que muitas vezes o que achamos 
impossível, é sim possível. Em especial, agradeço a Lourival Andrade Júnior, meu orientador, 
por todas as aulas e orientações. 
Agradeço a Helder Macedo e a José Júnior, grandes historiadores, que desde o começo 
ajudaram muito com minha pesquisa e acreditaram nela. 
Agradeço também a todos os professores que me ensinaram ao longo do curso, os que 
ainda se encontram no CERES, os que partiram para outras cidades, e a Hugo Romero, grande 
professor, que me contagiou com seu sorriso e suas brincadeiras em sala aula. Que o mesmo 
descanse em paz. Agradeço a todos, pois com os demais aprendi mais nesses quatro anos do 
que em metade da minha vida. 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Esse trabalho tem como objeto o estudo das cruzes que delimitam óbito em Jardim do 
Seridó/RN, essas que se encontram na BR-427. Investigaremos cada objeto que acompanha as 
cruzes e como elas são postas nas estradas, onde se encontram e o que mudou no cenário 
urbano após essas cruzes serem postas. Daremos início a essa monografia falando sobre o 
homem e seus comportamentos perante a morte, trataremos de entender, de uma forma 
diacrônica, as atitudes do homem diante da morte. Analisamos esse assunto com base em 
estudos sobre o homem e a morte, visando uma perspectiva ocidental, primeiramente, para 
posteriormente, entendermos o homem seridoense. Posteriormente a isso, falaremos sobre a 
representação da morte, e seus rituais, para os habitantes de Jardim do Seridó, tendo em vista 
sua história, tradição, cultura, memória e rituais de enterramento. Por último, trataremos das 
cruzes de estrada, lugar de memória e história daquele que faleceu, assim como faremos uma 
abordagem em torno do aspecto físico da cidade e sua população, crenças, religião e cultura. 
 
Palavras-chave: Cruz de estrada – Morte – Imaginário – Jardim do Seridó-RN. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The present work aims the study of the crosses that delimit death in Jardim do Seridó, these 
are on BR-427. We are going to analyze each object that is with the crosses and how the last 
ones are put on the roads, where they are found and what changed in the urban scenery after 
they were put there. We are going to start this monograph talking about the man and his 
behaviors face to death, trying to understand, in a diachronic way, the attitudes of man facing 
death. We are going to analyze this subject based on studies about man and death, aiming the 
occidental perspective at first, to then understand the seridoense man. Afterwards, we are 
going to talk about the representation of death, and its rituals, to the habitants of Jardim do 
Seridó, considering their history, tradition, culture, memory and burial rituals. At last, we are 
going to address the road crosses, place of memory and history of who has died, as well as we 
are going to make an approach around the physical aspect of the city and its population, 
beliefs, religion and culture. 
 
Key words: Road crosses – Death – Imaginary – Jardim do Seridó. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"Verdadeiramente, porém, no fundo de nós mesmos, não nos sentimos mortais" 
(ARIÈS, Philippe, 1989, p. 66). 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 
 
1. MORTE EM VIDA: A CONCIÊNCIA DO MOMENTO DERRADEIRO.......................13 
 
1.1- A representação da morte para o homem e seus rituais.....................................................13 
1.2- A morte no Medievo..........................................................................................................17 
1.3- A morte e suas representações no Seridó..........................................................................25 
 
2. BENZA ÓH DEUS: O IMAGINÁRIO JARDINENSE A RESPEITO DA MORTE E 
SEUS RITUAIS FÚNEBRES...................................................................................................31 
 
2.1- Breve história de Jardim do Seridó....................................................................................31 
2.2- Da capela ao cemitério- local de enterramento..................................................................322.3- A morte não é uma festa- morte como tradição em Jardim do Seridó..............................37 
 
3. CREDO E CRUZ: CRUZES QUE DELIMITAM ÓBITO E SEUS CREDOS EM 
JARDIM DO SERIDÓ..............................................................................................................44 
 
3.1- Em quê consiste nosso estudo............................................................................................44 
3.2- Objetos que compõem as cruzes de estrada e seus significados........................................46 
3.3- As cruzes e seus personagens............................................................................................52 
3.4- Além das cruzes que delimitam óbito................................................................................61 
 
CONCLUSÕES.......................................................................................................................63 
FONTES ORAIS.....................................................................................................................65 
REFERÊNCIAS......................................................................................................................66 
 
 
 
 
10 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Instigante é saber que por mais distante que se encontrem as localizações, a cultura e 
a religião, o imaginário ainda liga os seres humanos de uma forma ou de outra: seja ela 
através de símbolos ou histórias contadas, que atravessam gerações. O símbolo, desde muito 
tempo, representa para o homem uma história, pois ao vê-lo o mesmo já faz uma ligação com 
seu significado. A cruz é um símbolo adotado pelo Cristianismo, que representa morte, e as 
cruzes que se encontram nas beiras das estradas, assim como os objetos que as rodeiam, ou 
seja, as flores (artificiais ou não), rosários ou terços, e pedras, demonstram, para o homem, 
não apenas uma morte, mas uma morte inesperada e muitas vezes extraordinariamente 
sofrida. Isso, em grande parte, causa espanto e, ao mesmo tempo, comoção nas pessoas que 
por ali passam. 
Era curioso notar essas cruzes nas estradas que se localizam na BR-427 de Jardim do 
Seridó-RN a Caicó-RN, percurso que a autora da monografia fazia diariamente, e tentar, só 
em observá-las, entender seu significado e de todos aqueles objetos que as rodeiam. Mesmo a 
curiosidade se estendendo todos os dias, com relação a essas cruzes que se localizam na BR-
427 que liga Jardim do Seridó a Caicó, optamos por reduzir o recorte espacial, pesquisando, 
apenas, as cruzes que estão na BR-427 que passa por Jardim. 
Em muitas estradas podemos ver cruzes que vêm antes/após uma curva ou uma 
ladeira, servindo, também, como ponto de atenção para o motorista. As cruzes são lugares de 
memória, fé e história de uma pessoa que teve sua vida interrompida por um possível 
acidente. Isso é o que mais comove os que a vêem. 
Espantoso é saber que temos um fim, que chegamos ao final de uma vida. Nós, seres 
humanos, que nos consideramos os mais inteligentes dos seres da natureza, não podemos 
evitar esse término, e o que perturba é saber que a morte não pode ser anulada. Extraordinária 
e espantosa, a morte, e o que possa vir depois dela, nos causa curiosidade e medo. Não saber o 
que acontecerá conosco depois do momento final, é o que nos faz aproveitar cada momento 
da vida. 
 A presente monografia tem como intuito principal compreender de que forma o ser 
humano, especialmente os habitantes de Jardim do Seridó/RN, reagem conforme esses 
acontecimentos que rodeiam a morte e o que possa vir depois dela. O que nos levou a 
resolução deste trabalho foi a curiosidade diária que gerava questões em torno das 
informações sobre essas cruzes, presentes na cidade de Jardim, onde a pesquisadora se faz 
11 
 
residente, especialmente no trecho da BR-427. Para resolver essas questões, analisamos as 
tradições, heranças culturais, pensamentos, imaginários, ritos, e, principalmente, os símbolos, 
em especial, as cruzes que delimitam óbito na BR-427 de Jardim do Seridó e os objetos que se 
encontram em torno delas. Para compreender o assunto, analisamos, primeiramente, essas 
heranças culturais e religiosas, que influenciam o comportamento diante da morte e 
procuramos entender um pouco das influências sofridas ao longo do tempo, para poder 
compreender suas condutas mais atuais. 
Com base nisso, nosso primeiro capítulo aborda, de uma forma diacrônica, as atitudes 
do homem diante da morte ao longo do tempo. Fazemos uma análise desse assunto com base 
em estudos sobre o homem e a morte, visando uma perspectiva ocidental, primeiramente, para 
posteriormente conseguimos compreender como é formado o imaginário jardinense a respeito 
da morte. Escolhemos o homem ocidental por ter conhecimento das influências que os 
seridoenses e, consequentemente, os jardinenses sofreram desde o período colonial. O nosso 
intuito será perceber como se deram essas práticas de pós-morte para compreender esse 
imaginário a respeito da morte e as cruzes que delimitam óbito. 
 Posteriormente a isso, trataremos de entender como o homem seridoense, em especial 
o jardinense, via a morte, e como eram feitos esses rituais: a preparação, o velório, o 
enterramento e o luto, símbolos que ligam o imaginário desses homens, a herança cultural e 
religiosa. Esses ritos de morte são o que dizem muito sobre a cultura, classe social, religião e 
esse imaginário das pessoas de uma determinada região. Enterros festivos, angustiosos, 
simples, suntuosos também representam os vivos e os mortos. Assim como a tradição 
mortuária e seus significados e crenças falam sobre as pessoas, as sepulturas, o caixão e a 
consciência da morte que representam determinado local, e isso é o que procuraremos 
analisar, levando em conta seus rituais de enterramento e os locais dos mortos que são feitos 
não somente para o falecido, mas também para os vivos, pois estes últimos são quem sofrem 
com a perda do jacente e preparam os velórios, rituais religiosos e os locais de morte. 
 Por fim, trataremos do nosso objeto principal, as cruzes que se encontram na BR-427 
de Jardim do Seridó/RN: qual seu significado, de quem foi herdado esse costume e o que se 
encontra por trás de cada objeto que as rodeiam. Nosso estudo será feito com base em 
depoimentos de familiares dessas pessoas que foram vítimas de acidentes trágicos, de pessoas 
que moram próximas a essas cruzes e do padre de Jardim do Seridó, pois achamos importante 
escutar o que um representante da Igreja Católica tem a nos dizer sobre esse assunto. 
 As informações que colhemos desses jardinenses foram de suma importância para a 
compreensão do nosso trabalho. Os depoimentos se encaixaram bem com os artigos que 
12 
 
usamos como referência para cruzar informações. Assim como procurar entender o 
significado das cruzes de estrada, seus símbolos, e de quem herdamos esse costume, 
procuramos ver se os jardinenses pensavam o mesmo sobre elas. 
Em nosso estudo sobre as cruzes já mencionadas, abordamos o local na qual elas se 
encontram. Esses locais são de circulação de pedestres e, geralmente, se localizam próximos 
de curvas, ladeiras ou passagens que ligam um bairro a outro; analisamos, também, a época 
em que aconteceram esses acidentes, como era a cidade de Jardim do Seridó e sua sinalização 
de trânsito; ouvimos das pessoas entrevistadas como ocorreram esses acidentes e quem foram 
essas vítimas; ouvimos das mesmas o que a cruz na beira da estrada significava para os 
mesmos, o que levou a família a botar aquele objeto para delimitar óbito, e qual o sentido dos 
que se encontram nessas cruzes. Para finalizar, falamos do significado da cruz e de seus 
objetos.13 
 
CAPITULO I 
MORTE EM VIDA: A CONSCIÊNCIA DO MOMENTO DERRADEIRO 
 
 A morte é um assunto peculiar que causa inquietação e curiosidade no homem, pois 
desde muito tempo esta foi pensada e vista de várias maneiras, despertando, assim, a 
imaginação e o pavor. Por saber que existem fatores- o local de habitação, cultura e práticas 
religiosas- que influenciam o comportamento do homem diante da morte, procuraremos 
entender, a priori, um pouco das influências que o homem recebeu, ao longo do tempo, para 
poder compreender suas condutas mais atuais. 
 Nesse viés, em nosso primeiro capítulo trataremos de entender, de uma forma 
diacrônica, as atitudes do homem diante da morte. Faremos uma análise desse assunto com 
base em estudos sobre o homem e a morte, visando uma perspectiva ocidental, primeiramente, 
para posteriormente tratarmos do homem seridoense. Escolhemos como ponto de vista o 
homem ocidental por ter conhecimento das influências que os seridoenses e, 
conseqüentemente, os jardinenses sofreram desde o período colonial. O nosso intuito será 
perceber como se deram essas práticas de pós-morte para compreender o imaginário 
jardinsense a respeito da morte. 
 
1.1- A representação da morte para o homem e seus rituais 
 
 O primeiro dado da morte para o homem é a sepultura, que nos mostra como sendo a 
primeira preocupação com os mortos. Os primeiros a fazerem as sepulturas foram os homens 
pré-históricos, os neanderthalensis, que conta Pittard, não eram homens tão brutos, como se 
pensava, pois estes deram sepulturas aos seus mortos (PITTARD apud MORIN, 1970, p. 23). 
 Desde os tempos “primitivos”, os grupos não abandonavam seus mortos sem rituais de 
sepultamento. Esses acreditavam na importância que deveria dar aos rituais, principalmente 
aos que eram oferecidos para aqueles que descansavam em seu sono de morte. Ritos 
funerários também tinham importância até mesmo para os que lançavam os corpos dos 
defuntos ao mar: “embora os Koriaks do Leste siberano lancem os mortos ao mar, estes são 
confiados ao oceano, não desprezados” (MORIN, 1970, p. 25). Assim como os que lançavam 
corpos ao mar, a prática de canibalismo e endocanibalismo eram atos que tinham significado 
maiores do que se imagina, pois, segundo Morin, “praticado desde a pré-história, existe ainda 
em inúmeras populações arcaicas, (...) o exocanibalismo e o endocanibalismo têm ambos 
significados mágicos: apropriação das virtudes do morto” (1970, p. 62-63). Podemos notar 
14 
 
que até mesmo as antigas civilizações que lançavam corpos ao mar, praticavam 
endocanibalismo e exocanibalismo, faziam isso porque acreditavam que seria a melhor forma 
de entregar o morto. Ou seja, já havia uma preocupação ou, melhor dizendo, uma importância 
para com o morto, e isso nos leva ao assunto do pós-morte, que veremos posteriormente. 
 A tratar de ritos funerários ou de sepultamento, podemos ressaltar também o cuidado 
que o homem tinha com o corpo do defunto, sendo assim, nota-se que havia uma preocupação 
com a crença sobre o pós-morte, pois, segundo Muniz, “a ritualização da morte é um caso 
particular da estratégia global do homem contra a natureza, feita de interdições e concessões. 
Por isso, a morte não foi abandonada a si mesma e à sua desmedida, mas ao contrário, 
aprisionada em suas cerimônias, transformada em espetáculo” (MUNIZ, 2006, p. 163). 
Quanto mais o homem tinha a noção do que era a morte, ou que se tratava do final da 
vida, mais a temia, e assim criava expectativas de uma vida pós-morte para ajudá-lo a superar 
o trauma. Morin nos explica melhor o que seria a compreensão da morte para o homem e 
como ele reage sobre isso: o triplo dado antropológico é a afirmação da individualidade que 
rege de forma simultaneamente global e dialética a consciência da morte, o traumatismo da 
morte, a crença na imortalidade (MUNIZ, 2006, p. 34). Assim, pode-se observar que essas 
três etapas se tratam de um entendimento do que venha ser a morte para o homem; de um 
trauma posterior a esse entendimento, uma vez que se trata do final da vida; e, por fim, a 
crença na imortalidade que é onde o homem se apoia para superar o que venha ser esse 
traumatismo, que se dá porque a consciência do falecimento é o mesmo que a perda da 
individualidade1 e a força da aspiração à imortalidade é função da consciência da morte e o 
traumatismo desta que causa no homem (MUNIZ, 2006, p. 34). 
O momento final da vida é algo que deve ser pensado com cuidado, pois se trata de um 
assunto sobre o qual não se pode ter certeza de nada, muito menos do que venha ser uma 
continuação da pós-morte. Entretanto, muitas pessoas acreditam em teorias que as fazem 
pensar na imortalidade da alma. Assim, tornava mais fácil uma possível aceitação desse 
acontecimento. Essas teorias de morte e como lidar com elas mudam de acordo com o lugar, 
cultura, religião. Entre outros fatores, as crenças sobre morte mudam com o homem, assim 
como o homem muda com o lugar. O homem evolui de acordo com seu habitat. Ele cria 
técnicas para sobrevivência, muda a natureza e a natureza muda ele. Tanto tem da natureza no 
homem quanto tem do homem na natureza. Com isso, podemos ter o entendimento do que 
seja um lidar com a morte, como diz Morin 
 
1 Individualidade é o que Morin chama o individualismo do ser humano, do indivíduo. É a parte pensante do 
homem: sua consciência no mundo físico, seu ego. 
15 
 
 
 O mais importante não é a tendência para despojar a morte do seu carácter 
de necessidade: é antes o assombro sempre renovado, provocado pela 
consciência da inelutabilidade da morte. Todos podemos verificar, como 
Goethe, que a morte de um ente chegado é sempre “incrível e paradoxal”, 
“uma impossibilidade que se transforma bruscamente em realidade” 
(Eckermann); e esta surge como um acidente, uma punição, um erro, uma 
irreabilidade (MUNIZ, 2006, p. 59). 
 
Além do trauma do que venha ser o final da vida para o homem, Morin citando 
Goethe, destaca como vimos acima, que a morte de um ente próximo também é uma causa 
que pode vir a ser tido como uma grande perda. Àries compara a morte como um fator 
dilacerador, pois “arranca o homem à sua vida quotidiana, à sua sociedade racional, ao seu 
trabalho monótono, para submeter a um paroxismo e o lançar então para um mundo 
irracional, violento e cruel” (1989, p. 44). 
Mesmo sabendo que a morte é um assunto misterioso, do qual não se pode saber nada 
sobre o que venha acontecer com a sequência do pós-morte, o homem ainda estuda e tenta 
desvendá-la, porque este é um ser que não se satisfaz por completo com teorias religiosas, 
tendo, como intuito, saber o que de fato acontece. No entanto, isso não é possível e, mesmo 
assim, o homem persiste desde muito tempo. O que chega a diferenciar, intimamente, este dos 
outros animais, é o conhecimento do risco de morte e o horror dela. E, mesmo assim, ele tenta 
de todo jeito procurar uma forma de superar o fator que venha a ser esse acontecimento ou, 
pelo menos, se adaptar a ela. Morin fala do homem como ser, diz que este “corresponde 
exatamente ao fenômeno de regressão dos instintos específicos, que encontramos 
constantemente no nosso caminho” (1970, p. 79); ele faz uma ligação entre o homem e seu 
antepassado. Dentre os animais, o ser humano foi o único na qual teve que aprender não 
somente o que é propriamente humano (falar, lidar em sociedade), como também aquilo que é 
conhecimento dos outros animais (andar, nadar, copular, parir, etc). 
Assim, podemos notar que o ser humano é ajustável, onde aprende a se adaptar ao seu 
meio. Ele cria formas e jeitos de viver de acordo com o lugar que habita e os seres que o 
rodeiam.Com o fator morte não foi diferente, o mesmo já foi criando formas de se manter 
sobre isso: foram inventadas (como vimos, desde o homem pré-histórico) sepulturas, rituais 
de sepultamentos, crenças e até mesmo vida dupla do ser humano, que se apoia em um fator 
que divide o ser vivo em corpo e espírito (sendo este ultimo tido como duplo2). A crença na 
imortalidade da alma o ajuda a superar o trauma que seria a morte, assim como a crença na 
 
2 Chamaremos o espírito do ser humano de “duplo”, pois assim o chama MORIN (1970), ARIÈS (1989) e 
SCHMITT (1990) em suas obras. 
16 
 
sobrevivência pessoal sob forma de espectro, que é um meio pelo qual o indivíduo exprime a 
sua tendência a salvar a sua integridade para além da decomposição (MORIN, 1970, p. 125). 
O valor dado ao duplo é um acontecimento universal e pré-histórico. 
O homem não acredita apenas na imortalidade da alma, mas, sim, no poder da alma. 
Os mortos são como deuses, têm poder e força sobre alguns homens. Os homens os deram 
essa força a partir do momento em que começaram a acreditar nessa teoria. Como bem já foi 
posto, o duplo vive integralmente como um vivo e não morre com a morte carnal deste. O que 
morre é o corpo e não o espírito. O duplo se encontra frequentemente na vida do mortal. “Na 
origem, os espíritos não abandonam o espaço dos vivos. Estes sentem-nos onipresentes: a 
atmosfera está impregnada de espíritos” (MORIN, 1970, p. 129). Sendo assim, desde muito 
tempo, e até hoje ainda se acredita, que o duplo tem as mesmas necessidades dos vivos, como 
alimentação, bens materiais e atenção. 
Existem várias teorias para o que venha ser o significado da aparição do morto para o 
vivo. Mesmo assim, o homem teme que essa aparição aconteça. Acredita-se que o duplo, 
sendo esquecido, pode aparecer para o vivo lhe pedindo orações para a salvação e paz de sua 
alma. O temor ao espírito também acontece porque, desde a cultura eclesiástica da Idade 
Média, acredita-se que, quando o morto aparece para o vivo, é sempre para levar um próximo 
contigo ou para adivinhar o futuro. Schmitt, em seu livro, fala sobre trocas de cartas entre 
Agostinho3 e Evódio4; nas quais Evódio conta para Agostinho que “as aparições dos mortos 
não causariam nenhuma dúvida, elas parecem mesmo muito numerosas e teriam por função 
anunciar acontecimentos futuros, que se realizam efetivamente” (SCHMITT, 1999, p. 34). No 
entanto, Agostinho se nega a aceitar a possibilidade de contatos entre mortos e vivos, pois este 
tende a banir toda forma de culto material dos mortos (religiões cristãs irão tomar como 
referência as idéias de Agostinho sobre negar a possibilidade de haver contato entre os vivos e 
o mundo espiritual dos mortos). 
O homem é um ser paradoxal, pois se presta a orar para não apagar da memória o ente 
querido que falecido. E, ao mesmo tempo, se põe a rezar para aqueles que morreram, porque 
acredita que se livrará dessas aparições, na qual causam horror. Schmitt fala como era 
necessário ressaltar em que esses sinais do homem com o morto eram dúbios: 
 
 
3 Bispo de Ipona, Agostinho (354-430) era fundador da teoria cristã dos fantasmas, na qual acreditava que o que 
aparecia para o homem não era o corpo, nem a alma, como pensavam, mas sim uma espécie de “imagem 
espiritual” do homem que era introduzida pelos demônios dos espíritos dos homens (SCHMITT, 1999, p. 33). 
4 Evódio era mais jovem que Agostinho, e também se converteu em Milão. Evódio seguiu, posteriormente, 
Agostinho em Roma e em Tagasta, da qual se tornou um dos primeiros monges, antes de ser bispo de Uzális, 
perto de Utica (SCHMITT, 1999, p. 34). 
17 
 
Portanto, é preciso sublinhar a que ponto os sinais eram ambíguos, a que 
ponto a memória era, como uma forma de memória coletiva, uma técnica 
social de esquecimento. Tinha por função “esfriar” a memória sob o pretexto 
de mantê-la, apaziguar a lembrança dolorosa do defunto até que se 
esfumasse. Técnica classificatória, ela punha os mortos em seu lugar de 
mortos, para que os vivos, se porventura se lembrassem de seu nome, 
pudessem fazê-lo sem temor nem paixão (SCHMITT, 1999, p. 20). 
 
Debater sobre o homem e a morte é algo complexo e, ao mesmo tempo, curioso, pois 
se trata de um assunto que gerou/gera várias dúvidas desde muito tempo. A compreensão do 
que é a morte e o segmento do pós-morte, para o homem, nesse decorrer do tempo, nos 
ajudará a entender o comportamento atual e suas crenças sobre a morte e até o nosso objeto de 
pesquisa, as cruzes que delimitam óbito em Jardim do Seridó/RN, e o que os jardinenses 
pensam sobre isso. Mas deixaremos esse assunto para mais adiante. 
 
1.2- A morte no Medievo 
 
Para falar do homem e seu comportamento diante a morte, deve-se falar do período 
medieval, pois “desde a época romântica, continuada pela literatura e pelo cinema fantásticos 
até a história em quadrinhos contemporânea, os fantasmas fazem parte do cenário obrigatório 
da Idade Média de castelos mal-assombrados, de dragões, de fantasmas ou mesmo de 
vampiros” (SCHMIT, 1999, p. 16). Ou seja, segundo Schmitt, podemos notar que a Idade 
Média foi o período que se popularizou a ideia de fantasmas e assombrações, tanto pelo 
imaginário medieval, quanto pelo cenário de castelos e lugares obscuros. 
A Idade Média é o período certo para começar se discutir o que venha a ser aparições 
dos mortos para os vivos. O que mais se debate entre historiadores e estudiosos, que 
trabalham com a morte, é o sonho: este é o caminho mais estreito de contato entre vivos e 
mortos. No sonho o duplo aparece de forma fiel, de como era antes, para o vivo. As visões 
que os vivos têm dos mortos mudam de acordo com suas crenças, como já foi citado. Schmitt, 
a respeito desse assunto, diz que 
 
O imaginário da morte e da evolução dos mortos no além constitui 
universalmente uma parte essencial das crenças religiosas das sociedades. 
Ele adquire formas diversas mas muito amplamente atestadas, entre as quais 
as visões e os sonhos ocupam sempre um lugar no primeiro plano. (...) 
Alhures, seres de exceção, como Cristo ou, depois dele, os santos do 
cristianismo, teriam tido o poder de ressuscitar os mortos. Universalmente, 
18 
 
está presente também o que se costuma chamar de “crença nos fantasmas5” 
(SCHMITT, 1999, p. 15). 
 
A cultura eclesiástica, desde a Alta Idade Média, não aceitava esse contato entre vivos 
e mortos. Recusava, persistentemente, mas não desprovia de ambiguidade e de contradição, 
pois admitia a possibilidade de retorno, na ressuscitação do morto, como vimos acima. Por 
abominar o contato entre vivos e mortos, o Cristianismo começou a considerar a 
necromancia6 como espécie de magia negra e invocação do Diabo, pois se tratava de práticas 
pagãs. A única exceção de contato entre vivos e mortos que o cristianismo aceitava valia para 
o corpo dos santos e seus túmulos, pois considerava esses reservas de poderes milagrosos 
(SCHMITT, 1999, p. 27). 
Na atualidade, ainda há a prática de necromancia, ou seja, a comunicação com os 
mortos, que pode ser considerada como magia negra, pois o morto, que descansa em paz, não 
volta a aparecer aos vivos, ficando encarregado de aparecer às pessoas que praticam a 
necromancia apenas as almas malignas. Acredita-se que os espíritos que aparecem são os que, 
em vida, não cumpriram os sufrágios aos clérigos ou suas penitências completas, sendo esses 
conhecidos como almas malignas. Os duplos que ficaram em dívida foram “vítimas de uma 
morte violenta que tentam vingar-se, almas maculadas que vagam na proximidade de seu 
túmulo, mortos sem sepultura (insepulti), suicidas (biothanati),mulheres mortas no parto” 
(SCHMITT, 1999, p. 28). Ou seja, as almas funestas7 são aquelas que morreram subitamente 
e não tiveram tempo de pagar todas as suas penitências. Esses espíritos aparecem para cobrar 
alguma coisa a alguém ou para se vingar. 
Partindo disso, podemos entender as cruzes que delimitam o óbito. Essas cruzes são 
geralmente postas próximo ao lugar em que se deu a morte. Quem faz isso são os familiares 
do morto, acreditando ser esse ato uma forma de não ficar em dívida com a alma. Quem 
também pode botar essas cruzes são pessoas próximas do jacente, que o fazem como forma de 
prestar serviço àquela vida que teve sua morte tão inesperada. As cruzes têm como intuito 
induzir orações aos que por ali passam para o jacente, especialmente porque o defunto havia 
falecido de forma súbita, sem ao menos preparar suas preces para a redenção dos pecados. A 
cruz é um símbolo adotado pelo Cristianismo, que representa morte, pois Jesus morreu na 
 
5 A respeito de “crenças nos fantasmas”, SCHMITT deixa uma nota de fim de texto, dizendo: “A bibliografia, 
especialmente etnológica, dos fantasmas é imensa. Ver, por exemplo: H. R. E. DAVIDSON E W. M. S. 
RUSSELL, The folklore of ghosts, Cambridge: Folklore Society, 1981. Indispensável perspective 
historiográfica: “Le retour des morts” (dir. D. FABRE), Ethnologie rurale, nº105-6, 1987. (...) 
6 Ato de prever o futuro por meio de comunicação com espíritos. 
7 “Funesto é algo que causa tristeza, pode ser lamentável ou deplorável. 
19 
 
cruz. Sendo assim, esses lugares da morte são marcados com as cruzes, para que possam fazer 
orações e ver que ali morreu um cristão. 
Para o destino da alma, segundo a religião cristã, existiam dois lugares possíveis: o 
paraíso ou o inferno. No paraíso iam desfrutar do bom lugar aquelas almas boas, de luz; já 
para o inferno, lugar tão temido pelos vivos iam as almas funestas. No entanto, a partir do 
século XII, foi criado pela referida religião, outro possível lugar: o purgatório. Um 
intermediário entre o paraíso e o inferno, que não era tão ruim quanto o inferno, mas era 
semelhante, para que as almas pudessem pagar seus pecados e assim fosse possíveis ser 
salvas. 
Essas referências de paraíso, purgatório e inferno, serviram para que os cristãos 
começassem a se preparar para a morte. O moribundo, temendo ir para o inferno, se 
arrependia de seus pecados em vida e pagava todas as suas penitências. Isso era uma 
preocupação comum entre os cristãos, que começou a se preparar para morrer, como nos 
conta Monteiro: 
 
Como consequência para o tempo que envolve o momento da morte, o purgatório 
levou a dramatização tanto do período que o precede quanto daquele que se segue. 
Para a sua obtenção, seria necessário que a penitência tivesse sido iniciada ou, pelo 
menos, a confissão, ou ainda, no mínimo, uma contrição sincera, de modo que a 
atitude do pecador no momento de sua morte assumia uma importância capital e 
dramática. O último instante passaria a ser de suma importância para o moribundo 
que, sentindo-se inseguro de ir diretamente para o Paraíso, teria a possibilidade de 
conseguir ainda nesse instante a salvação através da expiração de suas culpas (2013, 
p. 29). 
 
 Além da criação do purgatório, também foi personificada e propagada à figura do 
diabo, que contribuiu ainda mais para a construção de um “imaginário do medo” 
(MONTEIRO, 2013, p. 29). Por se tratar de um ser religioso, o homem, por temer ao que 
possa ser o diabo, purgatório e inferno, fazia de tudo para que seu fim não fosse com eles. 
Com isso, as preparações para uma forma de “bem morrer” eram importantes, pois se o morto 
passa para o outro mundo feliz e plenamente, ele poderá interceder pelos vivos junto a Deus, 
inclusive facilitando-lhes a futura incorporação na comunidade dos mortos. Daí terem as 
pessoas todo o interesse em cuidar bem de seus mortos, assim como da própria morte. 
 A morte, no período medieval, era um acontecimento tido como natural e esperado. As 
pessoas tinham conhecimento disso e poderiam até sentir quando fossem morrer, o que fazia 
com que tivessem consciência e começassem a se preparar para a hora chegada. A respeito 
daqueles que morriam inesperadamente, existia certo receio e alguns até evitavam falar sobre 
isso, pois, como a morte era algo natural e até planejado, temiam morrer subitamente e não 
20 
 
terem tempo de fazer seus pedidos de perdão e preparação para se redimir de seus pecados. 
Para fazer alusão às pessoas que se preparavam e esperavam a morte, como algo natural, 
Ariès, no livro “Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média”, cita a história 
de pessoas, como Gaubain, o rei Ban, Tristão e Roland, na qual sentiram que a advertência da 
morte era feita por sinais naturais, por convicções íntimas, e não por uma premonição 
sobrenatural ou mágica 
 
“Sabei”, diz Gaubain, “que já não viverei dois dias” 
O rei Ban deu uma queda grave. Quando voltou a si, apercebeu-se de que o 
sangue vermelho lhe saía da boca, do nariz e das orelhas: “Olhou o céu e 
balbuciou como pôde... ‘Ah, meu Deus, socorrei-me, que eu vejo e sei que o 
meu fim chegou’”. Eu vejo e sei. 
Em Roncesvales, Roland “sente que a morte se apodera dele (...)”. Ele “sente 
que o seu tempo terminou”. Tristão “sentiu que a sua vida se perdia, 
compreendeu que ia morrer” (ARIÈS, 1989, p. 20). 
 
Por ser tida como natural nesse período, e tão temida nos tempos atuais, Ariès 
denomina o falar sobre esse acontecimento, no período da Idade Média, como a morte 
domesticada8, pois tanto faz referência à naturalidade com que esse caso era para o homem 
medieval, como também faz menção ao fato do falecimento ser esperado na casa do 
moribundo, mais precisamente em seu quarto, sendo tido como um evento popular entre os 
presentes que acompanhavam aquele que estava prestes a se encontrar com a sua morte. A 
respeito dessa naturalidade com a que esperavam a morte, como nos diz Reis: 
 
Entre a Idade Média e meados do século XVIII, aproximadamente, 
predominou no Ocidente católico, e na França em particular, uma relação de 
proximidade entre vivos e mortos. Foi o período que ele denominou de “a 
morte domesticada”. Parentes, amigos, irmãos de confraria e vizinhos 
acompanhavam no quarto dos moribundos seus últimos momentos e, a partir 
do século v, os enterravam nas igrejas que freqüentavam ou em cemitérios 
contíguos absolutamente integrados à vida da comunidade (1999, p. 73). 
 
As pessoas temiam a morte, mas, ainda assim, acreditavam que era algo natural, pois 
sabiam que uma hora ou outra esse momento chegaria. A morte não era temida desde que 
desse tempo para se preparar todos os seus ritos funerários e a remissão dos pecados, como já 
foi citado. O que se temia era a morte repentina, sem aviso e preparação. Havia várias formas 
de se preparar para a morte. Uma das mais conhecidas eram os testamentos, cartilhas escritas 
que as pessoas deixavam, com certa antecedência, para demonstrar como queriam que seus 
familiares ou amigos fizessem com seus pertences e seu corpo, após a morte. A se tratar dos 
 
8 “A morte domesticada” foi uma expressão usada por Ariès para denominar seu primeiro capítulo do livro 
“Sobre a História da Morte no Ocidente”, 1989, p. 19. 
21 
 
ritos fúnebres, também existia todo o cuidado que os vivos deveriam ter com o morto, para 
que sua alma não representasse perigo espiritual. Segundo Reis, 
 
Tais ritos eram experimentados por vivos e mortos de maneira a marcar com 
ênfase a passagem para o outro mundo. Em Paris, em 1625, 345 irmandades 
cuidavam com desvelo dos funerais edas missas pelas almas dos associados. 
Os ricos, sobretudo, inspirados na morte dos soberanos, faziam de seus 
funerais e missas fúnebres um espetáculo de ‘profusão barroca’, (...) O 
funeral barroco se caracterizava pela pompa: o luxo dos caixões, dos panos 
funerários, a quantidade de velas queimadas, o número de participantes no 
cortejo- de padres, pobres, confrarias, músicos, autoridades, convidados-, a 
solenidade e o número das missas de corpo presente, a decoração da igreja, o 
prestígio do local escolhido para sepultura (1999, p. 74). 
 
Os ocidentais no período da Idade Média, tinham seus rituais e suas preparações para a 
hora derradeira da vida. O moribundo se mantinha em pleno estado simples, observador de 
sinais e de si mesmo. Nesses rituais de partida9 eram feitas orações, acompanhadas de 
confissões entre o homem e o divino, arrependimentos e perdão. As pessoas não tinham 
pressa de morrer, mas quando viam chegada a hora, sem precipitações nem atrasos, 
precisamente como convinha, morriam cristãmente10. Até mesmo aqueles que não eram 
cristãos, morriam com a mesma simplicidade. No momento da morte, havia alguns costumes 
que seguiam, eram “gestos que lhe são ditados por antigos costumes, gestos rituais que é 
necessário fazer quando se vai morrer. (...) Está estendido de tal maneira que a cabeça fica 
voltada para o Oriente, na direção de Jerusalém” (GUITTON apud ARIÈS, 1989, p. 22). 
Antes de surgirem os cemitérios, os corpos eram enterrados em igrejas ou próximo 
delas, onde as sepulturas se diferenciavam e a terra consagrada era assinalada, quando muito, 
apenas por uma única e grande cruz para todos mortos (SCHMITT, 1999, p. 204). Mesmo 
assim, no período da Idade Média, pouco importava o destino do falecido, contanto que eles 
ficassem perto dos santos, ou seja, o destino do corpo do morto pouco importava, o que valia 
era entregar este à igreja, e o que ela fizesse com ele não dizia respeito à família do morto. 
Ariès falou que “o defunto era abandonado à Igreja, que se encarregava dele até ao dia em que 
ressuscitaria” (1989, p. 39). Depois de fazer os rituais funerários e entregar o corpo por 
responsabilidade da igreja, o que os familiares e conhecidos deveriam fazer era prestar luto ao 
falecido. Este ato era uma forma de mostrar sentimentos por aquele que morreu. Quanto 
maior o tempo de luto, maior era a dificuldade de aceitar a morte do ente querido. 
 
9 Chamaremos algumas vezes “a hora da morte” de “partida”. 
10 Expressão usada por Jean Guitton (apud ARIÈS, 1989, p. 22) para fazer alusão àqueles que morriam com 
simplicidade e reconhecendo seus pecados. 
22 
 
Algumas pessoas eram enterradas nas igrejas, mas, nelas, havia uma espécie de 
hierarquia que dividia os lugares de enterramento de acordo com condutas sociais e religiosas. 
Schmitt dizia que, no Ocidente Medieval, “são excluídos da ‘terra cristã’ os não batizados (os 
judeus), as crianças mortas sem batismo (terão um ‘canto’ delas, equivalente terrestre do 
limbo das crianças do além) e os suicidas, lançados em um fosso ou entregues à corrente do 
rio” (1999, p. 204). Reis disse que, no Brasil do século XIX, algumas pessoas eram enterradas 
na igreja, entretanto, havia uma hierarquia do local e do tipo de sepultura. Mesmo assim, não 
eram todos que tinham o direito à sepultura eclesiástica, sendo impedidos disso os “judeus, 
heréticos, cismáticos, apóstatas, blasfemos, suicidas, duelistas, usurários, ladrões de bens da 
Igreja, excomungados, religiosos enriquecidos (se tinham profissão de pobreza), aos 
refratários à confissão e à extrema-unção, infiéis, e pagãos” (REIS, 1991, p. 175). O local de 
enterramento era dividido entre o corpo da igreja, parte interna, e o adro, a área em sua volta. 
Sendo essa ultima mais desprestigiada, onde se enterravam escravos e pessoas livres muito 
pobres, poderia ser obtida gratuitamente (REIS, 1991, p. 175). 
Com o tempo, houve a acumulação de mortos nos subsolos das igrejas que se tornou 
acontecimento inaceitável, principalmente, no período do século XIX, com as idéias 
iluministas e, consequentemente sanitaristas, que ressaltavam a preocupação com a saúde 
pública. A lotação de corpos em igrejas, ou em seus pátios, foi se tornando algo intolerável 
por parte dos habitantes da região, pois era notório o ataque de doenças advindas desses 
entulhos de corpos, uma vez que essas doenças eram espalhadas através do ar. Foi no século 
XIX que houve o surto de cólera-morbo em várias regiões do Brasil. Doenças eram 
espalhadas decorrentes aos miasmas vindos desses corpos enterrados. A Igreja Católica e 
parte da população recusavam a transferência desses corpos para outro lugar, uma vez que a 
Igreja era um local sagrado, propício para o enterramento de seus fiéis. Mesmo assim, essas 
doenças deveriam ser evitadas, por esse motivo, como nos conta, Alcineia Rodrigues dos 
Santos, “após dizimar parte da população do Norte e do Sul do Brasil, além de aterrorizar 
outras tantas, os surtos epidêmicos foram utilizados pelas autoridades médicas e imperiais 
como forma de justificar a implementação de medidas que proibiam os costumes fúnebres” 
(2011, p. 114). Tendo em vista o local de enterramento, antes feito em igrejas, posteriormente 
sendo transferidos para os cemitérios, começa a haver uma mudança nos rituais fúnebres e na 
região, em seu espaço. 
 Partindo disso, foram criados cemitérios distantes dos centros urbanos. No entanto, 
com o passar do tempo, próximo desses cemitérios, foram criados bairros e periferias que se 
tornaram lugares de sociabilidade e comércio. Por se tratar de um lugar público, aos poucos, 
23 
 
esses cemitérios foram se transformando em lugares de promiscuidade. Conta-nos Ariès, 
sobre os cemitérios, que 
 
Neste asilo intitulado cemitério- quer servisse ou não de local de sepultura-, 
foi também decidido construir casas e habitá-las. O cemitério designou 
então, senão um bairro, pelo menos um grupo de casas que desfrutavam de 
certos privilégios fiscais ou dominiais. Por fim, este asilo torna-se um local 
de encontro ou de reunião, como o Forum dos Romanos, a Piazza Maggiore 
ou o Corso das cidades mediterrâneas, para se fazer comércio, para se dançar 
e jogar, ou, muito simplesmente, para o prazer de conviver. Ao longo dos 
ossários instalavam-se por vezes lojas e mercadores (1989, p. 29). 
 
Sendo algo comum em sociedades tradicionais- na qual não havia uma separação 
radical, como vemos nos dias atuais, entre a vida e a morte, o sagrado e o profano, entre a 
cidade dos vivos e a morada dos mortos- o cemitério e as igrejas serviam também de pontos 
de encontros entre a população. No entanto, a partir do final do século XVII, as pessoas 
começaram a notar que esse tipo de comportamento era algo intolerante da parte dos vivos 
para com os mortos (ARIÈS, 1989, p. 30). 
A datar do século XVIII, na França, com o Iluminismo, a atitude das pessoas, com 
relação ao pensamento social e religioso foi mudando e, com isso, suas formas de reagir 
perante a morte também mudaram. “Os funerais foram se tornando mais econômicos, menos 
barrocos. O ritmo de mudança foi variando de região para região. (...) Os homens mudaram o 
comportamento diante da morte e também diante dos mortos” (REIS, 1991, p. 74). Isso nos 
mostra como formas de pensamento e ações foram mudando em cada região. Em 
compensação, as pessoas começaram a ter uma percepção diante da morte do outro11. Essa 
percepção tem início com as transformações do século XVIII, onde o homem ocidental dá à 
morte um sentido novo. Isso é visto, principalmente, nos livros, nas peças de teatro, onde o 
sentido da morte é exaltado, dramatizado, comovente. Fazemdela algo impressionante e 
dominador. Era uma morte romantizada, em dimensão literária, no entanto, esse sentimento 
de perda só poderia ser exaltado de forma privada, no cotidiano íntimo. Com isso, o homem 
passa a se preocupar menos com sua morte e começa a dar importância à morte do próximo, 
que passa a ser percebida como uma morte retórica, em que as lamentações e saudades 
influenciarão no comportamento dos séculos XIX ao XX no culto novo dos túmulos e dos 
cemitérios (ARIÈS, 1989, p. 43). 
 
11 ARIÈS (1989), no livro “Sobre a Morte no Ocidente desde a Idade Média” denomina “a morte do outro” como 
tendo um significado importante que o dava à perda de um ente querido. 
24 
 
Também no período do iluminismo, século XVIII, desenvolveram uma atitude hostil à 
proximidade com o moribundo e o morto, na qual os médicos começaram verificar uma 
redefinição das noções de poluição ritual: pureza e perigo agora se definiam a partir dos 
critérios médicos, mais do que religiosos. Por questões de saúde, foi recomendado que 
afastassem os cemitérios dos centros urbanos e que houvesse uma proibição no ato de 
enterramento em igrejas. No início do século XIX há uma mudança nos cemitérios e túmulos. 
Reis nos diz que 
 
Em 1803, um novo decreto estabeleceria detalhadas regras de enterro, 
reafirmando a proibição de sepulturas dentro das igrejas, abolindo as covas 
comuns, ordenando a distância entre os cemitérios e a cidade, e a distância 
entre as sepulturas dentro dos cemitérios. O fim das covas comuns 
representou, segundo Ariès, “uma ruptura completa com o passado”, embora 
por uma questão de economia de espaço se continuasse a utilizá-las em 
alguns lugares, mas sempre com os cadáveres acondicionados em caixões. 
Assim, na França, durante a primeira década do século XIX se montou o 
modelo básico de sepultamento que vigoraria até final do século. Este 
modelo que inspiraria nossos reformadores cemiteriais (1991, p. 78). 
 
Com isso, o deslocamento dos cemitérios para fora dos centros urbanos foi possível 
porque foi notória a intenção de boa forma da higienização para a população. Vale ressaltar 
que essas reformas cemiteriais e de sepultamento também aconteceram no Brasil, como nos 
explica Reis 
 
A exemplo do que já ocorrera na França havia muito, o governo português, 
em 1835- observem a coincidência cronológica com a Bahia-, baixou uma 
lei proibindo os enterros nas igrejas e instruindo as autoridades locais a 
construir cemitérios fora dos limites urbanos, no prazo de quatro anos. Além 
disso os cadáveres deveriam ser enterrados em covas individuais, e os padres 
que permitissem enterros fora dos cemitérios públicos perderiam seus 
empregos. A lei também indicava as administrações municipais como 
responsáveis pela cobrança das taxas de enterro ou “de covato”. Essa lei 
nunca foi respeitada pela população- nem mesmo em Lisboa-, que 
prosseguiu enterrando nas igrejas e cemitérios paroquiais. Segundo Mello 
Ferreira, as câmaras municipais escreviam ao governo central pedindo o 
adiantamento da execução da lei por falta de fundos para a construção de 
novos cemitérios, mas na verdade estavam cedendo à pressão popular ou, 
como diziam, “à repugnância dos povos” em relação às novas medidas 
sanitárias (1991, p. 85). 
 
 Existia essa tentativa de afastar os cemitérios dos lugares urbanizados, por parte da 
população, pois o imaginário das pessoas mudava, já que estes começaram a acreditar que a 
presença dos cemitérios fosse necessária à cidade, uma vez que, enquanto estavam perto dos 
seus mortos, não os esqueciam. Havia o hábito de visitar os cemitérios, porque acreditavam 
que isso era uma forma de recordar o morto. Essa prática era tão normal quanto ir à igreja. 
25 
 
 Com isso, houve uma mudança, tanto na concepção das pessoas, quanto no cenário da 
morte. Se o momento final da vida, até o século XIX, é visto como algo natural, como já foi 
citado, deste século em diante o moribundo é poupado da sua notícia de morte, os parentes se 
resguardam a lhe dar essa notícia. A morte não é mais vista como um fator natural da vida, 
mas, sim, como algo que é temido. Começam ser motivados de mentir a respeito da hora da 
partida, pois acreditavam que isso poupava o doente que estava para morrer. 
A partir do século XX, tem início a outra transformação no lugar de morrer. Entre 1930 
e 1950, a transferência do lugar da morte se dá para o hospital, uma vez que era nesse lugar 
que proporcionavam cuidados que não eram mais viáveis em casa. “Não se morre em casa, no 
meio dos seus; morre-se no hospital, e só” (ARIÈS, 1989, p. 56). 
O sofrimento de perder o ente querido que faleceu, recentemente, deveria ser sentido em 
particular. Ser visto sofrendo por uma perda causava repúdio nas pessoas, o inverso de 
piedade, o que seria mais esperado. "Ninguém tem o direito de se emocionar senão em 
privado, isto é, às escondidas" (ARIÈS, 1989, p. 57). Ariès faz uma comparação, 
citando Gorer, em que “o luto solitário e vergonhoso é o único recurso, como uma espécie de 
masturbação” (1989, p. 56). O desgosto que a morte causava em uma pessoa era visto pelos 
demais como um sentimento desprezível. Sofrer com a morte de alguém era algo vergonhoso, 
não podendo ser exteriorizada entre os demais, sendo reservada para o privado. Por esse 
motivo, como vimos anteriormente, o luto era comparado à masturbação. 
 
1.3- A morte e suas representações no Seridó 
 
Um lugar da América desconhecida para os europeus que procuravam por riquezas, no 
final do século XV e início do XVI. Território tropical, de nativos que fizeram com que os 
portugueses vissem este lugar como o paraíso terrestre. É notório que as próprias descrições 
iniciais das novas terras eram muito semelhantes das narrativas bíblicas sobre o paraíso do 
Jardim do Éden. No entanto, essa visão de paraíso não durou muito, pois a estada dos 
portugueses, nessa terra, e o contato com as asperezas das alteridades transformaram 
gradativamente essa ideia de paraíso em inferno. Com a mudança da visão, de paraíso para 
inferno, chegando até a comparar a Terra de Santa Cruz, como assim o chamavam, com o 
purgatório na terra, os cristãos começaram a pensar nesse espaço como um lugar de salvação. 
Essa ideia fez com que os portugueses fizessem da Terra de Santa Cruz um abrigo para os 
exilados de Portugal (OLIVEIRA, 2010, p. 2). 
26 
 
 Como já foi citado, o homem se preocupava com a morte desde muito tempo e dava 
significado para ela, variando de acordo com a região, cultura e religião. O entendimento de 
morte, para este, teve suas diversas vertentes em todos os lugares, e no Seridó não foi 
diferente. Mas, para entendermos o comportamento do homem diante da morte, devemos ter 
conhecimento do que os motivava a isso, como, por exemplo, em quê consistia sua cultura, 
sua religião. 
 Desde o período da colonização, a América portuguesa recebe influências européias e 
da sua cultura cristã. Sua população, em grande maioria, era adepta da religião católica, com 
isso, seguiam os preceitos católicos a respeito do morrer. Desta forma, podemos fazer uma 
ligação com o que já foi citado e o ponto de vista da historiadora Alcineia Rodrigues dos 
Santos, que nos diz 
 
(...) as atitudes das populações da Idade Média perante o ato de bem morrer 
estão presentes nas representações acerca da morte da população seridoense, 
a qual também buscou a salvação de sua alma por meio de rituais de 
absolvição das faltas terrenas. O entendimento dessas práticas ligadas à boa 
morte foi motivado por significações culturais condicionadas pelo 
catolicismo, processadas por meio de uma construção social e reformas peloprocesso de circularidade cultural (2005, p. 49). 
 
Desta forma, são notórias as heranças culturais que o Brasil recebeu de Portugal, e de 
parte da Europa, compondo um procedimento semelhante ao deles no que diz respeito ao 
imaginário e suas formas de se comportar perante à morte. Sob influências européias, os 
“brasileiros” também começaram a exprimir-se por meio de testamentos, assim como também 
temiam a morte súbita, pois não tinham como se preparar para recebê-la e resolver todas as 
suas penitências. Como já foi exposto sobre o testamento, eles serviam como forma de deixar 
por escrito planejamentos e todas suas vontades e anseios sobre a morte. Esses testamentos 
eram ideias da Igreja Católica, como Monteiro diz 
 
A igreja influenciava os fiéis na prática de redigir testamentos e com isso as 
pessoas viam nesse documento uma oportunidade a mais de tentar a 
salvação, muitos escolhiam seus “advogados” entre os santos. Deixavam 
parte de suas fortunas para os mais pobres, como forma de mostrar 
solidariedade; também encomendavam inúmeras missas fúnebres (2013, p. 
31). 
 
 Essa ideia de boa morte servia tanto para a cultura cristã européia quanto para os 
“brasileiros”, que tentavam poupar seus espíritos do purgatório e da ideia de inferno. Esse 
entendimento consistia na preparação da escritura do testamento para pedidos de orações, 
missas, doações para a igreja e os necessitados, reconhecimento de filhos, libertação de 
27 
 
escravos (SANTOS, 2006, p. 105), ou seja, isso servia para que o morto não ficasse com 
nenhuma dívida e que fosse possível ser feitas ações de caridades, com o intuito de alcançar a 
salvação da alma e, consequentemente, a garantia no paraíso. 
 Esses testamentos eram documentos de cunho jurídico-civil e eclesiástico, uma vez 
que eram feitos em cartório e recomendados pela Igreja Católica. As informações nas que 
possuíam os testamentos eram de caráter social, cultural, religioso, econômico, político, 
administrativo, pois era através destes que o indivíduo dispunha seus bens e vontades. Por ter 
esse valor, os testamentos servem como documentos históricos que nos fazem entender um 
pouco de como era formado o imaginário das pessoas da época a respeito da morte e como 
eles reagiam diante disso. Ainda citando Santos, que fez um estudo sobre o imaginário, 
atitudes e ritos fúnebres do Seridó nos séculos XVIII e XIX, tendo como base registros 
paroquiais de óbitos e testamentos da Freguesia de Sant’Ana do Seridó12, podemos entender 
melhor a respeito desse imaginário quando ela diz que com base em 
 
(...) Análise documental traduziu que o seridoense tinha um extremo cuidado 
com os perigos que a morte poderia levar para o outro mundo. O temor da 
passagem para a vida além da morte e o medo de um destino incerto moveu 
muitos seridoenses a lavrarem seus testamentos, dando uma nova orientação 
a sua vida terrena. Inquietações materiais e/ou espirituais se faziam presentes 
nesse momento, atitudes imersas em significações culturais e eminentemente 
religiosas (2006, p. 59). 
 
 A elaboração da cartilha testamentária era de suma importância para a preparação do 
morto na sua ida espiritual ao paraíso. Por isso, conta Santos, 
 
Esses documentos nos revelam muito acerca dos desejos que o sertanejo 
tinha para com a morte e seu destino derradeiro. Os testamentos traziam 
elementos especialmente direcionados à salvação: pedidos de intercessão; 
deliberação sobre os rituais fúnebres; determinações sobre o que fazer com 
seus bens, especialmente as doações pias, além de uma prestação de contras 
de seus atos (2009, p. 1). 
 
Esses testamentos tinham como intuito fazer com que o moribundo pudesse participar 
de seus preparos fúnebres e declarasse suas vontades e anseios. A preparação do testamento 
servia para ajudar na organização de uma boa morte. Ao primeiro sinal de enfermidade, o 
pecador já cuidava com os preparativos dessa cartilha, pois os ritos fúnebres serviam para que 
houvesse a preparação do morto para o pós-morte. Esses testamentos eram elaborados na 
 
12 SANTOS (2005, p. 46) nos fala sobre a Freguesia de Sant’Ana do Seridó citando palavras de Olavo de 
Medeiros Filho (1983, p. 3), onde o mesmo descreve esse território como sendo “outrora representado pela 
Freguesia da Gloriosa Senhora Sant’Ana do Seridó –criada no ano de 1748 –compreendida, na sua extensão, 
áreas pertencentes às então capitanias da Paraíba e Rio Grande do Norte”. 
28 
 
presença de amigos e familiares para que estes últimos ajudassem na organização dos 
funerais. Como já foi citado, o que mais se temia era a morte súbita, sem aviso prévio, que 
levava a pessoa sem que esta pudesse se preparar anteriormente. 
Práticas de sepultamentos dentro das capelas faziam parte das formas de bem morrer 
descritas em testamentos. Como já vimos acima, isso foi um ato herdado dos católicos 
ocidentais, que enterravam seus mortos nas igrejas ou capelas. Escolhiam esses lugares pois 
acreditavam que conseguiam a salvação com o auxílio de proteção celestial, uma vez que as 
igrejas e capelas mantinham missas e orações frequentemente com padres e devotos. Esses 
anseios de lugar do sepultamento eram expostos em testamentos pelos próprios seridoenses 
antes de morrer, como mostra Santos, 
 
Em praticamente todos os testamentos, encontramos recomendações em que 
o indivíduo rogava a seus parentes e testadores o cumprimento de suas 
ultimas vontades esperando encaminhar os negócios de sua salvação e 
aspirando que sua alma fosse conduzida segura a Glória para que foi criada 
(2011, p. 95). 
 
A escolha do local de sepultamento era importante, pois significava que o morto ia 
descansar para sempre ali, por isso davam grande importância para as igrejas e capelas, pois 
estes revelavam devoção do morto. Ainda sobre este assunto, Santos diz que as pessoas 
 
Cultivavam esse desejo de adquirir morada eterna, os templos, até 1856, 
ocupados por vivos e por mortos. A cobiça da salvação era, na maioria das 
vezes, expressa pelo pedido de sepultamento. O testamento era um grande 
aliado no sentido de indicar os rituais necessários ao repouso após a morte. 
Não só a capela ou igreja matriz eram especificadas, mas, esssencialmente, 
se indicava o ponto, na nave central, onde o corpo esperaria o julgamento 
final, informação confirmada por meio dos obituários (2011, p. 95). 
 
No quesito religiosidade, Souza adverte-nos que na Terra de Santa Cruz, não havia 
apenas traços católicos que compunham nossa cultura, mas também “traços negros, indígenas 
e judaicos que misturaram-se na colônia, tecendo uma religião13 sincrética” (1986, p. 97 apud 
OLIVEIRA, 2010, p. 2). Houve várias influências, desde o período da colonização, que 
compõem a cultura brasileira até os dias atuais, ou seja, “não existiam práticas rituais 
exclusivamente cristãs, africanas, indígenas ou judaicas no Brasil Colonial. Existiram 
religiosidades populares sincréticas, mestiças, onde não podiam distinguir ou separar os 
elementos desta ou daquela cultura” (MACEDO, 2005, p. 6). 
 
13 Entende-se, aqui, como práticas sincréticas, ou seja, a junção de várias doutrinas religiosas e a atuação dessas. 
29 
 
Com relação à morte, esses elementos tinham suas formas de preparar o morto, as 
quais serviram de influência para os brasileiros. As raízes influenciadoras eram vindas 
principalmente de Portugal e África, e, nesses dois lugares, encontramos as formas de se 
preparar para a morte. De acordo com Reis, 
 
Em ambos os lugares, encontramos a idéia de que o indivíduo deveria se preparar 
para a morte (...).Tanto africanos como portugueses eram minuciosos no cuidado 
com os mortos, banhando-os, cortando o cabelo, a barba e as unhas, vestindo-os com 
as melhores roupas ou com mortalhas ritualmente significativas (1991, p. 90). 
 
“A morte, além de física, é eminentemente um aspecto sócio-cultural e sua consciência 
é uma marca de toda a humanidade” (MUNIZ, 2006, p. 166), por isso temos conhecimento 
que, desde muito tempo, cada cultura ou religião tem uma forma diferente de ver a morte, 
cada uma à sua maneira. No Brasil, essas culturas foram se misturando e homogeneizando 
para criar uma cultura própria, a brasileira, que é formada de crenças e dizeres que compõem 
o imaginário dessa população perante a hora da partida. Seus rituais fúnebres e crenças têm 
por finalidade encaminhar a alma daquele que morreu para um lugar melhor: o paraíso. Esse 
imaginário e seus rituais diante do moribundo e da morte têm seus pontos semelhantes 
também. No entanto, é em cada região específica que vemos suas particularidades. Para 
melhor entendimento sobre o assunto, citaremos Muniz na qual nos mostra que 
 
A morte não é um drama unicamente pessoal, mas sim o drama de uma 
comunidade que súbita ou lentamente vê um membro deixar de desempenhar 
um papel social definido. Um dos aspectos mais importantes da morte é o 
impacto emocional que ela causa nos sobreviventes. (...) A morte é, para a 
consciência coletiva, um afastamento entre o indivíduo e a convivência 
humana. Esta separação tem um caráter temporário e pretende fazer com que 
o morto passe da sociedade palpável dos vivos à sociedade invisível dos 
ancestrais (2006, p. 166-167). 
 
De uma forma ou de outra, esses rituais de despedida dos vivos para com os mortos 
servem para mostrar o quanto o vivo se importa com o jacente, como ele dá relevância para 
aqueles que já não estão mais presentes. Essa importância da produção fúnebre, e suas festas, 
que interessava aos vivos, explica Reis, serviam para expressar suas inquietações e para que 
fosse possível dissipar as angústias. O mesmo nos conta também que “não houve região no 
Brasil que não conhecesse esses funerais sem lágrimas” (1991, p. 138). Ao mesmo tempo, 
esses rituais fúnebres servem para nos mostrar que, antes de tudo, eram para os vivos e não 
somente para os mortos que serviam, pois toda essa preocupação e preparação para o enterro 
convinham como uma forma de despedida final que o vivo tinha com seu ente querido. 
30 
 
Como já foi citada acima, a cultura brasileira é formada por uma mistura cultural de e 
o cenário religioso esteve presente, porque foi convergente na construção do imaginário e é 
responsável por fazer ver e agir de algumas condutas sociais. Para compreender 
comportamentos brasileiros, e seus hábitos sobre a morte, temos que entender também o 
campo religioso, porque “o brasileiro é marcadamente religioso e isso reflete em sua vida 
cotidiana, na capacidade de expressão de múltiplas formas de fé religiosa, de modo que suas 
condutas e crenças religiosas constituem parte fundamental no ethos da cultura brasileira” 
(ANDRADE, 2009, p. 108). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
31 
 
CAPÍTULO II 
BENZA ÓH DEUS: O IMAGINÁRIO JARDINENSE A RESPEITO DA MORTE E 
SEUS RITUAIS FÚNEBRES 
 
 Comparemos a morte com um dia frio: para uns, aquela é bonita, e para outros, 
tenebrosa. A única certeza da vida é espantosa, pois representa o final de uma jornada carnal. 
Ao mesmo tempo, há quem veja beleza nela, história, memória que são ligadas ao morto ou a 
objetos que representam este. 
 As diversas formas de morrer dizem muito sobre a cultura, classe social, religião e o 
imaginário das pessoas. Enterros festivos, angustiosos, simples, suntuosos também 
representam os vivos e os mortos. Da mesma forma que os enterros falam sobre as pessoas, as 
sepulturas, o caixão e a consciência da morte representa determinado lugar. É notório que os 
rituais de enterramento e os locais dos mortos não são feitos basicamente para o falecido, mas 
sim para os vivos, pois estes últimos são quem sofrem com a perda do jacente. 
 Neste capítulo, falaremos da representação da morte, e seus rituais, para os habitantes 
de Jardim do Seridó, tendo em vista sua história, tradição, cultura, memória e rituais de 
enterramento para que possamos entender, posteriormente, as cruzes de beira de estrada que 
delimitam óbito e o significado simbólico que gira em torno delas. 
 
2.1- Breve história de Jardim do Seridó/RN 
 
 No início do século XVI até o século XVIII, portugueses vinham em grandes levas 
para povoar a América portuguesa à procura de terra para a colonização da cana-de-açúcar, 
produto de alto valor capitalista. O plantio da cana-de-açúcar se dava principalmente no litoral 
da América portuguesa, lugar úmido propício para as plantações. Com a colonização, também 
ocorreu o povoamento do Seridó, lugar não tão favorável para a plantação da cana, mas, 
mesmo assim, teve sua parcela de colonizadores portugueses. 
No período da colonização, conta-nos Azevedo, que José Antônio de Azevêdo Maia e 
Izabel Pereira Alves Maia, portugueses, não emigraram para o Brasil, mas deixaram vir os 
filhos: Antônio de Azevêdo Maia Júnior e Maria de Azevêdo Alves Maia. Ambos vieram por 
incentivo do tio, Capitão Pedro da Costa Azevêdo, que lhes arranjou casamentos entre as 
melhores famílias da terra, e condições sociais e políticas. Com o arranjo de casamentos, os 
Azevêdos migraram para o Seridó, onde compraram terras e construíram prole (AZEVEDO, 
1988, p. 17). 
32 
 
Antônio de Azevêdo Maia Júnior, filho de Antônio de Azevêdo Maia e Josefa Maria 
Valcácer de Almeida Azevêdo, casou-se por volta de 1767, com Micaela Dantas Pereira. Na 
década de 1760 e 1770, adquiriu através de compra ao Sargento-Mor Alexandre Nunes 
Maltez, de Igarassu, Pernambuco, a fazenda “Conceição”, que nomeou de fazenda 
“Conceição do Azevedo” (AZEVEDO, 1988, p. 20). 
Como a Fazenda “Conceição do Azevêdo” ficava entre dois rios (atualmente rio 
Seridó e rio Cobra), a localização era propícia para a plantação e criação de gado, com isso, 
podemos notar que aquele era um lugar favorável para se morar. Sendo assim, foi na fazenda 
Conceição do Azevêdo, que Antônio de Azevêdo Maia Júnior constituiu numerosa família, e 
os que por ali passaram foram se alojando às redondezas da numerosa terra, com isso 
aumentando a população da região. 
 
2.2- Da capela ao cemitério- local de enterramento 
 
 Como já vimos no capítulo anterior, com o povoamento dos municípios pelos 
portugueses, houve também a proliferação da religião católica pela América portuguesa. Com 
isso, deram-se início à construção de capelas, que serviam para suas orações e para o 
enterramento da população. Em Jardim do Seridó, a construção da primeira capela se deu pelo 
“fundador” da referida cidade, Antônio de Azevedo Maia Júnior. 
 É notória a importância da religião cristã, que faz parte da construção do imaginário 
“brasileiro” desde o período da colonização, e o que ajudou foi a visão que os lideres católicos 
tinham da América portuguesa desde que chegaram. Com a chegada dos colonizadores 
europeus para ocuparem suas terras, logo construíram capelas, com seu altar e santos, símbolo 
da religião católica, que também serviam de lugar abençoado para sepultamento. Santos fala a 
respeito de como era o imaginário das pessoas sobre o lugar de sepultamento, e como se dava 
essa escolha de sepultamentos em igreja pelos seridoenses: 
 
Essa forma de inumação não foi propagada pela igreja necessariamente 
como recurso de salvação. Porém a proximidade entre mortos e vivosera 
conduzida com base na visão acerca do purgatório, esfera onde as almas 
ficariam esperando o julgamento final, rogando por orações e missas para o 
alívio de suas faltas. Essa intervenção espiritual, necessária para o progresso 
da purificação dos pecados e a ascensão ao céu, seria dada pelos vivos. Estar 
sepultado dentro de uma igreja era não desvincular-se do mundo dos vivos. 
É importante lembrar aqui que a crença no purgatório está intimamente 
ligada à convicção e ao desejo da imortalidade- não só à vontade de possuir 
a vida eterna, mas, sobretudo, à de escapar do inferno e receber as graças 
divinas, a ressurreição (2011, p. 95). 
33 
 
 
 As construções dessas capelas tiveram início do intuito de alcançar graças sagradas. 
Na Fazenda Conceição do Azevedo, ocorreu o mesmo. A construção da capela da Fazenda 
Conceição do Azevedo teve seu início com a doação de parte das terras da dita fazenda, por 
volta de 1790. Uma provisão enviada a mando de Antônio de Azevedo Maia Júnior, diz “visto 
ter uma obra tão pia do serviço de Deos, e bem das almas” (AZEVEDO, 1988, p. 28). Com 
isso podemos ressaltar a importância que davam para a construção de um lugar sagrado em 
uma região. Essa importância da capela é tamanha que desde o surgimento de pequenas casas, 
em uma determinada região, há uma pequena capela. No período da colonização, essas 
tradições foram sendo implantadas pelos colonizadores, que, ao se fixarem em um lugar, logo 
construíam uma capela, para orações e sepultamentos. Essas tradições européias foram 
herdadas do período medieval. Schmitt nos fala que 
 
Representamos por círculos concêntricos, como o vemos ainda em tantas 
aldeias europeias, no centro a igreja paroquial, depois, apertadas ao redor 
dela, as sepulturas do cemitério (mas, na época de que falo, as sepulturas são 
indiferenciadas e a terra consagrada do cemitério é assinalada, quando 
muito, apenas por uma cruz para todos os mortos) (1999, p. 204). 
 
Pela importância que se dava à capela por ser um espaço sagrado, esta representava 
um bom lugar para o descanso derradeiro, por isso todos almejavam ser na capela sepultados. 
Sendo assim, após a construção da capela14, Antônio de Azevedo Maia Júnior logo 
enviou o pedido de sepultamento, na qual tinha por escrito: 
 
Diz Antônio de Azevedo Maia, homem branco, cazado, morador no Sertão 
do Seridó, que em sua fazenda denominada da Conceição; edificara huma 
Capella em honra da Senhora com o título da Conceição, para isto doou 
seiscentas braças de terra em quadra, em valor de duzentos mil réis; além de 
todo o benefício e o necessário para o culto divino. O suplicante pede 
verdadeiramente para si, sua mulher e filhos uma sepultura perpetua no lugar 
da Capela maior da parte do Evangelho, abaixo dos degraus do Altar, aqual 
seja conservada sem contradições de pessoa alguma; e para que na 
conformidade do § 855 do Capítulo 56 das constituições deste Bispado, que 
ninguém pode dar direito de sepultura, perpetua, nem se pode permitir a 
mesma sepultura na Capela maior sem licença ordinária (AZEVEDO, 1988, 
p. 29). 
 
De acordo com o texto acima, podemos notar a importância que davam à Religião 
Católica, assim como se importavam com um bom lugar de sepultamento. Apesar de o 
testamento ter perdido seu significado religioso, na Europa, desde o início do século XVIII 
 
14 Azevedo nos diz que se deu início a construção da referida capela em 1790 e foi concluída em 1805 (1988, p. 
28). 
34 
 
(ARIÈS, 1989, p. 117), na América portuguesa as pessoas ainda se importavam em deixar por 
escrito o lugar de sua morte. O pedido do sepultamento de Antônio de Azevedo Maia Júnior 
foi redigido treze anos antes de sua morte, ou seja, em 14 de março de 1809, e o mesmo 
chegou a falecer no primeiro dia do mês de maio do ano de 1822. Sendo assim, como era de 
costume, as pessoas ainda deixavam por escrito seus desejos de sepultamento, ainda se 
possível, dentro da igreja, porque assim estavam mais próximos dos santos e, 
consequentemente, mais cuidados. 
 Atualmente, temos o costume de falar que todos nós seguimos o mesmo destino final, 
ou seja, o cemitério. Falamos isso com o intuito de mostrar que somos iguais, por isso 
devemos ser humildes. No entanto, vale ressaltar que até no cemitério há hierarquia. Isso pode 
ser notado pela diferença entre as sepulturas. Até o século XIX, onde as pessoas eram 
enterradas nas igrejas, também havia essa divisão social, como já citamos no capítulo anterior. 
Existia a separação do solo da igreja, e o lugar onde as pessoas eram enterradas dizia muito 
sobre a classe social. Reis diz que “ser enterrado próximo aos altares era um privilégio e uma 
segurança mais para a alma, atitude relacionada à prática medieval de valorizar a sepultura 
próxima aos túmulos de santos e mártires de cristandade” (1991, p. 176). Com isso, notamos a 
importância do local de sepultamento e o que ele diz sobre uma pessoa. Alcineia Rodrigues 
dos Santos nos fala sobre essa geografia dos templos e os lugares mais importantes de 
sepultamento nas igrejas 
 
Os templos eram ocupados em toda a sua geografia: no corpo, das grades 
acima e abaixo, no cruzeiro, no altar-mor, do arco para dentro, na porta 
principal e nas adjacências. Contudo, a ordem de importância variava das 
covas no adro, de menor prestígio, àquelas próximas do altar-mor, onde se 
acomodavam os mortos melhor situados na vida (SANTOS, 2011, p. 97). 
 
 Essas crenças a respeito das formas de enterramento também faziam parte do 
imaginário jardinense. E o “fundador” de Jardim do Seridó foi um dos primeiro a adotar esses 
costumes. Assim deixou escrito José dos Santos Pinheiro, escrivão da Câmara Episcopal, para 
José B. da Fonseca Galvão (Arcediago)15 sobre o lugar de enterramento do “fundador” 
 
ANTÔNIO DE AZEVEDO MAIA, constituindo-se por isso seu primeiro 
Benfeitor; havendo por bem de conceder-lhe faculdade para na dita capela 
possa eleger uma sepultura que perpetua, aexcepção da Capela-Mór, para si, 
sua mulher, e filhos, a qual será privada para os referidos somente, e que 
merecem esta graça, falecendo fieis (AZEVEDO, 1988, p. 30). 
 
15 Provisão endereçada a Antônio de Azevedo Maia dando ordem a sua sepultura. 
35 
 
Como podemos notar, na carta, deixa bem claro que a capela-mor será reservada para 
o fazendeiro, criador da capela, sua esposa e filhos pelo seu maior poder social. No entanto, 
posteriormente a essa parte do livro, o escritor Azevedo nos diz que “muitas outras pessoas 
estão sepultadas também na nave central da Matriz, onde ficava o cemitério antigo” 
(AZEVEDO, 1988, p. 30). Entretanto, o mesmo autor não faz referência às pessoas que foram 
enterradas no local citado, nem se havia uma divisão social. Santos diz que a capela de Jardim 
do Seridó serviu de lugar para sepultamentos até a segunda metade do século XIX e também 
faz uma análise sobre o número de escravos sepultados no Seridó. A autora nos mostra que, 
com base em análises dos livros de óbito da Freguesia de Sant’Ana do Seridó, perfazendo 
5.943 registros, do lugar de sepultura de escravos no Seridó, no período de 1788 a 1857. 
Dentre estes, 470 eram escravos, 33 forros e 42 libertos; onde 10,84% de 48 registros de 
inumação de escravos, foram enterrados na Capela da Conceição de Jardim do Seridó; de 
escravos libertos, a capela recebeu para sepultamento apenas um (2011, p. 100-103). 
 Com vimos no capítulo anterior, com o discurso sanitarista, meados do século XVIII e 
início do século XIX, os lugares de enterramento começam a ser passados para cemitérios, 
pela proliferação de gases

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