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Mente e Cerébro Armadilhas da percepção

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li>
C
C
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Entendao significado
contidonasgrandesobras. I
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AlegoriadaSabedoriaedaForça:A EscolhadeHércules
FrançoisBoucher(sobreoriginaldePaoloVeronese)c.1750
.,;ou
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5"
!!; e
~"j If"~ VIRTUDE EAPARÊNCIA (ACAMINHO DO MODERNO).Todoo significadodeobrasdeBotticelli,Rafael,Tintoretto,Bosch,El Greco
eoutrosgrandesartistasdosséculosXIII aoXVIII.
De terçaadomingo, das 11às 18h:quinta atéas20h. Av. Paulista, 1578 :: (11) 3251-5644:: www.masp.art.br
~ IIMII
Mercedes-BenzMASP
SUMÁRIO
CAPA: O Ray Massey/Stone/Getty Images
6 A psicologiada forma
HELMUT E. LÜCK
A palavraGestalt,alemãesemtraduçãoexataem
português,refere-seaoqueé"expostoaoolhar";segundoa
teoria,o todo"ésempremaiorqueasomadesuaspartes"
12 A neurologiadaestética
VILAYANUR s. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
Apesardadiversidadedeestilos,háprincípiosuniversais
daarte- umaespéciede"gramática"daestética,análogaàs
sintaxespropostaspelolingüistaNoamChomsky
16 Paradoxos da percepção
VILAYANUR s. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
Seduasfontesdiferentesdeinformaçãosãoincoerentesentre
si,o cérebrodá importânciaàqueparecermaisconfiável,
com baseemexperiênciasacumuladas- evai ignorara outra
20 Buscasdo olhar
VILAYANUR S. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
Experiênciascompontoscegosindicamquenossosistema
nervosodetestaovácuo- eprocurafugirdele
26 O fascíniodo espelho
VILAYANUR s. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
Imagensespecularesajudampessoasamputadasaamenizar
oueliminaradorfantasma;experimentomostraa
importânciadacomparaçãodeinformaçõessensoriaispara
a imagemcorporal
32
..
. .
.., .. ..--
32 Imagensambíguas
VILAYANUR s. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-
RAMACHANDRAN
Ilusõesvisuaisatiçamacuriosidadeepermitem
diversasinterpretações;o sistemanervoso,porém,
anseiaporrespostaseseconcentraem
umasóalternativa
36 Nuancesdo cinza
ALAN GILCHRIST
Jogosdesombraecontrastefazemcomqueuma
únicaformaacinzentadapareçaterdiferentestons,
dependendodoqueestiveraoredor
42 Ver paracrer
VILAYANUR s. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-
RAMACHANDRAN
Ao alteraro sombreamentoeafontedeluzfazemos
comqueimagenspareçammudardeformaelugar.
Nãoacredita?Experimentei
46 Mecanismos da estabilidade visual
VILAYANUR S. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-
RAMACHANDRAN
Porqueo mundonãoparecepularquandonossas
retinassemovem?Essaadequaçãoaparentemente
corriqueiraexigetrabalhocerebralespecífico
50 Ilusões móveis
VILAYANUR S. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-
RAMACHANDRAN
Ao "enganar"neurôniosespecializadosemdetectar
estímulosquesedeslocam,certasimagensnosfazem
percebermovimentoondeelenãoexiste
www.mentecerebro.com.br3
...
....
54 A dançadaslistras
VILAYANUR S. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
Buscamospadrõesparaapreenderestímulosvisuais;alguns
experimentossimpleselucidamprocessosneurológicos
complexosusadosparacaptaro movimentodosobjetos
58 Filtrosdapercepção
VILAYANUR s. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
A manipulaçãodeimagenscomalgoritmospromoveilusões
visuaissurpreendentesetambémexplicacomonossosistema
visualdecompõeo quevêemdiferentesfreqüênciasespaciais
62 Brincandocompesose medidas
VILAYANUR s. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
A ilusãovisualconfundeoscentrosneuraisenosfazcrerque
umobjetosejadiferentedoquerealmenteé;experiências
simplesedivertidasmostramcomoissoacontece
66 No prumo certo
VILAYANUR s. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
Paracalcularaposiçãorelativadosobjetos,océrebrousa
estratégiascomplexasquecomparaminformaçõessensoriaisantes
dedecidiro queestádepéeo queestádecabeçaparabaixo
70 Transparentee óbvio
VILAYANUR S. RAMACHANDRAN E DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
Utilizamosrecursosneurológicossofisticadosparaprocessar
informaçõessobreacoreo brilhodosobjetos- masnem
semprenossasconclusõesseguemasleisdafísica
76 Cores ilusórias
JOHN S. WERNER, BAINGIO PINNA E LOTHAR SPILLMANN
Experimentosqueenvolvempercepções
visuaissugeremqueanoçãodeeor
estáassociadaàsformas
eàprofundidade;os
diferentestonssão
sensaçõescriadaspelo
cérebro
4 MENTE&CÉREBRO .ARMADILHAS DA PERCEPÇÃO
www.mentecerebro.com.br
DIRETORGERAL:ALFREDONASTARI
DIRETOREXECUTIVO:EDIMILSONCARDIAL
DIRETORADOGRUPOCONHECIMENTO:
ANACLAUDIAFERRARI
ESPECIALARMADILHASDAPERCEPÇÃO
REDAÇÃOMENTE&:CÉREBRO
(redacaomec@duettoedltoriai.com.br)
EDITORA:GláuciaLeal
REVISÃO:LuizRobertoMaltaelauraRocha
EDITORADEARTE:SimoneOliveiraVieira
ASSISTENTESDEARTE:TatianeSantosdeOliveira,
MarcellaShollejulianaFreitas
PESQUISAICONOGRÁFICA:SilviaNastari(coordenação),
GabrielaFarcettaeMarianaCarneiro
ASSISTEN]EDE~EDAÇÃO:ElenaReginaPucinelliRodrigues
PRODUÇAOGRAFICA:MoysesJesuseEduardoSantos
TRATAMENTODEIMAGEM:CarinaVieiraeCintiaZardo
.
~
SpektrumderWissenschaft
Verlagsgesellschaft,Slevogtstr.3-5
69126Heidelberg,Alemanha
EDITOR:CarstenKõnneker
DIRETORES-GERENTES:MarkusBossleeThomasBleck
Mente&CérebroéumapublicaçãodaEdiouro,
Segmento-DuettoEditorialLtda.,comconteúdo
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ScientificAmerican,Inc.
RuaCunhaGago,412- cj.33- Pinheiros- SãoPaulo,SP
CEP:05421-001- Tel.:(11)) 2713-8150
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COMITÊ EXECUTIVO
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LuizFernandoPedrosoeAlfredoNastari
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exclusividadeparatodoo BRASIL: DINAPS.A.RuaDr.
KenkitiShimomoto,1678.Númerosavulsospodem ser
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DIRETOR RESPONSÁVEL: AlfredoNastari
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ANER
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rllrPrP
NEM SEMPREÉO QUE PARECE
guemnuncaolhouparaumafigura ejurouqueelasemovimentava,quandonaverdaeestavabemparadaàsuafrente?Ou ao
contrário:teve(aindaqueporalgunssegundos)
acertezadequeumcírculooucilindroestavam
parados,mas,defato,giravam?Sim,realmente
nossosolhospordiversasvezesseenganam- e
nosconfundem.Mastambémajudamacompre-
enderofuncionamentodocérebro.
Experiênciascompontoscegos,espelhos,
cores,figurasgeométricas,obrasdearteimpro-
váveistêmmostradoqueépossíveliludirosistema
cerebral.Nãoporacaso,imagensquedesafiama
lógica,comoasdoartistagráficoholandêsMau-
ritsCornelisEscher(1.898-1.972)conhecidopor
suasxilogravuraselitografiasquerepresentam
construçõesimpossíveis,preenchimentoregular
doplano,exploraçõesdoinfinitoemetamorfoses
depadrõesgeométricosqueseentrecruzamese
transformamgradualmenteemformascomple-
tamentediferentes(vejaimagensnositewww.
im-possible.info/english/art/index.html).
Essasinteraçõesentrepercepção,sistema
visual,leisdafísicaeestéticatêmsidotemade
estudodospesquisadoresdoCentrodoCérebro
edaCogniçãodaUniversidadedaCalifórnia,
emSanDiego,VilayanurS. Ramachandran
esuamulher,DianeRogers-Ramachandran
- autoresdamaiorpartedostextosdestaedição.
Segundoosneurocientistas,apesardaidéiatão
difundidaquecremosnaquiloquevemos,por
vezesnossocérebrotrabalhatambémnosentido
inverso:enxergamosaquiloemqueacreditamos.
O mecanismoperceptualnosfazcompreender
umaúnicaGestalt(ouforma),assimilando
aseventuaiscontradições.Ou seja:épossível
apreciarotodo,aindaquealgumasdesuaspartes
nosincomodemUustamenteemrazãodenossa
impossibilidadecognitivadeintegrá-Ias).Nas
páginasa seguir,osestudiososdessestruques
dapercepçãonosconvidamadesvendaralguns
mistérioseabrincarcomosprópriossentidos,por
meiodeexperimentossimpleseintrigantes.
ASCENDINGAND
DESCENDING/
M. C. Escher
Boaleitura,boasdescobertas!
GláuciaLeal, editora
g/aucia/ea/@duettoedítoría/.com.br
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A psicologiaI a orma
A palavraGestalt,alemãesemtraduçãoexata
emportuguês,refere-seaoqueé "expostoao
olhar";segundoateoria,o todo"ésempre
maiorqueasomadesuaspartes"
POR HELMUT E. LÜCK
professor de psicologiada Universidadeà
Distânciade Hagen,Alemanha.
J JUmarosaéumarosaéumarosa."A poetisaamericanaGertrudeStein,autoradessecélebreenunciado,nãotinhamuitoaver
coma teoriadaGestalt.Não obstante,emseu
célebreverso(dopoemaSacredEmily,de 1913)
eladávazãoa umaconstataçãoquesobreveio
tambéma algunspsicólogosde seutempo.As
quatroletrasr,o, s,a nãoconstituememnossa
mentesimplesmenteumapalavra:evocamaima-
gemdaflor,seucheiroe simbolismo- proprie-
dadesnãoexatamenterelacionadasàsletras.Em
suma:criamumaforma,umaGestalt.A palavra,
alemã,significa"0 queé colocadodiantedos
olhos,expostoaoolhar".Adotadahojenomundo
todo(esemtraduçãoparao português),refere-
sea um processode dar forma,de configurar.
Deacordocomateoriagestáltica,nãosepode
terconhecimentodo"todo"pormeiodesuaspar-
tes- esimdaspartespelotodo,poiso todoémaior
queasomadesuaspartes.Issoequivaleadizerque
"A+B"nãoésimplesmente"(A+B)",massimumter-
ceiroelemento"C",quepossuicaracterísticaspró-
6 MENTE&CÉREBRO.ARMADilHAS DA PERCEPÇÃO
prias. A esseaspectosedáo nomedesupersoma.
Um segundoaspectoconsideradopelaGes-
talt é a transponibilidade:independentemente
dos elementosque constituemdeterminado
objeto,reconhecemosali umaforma(Gestalt).
Admitimos,porexemplo,queumacadeiraéuma
cadeira,sejaelafeitadeplástico,metal,madeira
ou qualqueroutra matéria-prima.Em outras
palavras,a formasobressai.
O psicólogoaustríacoChristianvon Ehren-
fels (1859-1932)apresentouessesdois cri-
térios, supersomae transponibilidade,pela
primeira vez em 1890, em uma disserta-
ção apresentadana Universidade de Graz.
Um dosprincipaisrepresentantesdaGestalt
daEscoladeGraz(quetambémrecebeuo nome
de "teoriada produção")foi Max Wertheimer
(1880-1943).Elegostavadeilustrarosprimórdios
experimentaisdapsicologiadaGestaltcomuma
históriaquedevetersepassadoporvoltade1910:
nofipaldoverão,Wertheimerviajavadetremde
VienaparaalgumlugardoestadodaRenânia.Du-
I.
AS LETRAS R, O, S, A
constituemmaisque
uma palavra:evocam
imagem,perfume e
simbologia da flor
Quandoa
ilusãode6ptica
eraesclarecida
aosvoluntários
do teste,a
impressãonão
sedissipava:
pareciase
tomarainda
maisnítida
ranteopercurso,meditavasobre
a visualizaçãodo movimento.
Quandolhe ocorreu,num
dadomomentodaviagem,que
podiaprovocaraquelaspercep-
çõesartificialmentecom uma
espéciederápidopiscarconse-
cutivodeluzes,comoépossível
fazernoestroboscópio,Werth-
eimer desceuintempestiva-
menteemFrankfurtecomprou
umaparelhoquenaépocaera
tidocomoumbrinquedopara
criançase começoua realizar
osprimeirosexperimentos.Em
seguidaentrouemcontatocom
psicólogoFriedrichSchumann
(1858-1940),da Universidade
de Frankfurt,queenviouseu
assistenteWolfgang Kõhler
(1887-1967)aoquartodehotel
deWertheimer.Nãofoipreciso
muitoparaquetodososenvol-
vidosseconvencessemdeque
osprofessoresdeveriamrealizar
oexperimentojuntosnolabora-
tóriodeSchumann.
É difícil saberse tudo se
8 MENTE&CÉREBRO.ARMADilHAS DA PERCEPÇÃO
passouexatamenteassim.Tal-
vezWertheimerjá tivesseanos
antesaintençãodedesenvolver
umnovotipodeestroboscópio
emparceriacomSchumann.De
qualquermodo,os primeiros
experimentosdo pesquisador
daGestaltdeFranfkurtassumi-
ramumaformaconcretanoiní-
ciodoséculoXX. Emumasérie
detestes,Wertheimermostrou
aosvoluntáriosdoestudodois
estímulos,emrápidaseqüência:
noprimeiropodiaservista,do
ladoesquerdodeumagravura,
umalinhahorizontal;nosegun-
do,haviaumalinhahorizontal
do mesmocomprimento,àdi-
reita.Seambasasimagensfos-
semmostradasalternadamente,
surgiaa intervalosdecercade
60 milésimosde segundosa
impressãode um movimento
aparente,como se as linhas
oscilassemdeum ladoparao
outro,comoum limpadorde
pára-brisa.
Nesse experimento,se a
mudançade imagensforainda
maisrápida,os estímulossão
vivenciadoscomosimultâneos
- ambasaslinhastremeluzem
aparentementeaomesmotem-
po.Sóquandoarepresentação
dedeterminadafreqüêncianão
étranspostasetemaimpressão
decontinuidade:vê-seorauma
linha,oraaoutra,cadaqualem
umlocaleposição.Wertheimer
deuao movimentopercebido
emseqüênciamaisrápidaade-
nominaçãode"fenômenophi".
A tentativadevisualização
do movimentopor Werthei-
mermarcao início da escola
maisconhecidada psicologia
da Gestalt.AlémdeWerthei-
mer,fizerampartedelaWol-
fgangKõhler e Kurt Koffka
(1886-1941).Nos anos20, as
pesquisasse expandirampela
Alemanhae numerosostraba-
lhos deramnovoimpulsonão
só à pesquisada percepção,
masàpsicologiadeformageral.
Nas origensdasescolasde
Frankfurte de Berlim- dife-
rentementedo quesetinhana
deGraz- estavamformas(Ges-
talten).Segundoseusteóricos,
aspessoasnãoas"produziam"
comodadosfundamentaisdos
sentidose, tampouco,elasse
constituíamparalelamentea
estes;asformaseramconside-
radaselasprópriasasunidades
fundamentaisdavidaanímica.
Desdeo começoWerthei-
merevitoufalaremilusãoda
percepçãocomo fenômeno
phi. Reconheceuque parao
observadornão importavase
o movimentopercebidoera
produzidopor doisestímulos
semelhantese sucessivosou
por um deslocamentoeficaz.
Nem mesmoquandoseescla-
reciao efeitoaosvoluntários
queparticipavamdostestesea
ilusãoera"desmascarada",elase
dissipava- pelocontrário:após
o esclarecimento,o fenômeno
phiera,nãoraro,percebidocom
maiornitidez.
Adeusaosdogmas
OspsicólogosdaGestaltdesen-
volveramumprogramateórico
pararefutardogmasda fisio-
logia dos sentidos.Pesquisas
pioneirasdeWolfgangKõhler
com antropóidesenfatizaram
quenãosóapercepçãohumana,
mastambémnossasformasde
pensare agir funcionam,com
freqüência,de acordo com
os pressupostosda gestalt.
Atendendo à solicitaçãodo
médicoberlinenseMax Roth-
mann,aAcademiaPrussianade
Ciênciasinstalouem 1913,na
ilhadeTenerife,nasCanárias,
I
~ -
umaestaçãoparao estudodo
comportamentode macacos.
No postode experimentação
eramestudadasascapacidades
dosanimaisemcondiçõesseme-
lhantesàsnaturais.O filósofoe
psicólogoalemãoCarl Stumpf
(1848-1936)nomeouKõhler
diretorda estação,apesarde
naépocaelenãotermaisque
26anosequasenenhumaexpe-
riênciaembiologiaepSicologia
deanimais.
Os experimentosdeKõhler
foramreconhecidosquando
g comprovaramqueoschimpan-
~ zéstêmcondiçõesderesolver
~problemascomplexos,como5
i conseguiralimentosqueestão
~ foradeseualcance:parape-~
~garbananasdeumcacho,por
i exemplo,empilhavamcaixas
~e usavamvaras.Um macaco
~ ruivochegoua acoplarduas
~ varetasdebambua fimdese
;aproximarde umaguloseima.
I Fatomenosconhecidoéque,
í mesmoantesde Kõhler,Leo-
I nardT. Hobhousehaviareali-
1zadoexperimentossemelhantes
~ naInglaterra.Kõhlerprocedeu
; demaneirasistemática,proto-
Icoloucuidadosamentetodos
~osresultadose filmoualguns.
~Maisdecisivoparao seuêxito,
~ entretanto,foi terencontrado
~ esclarecimentosconvincentes
paraas suasobservações.Se-
gundoométodode"tentativae
erro",parachegarmosàsolução
corretadedeterminadoproble-
manãoé necessárioumlongo
períododeexperimentação.
Paraosmacacos,pareceque
a"fichacai"muitorapidamente;
ajunçãodeobjetivoemeiosde
auxíliopermitemquesedê a
Gestalt.Kõhlerdenominouo
conhecimentoresultantedessa
experiênciade "perspectiva".
Quase concomitantemente
aosestudosde percepçãode
Wertheimer,comquemKõhler,
de Tenerife,manteveestreitocontatopor correspondência,
revelava-seaaçãosagaz,movida
pelousoda inteligência,como
fenômenodaGestalt.
No zoológico
Kõhlerjáhaviapesquisadogran-
de partede seuschimpanzés
submetidosa testequando,em
meadosde1914,irrompeuaPri-
meiraGuerraMundial.Mesmoa
Espanhatendosemantidoneu-
tradurantetodoo conflito,ele
sópôdedeixara ilhaem1920.
Vezporoutra,funcionáriosbri-
tânicoschegavamacogitarque
Kõhlerseriaumespiãoalemãoe
apesquisacomoschimpanzés,
nadamaisqueumpretextopara
queseconstruíssenasIlhasCa-
'\
náriasumapistadepousopara
aviõesalemães.
O planooriginalde cons-
truirumaestaçãoparaestudar
animaisdostrópicosnaufragou
coma inflaçãodo pós-guerra.
E em1920mesmoosmacacos
foramenviadosparao zoológi-
co de Berlim.QuandoKõhler
publicouum livro sobresua
pesquisa,noanoseguinte,obte-
vegrandevisibilidade.Durante
anoseleseesforçouparatera
comprovaçãode quenemsó
a percepçãoe o pensamento
seguiamos princípiosdaGes-
talt, mastambéma atividade
UMACADEIRAéumacadeira,
sejaelafeitadeplástico,metal,
madeiraouqualqueroutra
matéria-prima.Emoutraspalavras,
aformasobressai
,
8t
PIONEIROSDACESTALT:
KurtKoffka(1886-1941);
Kurt lewin (1890-1947);
WolfgangKõhler(1887-
1967)e MaxWertheimer
(1880-1943)
www.mentecerebro.com.br9
Naorigem
dasescolasde
Frankfurte
Berlimestava
apreocupação
coma
percepção
doqueera
captadopelos
olhos;seus
seguidores
evitavamo
t /I 'I - /Iermo 1usao
cerebralobedeciaaumalógica
fundamentalsemelhante.
Em1922,Kõhlerfoinomea-
do sucessorde Carl Stumpf
na direção do Instituto de
PsicologiadeBerlim.Comisso,
teveinícioadinastiadapsico-
logiadaGestalt.O periódico
Psych%gischeForschung(Pes-
quisapsicológica),co-editado
porKõhler,erao seuprincipal
veículodedivulgação.Outras
importantessedesdapesquisa
psicológicadaGestaltnaAle-
manhaforama Universidade
deGiessen,queem 1918con-
vidouKurtKoffkaparacompor
seuquadrodocente,bemcomo
a de Franfkurt,que acolheu
Wertheimerem1929.
Esteúltimotrouxecontri-
buiçõessignificativasparaa
psicologiadopensamento.Seu
livropóstumode 1945(edição
alemãde 1957)sobreo pensar
produtivo- hoje se falariaem
criatividade - documentao
intensointercâmbiointelectual
entreelee Freudaté1933.Já
Kurt Koffkasalientouautilida-
dedateoriada Gestaltparaa
psicologiadodesenvolvimento.
Com issosabe-sehoje quea
leituraéumprocessointegrale
queaseqüênciadeestágiosdas
letrastomadasindividualmente,
passandopelaspalavras,che-
Cartadeprotesto
Pacientenão!cliente
Nadécadade40,o psicanalistaberlinensedeorigemjudaicaFritz
Perls(1893-1970)deixouaAlemanhae mudou-seprimeiropara
aÁfricado Suledepoisparaos EstadosUnidos,ondedesenvol-
veua Gesta.lt-terapia,em oposiçãoà psicanálise.Com basena
fenomenologiae no existencialismoeuropeus,com influências
daobradeSartreeNietzsche,suafundamentaçãopartedaidéia
de queo homemé o principalresponsávelpor suasescolhase
pelaformacomoconduzsuavida.Segundoessaabordagem,a
pessoanãoé, portanto,um"paciente",masum"cliente".
gandoatéassentençasinteiras,
poucocorrespondeao quese
passanapercepçãohumana.
Aindaantesdachegadados
nazistasao poderKoffkaemi-
grouparaos EstadosUnidos,
ondesetornouumdosprimei-
rospartidáriosdapsicologiada
Gestalt.Depoisde o próprio
Wertheimere do psicólogoe
filósofoKurtLewin(1890-1947)
teremsidoobrigadosa deixar
aAlemanha,foiavezdeWolf-
gangKõhlersairdo país.Com
isso,a psicologiada Gestalt
perdiaospioneirosqueacondu-
ziamemterritórioalemão.
Sempromoção
Do outroladodo Atlântico,
seusrepresentantesdepararam
comumambientecientífico
completamentediferente.Nos
EstadosUnidos,haviaporpar-
tedosbehavioristasinúmeras
WolfgangKõhlerfoi o únicoprofessoracadêmicodepsicologiana
Alemanhaa criticarabertamenteo regimenazista,mesmonão
sendojudeu.Quandomuitosde seuscolegasda universidadese
aproximavam,daideologiade Hitlere váriosassistentesseusdo
InstitutodePsicologiadeBerlimforamobrigadosasedesligar,ele
publicou,em28deabrilde1933,umacartaabertano Deutschen
AllgemeinenZeitung,criticandoasperseguiçõesacientistaspormo-
tivosétnicosepolíticos.Doisanosdepois,porém,tambémemigrou
paraosEstadosUnidos,ondelecionouecoordenoupesquisasno
SwarthmoreCollege,Pensilvânia.Morreuem11dejunhode1967,
emsuafazendaemEnfield,NewHampshire.
10 MENTE&CÉREBRO'ARMADILHASDA PERCEPÇÃO
críticascontraos psicólogos
alemãesdaGestaltquediscor-
davamdasteoriastradicionais
daconsciênciadefendidaspor
Wilhelm Wundt. A situação
era agravadapelo fatode os
exiladosquasenãopoderem
trabalharem estabelecimen-
tosbemconceituados- e nas
pequenasinstituiçõesdificil-
mentetinhamdireitoaalguma
promoção.Por tudoisso,esse
ramoda psicologiatevepapel
irrelevantedurantemuitotem-
po nosEstadosUnidos.
No fim da décadade 50,
quandohouveintensadivulga-
çãodapsicologiaamericanana
Alemanha,aGestaltfoi "reim-
portada",emborao interesse
da geraçãomaisjovem fosse
direcionado principalmente
Q)e'''rã.
in 'Deutfcorcant'~..
I-r..r. .)". 'r"r' u. '''~hl..r.Unlo.~'I.
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'ltiulo'i,~ " If''')rll ibrt..: rrlui-ftitllllh 10llrll ti"r
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_IIUI.U.. Iftil h~ Iclll,. rlll.1t1t),"1I"tl.trlfllt I\t.rr~r
fi" 1001'~lI",t"'r Gil (1Jt1'''''IfJ'l!1""10 'tltlbol'lrll flU.
1Iur'III.l.In'lIltlln,rr.blltll. "o'ri..
rI 00' fAit .r~,Jn,J'1I lil. "'Ir ,. "O,.
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~~
parateoriasbehavioristasdo
aprendizado,diagnósticose
classificaçõesdapersonalidade,
pSicologiasocialexperimental
epsicoterapias.
Cenasdecrianças
Nosanos20haviaoutra"escola
daGestalt":a dapsicologiada
totalidadegenéticadeLeipzig.
Felix Krueger (1874-1948),
assistentede Wundtem 1910,
nomeadoseusucessor,defen-
deu a concepçãode que os
sentimentostinham"qualidades
gestálticas".Kruegercontrapôs
aisso,porumlado,ateoriados
elementosde seu professor,
Wundt; por outro, criticou,
nosexperimentosdaEscolade
Berlim,o fatodeaintuiçãonão
serlevadaemconta.
Hoje,a psicologiada tota-
lidadedeLeipzigé tidacomo
metodologicamenteobtusae
conceitualmenteumtantoanti-
quada.Mesmoascontribuições
deKruegeredeseucolaborador
FriedrichSander(1889-1971)
caíramemdescrédito,poisam-
bosestavamvinculadosà ideo-
logianacional-socialista,paraa
qualchegaramatransferirsuas
idéias,imprimindonelaso viés
deum"todopopular".
Sander,por exemplo,es-
creveuem 1937quea "elimi-
naçãodovermeparasitáriodo
judaísmotinhasuajustificação
profundanessavontade de
umaforma(Gestalt)purapor
partedo ser alemão".Con-
siderandoisso,é de admirar
queele e outros psicólogos
datotalidadenãotenhamde-
moradoa recuperarsuasca-
deiraslogoaosprimeirosanosdaAlemanhado pós-guerra.
Há aindaoutra variante
significativada psicologiada
Gestaltquenãodeveseresque-
~
:."
I
cida:a teoriadoscampos.No
iníciodo séculoXX, asforças
de campojá eramconhecidas
dateoriadagravitaçãoedaeIe-
trodinâmica;nadécadade20,o
conceitoerautilizadopelafísica
e pelasciênciassociais.Kurt
Lewinseinteressoupelaidéia
e tentoulhedardenominações
específicas:no início falouem
"teoriadinâmica",depoisem
"psicologiadevetortopológi-
co"e,porfim,adotouo termo
"teoriadoscampos".
O cernedopensamentode
Lewiné bastantesimples:uma
pessoa(P) estáemumespaço
vital(Ev),ondehádeterminados
elementos- lugares,objetos,
outraspessoas- queapresentam
aeladesafiopositivoounegati-
vo(tambémchamadovalência).
A pessoase senteatraídaou
repelidaporeles.Algumasáreas
do espaçovitalnãooferecem
acesso'direto;naverdadesão
obstruídasporbarreirase,para
chegaraelas,éprecisotranspor
regiõescomvalêncianegativa.
Alémdisso,duasáreaspodem
~-
assumirumcaráterdedesafiode
forçaequiparável-eassimcon-
correremumascomasoutras.
Lewin mantevea descri-
çãomatemáticadosprocessos
psicológicosbemno cernede
suaproposta.Ele tendiapara
umalinguagem"Iogicamente
condicionada,que refletiria
todososoutrosmeiosdeauxí-
lioconhecidosdapsicologia"e
faziausodatopologia.Durante
muitosanosele filmoudocu-
mentáriosnosquaismantinha
pessoasem"camposdeforças"
deseusafetos,conflitoseações
davontade(emgeral,crianças
desuaprópriafamíliaemsitu-
açõesdeconflito),masamaior
partede seusfilmescaiu no
esquecimento.Lewin filmava
osseuspequenossemqueeles
o percebessem,influenciado
pelocineastarussoSergeiEi-
senstein(1898-1948).Por ter
registradocenasdascrianças
desdequeeramrecém-nasci-
dasatéa adolescênciaacabou
criandoum documentário de
caráterúnico. nec
o CINEASTA Sergei
Eisenstein(foto)
influenciouo trabalho de
Kurt lewin
IstoéGestalt.John
O.Stevens.Summus
Editorial,1977.
25anosdepois
- Gestalt-terapla,
pslcodramae
terapiasneo-
relchlanasnoBrasil.
S. Perazzo,S. Ciornai
e L. M. Frazão.Ágora,
1995.
ArteeGestalt
- Padrõesque
convergem.Janie
Rhyne.Summus
Editorial,2000.
www.mentecerebro.com.br11
A neurologia
da estética
Apesardadiversidadedeestilos,háprincípiosuniversaisda
arte- umaespéciede"gramática"daestética,análogaàs
sintaxespropostaspelolingüistaNoamChomsky
POR VlLAYANUR S. RAMACHANDRAN E
DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
Neurocientistas,trabalhamno Centro do Cérebroe da Cognição da Universidadeda
CalifómiaemSanDiego.FazempartedogrupodeconselheirosdaScientificAmericanMind.
TRADUÇÃO: Julio deOliveira
Oqueéarte?Ébemprovávelqueexistamtantasdefiniçõesquantoartistase críticos.E seapalavratemtantasconotaçõesémelhor- do
pontodevistacientífico- nosrestringirmosàneuro-
logiadaestética.Afinal,asformaspercebidascomo
belase artísticasvariamde umaculturaparaoutra.
E gostonãosediscute.O aromado marmite(pasta
feitadelevedurae extratosvegetais),porexemplo,é
procuradodemaneiraávidapelosingleses,masécon-
sideradorepulsivoparaamaioriadosamericanos.O
mesmoseaplicaàspreferênciasvisuais;pessoalmente,
nãoencontramosnenhumapeloespecialnasobrasde
PabloPicasso.Maséinegávelquemuitosseencantam
comseutrabalho.Apesardadiversidadedeestilos,
muitosseperguntamseháalgumtipo deprincípios
universaisqueregemproduçõesconsideradasartísticas.
Teríamosuma"gramática"inatadaestética,análoga
àssintaxesuniversaisparalínguaspropostapelolin-
güistaNoam Chomsky,do Institutode Tecnologia
deMassachusetts?
A respostapodesersim.Nós sugerimosqueleis
"universais"daestéticapodemtranscendernãoapenas
12 MENTE&:CÉREBRO .ARMADILHASDA PERCEPÇÃO
fronteirasculturais,mastambémdeespécies.Seriauma
coincidênciaacharmospássaroseborboletasatraentes
emboraelestenhamevoluídoparaagradarseusiguais
- e nãoanós?
Em 1994,meioqueporbrincadeira,criamosuma
listaumpoucoarbitráriadas'1eis"daestética,daqual
descreveremosseis:agrupamento,simetria,estímulos
hipemormais,mudançadepico,isolamentoeresolu-
çãodeproblemasperceptuais.
Vamosconsiderarprimeiroo agrupamento.EmA
(verPág.14),vocêtemasensaçãodeseusistemavisual
lutandoparadescobrirejuntarfragmentosaparente-
mentenãorelacionadosdeumúnicoobjeto- nesse
casoum dálmata.Quando os fragmentoscorretos
seajeitamem seuslugares,sentimosumasensação
gratificante.Sugerimosqueessaexperiênciaagradável
sejabaseadanasmensagensdiretasenviadasparaos
centrosdeprazerdosistemalímbicoquereconhece:
"Aquiestáalgoimportante,presteatençãol"- uma
exigênciamínimaparaaestética.Estilistaseconsultores
demodatrabalhamcomo princípiodoagrupamento
-, mesmosemsedarcontadequeestãoutilizandoum
princípiobiológicoancestralpara
sugerira combinação.E sugerem
umadeterminadaecharpepara
combinarcomo vestido.
O agrupamentoevoluiupara
derrotaracamuflageme,deforma
maisgeral,detectarobjetosem
ambientesbagunçados.Imagine
umtigreescondidoatrásdafolha-
gem(D/napág.15).Tudoqueseu
olhocaptasãofragmentosdetigre.
Mas seusistemavisualpresume
quetodasessaspartesnãopodem
serparecidaspor cOincidência,e
entãoeleasagrupapara"montar"
a figura- epassaentãoaprestar
atençãonela.
A evoluçãotambémtemum
dedonacriaçãodaatraçãoda
simetria.Na natureza,amaioria
dos"objetosbiológicos"(presas,
predadoreseparceiros)sãosimé-
tricos.Éfundamental,portanto,ter
umsistemadealertaprecocepara
chamaraatençãoparaasimetria
- o que favorecea açãorápida
e apropriadaemcadasituação.
Essaatraçãoexplicao fascínioda
simetria,sejaparaumacriança
quebrincacomumcaleidoscópio,
sejaparao imperadorJahan,que
construiuo Taj Mahal(B)para
imortalizarsuabelaesposa,Mu-
mtaz.Essacaracterísticatambém
podeseratraenteporqueparceiros
assimétricoscostumamtermaus
genesouparasitas.Já predadores
simétricosparecemmaissaudáveis
epodemrepresentarperigomaior,
portantoéprecisoficaratento;por
outrolado,presasqueapresentam
esseaspectocostumamparecer
maisapetitosas.
Umaleiuniversalmenosóbvia
é a do estímulohipemormal.O
etólogoNikolaas11nbergen, da
Universidadede Oxford, notou
hámaisde 50 anosque filhotes
degaivotasuplicavamporcomida
bicandoo bico da mãe,que é
castanho-clarocom um ponto
www.mentecerebro.com.br13
~.........-..
14 MENTE&CÉREBRO.ARMADILHASDA PERCEPÇÃO
Sefilhotesvennelho.Quandoseparadosda porseutrabalhosobrepadrõesde bomretrato.Característicasque
degaivota
mãe,ospássarosrecém-nascidoscomportamentoanimal.) fazemumrostoespecífico(por
tambémbatiamdemaneirafer- Nósnãosabemosporqueesse exemplo,o deTomCruise)dife-
tivessemuma vorosanumbicosemnenhuma efeitoocorre,masprovavelmenterenteda"média"decentenasde
galeria,talvez gaivota conectadaa ele, apre- resultadamaneirapelaqualneurô- rostosmasculinossãoamplificadas
sentadopelo pesquisador.Esse niosvisuaiscodificamainfonnação defonnaseletiva,demaneiraque
pendurassem comportamentoinstintivosurgiu sensorial.O modocomoelessão o resultadopareçamaiscomo
umavareta porque,como passardemilhões programadospodefazercom atordoqueseuprópriorosto.Em
com faixas
deanosdeevolução,océrebrodo querespondamdemaneiramais 1998,o filósofoWilliamHirstein,
filhote"aprendeu"queumacoisa poderosaaumpadrãoestranho, doElmhurstCollege,eumdenós
naparedee longacomumpontovennelho enviandocomissoumaespécie (Ramachandran)sugerimosqueas
provavelmente
significamãeecomida. dechoquedesatisfaçãoaosistema célulasnocérebrodomacacoque
Tinbergendescobriuquepo- límbicodopássaro. sesaberespondema rostosindi-
pagariamcaro deriaproduzirasbicadassemum Maso quetemumsuperbico viduais(taiscomoJoe,o macho'"iii
parater
bico.Umavaretalongacomum avercompercepçãodefonnas alfa)irãoresponderdefonnaainda
pontovennelhoservia.Osneurô- e arte?Se filhotesde gaivota
v
maisvigorosaaumacaricaturado
essaobra niosvisuaisnocérebrodo filhote tivessemumagaleria,talvezeles rostodoqueaooriginal.Essaforte ::E '"... ã;... '"
obviamentenão sãomuitodeta- pendurassemumagrandevareta respostafoi agoraconfinnadaem
fi: o-'
Ihistasquantoàsexigênciasexatas comfaixasnaparedee provavel-
... '"experimentospor Doris Tsao,da
< ...:z: 9v
doestímulo.Masentãoelefezuma mentepagariamcaroparateruma UniversidadeHarvard.
....<
.:.; S
descobertaincrível.Quandoera obra dessas.A arte,de maneira
<:z: :I:<
mostradoumlongopedaçofinode parecida,estimulacolecionadores Menos é mais ::E
...'"
cartolinacomtrêsfaixasvennelhas, ainvestirmilharesdedólaresnuma Nós nosvoltamosparaoutro prin-
j:..... ,-'
o filhotemostravapreferênciapor pinturasementenderporqueelaé cípio:o isolamento.Certamente,I:!
>
2'" ..
esseestímuloestranhoaumbico tãocativante.Por tentativae erro muitosartistasconcordarãoque,às
...'" !!... c
real. Sem perceber,Tinbergen - etambémporcriatividade-, os vezes,naarte,"menosémais".Um Q... ...Q ..
tinhatopadocomo quechama- artistasmodernosdescobriram pequenorabiscodeumnupodeser
a
a
mosde "superbico".(Mais tarde, fonnasdeutilizaraspectosidios- bemmaisbelodoqueumafotogra-
'" c'" ;...>
em 1973,ele recebeuo Prêmio sincráticosdagramáticaperceptual fia 3-D emcoresdeumamulher
:;
:;c
NobelemFisiologiaouMedicina primitivadocérebro,produzindoo nua.Porquê?Essefenômenonão
>'"
o
equivalente,parao sistemanervoso contradiz a mudançade pico?
... .'" .
01
"
humano,davaretacomfaixaspara Para resolveressacontradi- ...
!
Q
o filhotedagaivota. ção em particular,precisamos
'"<:z:
Um princípio relacionado, lembrar de que nosso cérebro
v
...
chamadode mudançade pico, tem recursosde concentração
Q
<
representaumpapelnaapreciação limitados- um "engarrafamento"
Vi...I-'"
da caricaturaou mesmode um deatençãoocorreporqueapenas
ov
umpadrãodeatividadeneural
podeexistiraomesmotempo.Aí
entrao isolamento.Um rabisco
ouesboçoplanejadodemaneira
inteligente(C)permiteaosistema
visualdeslocartodasuaatenção
parao queé necessário- istoé,
parao contornoouformadonu
~. - semser"distraído"portodosos;)
~ outroselementosirrelevantes(cor,
~ textura,sombraetc.)quenãosão
~ cruciaisparaa belezada forma;)
~ transmitidaporseustraços.o
~ Evidências desseponto dez
::J vistavêmdecriançasautistascom
} habilidadesespeciais,taiscomo
::J Nadia.A meninaproduziudese-Q
~ nhosincrivelmentebelos,talvez
~ porque,comoa maiorpartede
~ seucérebrofuncionademaneira
~ abaixodaideal,elapodetertido
~ umaespéciede ilha detecido
~ cortical"poupado"em seulobo..
f parietal,umaregiãoresponsável
~ pelosensodeproporçãoartística.
~ Portanto,elapodiaempregarde
~ fonnaespontâneatodososseus
g recursosde atençãoparaesse
Z " 'd I d " d d« mouo e arteresguara o.
~ (Depoisde ela ter crescidoe
ganhadooutrashabilidadesso-
ciais,suashabilidadesartísticas
desapareceram.)BruceMiller,da
UniversidadedaCalifómia,São
Francisco,mostrouqueatémes-
mopacientesadultosquesofre-
ramumadegeneraçãodoslobos
frontaisetemporais(chamadade
demênciafronto-temporal)de
repentedesenvolveramtalentos
artísticos,possivelmenteporque
agorapodemalocartodasua
atençãonoloboparietaL
Outra"lei"relacionadaà es-
téticaé o esconde-esconde(ou
resoluçãodeproblemaspercep-
tuais).No séculoIX, o filósofo
indianoAbhinavaguptadescobriu
oqueohistoriadordearteaustrí-
aco-britânicosirEmstGombrich
comprovounoséculoXX. Uma
pessoadesnudaquetemapenas
braçosoupartedoombroproje-
tando-sedetrásdeumacortinade
chuveiroouqueestáatrásdeum
véudiáfanoémuitomaissedutora
do queumnu completamente
descoberto.Da mesmaforma
queaspartespensantesdonosso
cérebrogostamdasoluçãode
problemasintelectuais,o sistema
visualparecegostardedescobrir
umobjetoescondido.A evolução
pareceterseencarregadodeque
opróprioatodebuscarumobjeto
escondidosejaagradável,não
apenasno"ahá"finaldereconhe-
cimento- paranãodesistirmos
cedodemaisemnossabusca.De
outraforma,nãoprocuraríamos
umapresaouparceiropotencial
vislumbradoparcialmenteatrásde
arbustos,deumanévoadensaou
detecidostransparentes.
Cadavislumbreparcialde
umobjeto(D)inspiraumabusca
-levandoaum"míniahá"- que
enviaumamensagemderetorno
parainfluenciarestágiosiniciais
do processamentovisual.Essa
mensagememrespostaincita
maisbuscase- depoisdevárias
dessasiteraçõese "míniahás"
- chegamosao prazerfinaldo
reconhecimento.O estilista
demodae artistasinteligentes
tentamevocartantasdessassen-
sações,ambigüidades,mudanças
de pico e paradoxosquanto
possívelnaimagem.
Essaconcepçãocomporta
aindaaspectosmaisevasivosda
estética,tal comoa "metáfora
visual"- umaressonânciapraze-
rosaentreoselementosvisuaise
simbólicosdeumaimagem.Entre
aestéticadosfilhotesdegaivota
eabelezasublimedeumMonet,
temosumalongajornadaatéreal-
menteentendero processamento
visuqlnocérebro.Enquantoisso,
nossosestudosnosproporciona-
ramvislumbresirresistíveisdoque
podeaparecer,inspirando-nosa
continuarnossabusca. ...
-==
Innervlslon:an
exploratlon01art
andthe braln.Semir
Zeki.OxfordUniversity
Press,2000.
A brleftour
01human
consclousness.V.
S.Ramachandran.Pi
Press,2005.
www.mentecerebro.com.br15
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Paradoxos,..;
daperCepçaO
Seduasfontesdiferentesde informaçãosão
incoerentesentresi,o cérebrodá importância
à queparecermaisconfiável,combaseem
experiênciasacumuladas- evaiignorara outra
POR VILAVANUR S. RAMACHANDRAN E
DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
P
aradoxos- nosquaisa mesmainformação
podelevaraduasconclusõescontraditórias
- nosoferecem,aomesmotempo,prazere
tormento.Sãofontedefascinaçãoe frustração,
querenvolvamfilosofia(considereo paradoxode
Russell,"Estafraseé falsa"),ciênciaoupercepção.
O ganhadordo PrêmioNobel,PeterMedawar,
disseumavezquetaisquebra-cabeçastêmomesmo
efeitoparaumcientistaouumfilósofoqueocheiro
deborrachaqueimandotemparaosengenheiros:
deflagramumavontadeirresistíveldedescobrira
causa.Nacondiçãodeneurocientistasquepesqui-
sampercepção,nossentimoscompelidosaestudar
anaturezadascontradiçõesvisuais.
Vamosexaminaro casomaissimples.Seduas
fontesdiferentesdeinformaçãonãosãocoerentes
umacomaoutra,o queacontece?Certamenteo
cérebrodaráimportânciaparaaqueformaiscon-
fiávelemtermosestatísticos,evaisimplesmente
ignoraraoutra.Porexemplo,sevocêolharaparte
dedentrodeumamáscaraocaà distância,verá
o rostocomonormal-istoé,convexo- embora
suavisãosinalizedemaneiracorretaqueamás-
16 MENTE&CÉREBRO. ARMADILHAS DA PERCEPÇÃO
caraé,naverdade,ocaecôncava.Nessecaso,a
experiênciaacumuladado cérebroemrelaçãoa
rostosconvexossobrepujaevetaapercepçãoda
ocorrência- incomum- deumrostooco.
Mais irresistíveissãoassituaçõesnasquais
a percepçãocontradiza lógica,levandoa "figu-
rasimpossíveis".O pintore litógrafobritânico
WilliamHogarthcrioutalvezumadasprimeiras
dessasfiguras,noséculoXVIll (A)(verpág.18).
Umabrevevisãodessaimagemnãosugerenadade
anormal.Masumainspeçãomaisatentarevelaque
elaéimpossívelemtermoslógicos.Outroexem-
ploéo"forcadododiabo",ouenigmadeSchuster
(B).Taisimagenslevantamquestõesprofundasso-
brearelaçãoentreapercepçãoearacionalidade.
Nos temposmodernos,o interessepor tais
efeitosfoi emparterevivido peloartistasueco
OscarReutersvard.Conhecidocomoo paidas
figurasimpossíveis,ele desenvolveuinúmeros
paradoxosgeométricos,incluindoa "escadaria
interminável"eo "triânguloimpossível".Essesdois
tan1bémforamdesenvolvidosdemaneirainde-
pendenteporLioneleRogerPenrose,osfamosos
paie filhocientistas;a figura
C, mostrasuaversãodo queé
agorachamadocomumentede
triângulodePenrose.
O artistaholandêsM. C.
Escherencaixoudeformadiver-
tidataisfigurasemsuasgravuras
explorandooespaçoeageome-
tria.Considerea escadariade
Escher,figuraD: nenhumaparte
isoladada escadariaparece
incoerenteouambígua,maso
conjuntotodoé impossívelem
termoslógicos.Você poderia
subira escadariaeternamente
eaindaassimandarsempreem
círculos,nuncachegandoao
topo.Issosimbolizaacondição
humana:procuramosdeforma
perpétuaaperfeição,masnunca
chegamosmesmolá!
Essaescadariaseriarealmente
umparadoxoperceptual?Istoé,
océrebroéincapazdeconstruir
umapercepçãocoerente(ousi-
naldepercepção)porqueeletem
desimultaneamenteconsiderarduaspercepçõescontraditórias?
Achamosquenão.A percepção,
quasepordefinição,temdeser
unificadaeestávelemqualquer
dadoinstante,porquetodoseu
propósitoé levara umaação
apropriadadanossaparteguiada
porumameta.Realmente,alguns
filósofossereferiramàpercepção
comouma"prontidãocondicio-~
nalparaagir",o quepodeparecer~
~
umexagero. ..
Apesar da visão comum ~
d " , .1 2
e nosvemosaquIo emque~acreditamos",osmecanismos:I
perceptuaisestãorealmenteI»
nopilotoautomáticoenquanto
computame sinalizamvários
aspectosdo ambientevisual.
Vocênãopodeescolhervero
quequerver.(Seeulhemostrar
um leãoazul,você vai vê-Io
comoazul.Vocênãopodedizer
"Euescolhovê-Iocomodourado
porqueé assimquedeveser".)
Ao contrário,o paradoxona
figuraD surgeprecisamente
www.mentecerebro.com.br17
o 10
18 MENTE&CÉREBRO'ARMADILHASDA PERCEPÇÃO
porqueo mecanismopercep-
tual realizaumacomputação
estritamentelocalquesinaliza
"escadasascendentes",enquanto
seumecanismoconceptual/inte-
lectualdeduzquêé impossível
em termoslógicos para tal
escadariaascendenteformar
umcircuitofechado.A metada
percepçãoécomputardeforma
rápidaasrespostasaproximadas
quesãoboaso suficientepara
asobrevivênciaimediata;você
nãopodeconsiderarseo leão
estápertooulonge.A metada
concepçãoracional- dalógica
- é tomaro temponecessário
paraproduzir umaavaliação
maisprecisa.
Em conflito
Sãoasfigurasimpossíveis(com
exceçãodo triângulo,ao qual
voltaremosmaistarde)parado-
xosgenuínosdentrododomínio
dapercepçãoemsi?É possível
argumentarqueapercepçãoem
sipermanece,oupareceperma-
necer,internamenteconsisten-
te,coerenteeestávelequeuma
percepçãoparadoxalgenuínaé
umoximoro.A escadarianãoé
maisumparadoxodo quever
umailusãovisualtal como a
Müller-Lyer(verfiguranocanto
inferioresquerdo),naqualduas
linhasdeigualcomprimentopa-
recemdiferir- massemedirmos
asduaslinhascomumarégua
poderemosnosconvencer,pelo
menosintelectualmente,deque
elassãodecomprimentoidên-
tico. O conflitoé justamente
entreapercepçãoeo intelecto,
nãoumparadoxogenuínoden-
tro da própriapercepção.Por
outrolado,"Estafraseé falsa"
éumparadoxointeiramenteno
campoconceitualllingüístico.
Outra percepçãocativante
é o efeitocolateralde movi-
mento.Sevocêencararporum
minutofaixasmovendo-seem
umadireção(ver"A dançadas ~
listras",nestaedição)eentãotrans-~
ferir o olhar paraum objeto i
estacionário,oobjetoparecerá~
se movernadireçãoopostaà ~
em queas faixasse moviam. ~
Esseefeito surgeporqueseu
sistemavisualtemneurônios
dedetecçãodemovimentoque
sinalizamdireçõesdiferentes,
e as faixasque se movemo
tempotodo emumadireção
"causamfadiga"nosneurônios
quenormalmentesinalizariam
aquelesentido.O resultado
é um "ricochete"quefaz até
objetosestacionáriosparecerse
moveremnadireçãooposta.
No entanto,curiosamen-
te, quandovocê olha parao
objeto,ele dáa impressãode
estarsemovendoparaumlado,
masnãoparecechegara lugar
Q
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Q o
~~
I
":('::J~o
nenhum;nãoháprogressopara
umameta.Esseefeitoé, com
freqüência,apregoadocomo
umparadoxoperceptual:como
algo pode parecerse mover,
masnãomudardelugar?Mas,
denovo,apercepçãoemsinão
é paradoxal;emvezdisso,ela
sinalizacomsegurançaqueo
objetoestásemovendo.É seu
intelectoquededuzqueelenão
estáse mexendoe pressupõe
umparadoxo.
e
~
~
c
t
~
~
~ Fronteirasdacognição
~ Considerea situaçãoinversa
gbem mais familiar. Você sabe
~ (deduz) que o ponteiro das
5horas do seu relógio está se8
~ movendo, embora ele pareça
~ parado.Não estáse movendo
~ rápidoo suficienteparaexcitar
g osneurôniosdetectoresdemo-
~ vimento.Mas ninguémchama
§ o movimentodo ponteiro das~
:E:horas de paradoxo.
e
Há casos-limite,como o
exemplificadono forcadodo
diabo.Nessequadro,algumas
pessoaspodem"ver"o todo
numúnicoolhar.As próprias
deixasperceptuaislocaiseglo-
baissãopercebidascomouma
únicaGestaltcomcontradições
internas.Ou seja,é possível
compreendero todonumúnico
olhar e apreciarsuanatureza
paradoxalsempensarnisso.
Essesquadrosnos lembram
que,apesardanaturezamodular
quaseautônomadapercepção
e de suaaparenteimunidade
ao intelecto,a fronteiraentre
apercepçãoeacogniçãopode
tornar-seindistinta.
Com o triânguloimpossí-
vel acontecealgosemelhante.
Comomostradopeloneuropsi-
cólogoRichardL. Gregory,da
UniversidadedeBristol,naIn-
glaterra,vocêpodeconstruirum
complicadoobjetoem3-D (F)
queiráproduziraimagememG
só quandovistodeumângulo
particularmenteprivilegiado.
Desseânguloespecífico,oobje-
topareceserumtriângulonum
únicoplano.Massuapercepção
rejeitataiseventosaltamente
improváveis,mesmoquando
seuintelectoestáconvencido
desuapossibilidade(depoisde
tersidoapresentadoàvisãoem
G). Portanto,mesmoquando
entendemosconceitualmente
a formaincomumdo objetoF,
continuamosa vero triângulo
fechado(G),emvezdoobjeto
(F)quenaverdadeo origina.
Como alguémpodetestar
essasnoçõesdemaneiraempí-
rica?Na escadariadeEscher,é
possívelexploraro fatodequea
percepçãoévirtualmenteinstan-
tânea,enquantoacogitaçãoleva
tempo.Alguémpoderiaapre-
sentaroquadroporumperíodo
curto- umtempoinsuficiente
paraqueacogniçãoseative- di-
gamos,umdécimodesegundo
seguidopor umestímulomas-
carador(queevitaacontinuação
doprocessamentovisualdepois
daremoçãodafiguradeteste).A
previsãoseriaqueaimagemnão
maispareceriaparadoxala não
serqueo estímulofosseencom-
pridadode maneiraadequada.
O mesmopodesertentadopara
o forcadodo diabo,quetem
maiorprobabilidadedeserum
paradoxoperceptualgenuíno.
Nessecaso,a máscarapoderia
nãosercapazde "dissecá-Io"
emdoisestágios(percepçãoou
cognição)distintos,podendose
resumiraumaquestãodeescala
ou complexidade.Quaisquer
quesejamasorigensdo para-
doxo, ninguémdeixade ficar
intrigado por essesquadros
enigmáticos.Elesexcitamnos-
sossentidose desafiamnoções
derealidadeeilusão. nec
o artista
holandêsM.
C. Escher
utilizounoções
deespaçoe
geometriaem
suasgravuras,
criandoefeitos
inusitadosque
simbolizam
acondição
humana:
procuramos
aperfeição,
masnuncaa
atingimos
A Newamblguous
figure:athree-stlck
clovis. D. H. Schuster
emAmericanjoumalof
Psychology,vol.77,pág.
673,1964.
lhe Intelllgenteye.
RichardL Gregory.
McGraw-HiII,1970.
Maisfigurasambíguas
estãodisponíveisem
www.im-possible.info/
english/art/index.html
www.mentecerebro.com.br19
Buscasdo
olhar
Experiênciascompontos
cegosindicamque nosso
sistemanervosodetestao
vácuo- e procurafugirdele
POR VlLAYANUR S. RAMAOfANDRAN E
DIANE ROGERS-RAMAOfANDRAN
Vemoso mundode dois pontosprivi-legiadosligeiramentediferentes,quecorrespondemàs posiçõesde nossos
dois olhos. Há pequenasdiferençasentreas
imagenscaptadasporcadaumdeles;diferenças
quesãoproporcionaisà profundidaderelativa
dosobjetosno campovisual.O cérebropode
mediressasdiferenças,operaçãocujoresultado
éavisãoestéreoouestereopsia.
Paraterumaidéiadesseefeito,estendaum
braçoapontandoparaum objetodistante.En-
quantomantémo braçoestendido,abrae feche
cadaum dos olhos alternadamente.Perceba
comoseudedomudaemrelaçãoaoobjeto,fato
20 MENTE&CÉREBRO.ARMADIlHAS DA PERCEPÇÃO
que ilustraa disparidadehorizontalentreos
globosoculares.
Dispositivosde visualizaçãoque se apro-
veitavamda estereopsiaparacriar ilusõesde
profundidadeem imagensde paisagens,em
monumentosarquitetônicose atéemimagens
pornográficassetornarampopularesnossalões
vitorianos.AsobrasdoartistaholandêsMaurits
CornelisEscher(1898-1972)sãobomexemplo
daestereopsiaaplicadaàsartesgráficas.
Um fatopoucocomentadosobrea visãoes-
téreoé que,aindaquevejamosduasimagensde
ummesmoobjeto- umapormeiodecadaolho
-, percebemosapenasum.De formasimilar,se
tocamosamesmamaçãcomas
duasmãos,sentimosumafrutae
nãoduas.Assim,asimagensdos
olhosdevemser"fundidas"em
algumapartedocérebroparadar
origemàpercepçãodeumitemunitário.Podemosformularas
seguintesquestões:oqueocorre
quandoos olhoscontemplam
coisasinteiramentediferentes?
Perceberemosumamistura?
Tenteo seguinteexperi-
mento.Pegueunsdessesóculos
deleituraquesecompramem
farmácia.Fixenumadaslentes
umfiltrovermelhoe naoutra,
um verde;depoiscoloqueos
óculos. O que você verá se
olharparaumobjetobranco?
Se fecharum dosolhos,verá
verdeou vermelho,conforme
oesperado.Masesevocêabrir
osdoisolhos?As duascoresse
misturarãono cérebroprodu-
zindooamarelo,comoo fariam
se misturadasopticamente?
(Vale lembrarque vermelho
e verde produzem marrom
quandomisturamospigmentos,~
comotintas.Masquandomis- ~
turamosluzes,projetando-as1
numatela,essascoresresultam1
noamarelo.) ~
Vocêvaiverumacoisade!
cadavez.Surpreendentemente,
o objetosurgealternadamente
vermelhoeverde.Osolhospa-
recemgentilmenteserevezar,
comoseevitassemoconflito.O
fenômenoéchamadoderivali-
dadebinoculareoefeitoésimi-
laràquelequevemosno cubo
www.mentecerebro.com.br21
o cérebro
utilizapartes
dasimagens
de cadaolho
que fazem
IIsentidollcomo
umpadrão
holísticopara
combiná-Ias
corretamente
CUBODENECKER
(obaixo):revezanAento
dosolhosevita
rivalidadebinocular.
Ao lado,fusãode
inAagens:o cérebro
extraifragnAentosdas
ImagensquefazenA
sentido COnAOUnA
padrãoholístico
deNecker(verilustraçãoabaixo).
Para a pessoaque vê, pode
parecerqueessasexperiências
perceptivasdinâmicassurgem
porqueo próprioobjetoestá
mudando.Mas o estímuloé
perfeitamenteestável.O que
alteraé o padrãodeatividade
cerebral,queproduzasaltera-
çõesperceptivase a ilusãode
umobjetoinstável.
É possívelusara rivalidade
binocularcomoumapoderosa
ferramentapara explorar a
questãomaisgeral de como
o cérebroresolveconflitosde
percepção.Tentemosoutro
experimento.Emvez deduas
coresdiferentes,apresentemos
à visãoduassériesde listras
perpendicularesentre si. O
resultadoseráumagradeou
assériesentrarãoemconflito?
A respostaé:àsvezesveremos
as sériesalternadas,àsvezes
ummosaicode listras,comas
seçõesdas imagensdos dois
olhosentrelaçadas.Jamaisve-
remosumagrade.
Teoricamente,poderíamos
fazeresseexperimentoposi-
cionandolistrasverticaisparao
olhodireitoehorizontaisparao
esquerdoemumvisorestéreo.
Massevocênãotiverum,po-
demosimprovisaralgoparecido
(verilustraçãonapág.aolado).Basta
posicionarumadivisória,umpe-
daçodepapelão,porexemplo,
no limiteentreduasimagens.
Agoracoloqueseunarizperto
dadivisória,detalformaqueo
olho esquerdomireexc\usiva-
menteumaimagemeo direito,
aoutra.O quevocêvaiversão
listrasalternadasouummosaico
flutuante,nãoumagrade.Com
a prática,pode-sedispensara
divisóriae aprendera "fundir
livremente"as duasimagens,
convergindoou divergindoos
olhos.Olhar paraa pontade
umlápisameiocaminhoentre
asimagenseafacepodeauxiliar
esseaprendizado.
Depois de aprenderesse
truque,novosexperimentos
serãopossíveis.Sabemos,por
exemplo,quediferentesáreas
docérebroestãoenvolvidasno
processamentodacoredaforma
das imagens.Podemosassim
questionar:a rivalidadeocorre
separadaouconjuntamentepara
essesdoisaspectos?E seolhar-
mosaslistrasdoolhoesquerdo
atravésde um filtrovermelho
e asdo olhodireitoatravésde
um verde?Haveráentãouma
rivalidadede cor e outra de
forma.Elasocorremdemaneira
independente,de tal modo
que a cor do olho esquerdo
seemparelhacomaslistrasdo
'olho direito, ou elassempre
"concorrem"sincronicamente?
A respostaéqueasrivalidades
ocorremconjuntamente.Dito
de outra forma:a rivalidade
se dá entreos própriosolhos
e não no processamentodas
coresou formas.
Discose baldes
Masnemsempreissoéverdade.
Dêumaolhadanasimagensda
páginaanterior.A figuraapre-
«-a II II â'. ' ". _... ':-,",",...-. - .;'"
...'"
'"..z...
;j
..
u
o"
C
----- "...
;:
z
Z:J:
!2.
>-
zZ:J:
!2.
22 MENTE&CÉREBRO.ARMADIUiAS DA PERCEPÇÃo
~ ~%
w~
QUANDOCADAOLHOvêdiferentespadrões
delistras,o resultadonãoéumaimagem
entrelaçada,masummosaico
sentadaa cadaolho misturaa
facedeummacacocomfolhas
verdes.De formaintrigante,
seo cérebrofundeasimagens
há umaforte tendênciapara
completaro macacoou a fo-
lhagem,mesmoqueissoexijaa
reuniãodefragmentosdecada
umdosolhosparacompletaros
padrões.Nessecaso,océrebro
utiliza partesdasimagensde
cadaolhoquefazem"sentido"
comoumpadrãoholísticopara
combiná-Iascorretamente.
Retomemosà estereopsia,
isto é, o cálculo da profun-
didade relativa de imagens
provenientesde dois olhos
cujasposiçõesno espaçosão
~ ligeiramentediferentes.Neste
i casoas imagensse fundeme,Q
~emvezdarivalidade,temosa
1 profundidadeestéreo.É digno
5 de notaquedurantemilênios
~ aspessoasnãoreconheceram
~ a estereopsia,pressupondo,
~ provavelmente,queobenefício
~deterdois olhos resideno fato
Q
] deque,seperdermosum,nosIr .
;. restanaoutro.Esseargumento
~tempelo menos500anos,
~considerandoque foi usado
porLeonardodaVinci.O fato
dequeo cérebrofazusodela
foi descobertopelo médico
inglês Charles Wheatstone
(1802-1875).É possívelelabo-
rarumexemplodadescoberta
dele com o desenhode um
baldevistode cima.Quando
fundimosasimagensdosdois
olhos(usandoa fusãolivreou
um cartão divisório), surge
um discocinza quecircunda
o círculo externo,dando-nos
a impressãode que estamos
suspensosnoar.
Mas precisamosrealmente
dafusãoparaqueaestereopsia
ocorra?A questãopodeparecer
ingênua,pois nossaintuição
sugerequesim.No entanto,a
intuiçãoestáequivocada.Três
décadasatrás,AnneTreisman,
da Universidade Princeton,
L\oyd Kaufman,da Universi-
dadede Nova York, e um de
nós (Viláyanur) mostraram,
de formaindependente,quea
rivalidadepodecoexistircom
aestereopsia,pormaisqueisso
pareçaparadoxal.
Para entendero fenôme-
no, considereo diagramada
imagemacima.Ele apresenta
dois fragmentos de listras
dispostashorizontalmenteem
direçõesopostasem relação
aoscírculosexternos.Quando
o cérebrofundeessescírculos,
algoextraordinárioacontece.
Veremoso fragmentointeiro
flutuando,massomenteum
fragmentopor vez,porqueas
listrassãoortogonais.Em ou-
traspalavras,o cérebroextrai
o sinalestéreodosfragmentos
comoumtodo, interpretando
as porçõesindividuaiscomo
gotas,masos fragmentospa-
recemrivalizar.
A informaçãosobrea lo-
calizaçãodos fragmentosna
retinaé extraídapelocérebro
e produzestereopsiamesmo
queapenasa imagemde um
dosolhossejavisívelporvez.
É comosea informaçãosobre
umaimageminvisívelpudesse,
entretanto,gerarestereopsia.
Essa "forma de rivalida-
de" ocorre em umaáreado
cérebrodiferenteda estere-
opsia,de modo que as duas
podemcoexistiremharmonia.
A correlaçãoentreelasnavisão
www.mentecerebro.com.br23
o nívelde
informação
queo
cérebro
assimila
enquanto
observamos
o mundoé
pequeno
.
Atençãoparaovazio
Nossapercepçãodo mundode-
pende,numgrausurpreendente,
do trabalhode adivinhaçãoin-
teligentedocérebro.A imagem
brancaovalqueexcitasuaretina
podetersidoproduzidaporum
ovo, um discoindinadoperfei-
tamentedrcular,ouumnúmero
infinitodeformasintermediárias
colocadasno grauexato.Ainda
assim,nossocérebro"acolhe"
instantaneamentea resposta
certa.Fazissoutilizandocertas
premissasa respeitodasestatís-
ticasdo mundonatural- supo-
siçõesquepodemserreveladas
porilusõesvisuais.Omodocomo
lidacomvaziosinexplicáveisna
imagemretiniana- umproces-
so c"amadopreenchimento
-fomeceumexemploadmirável
desseprinápio.Vocêpodecom-
prová-Iousandoo pontocego
deseuolho.Examineailustração
(a).Comoolhodireitofechado,
olheparaocentrodoquadrado
brancoinferior.Segureapágina
a 30emdorostoe lentamente
aproxime-ae afaste-a.A uma
certadistândaodiscoàesquer-
dadesaparece.Elecainoponto
cegodoseuolhoesquerdo,um
pequenofragmentodaretina
chamadodiscoóptico,despro-
vidodereceptores.
O físicovitorianosi,David
Brewsterficouimpressionado
como fato de o desapareci-
mentododisconãodeixaruma
sombraescuraou umburaco
vazioemseulugar.Aregiãoque
correspondeaodiscoé"preen-
chida"pelofundocolorido.EleatribuiuesseprocessoaDeus,o
"ArtíficeDivino".
Atémesmoumalinhareta
quecorreatravésdoseuponto
cegonãoé interrompidano
meio,comosepodeverfazendo
o mesmoexerácio,destavez,
porém,olhandoparao qua-
dradobrancosuperiorem(A).
O segmentofaltanteda linha
aparececompleto.Écomoseo
cérebroconsiderassealtamen-
te improvávelqueduaslinhas
curtaspudessemficardecada
ladodopontocegoporsimples
acaso.Ascélulasnoscentros
visuaissãoestimuladascomo
seriamcasoa ba"a estivesse
completa,e dessaformavocê
vêumalinhacontínua.
O pontocegoé surpreen-
dentementegrande,quasedo
tamanhodenoveluascheiasno
céu.Experimentefecharoolho
esquerdoe olharemvoltada
salacomodireito.Comalguma
prática,vocêpoderá"mirar"
seupontocegoparaqualquer
objetopequenoefazê-Iodesa-
parecerdocampovisual.O rei
Carlos11daInglaterracostuma-
vamirarseupontocegopara
a cabeçadosprisioneirospara
"decapitá-Ios"visualmentean-
tesdaverdadeiradegola.
Qualéograudesofisticação
doprocessodepreenchimento?
Seo meiodeumacruzcairno
pontocego,eleserápreenchi-
do? E os padrõesrepetitivos
dotipopapeldeparede?Com
e
24 MENTE&CÉREBRO.ARMADILHASDA PERcEPÇÃO
41)
apenasalgunspincéisatômicos
coloridose folhasde papel,
vocêpodeexploraroslimitesdo
preenchimentoe as"Ieis"que
regemo processo.Voudescre-
veralgunsexemplos,mastente
inventarosseus.
Em(8),o seupontocego
cainocentrodeumX forma-
do porumalongalinhaverde
quecruzaumapequenalinha
vermelha.Sevocêfor comoa
maioriadaspessoas,veráque
somenteamaiordasduaslinhas
écompletadaatravésdoponto
cego.(Noentanto,nãoédlfídl
preenchera partefaltantede
linhacurtaseelaforconsiderada
emsimesma.)Esseexerááosim-
plesdemonstraque,sobcertas
condições,o preenchimento
baseia-semaisnaintegraçãode
informaçãoaolongodetodoo
comprimentoda linhaquena
informaçãoespadalmenteadja-
cente.Emoutrasdrcunstândas,
océrebropreencheapenasoque
estáimediatamenteemtomo
dopontocego.Sevocêmirao
pontocegodoseuolhoesquer-
donocentrodeumarosquinha
amarela,veráumdiscoamarelo
emvezdeumanel;o amarelo
faz o preenchimento.O mais
notávelé quea mesmacoisa
aconteceem(C);a maioriadas
pessoasvêodiscoamarelosaltar
visivelmentecontraumfundo
de papelde paredede anéis
amarelos.Emvezdeextrapolar
opadrãorepetitivodeanéis,seu
sistemavisualrealizaumcômpu-
toestritamentelocalepreenche
apenaso amarelohomogêneo
noentomoimediatododisco.
Porémissonemsempreé
verdade,comosevêem(D).Ob-
serveailusóriafaixaverticalque
correatravésdaslinhashorizon-
taisparalelas.Mireopontocego
doseuolhoesquerdonodisco
azulparafazê-Iodesaparecer.
Vocêpreencheos segmentos
ausentesdaslinhashorizontais
quecorrematravésdo ponto
cego?Oupreencheafaixailusória
vertical?A respostadependedo
espaçamentodaslinhas.
Porqueaconteceopreenchi-
mento?Époucoprovávelqueo
sistemavisualtenhadesenvolvi-
doessacapacidadecomo único
objetivode lidarcomo ponto
cego(afinal,o outroolhonor-
malmentefaza compensação).
Opreenchimentodeveantesser
manifestaçãodoquechamamos
interpolaçãodesuperfície,uma
habilidadequesedesenvolveu
paracomputarrepresentações
desuperfíciesecontornoscontí-
nuosdomundonatural-mesmo
aquelesàsvezesparcialmente
ocultos(porexemplo,umgato
vistoatravésde umacercade
tábuasespaçadas,pareceumgato
inteiro,enãoumfatiado).Fisio-
logistas(especialmenteLeslieG.
Ungerleider,doInstitutoNacional
deSaúdeMental,RicardoGatass,
daUniversidadeFederaldo Rio
deJaneiroe CharlesD. Gilbert,
daUniversidadeRockefeller)
começamaexploraro mecanis-
moneurológicodesseprocesso
monitorandoo modopeloqual
neurôniossimplesdoscentros
visuaisrespondemaobjetospar-
dalmenteencobertospeloponto
cegoouporocIusoresopacos.
Seficarenjoadode brincar
comseupontocegonatural,
tenteisto.Noladodireitodatela
dalV coleumpequenopedaço
(0,5cmdediâmetro)decartolina
brancacomumpontopretono
centro.Depois,ligueaTVemum
canalqueestejaforadoarpara
quevocêpossaverapenas"pin-
gos"brilhantes.Coleumpedaço
grossodepapel-cartãocinza(o
maispróximopossíveldotomda
chuvadepingosdaTV)acercade
12cmdocartãobranco.Fiquea
ummetrodoaparelho.Seabriros
doisolhoseolharfixamentepara
o pequenopontopretodurante
15segundos,o quadradocinza
desaparecerácompletamente,e
aárea"desocupada"serápreen-
chidapelospingos-vocêtemalu-
cinaçõescomospingosondeeles
nãoexistem!O extraordinárioé
queseagoravocêolharparauma
paredecinza,veráumpedaço
quadradodepingosbrilhandona
regiãoemqueo preenchimento
ocorreu.Atéumasolitáriabolha
vermelhavistacontraumfundo
debolhasverdesdesapareceda
mesmaforma- asverdesfazem
o preenchimento.O cérebro,ao
queparece,detestaovácuo.
Essasexperiênciasmostram
comoérealmentepequenooní-
veldeinformaçãoqueocérebro
assimilaenquantoobservamos
o mundoeoquantoelepróprio
fornece.Ariquezadanossaexpe-
riênciaindividualéimensamente
ilusória;naverdade,nós"vemos"
muitopoucoe dependemosdo
trabalhodeadivinhaçãotreinado
parafazero resto.
o
binocularnormaléumacoinci-
dência,nãoumanecessidade.A
descobertadequedeterminada
informaçãovisualpodeserpro-
cessadainconscientementeem
umcaminhocerebralparalelo
lembraaenigmáticasíndrome
neurológicadavisãoàscegas.
Um pacientecom lesão no
córtexvisualécompletamente
cego:nãopodeperceberum
foco de luz. Mas elepodeal-
cançá-Ioe tocá-Iousandoum
caminho paralelo que evita
o córtex visual (necessário
paraa percepçãoconsciente)
e projetadiretamenteparaos
centroscerebrais,quesãouma
espéciede piloto automático
queguiamamão.
Um experimentosimilar
poderia,emtese,serelaborado
para a rivalidadebinocular.
Quandoaimagemdeumolho
é inteiramentesuprimidadu-
rantea rivalidade,talvezfosse
possívelalcançare tocaruma
manchaapresentadaàquele
z olho,aindaqueelasejainvisível
~parao olhosuprimido.:z:
~ O fenômenodarivalidadez
~ éumnotávelexemplodecomoo
~ podemosusarexperimentos
~relativamentesimples para
~ obtergrandesinsightssobreo
2 processamentovisual. ner:
Stereopsls
generatedwlth
JuleszpattersIn
splteof rlvalry
Imposedby
colourfllters.V.S.
RamachandraneS.
Sriram,emNature,
vol.237,págs.347-
348,1972.
Blnocularvlslon
andstereopsls.lan
P.HowardeBrian
J.Rogers.Oxford
UniversityPress,1995.
Blnocularrlvalry.
DavidAlaise
RandolphBlake
(orgs.).MIT Press,
2004.
www.mentecerebro.com.br25
OY~dD~3dVOSVH1IOVV\jH'V.O~83~p~3IN3V\j9Z
~
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ofascíniodo
Imagensespecularesajudampessoasamputadasa amenizarou
eliminara dorfantasma;experimentomostraa importânciada
comparaçãode informaçõessensoriaisparaa imagemcorporal
POR VlLAYANUR S. RAMACHANDRAN E
DIANE ROGERS-RAMACHANDRAN
os espelhosinspiramfascíniopeculiardesdequeumdosprimeirosancestraishominídeosolhou seureflexonuma
poçade águae percebeuumamisteriosacor-
relaçãoentreosprópriosmovimentos(sentidos
internamentepor meioda propriocepção)e o
feedbackvisual.Mais misteriosaaindaé nossa
capacidadede"refletir"sobrenósmesmos,oque
nostornaos primeiroprimatasintrospectivos.
Estahabilidadeéexpostademaneirasmuitodís-
pares:desdeNarcisoolhandoo próprioreflexo
numlagoatéa realidadevirtualque,de certa
forma,nostransportaparaforadocorpo.
Uma dasmaisintrigantesdescobertasdas
neurociênciasforamos neurônios-espelho,que
nospermitem"adotaro pontodevistadooutro",
literalmente,e quemsabeaté"olhar"apartirda
posiçãoestratégicade outra pessoa.É como
seo cérebroestivesseexaminandoseupróprio
espelhointerno.
Há cercadedezanososneurocientistasEric
L.AltschulereSteveHillyer,daUniversidadeda
CalifórniaemSanDiego,eumdenós(Vilayanur)
descrevemosumanovasíndromeneurológica
chamadaagnosiaespecular.O problemaé ca-
racterizadopelaincapacidadedepacientes- que
sofreramderrameslevesnohemisfériodireito-
nãosaberemqueaimagemdeumobjeto,refleti-
danoespelho,ésóumaimagem.Surpreenden-
temente,elestentampegaro "objeto"repetidas
vezes,comosenãoconseguisseminibirumato
reflexo,embora,dopontodevistamental,essas
pessoassejamabsolutamentesaudáveis.Esse
fenômenonos faz pensarnosmistériosentrerealidadee ilusão,nafragilidadeimplícitanessa
relaçãoe no quantoos espelhossãoprofunda-
menteenigmáticos.
Sensações cruzadas
Vocêpodebrincarcomreflexosparaexplorara
magiadeles.Comececonstruindoumacaixade
espelho(verquadropág.28).Projetamosessacaixa
originalmenteparatratarpacientesquesofreram
derrameou que,apósumaamputação,sentem
dor nomembro-fantasma;masqualquerpessoa
podesedivertirfazendooexperimentoconsigo
próprioecomosamigos.
Normalmente,nossossentidos- comoa
www.mentecerebro.com.br27
PERCEPÇÃO DA
própriaimagem
éatualizadacom
exerádosnacaixa
deespelhos
visão,aaudiçãoeapropriocep-
ção - trabalhamemrazoável
concordância.Mensagensori-
ginadasnessesdiferentescanais
sensoriaisconvergemparaos
girosangulare supramarginal
do lobo parietaldo cérebro,
ondeconstruímosnossa"ima-
gem corporal". Nos demais
primatas,essasduasestruturas
estãofundidasnumúnicogiro,
no lóbuloparietalinferior.
Na espéciehumana,entre-
tanto,dadaa importânciadas
interaçõessensoriaiscruzadas
- tambémchamadasinter-
modais-, esselóbulocresceu
muitoesedividiuemdois.Foi
assimqueessemacacopelado
se tornoucapazde tão vasta
sofisticaçãotecnológica- um
macacoquenãotentaapenas
28 MENTE&CÉREBRO.ARMADIlHAS DA PERCEPÇÃO
alcançaros amendoins,mas
tambémasestrelas.
Voltemos à caixa de es-
pelho. Comece com o lado
reflexivovoltadoparaadireita.
Depoiscoloqueamãoesquerda
no ladoesquerdodo espelho,
de modoquefiqueocultada
suavisão;eponhaamãoclireita
no ladodireito,deformaami-
metizarcomprecisãoapostura
e localizaçãodamãoesquerda
escondida.Agoraolhenoespe-
lho o reflexodamãodireita;a
sensaçãoquesetemédeestar
vendoa mãoesquerdareal,o
queéobviamenteumailusão.
Continue olhando o es-
pelho e movaas duasmãos
de formasincronizada- em
círculosouabrindoefechando
os dedos,por exempio- de
maneiraqueamãorefletidae
a ocultaestejamem perfeita
sincronia.Entãoparedemovi-
mentarapenasamãoesquerda
(oculta)e, ao mesmotempo,
continue mexendoa direita
lentamente:gire-a, faça um
acenoouagiteosdedos- mas
mantenhaa esquerdaimóvel.
Agoravemo instantemágico:
por alguns momentosvocê
veráamãoesquerdasemover,
emboraa sinta imóvel.Sur-
preendente,não? O cérebro
abominacontradições.
Incongruência sensorial
Prepare-separaalgomaisdes-
concertante:movaa mãoes-
querda oculta e, ao mesmo
tempo, mantenhaa direita
imóvel. A sensaçãoé ainda
maisestranhaquandovisãoe
propriocepção"sechocam".
A seguir, ainda olhando o
espelho,peçaaumamigoque
~seguresuamãodireita.Você
~ verá sua"mãoesquerdavir-
tual"sendotocada,enquanto
a mãoesquerdareal,atrásdo
espelho,permanecelivre.Com
esteconflitosensorialpeculiar,
algumaspessoassentemamão
esquerdacomo se estivesse
anestesiada- porquevêemo
toque,masnãoo sentem.
Um outro tipo de incon-
gruênciasensorialacontece
quando você olha sua mão
atravésdeumalentecôncava,
o queadeixabemmaislongae
menor.Issoporsisójáprovoca
umestranhamento,massevocê
movê-Iaou agitaros dedos,a
sensaçãosetornaráaindamais
paradoxale fantasmagórica.É
comoseestapartedo corpo
não lhe pertencesse,umaes-
péciede experiênciafora do
corpo.O mesmoacontecese,
duranteumacaminhada,você
olhar seuspés atravésdesse
tipodelente.Elesvãoparecer
maislongos,magroseelásticos,
comoseestivessemseparados
docorpo.
Essasexperiênciaspodem
sermuitodivertidas,mastêm
tambémgrandeimportância
teóricae clínica.Quandoum
braçoé amputado,o paciente
continuaa sentirvividamente
suapresença,aconhecidasín-
dromedo membro-fantasma.
Muitos delesacreditampo-
der movimentá-Iolivremente.
Como explicaressasensação
ilusória?Quandovocêmovea
mão,centrosdecomandomo-
tornaregiãofrontaldocérebro
enviamumsinalqueatravessa
amedulaespinhale chegaaté
osmúsculos.Aomesmotempo,
umacópiadessecomandovai
parao lobo parietal, região
querecebefeedbackvisuale
proprioceptivo.Assim, se o
membroé perdido,nãoexiste
feedbacksensorial,mas,ainda
assim,a cópiado comandoé
enviadaao lobo parietale in-
terpretadapelocérebrocomo
movimentosdo fantasma.Por
razõesque nãocompreende-
moscompletamente,alguns
pacientessão incapazesde
"mover"seumembro-fantasma
e dizemque ele está"parali-
sado".Outros relatamdor ou
"congelamento"em posição
nãousual.
Mas como um fantasma
podeestarparalisado?Muitos
dessespacientestiveramante-
riormenteumalesãonosnervos
quesaemdamedulaespinhale
inervamosmúsculosdo braço,
oquedeixouo membropara-
lisado,porémintacto.Sempre
queocórtexpré-motorenvia-
vao comandoparamovê-Io,
recebiaumfeedbackvisuale
proprioceptivoquedizia:"Não
semova".Essamensagemacaba
sendogravadanocérebrocomo
umaformade"paralisiaapren-
dida",umaespéciedememória
queé transferidaaofantasma.
Paralisia aprendida
Seriapossíveltrazero fantas-
madevoltaàvidafornecendo
aopacienteumfeedbackvisual
todavezquetentassemovê-Io?
Essaestratégiapoderiaaliviar
ador?Emumartigode 1996,
descrevemosatécnicadacaixa
deespelho.O paciente"colo-
ca"seufantasmaparalisadode
um lado e a mãonormaldo
outro;depoisolhanoespelho
enquantorealizamovimentos
simétricos(batendopalmas,
por exemplo).O espelhoda
caixadáa ilusãovisualdeque
o fantasmafoi ressuscitadoe
semoveemperfeitasincronia
comoscomandosdocérebro.
Em muitospacientes,a sen-
sação de cãibra desaparece
pela primeiravez em anos;
em outros,o fantasmasome
completaepermanentemente,
juntocomador.
Sugerimosque tais pro-
cedimentospodemser úteis
tambémparaoutrosquadros
clínicos, como derrameou
distoniafocal,doençaneuro-
lógicaqueprovocacontrações
muscularesinvoluntárias.Estes
efeitos foram confirmados
recentementeemensaiosclí-
nicosrealizadoscomtécnicas
de imageamentocerebralpela
neuropsicólogaHerta Flor,
do InstitutoCentraldeSaúde
Mental da Universidadede
Heidelberg,Alemanha.
A dor fantasmaé muito
desagradável,masbemmenos
freqüentequeoderrame,ouaci-
dentevascularcerebral(AVC),
r
a principalcausade invalidez
nosEstadosUnidos.Causadas
porproblemasvasculares,lesões
nasfibrasnervosasquevãodo
córtexàmedulaespinhalpodem
levarà paralisiatotalde uma
das metadesdo corpo. Será
queexistealgumcomponente
daparalisiaaprendidanoAVO
Talvezo inchaçoe inflamação
iniciaiscauseminterrupçãotem-
poráriadatransmissãodesinais
que,combinadacomaevidência
visualde paralisia,levaa uma
formadeparalisiaaprendidaque
sesomaàparalisiarealcausada
pelalesãonervosa.
Em 1999, recorremos à
caixadeespelhoparatratara
paralisiasecundáriaao AVc.
Testamosnove pacientese
constatamosumarecuperação
incrível,considerandoqueesse
tipo de paralisiageralmenteé
incurável.Imaginávamosque
célulasmultimodais(direta-
menteconectadasà saídavi-
PLASTICIDADE
NEURAL: impacto
na reabilitação
de quemsofreu
amputaçãoou
derrame
www.mentecerebro.com.br19
A mãofantasma
Emalguns
casos,se
o médico
tocasseamão
verdadeira,o
pacientenão
apenasviaa
fantasmasendo
tocada,como
tambémsentia
essetoque
Vocêpodeserconvencidode
quesenteumafalsamãocomo
sefosseasuaprópria.Parades-
cobrirporsimesmo,peçaaum
amigoquesesenteaumamesa
pequena.Useumadivisãover-
tical,comomostraailustração
- umpedaçodecartolinaé o
bastante.Apóiea suamãodi-
reitanamesadeformaquenão
possavê-Ia,atrásdadivisória.
À vista,coloqueumamãode
plástico- dasquesecompram
emlojasdebugigangasoude
fantasias.Peçaaseuassistente
quetoquesuamãoescondida
usandoalternadamenteapon-
ta do dedoe, compequenos
tapas,a mãoaberta,numa
seqüênciaaleatóriadetoques
comotapa,tapa,tapa,ponta
dodedo,tapa,pontadodedo,
ponta do dedo. Ao mesmo
tempo,emperfeitasincronia,
eledevefazero mesmocoma
mãofalsa.
Se continuarnesseritmo
por 20ou 30segundos,algo
fantasmagórico acontece:
a estranhasensaçãode que
vocêrealmentesentea mão
falsa.Porqueaconteceisso?
MatthewBotvinickeJonathan
Cohen,entãona Universida-
30 MENTE&CÉREBRO.ARMADILHASDA PERcEPÇÃo
de de Pittsburghe na Uni-
versidadeCarnegieMellon,
reportarama chamadailusão
da mãodeplásticoem1998,
sugerindoquea similaridade
físicaentreamãoverdadeiraeadomodeloésuficientepara
enganarocérebroefazercom
queeleatribuaas sensações
detoqueaosmembrosfalsos.
Elesacreditamqueessailusão
éforteobastanteparasuperar
a pequenadiscrepânciaentre
a posiçãode suaverdadeira
mão,marcadapelaarticulação
deseucorpoe pelosrecepto-
resmusculares,ealocalização
damãodeplásticoregistrada
porseusolhos.
Mas a histórianãoacaba
aqui.Maisoumenosnamesma
épocaemqueBotvinicke Co-
henobservaramoefeitodamão
deplástico,nósenossoscolegas
WilliamHirsteine Kathleen
CarrieArmeida Universidade
da Califórnia,emSanDiego,
descobrimosoutrapeculiari-
dade:o objetotocadoporseu
ajudantenãoprecisasequer
parecercomsuamão.Épossível
produziro mesmoefeitosim-
plesmenteacariciandoamesa.
Façaa experiência:destavez
peçaa seucolegaqueacaricie
e toquea superfíciediantede
vocêenquantofazmovimen-
tosequivalentesemsuamão
escondida.(Sea utilizaçãoda
mesanãofuncionar,pratique
comumamãodebrinquedoe
depoisvámudandoparaomó-
velo)Compaciência,vocêvaiter
sensaçõesdetoqueproveniente
dasuperfíciedemadeiraàsua
frente.A ilusãoficaaindamais
intensasevocêcobriro tampo
da mesacomumatoalhade
plásticoparaimitarasqualida-
destáteisdapele.
Essailusãoé extraordina-
riamentearrebatadoranapri-
meiravezquevocêadescobre.
Mascomooscientistaspodem
tercertezadequevocêagora
assimilouamesaàimagemdo
seucorpode modoperceptí-
vel?No ano passado,Armei
e umdenós(Ramachandran)
descobrimosque, umavez
desenvolvidaa ilusão,sevocê
"ameaçar"amesaouamãofal-
safingindoquevaidesferir-lhe
umgolpe,apessoaestremece
e até começaa suar,como
fariaseestivesseenfrentando
umaameaçaverdadeiraaoseu
própriocorpo.Demonstramos
essareaçãoobjetivamente
registrandoumasúbitadimi-
nuiçãonaresistênciaelétricada
pelecausadapelatranspiração
- a mesmarespostada pele
galvânicausadaemtestesde
detectoresdementira.Écomo
sea mesafosseincorporadaà
imagemdocorpodeformaa
~ seconectarcomcentrosemo-
~
~cionaisdo cérebro;a pessoa
~senteaameaçacontraamesa
i comosefosseumaameaçaa
~elaprópria.
SENTE-SEÀ MESAeobstrua
avisãodeumdeseusbraços.
Coloqueàvistaumafalsamão.
Sealguémtocaramãoartificial,
vocêteráa impressãoilusóriade
perceberotoque
A SENSAÇÃOilusóriachegaa
provocaralteraçõescorporaiscomo
aumentodatranspiração
Essasilusõesdemonstram
dois princípios importantes
subjacentesà percepção.Em
primeirolugar, a percepção
baseia-seamplamentena ex-
traçãodecorrelaçõesestatísti-
casdosestímulossensoriais.Ao
sentirquesuamãoescondida
sofrepequenosgolpese vera
mãodeplásticoouamesasen-
dotocadasdamesmamaneira,
seucérebrosepergunta"Qual
éaprobabilidadedequeesses
dois conjuntosde seqüências
aleatórias(namãoescondidae
namesaoumãofalsavisíveis)
sejamidênticossimplesmente
poracaso?Nenhuma.Porisso,
a outrapessoadeveestarme
tocando".
Emsegundolugar,os me-
canismosmentaisquefazem
essascorrelaçõesbaseiam-seem
processosautomáticospouco
suscetíveisaointelectodenível
maiselevado.Cominformações
reunidasporsistemassensoriais,
o cérebrofazseusjulgamentos
semcogniçãoconsciente.Até
mesmooconhecimentodeque
umamesanãofazpartedoseu
corpoé abandonadoà luz da
decisãodapercepçãoilusóriade
queé.Oseu"conhecimento"de
queissoéimpossívelnãoimpe-
deailusão.
Essaexperiênciafoiinspirada
por umtrabalhoanteriorque
realizamoscompacientesque
tinhammembrosfantasmas.
Depoisqueumapessoaperde
umbraçopor acidenteou do-
ença,elapodecontinuarasentir
suapresença.Comfreqüência,
o membrofantasmapareceter
sidocongeladonumaposiçãoes-
tranhamentedolorosa.Pedimos
aumpacientequepusesseseu
braçoesquerdofantasmaà es-
querdadeumespelhocolocado
emposiçãoverticalnumamesa
àsuafrente.Depoiselecolocou
seubraçodireitointactonolado
direito,deformaqueseureflexo
eravistonoespelhosuperposto
aodofantasma,criandoailusão
visualde queo braçoquefal-
tavahaviasidorestaurado.Se
o pacientemovesseseubraço
direito,eleviao fantasmase
mover.O extraordinárioé que
isso"animava"o fantasmade
maneiraqueeleosentiamover-
setambém- aliviandoàsvezes
a câimbra.Aindamaissurpre-
endente:emalgunscasos,seo
médicotocasseamãoverdadei-
ra,o pacientenãoapenasviaa
fantasmasendotocada,como
tambémsentiaessetoque.Mais
umavezo cérebroconsidera
poucoprovávelqueessacombi-
naçãode impressõessensoriais
sejacoincidência;dessaforma,
eledefatosenteotoqueemsua
mãofantasma.
Considereas implicações
dessasilusões.Todosnósatra-
vessamosavidafazendoconjec-
turascomo"Meunomesempre
foi José"ou "EunasciemSão
Paulo".Todasessasconvicções
podemserquestionadaspor
váriasrazões.Porém,umapre-
missaquepareceestaralémde
qualquerquestionamentoé a
dequevocêestáancoradoem
seucorpo.Entretanto,subme-
tido durantealgunssegundos
aotipodeestimulaçãocorreta,
até mesmoessefundamento
axiomáticoé temporariamente
abandonado,quandoa mesa
parecetornar-separtedevocê.
ComodisseShakespearecom
propriedade,nósrealmenteso-
mos"amatériadequeossonhos
sual,proprioceptivae motora,
esimilaresaosneurônios-espe-
lho),dormentesapóso AVC,
estavamsendoreavivadaspelo
feedbackvisual ilusório do
espelho. Este resultado foi
tambémreproduzidoemen-
saiosclínicos realizadospor
doisgruposindependentes,um
deleschefiadopelapsicóloga
Jennifer A. Stevens,à época
naUniversidadeNorthwestern
e no InstitutodeReabilitação
de Chicago, e o outro pelo
neurologistaChristianDohle,
do HospitalUniversitáriode
Düsseldorf,Alemanha.
Tambémsabemosque,em-
borafibrasmotorasdo córtex
cruzematéo ladoopostodo
corpo (orientaçãocontralate-
ral),outrasinervamo mesmo
lado(orientaçãoipsilateral).Por
quefibrasintactasnãopodem
"substituir"aslesionadasquan-
do ocorreum derrameé um
enigmaquepersistehá muito
tempo.Umapossibilidadeéque
elassejam"recrutadas"pelouso
do espelho.Em casopositivo,
concluiremosqueos espelhos
nãosãoúteisapenasparaos
ilusionistas,mastambémpodem
revelarcomoo cérebrointegra
diferentesinformaçõessenso-
riais. Igualmenteimportante,
o feedbackvisual- vindode
espelhosouderealidadevirtual
- podeserclinicamenteútil
paraa recuperaçãode déficits
neurológicoshámuitoconside-
radosincuráveis. nec
~
Phantomlimbs,
neglectsyndromes,
repressedmemo-
riesandFreudian
psychology. V. S.
Ramachandran,em
IntemationalReviewof
Neurobiology,vai. 37,
págs.291-333,1994.
www.mentecerebro.com.br31
Imagens
ambí uas
Ilusõesvisuaisatiçama curiosidadee
permitemdiversasinterpretações;o sistema
nervoso,porém,anseiapor respostase se
concentraem umasó alternativa
POR VlLAYANUR S. RAMAOIANDRAN E
DIANE ROCiERS-RAMAOIANDRAN
Océrebrodetestaa ambigüidade.Apesardisso,somoscuriosamenteatraídosporela.Não é poracasoquetantasilusões
visuaisfamosasexploramaduplaconotaçãoeex-
citamnossossentidos.Resolverquestõesdeflagra
umaondadeprazernamente,semelhanteàquela
quevivenciamosnomomentoemqueresolvemos
umproblema.Taisobservaçõeslevaramo físico,
psicólogoe oftalmologistaHermannvonHelm-
holtz(1821-1894)amostrarqueapercepçãotem
muitoemcomumcomaresoluçãodeproblemas
intelectuais.Maisrecentemente,aidéiafoirevistae
defendidapeloneuropsicólogoRichardL.Gregory,
daUniversidadedeBristol,Inglaterra.
Aschamadasfigurasbiestáveis- comoailusão
dosrostos/vaso(verfiguraanapág.34)- sãocom
freqüênciaanunciadasnoslivrosescolarescomo
32 MENTt&CÉREBRO.ARMADIlHAS DA PERCEPÇÃO
.
exemplobásicodamaneiracomoinfluênciasde
cimaparabaixo(conhecimentoou expectativas
preexistentes)decentrossuperioresdo cérebro
- emquecódigosperceptuaissãoregistrados
- podeminfluenciarapercepção.
ConsidereosimplescasodocubodeNecker(ver
figuraenapág.35).Vocêpodeveressailusãodeduas
maneiras:como cuboviradoparacimaouvirado
parabaixo.Comumpoucodeprática,é possível
alternaràvontadeumaeoutradessaspercepções
intercambiáveis(aindaassim,ébastantedivertido
quandoessavariaçãosedádemaneiraespontânea,
provocandoasensaçãodequesecaiunuma"pega_
dinha").Na verdade,o desenhoécompatívelnão
apenascomduasinterpretações,comoemgeralse
acredita;defatoháumconjuntoinfinitodeformas
trapezoidaisquepodemproduzirexatamentea
..
mesmaimagemretiniana,mas

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