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Psicose e ética do pensador na clínica de Bion. Panorama dos artigos dos anos 50. Impulso, Piracicaba 2152, 57 64, jul. dez. 2011

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Resumo Na década de 1950, Wilfred Bion publicou artigos dedi-
cados ao aprofundamento e à ampliação das concepções de Me-
lanie Klein sobre a psicose. O olhar do autor sobre os processos 
intrapsíquicos ajudou a elucidar as dificuldades do psicótico em 
constituir e sustentar uma vida subjetiva vinculada à consciência 
das realidades interna e externa. Porém, o entendimento dessas 
dificuldades ganhou uma complexidade teórica e técnica ainda 
maior quando Bion passou a explorar o potencial intersubjetivo 
da identificação projetiva, tomada como veículo de comunicação 
e como forma primitiva de se obter conhecimento de si. Neste 
estudo, mostra-se o processo pelo qual Bion chegou a essa com-
preensão em uma experiência clínica sua, e a importância desse 
processo para o tratamento. Também se delineiam as ideias do 
autor naquela época sobre o significado do objeto externo, em 
especial sobre o papel do analista no processo de subjetivação.
Palavras-chave identificação projetiva normal, pensamento 
pré-verbal, comunicação primitiva, atitude analítica.
Abstract In the 1950s, Wilfred Bion published articles dedi-
cated to deepening and expanding Melanie Klein’s concepts 
on psychosis. Bion’s view of intrapsychic processes helped to 
elucidate the difficulties faced by psychotics in constituting and 
sustaining a subjective life linked to the awareness of internal 
and external realities. However, the understanding of these dif-
ficulties gained even greater theoretical and technical complex-
ity when Bion began to explore the intersubjective potential of 
projective identification, which was taken as a means of com-
munication and a primitive way of obtaining self-knowledge. 
This study shows the process through which Bion reached this 
understanding in a clinical experience and the importance of this 
process for treatment; it also outlines his ideas at that time re-
garding the significance of the external object and especially the 
analyst’s role in the process of subjectivation.
Keywords normal projective identification; pre-verbal thou-
ght; primitive communication; analytic attitude.
AdriAnA SAlvitti
Universidade de 
São Paulo (USP). 
adrianasalvitti@hotmail.com
Psicose e ética do Pensador na 
clínica de Bion: Panorama dos 
artigos dos anos 50
Psychosis and the thinker’s ethics in Bion’s clinic: 
a scenario of papers from the fifties
58 Impulso, Piracicaba • 21(52), 57-64, jul.-dez. 2011 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767
Introdução
O tema desta edição, voltado para a dis-cussão das noções de alteridade e éti-ca na psicanálise, deflagra o que há de 
mais central e, ao mesmo tempo, problemá-
tico na prática clínica. Certamente o conceito 
de inconsciente e as compreensões sobre as 
formas do homem admitir ou ignorar aquilo 
que há de estranho, intolerável e de desco-
nhecido em si, bem como fora de si, constitui 
o estofo dessa disciplina desde o plano mais 
abstrato, teórico explicativo, até o plano mais 
concreto, ligado ao dia a dia do consultório. 
As formas de subjetivação e de conduta ten-
do em vista o outro interno e externo com-
põem uma discussão fundamental no que diz 
respeito à clínica psicanalítica, uma vez que as 
questões relacionadas ao reconhecimento de 
uma alteridade fazem parte da natureza da 
relação analítica seja no âmbito transferen-
cial, seja contratransferencial. O trabalho psi-
canalítico com a psicose, em especial, veio dar 
a essas questões uma agudeza ainda maior.
Do ponto de vista da história da psicaná-
lise, já vem de longa data a problematização 
em torno das mudanças que ocorreram na 
teoria e na técnica analítica em função do tra-
balho com pacientes não neuróticos, isto é, 
que apresentam transtornos mais ou menos 
severos na constituição do narcisismo (GRE-
EN, 2008). Essas mudanças se impuseram ao 
analista pela sua necessidade em examinar 
o seu papel e a função do enquadre quando 
falham a manutenção do dispositivo analítico 
e a capacidade de simbolização no paciente, 
bem como no próprio analista. Mas não ire-
mos nos deter sobre os aspectos históricos 
desse tema. Apenas destacamos a excelente 
abordagem feita por André Green (1975), que 
combina uma perspectiva objetiva relaciona-
da à diversidade de quadros psicopatológicos 
que passaram a ser descritos na literatura 
psicanalítica e nos quais predominam funcio-
namentos psicóticos, com uma perspectiva 
subjetiva relacionada a mudanças no analista. 
Green entende que, ao longo do desenvolvi-
mento da psicanálise, houve uma ampliação 
na sensibilidade e na percepção para estados 
de mente mais regredidos, incluindo maior 
atenção ao próprio estado mental e emocio-
nal do analista, muito em função da maneira 
como o paciente se comporta na sessão e 
emprega a linguagem para fazer e comunicar 
coisas concretas, em vez de transmitir signifi-
cados verbais.
O psicanalista inglês Wilfred R. Bion 
(1897-1979) desenvolveu a sua obra no bojo 
das contribuições e inovações trazidas pelo 
pensamento de Melanie Klein com relação 
a esse grupo de pacientes; além disso, cola-
borou de maneira original para o aprofunda-
mento na compreensão dessas questões no 
âmbito teórico e técnico. A experiência clíni-
ca de Bion com esquizofrênicos, neuróticos 
graves e pacientes borderline deu origem, na 
década de 1950, a formulações originais sobre 
o funcionamento mental primitivo e sobre a 
qualidade da relação analítica. Veremos que 
ele contribuiu para o entendimento do esta-
do precário das funções do ego em virtude 
do ódio e do sadismo direcionados a elas, e 
do quanto era difícil a esses pacientes alcan-
çarem e manterem um contato minimamente 
enriquecedor com a realidade interna e exter-
na. Essas compreensões são acompanhadas 
de descrições clínicas bastante minuciosas, 
que surpreendem pelo conteúdo bizarro das 
experiências e pela capacidade de Bion per-
ceber os diferentes usos que os pacientes 
faziam de seus instrumentos psíquicos, tanto 
no sentido de impedir como de promover o 
desenvolvimento.
A partir da década de 1960, Bion realizou 
importantes reflexões sobre o método, des-
tacando as funções de personalidade no ana-
lista no tratamento de ansiedades primitivas. 
A essas reflexões Bion acrescentou o interes-
se pela natureza da “matéria” ou do objeto 
de investigação psicanalítico combinado à sua 
possibilidade de apreensão dentro e fora do 
consultório. Neste último caso, referimo-nos 
a uma preocupação de Bion com a possibilida-
de de transmissão da psicanálise por meio de 
trabalhos científicos.
Dada a extensão de seu pensamento, fa-
remos um recorte em sua obra, abrangendo 
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apenas o período em que Bion estava em vias 
de organizar as suas ideias naquela que ficou 
conhecida como a Teoria do Pensar, apresen-
tada em 1962.1 Nossa intenção é apresentar 
um panorama das concepções do autor sobre 
a psicose, presentes em artigos publicados 
nos anos 50, e chamar a atenção para um mo-
mento clínico no qual Bion enfoca o papel do 
analista no evolver de uma situação analítica.
Nesses artigos, ainda não encontramos 
os conceitos que comumente caracterizam o 
pensamento de Bion, como função-alfa, ele-
mento beta e reverie, muito menos a formula-
ção já clássica sobre a necessidade do analista 
manter uma atitude livre de memória, desejo 
e compreensão. Vale dizer que esses concei-
tos estão na base de qualquer discussão que 
se pretenda fazer sobre alteridade e ética em 
Bion. A pergunta natural a se fazer é por que, 
então, deixá-las de lado e, mais ainda, por que 
tirar do leitor a oportunidade de conhecer ou 
de revisitar conceitos tão complexos?
Obviamente não se trata de ignorá-los. 
O que pretendemos fazer é expor algumas 
das questões que somente a posteriori irão 
compora sua teoria de modo explícito, mui-
to porque encontramos nesses artigos iniciais 
traços de uma abordagem que está na base 
de formulações bastante abstratas, presen-
tes em livros como O aprender da experiên-
cia (1962b) e Elementos da psicanálise (1963). 
Entre a publicação desses livros e os artigos 
da década de 1950 há um grande salto na for-
ma e no conteúdo apresentado. Bion não é 
um autor sistemático ou didático, e muito do 
processo de amadurecimento de suas ideias 
e das questões que fazem a ponte entre seus 
trabalhos não são evidentes. 
O interesse de Bion pelo método, asso-
ciado ao desenvolvimento de uma capacida-
de de pensar tanto no paciente como no ana-
lista pode ser visto em algumas passagens de 
seus artigos. Nelas, notamos a relação mais 
ou menos direta entre a emergência de insi-
ght no analista e a entrada do paciente em
1 BION, 1962a. Uma visão geral sobre a obra e a vida de 
Bion pode ser encontrada em BLÉANDONU, 1993. 
contato com uma vida psíquica que, em seus 
aspectos fundamentais, mantinha-se inviabili-
zada.2 Uma análise do artigo Sobre arrogância 
(1958b) nos permitirá acompanhar a atenção 
de Bion aos transtornos de pensamento tam-
bém no que diz respeito à mente do analista 
e à forma com que foi possível a ele chegar 
a certas compreensões na sessão, a partir de 
mudanças em seu estado de mente. Ao con-
trário do que se poderia imaginar, o enfoque 
não é propriamente sobre a contratransferên-
cia no sentido do que se passa com o analista, 
e sim na atividade de pensar ansiedades mui-
to primitivas e seus percalços. 
Além de essas concepções terem uma 
importância clínica em si, esperamos que elas 
ajudem o leitor interessado em Bion a cons-
truir pontes entre ideias que se encontram 
espalhadas em sua obra, e facilitem o acom-
panhamento de alguns desdobramentos em 
seu pensamento.
Concepções teóricas sobre 
a psicose e experiências clínicas 
Quando nos voltamos aos textos escri-
tos por Bion na década de 1950, observamos 
todo o seu empenho em elucidar os meca-
nismos arcaicos do funcionamento mental, 
a gênese psíquica da psicose, bem como a 
descrição de uma série de fenômenos psicóti-
cos em pacientes severamente perturbados. 
Notamos também que essas descrições tive-
ram como base a observação da qualidade da 
comunicação entre paciente e analista, prin-
cipalmente no que diz respeito à forma de o 
paciente empregar a linguagem verbal. Esta, 
além de ser um modo de pensamento e co-
municação, é um veículo para a concretização 
de fantasias primitivas com o objeto. A fim de 
evitar ansiedades aniquiladoras, mas também 
a fim de fazer valer seus impulsos sádicos e 
seu anseio pela onipotência, o psicótico frag-
menta o pensamento verbal e usa a lingua-
gem para descarregar ansiedades e fazer coi-
sas concretas com o objeto externo. Ao invés 
2 Nos últimos anos, essas ideias têm sido aprofundadas 
por nós por meio de diferentes ângulos (SALVITTI, 
2004, 2006, 2011).
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de as palavras representarem ideias e emo-
ções e servirem para pensar, elas equivalem 
a uma parte não admitida da personalidade. 
Por meio de fantasias onipotentes que subja-
zem à fala e às ações, as ansiedades primitivas 
seriam expelidas e colocadas para dentro de 
uma pessoa, ou de uma coisa qualquer, pro-
vocando, de fato, reações no ambiente exter-
no. Em um conhecido trecho de Notas sobre 
a teoria da esquizofrenia (1954), Bion faz a se-
guinte afirmação:
[...] o paciente fala de um modo so-
nolento com a intenção de fazer o 
analista dormir. Ao mesmo tempo, 
estimula a curiosidade do analista. 
A intenção [...] é dividir o analista, 
que é impedido de dormir e de fi-
car acordado.3
Como diz Meltzer (1998), o recém-apre-
sentado conceito de identificação projetiva 
por Melanie Klein, em 1946, estava no centro 
dessas constatações, proporcionando impor-
tantes ampliações teóricas e avanços na téc-
nica. Segundo a concepção original de Klein 
(1946), a identificação projetiva seria o meio 
pelo qual, em fantasia, um aspecto odiado ou 
idealizado que está cindido da personalida-
de é reconhecido como pertencente a outra 
pessoa, deixando o projetor esvaziado desse 
mesmo aspecto. As ansiedades envolvidas 
nesse processo acarretariam inibições no in-
telecto e na formação de símbolos, prejudi-
cando a formulação e resolução de problemas 
relacionados com o conhecimento e o desen-
volvimento da personalidade.
Bion foi um dos principais colabora-
dores de Klein na investigação da dimensão 
patológica e anormal da identificação proje-
tiva, descrevendo os efeitos da destrutivida-
de direcionada ao ego e às suas funções. Em 
seus artigos sobre a psicose, mostra que o pa-
ciente fica impossibilitado de usar a atenção, 
a memória, o pensamento verbal e a capaci-
dade de julgar para conhecer a si mesmo e a 
3 BION, 1954, p. 35.
realidade ao seu redor, tornando ainda mais 
intoleráveis as ansiedades as quais está sub-
metido. Ousar sonhar, pensar e constituir um 
mundo interno mais enriquecido promoveria 
a percepção de toda essa destrutividade e o 
surgimento de significados bastante doloro-
sos e quase impossíveis de serem admitidos. 
Porém, Bion também mostrou as formas 
com que esses pacientes tentam reconstituir 
seu aparelho psíquico e tomar contato com 
a realidade odiada. Mecanismos comumente 
associados à psicopatologia psicótica, como 
a alucinação, o delírio e a identificação pro-
jetiva, também seriam usados para a recons-
tituição do ego na busca por conhecimento. 
Em meio a tantas dificuldades e contando 
com recursos tão incipientes, é surpreenden-
te encontrarmos nos relatos de Bion peque-
nos momentos – não menos sofridos – nos 
quais o paciente sente que há cooperação, 
em que experimenta alívio diante de um ob-
jeto que o ajuda quando consegue dar vazão 
ao seu “impulso para comunicar” e obter a 
“ingestão de cura”. Especialmente em Sobre 
alucinação (1958a), Bion mostra que a cisão, 
a alucinação e o delírio poderiam ser usados 
como atividades criativas a serviço da “intui-
ção terapêutica”.4 
Bion detectava, assim, a presença de 
um pensamento primitivo que existiria à par-
te de significados verbais, relacionado a me-
canismos tipicamente patológicos, que não 
tinham essa como sua única característica. A 
descrição de aspectos criativos presentes na 
psicose trouxe uma importante contribuição 
à literatura da área, cujo enfoque se dá, so-
bretudo, nos aspectos mais doentios do pa-
ciente. Essa descrição é importante, também, 
por deixar entrever o significado clínico de o 
analista acompanhar as diferentes qualidades 
e empregos que os fenômenos assumem na 
sessão de momento a momento. Voltaremos 
a isso no próximo item.
Bion nota que na posição esquizopara-
noide haveria a expressão de um simbolismo 
rudimentar ou de um pré-simbolismo seme-
4 Idem, 1958a, p. 82;96.
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lhante ao material onírico, capaz de propor-
cionar alguma consciência da realidade psí-
quica e uma comunicação primitiva. Se de um 
lado o pensamento verbal estaria associado à 
posição depressiva devido a sua qualidade de 
síntese e de integração, por outro, seria pos-
sível detectar já na posição esquizoparanoide 
um pensamento pré-verbal e tentativas de re-
constituição do ego.
Essas ideias foram bastante discutidas 
em um de seus artigos mais importantes, inti-
tulado Diferenciação entre a personalidade psi-
cótica e a personalidade não-psicótica (1957), 
por meio de uma perspectiva eminentemente 
intrapsíquica, mas já com algum destaque para 
a maneira como o analista lidou com material 
tão primitivo. A dimensão intersubjetiva ga-
nhará uma exposição mais amplanos artigos 
Sobre arrogância (1958b) e Ataques à ligação 
(1959), quando Bion descreve em maiores 
detalhes a natureza da relação analítica. Sem 
fazer menções diretas, Bion parecia estar refle-
tindo intensamente sobre o papel do analista 
no tratamento quando predominam formas 
primitivas de pensamento e de comunicação. 
Em acréscimo à descrição dos modos 
com os quais o paciente impede a formação 
do psiquismo, em Ataques à ligação (1959) Bion 
inclui o ódio dirigido a tudo aquilo que promo-
ve vínculo intrapsíquico e intersubjetivo, como 
a linguagem, a curiosidade, as emoções, a ca-
pacidade de entendimento, o seio, o pênis, a 
criatividade do casal parental e, por extensão, 
da dupla analítica. Porém, Bion chama a nossa 
atenção para a importância e a necessidade 
de o psicótico habitar plenamente a posição 
esquizoparanoide e nela encontrar uma forma 
de transmitir e de elucidar as suas ansiedades. 
Reproduzimos a seguir uma passagem que ex-
plicita bastante bem essa problemática.
Esta impressão decorre em parte de 
uma característica da análise de um 
paciente que foi difícil de interpre-
tar pois não parecia, em momento 
algum, chamativa o bastante para 
que a interpretação se apoiasse 
em evidência convincente. Por 
toda a análise, o paciente recorreu 
à identificação projetiva com uma 
persistência tal que sugeria que 
se tratava de um mecanismo de 
que jamais conseguira valer-se o 
suficiente; a análise deu-lhe uma 
oportunidade para o exercício de 
um mecanismo de que havia sido 
privado. [...] Quando o paciente se 
esforçava por livrar-se dos temores 
de morte, sentidos como sendo de-
masiado intensos [...], ele cindia e 
afastava tais temores e os colocava 
dentro de mim, com a ideia de que, 
se lhes fosse permitido ali repousar 
por tempo suficiente, minha psique 
os modificaria, podendo eles então 
ser reintrojetados sem perigo.5
A partir de constatações clínicas como 
essa, a identificação projetiva, que até então 
havia sido amplamente descrita em seus as-
pectos defensivos, ganhou novos contornos 
conceituais e proporcionou importantes des-
dobramentos técnicos. Além de Bion explici-
tar as diferenças do conceito, mostrando as 
suas implicações metapsicológicas, ele tam-
bém enfocou o trabalho clínico, em especial, 
a importância de o analista atentar para as 
diferentes qualidades que os fenômenos pri-
mitivos poderiam assumir durante a sessão. 
Notamos, assim, nesses últimos arti-
gos da década de 1950, a exposição de uma 
característica nova do conceito de identifica-
ção projetiva, associada à descrição de uma 
percepção nova que surge no analista no 
decorrer da situação analítica. Sobre arrogân-
cia (1958b) é o artigo que melhor ilustra essa 
mudança subjetiva no analista, conforme a 
afirmação de Green (1975) mencionada na in-
trodução de nosso texto. Dado o enfoque de 
Bion, tomamos essa afirmação também como 
expressão de mudanças que ocorrem na sin-
gularidade de um processo analítico. Apesar 
de representar um avanço técnico, a aten-
ção do analista à qualidade assumida pelos 
5 Idem, 1959, p. 119-120.
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estados primitivos de mente não é uma con-
dição a priori de observação. Na década de 
1960, Bion indica que será necessário explorar 
as condições emocionais e as funções de per-
sonalidade envolvidas nos impedimentos e fa-
vorecimentos da observação em psicanálise.
Sobre atitude analítica, 
arrogância e tratamento 
A união entre a percepção da natureza 
da relação analítica e a atitude do analista rela-
cionada a uma ética é talvez o grande tema de 
Sobre arrogância (1985b). Este artigo dá uma 
ideia muito clara do momento em que um sen-
tido emerge e organiza uma situação caótica 
na qual paciente e analista formavam uma du-
pla frustrada. O texto ilustra por meios clínicos 
algumas das reflexões mais abstratas de Bion 
sobre a teoria da técnica na década seguinte, 
formuladas em torno da relação entre o pen-
sador que passa a existir para dar conta de 
pensamentos até então não pensados. Vamos 
agora à narrativa clínica presente no artigo.
Bion iniciou seu relato de caso no mo-
mento em que passam a predominar caracte-
rísticas psicóticas em um paciente neurótico. 
A ênfase é sobre uma forma especial de objeto 
interno ou de força – Bion usou os dois termos, 
um teórico e outro mais próximo ao caráter 
“palpável” do fenômeno –, que passou a im-
pedir o contato criativo do par e a emergência 
de insight. Ao longo da narrativa, constatamos 
que se trata de um objeto que falha em suas 
capacidades de tolerar a identificação pro-
jetiva, e que há uma relação intrínseca entre 
essa falha e a qualidade excessiva no emprego 
da identificação projetiva. Antes de Bion nos 
apresentar essa compreensão, há a descrição 
de uma situação caótica, em que o pensa-
mento e a comunicação verbal do paciente 
tornaram-se prejudicadas. As interpretações 
alcançadas ao longo dos anos de nada serviam 
para dar conta dessa nova circunstância. Bion, 
percebendo-se desorientado, formou, com o 
paciente, um casal impotente e frustrado. A 
psicanálise e o emprego da comunicação ver-
bal eram sentidos pelo paciente como uma 
forma do analista se impor sobre ele, mostrar 
a sua superioridade e, principalmente, atacar 
um modo singular de comunicação. 
Aos poucos, Bion notou uma ligação en-
tre arrogância, curiosidade e estupidez, surgi-
das nas sessões de maneira esparsa e isolada, 
e que ora seriam identificadas com o paciente, 
ora com o analista. O trabalho de recolhimen-
to e reunião em um todo significativo dessas 
informações esparsas é um dos pontos mais 
interessantes e inovadores do artigo. A ideia 
de Bion é que elementos edipianos poderiam 
ser reconhecidos no processo de investigação 
analítico em si. Isto é, a busca de um sentido 
para o caos, seja por parte do paciente, seja 
por parte do analista, poderia se dar por meio 
do respeito à realidade psíquica e sua verdade, 
ou de modo arrogante, impaciente e sem me-
didas, tal qual Édipo quando busca desvendar 
o crime a qualquer custo e impõe a sentença 
antes de ter mais informações sobre o crimi-
noso. Esses elementos do mito compõem uma 
imagem significativa da natureza do relacio-
namento analítico, no qual tanto o paciente 
como o analista representaria um objeto pou-
co tolerante que rapidamente procura uma 
resposta para se livrar de culpa persecutória, 
ou para evitar qualquer desconhecimento. 
Embora Bion estivesse perdido em meio 
a um caos de significados já esclarecidos, po-
rém ineficientes do ponto de vista interpretati-
vo, o paciente diz sentir que o analista era tan-
to capaz quanto incapaz de suportar “algo”. O 
significado desse “algo” foi alcançado quando 
Bion se deu conta de que a identificação pro-
jetiva, mais que a linguagem verbal, seria uma 
forma de relação de objeto apoiada não ape-
nas na destrutividade. Nomeou de normal essa 
forma de identificação projetiva, em contrapo-
sição ao seu caráter excessivo e patológico. 
A identificação projetiva normal estaria 
relacionada à constituição do narcisismo de 
vida (GREEN, 1988) desde que o objeto exter-
no, alvo das projeções e identificações pudes-
se tolerar, modificar e nomear as ansiedades 
primitivas despertadas. Essas constatações de 
Bion podem ser aproximadas ao trabalho de 
colegas como Winnicott, que tinha no ambien-
te emocional primitivo um importante foco de 
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compreensão acerca do estabelecimento do 
narcisismo primário e de suas perturbações.6 
Em Ataques à ligação (1959), Bion constrói uma 
imagem da relação primitiva de objeto e indica 
as sua importância para a análise: 
Sentia que o paciente experimen-tara na infância uma mãe que cor-
respondia zelosa às demonstrações 
emocionais do bebê. Esta resposta 
zelosa continha certo laivo de um 
impaciente ‘não sei o que há com 
essa criança’. Minha dedução foi de 
que a mãe, para entender a criança, 
deveria ter tratado o choro do bebê 
como algo mais do que uma exigên-
cia da presença dela. [...]. É possível 
observar-se na análise uma situação 
complexa. O paciente sente estar 
tendo uma oportunidade que até 
então lhe havia sido negada [...]. 
A gratidão por essa oportunidade 
coexiste ao lado da hostilidade ao 
analista como alguém que não en-
tenderá e impedirá o uso, por parte 
do paciente, do único método de 
comunicação mediante o qual ele se 
sente capaz de se fazer entendido.7
Diante de um objeto que é capaz de 
acompanhar o tipo de emprego da identifica-
ção projetiva de modo a poder contê-la em si 
e discriminar a sua natureza por meio da lin-
guagem verbal, o paciente terá a chance de 
conhecer as suas sensações e seus sentimen-
tos, como amor, medo, ódio, inveja, e come-
çar a forjar para si uma vida subjetiva até en-
tão renegada. O analista torna-se, assim, um 
pensador que passa a existir como uma espé-
cie de órgão transformador de pensamentos 
primitivos e ansiedades insuportáveis, com o 
qual o paciente poderá se identificar.
6 A diferença na abordagem teórica e técnica entre 
os autores não nos impede de observar um diálogo 
intertextual entre eles. Imaginamos se parte das 
ideias apresentadas por Bion não poderia ser uma 
resposta sua às colocações feitas por Winnicott nas 
cartas dirigidas ao autor em meados das décadas de 
1950 e 60 (cf. WINNICOTT, 1990).
7 Idem, 1959, p. 120-121.
Breve conclusão
A sequência dos artigos escritos por 
Bion na década de 1950, principalmente seus 
textos finais, nos leva a ver que o tratamen-
to psicanalítico implica uma abertura para 
o outro no sentido de uma disposição para 
acompanhar e pensar o que o paciente faz de 
seu próprio psiquismo e de suas ansiedades. 
Mas ao invés de explorar aquilo que se passa 
no analista no âmbito contratransferencial, 
Bion, na década de 1960, voltará sua atenção 
à elucidação dos elementos e das funções de 
personalidade envolvidas com a sustentação 
emocional dos estados de mente primitivos 
(BION, 1962a e 1962b).
A atitude do analista no sentido de aco-
lher e notar esses estados certamente tem 
um efeito sobre a disposição mental e emo-
cional do próprio paciente. Em seus artigos, 
percebemos que a coexistência de processos 
doentios e normais no funcionamento mental 
primitivo e nas relações de objeto exige do 
analista uma abertura para a observação de 
fenômenos que não se reduzem a definições 
psicopatológicas estanques. Porém, não bas-
ta o analista saber que a cisão, a alucinação, o 
delírio e a identificação projetiva poderiam se 
direcionar para a busca de conhecimento so-
bre a vida emocional. Uma vez que é a partir 
da qualidade da relação com o paciente que 
o analista poderá determinar a natureza dos 
fenômenos, tornar-se-á importante discutir 
as condições de observação em psicanálise, a 
relação entre teoria e prática, e a natureza do 
objeto psicanalítico (BION, 1962b, 1963).
Em Sobre arrogância (1958b), o leitor en-
contra uma descrição muito viva dessa proble-
mática quando Bion faz a aproximação entre 
a identificação projetiva como comunicação 
e a conquista dessa percepção pelo analista 
em uma sessão. Vemos, assim, a constitui-
ção de um método de trabalho que pode ser 
mais bem explicitado como uma ética, e que 
pressupõe do analista uma disposição para 
conter estados de não saber, uma abertura ao 
desconhecido de cada situação, e a capacidade 
de transformar em matéria simbólica aspectos 
dolorosos e insuportáveis da personalidade. 
64 Impulso, Piracicaba • 21(52), 57-64, jul.-dez. 2011 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767
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Dados da autora:
Adriana salvitti
Psicanalista. Psicóloga, Pós-doutoranda 
pelo Instituto de Psicologia da USP.
Recebido: 21-09-2011
Aprovado: 20-03-2012

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