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O PODER DA LINGUAGEM NA ERA VARGAS: O ABRASILEIRAMENTO DO IMIGRANTE Simone ROCHA, (PG - Unisul). ABSTRACT: The article shows some important social-historical aspects of multilingual communities in the state of Santa Catarina based on heterogeneous data sample. It demonstrates how foreign languages were repressed during the New State period, focusing on how the European immigrants suffered because of the use of their own native language. KEYWORDS: language; immigrant; bias; New State. 0. Introdução A Era Vargas geralmente é apresentada pela história como o primeiro grande “salto” do Brasil na reorientação econômica rumo à industrialização. Porém o que pouco é ressaltado e permanece ainda obscuro nas entrelinhas da história, é a política nacionalista adotada neste mesmo período, que repreendeu severamente o imigrante1 , na tentativa de abrasileirar o estrangeiro, incluindo nesta repressiva tomada de atitude a obrigatoriedade deste estrangeiro usar apenas o idioma nacional. Com o propósito de popularizar a imagem de Getúlio Vargas como o grande “salvador” da nação, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP2 - , grande responsável pela difusão de sua imagem através dos jornais, revistas, cartilhas escolares e programas de rádio acessível em todo território nacional. No entanto, para que os meios de comunicação assumissem o caráter ideológico proposto por este governo, fez-se necessário à imposição do Estado, de maneira que toda a imprensa se colocasse a seu serviço. A censura aos meios de comunicação propiciou ao governo um caráter homogêneo de informação, moldando á sua maneira, o que o povo deveria ou não saber. O rádio, que neste período apresentava-se como o grande meio de informação e entretenimento aos brasileiros, foi o grande responsável pela disseminação cultural devidamente inspecionada pelo DIP. Em 1938, vai ao ar pela primeira vez o programa Hora do Brasil cujo principal objetivo era a divulgação das propostas e ações governamentais, dotadas de uma ideologia capaz de manipular o pensamento da grande massa a seu favor. (...) em 1942, os censores chegaram a proibir 108 programas de rádio e quase 400 músicas pelo conteúdo “nocivo” aos interesses da pátria. (CABRAL 2004:493) O grande objetivo de Vargas com a criação do DIP era o de sujeitar toda a imprensa a seu favor, manipulando a opinião pública segundo suas convicções políticas. Sendo assim, o povo brasileiro rende-se ao seu ideário nacionalista e a perseguição contra os que não se enquadram neste sistema se inicia. 1 Venho destacar neste artigo a repressão sofrida pelos imigrantes alemães, italianos e japoneses em SC. 2 Criado pelo decreto nº 5.077, de 29.12.1939 (Maria Luiza Tucci Carneiro – O Anti-semitismo na Era Vargas, 2001). 3 CABRAL, Marco Antonio dos Santos DIP: Máquina de Propaganda que conquista corações e controla mentes. História Viva – Grandes Temas. São Paulo. Ago/20 04. p. 42 Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul 1. A ambigüidade ideológica e a repressão aos imigrantes O autoritarismo que assombrava os países da Europa, no período que antecede a Segunda Guerra mundial, também norteava as propostas políticas de países latino-americanos. Segundo AUROUX (1998:377), o racismo lingüístico foi uma doutrina senão universalmente compartilhada, ao menos relativamente dominante por volta do meio do século XIX. Getúlio Vargas, bem como políticos e escritores da época também foram simpatizantes das ideologias nazi/fascista, assumindo uma postura eugenista4 em relação ao imigrante judeu e africano, e demonstrando pouco interesse pela imigração européia. O parlamentar Arthur Neiva justifica sua emenda apresentada no Congresso Nacional, citando algumas conclusões do Primeiro Co ngresso Brasileiro de Eugenia: (...) considerando que nas condições atuais dos países populosos de alta civilização, os indivíduos que gravitam para o pauperismo atestam com este próprio fato a sua inferioridade mental e moral, condena todas as formas de imigração subvencionada, que apenas podem concorrer para a entrada em nosso país de elementos indesejáveis. (LEÃO - 1990:85): Percebe-se que neste primeiro momento, a grande restrição à imigração no Brasil é de caráter eugenista. Posteriormente o medo que paira em território nacional, é o do comunismo, tomando o imigrante judeu e alemão como elementos nocivos à democracia, visto que estes poderiam subverter a ordem pré-estabelecida, através de seus ideários políticos. A partir de 1941, quando o Brasil entra na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados5, o governo estado novista é “obrigado” a reorganizar suas propostas políticas, agora unindo-se aos Aliados e proclamando guerra a todos que demonstrassem simpatia, ou por qualquer outra característica colocasse em evidência sua ligação com países do Eixo como Alemanha, Itália ou Japão. Inicia-se um período de grande repressão principalmente no sul do país, região que a partir dos séculos XIX e XX, recebe um grande número de imigrantes provenientes de países europeus.Segundo FÁVERI (2002:72), (...) entre 27 de janeiro de 1942 e 27 janeiro de 1943, foram realizadas 1.227 detenções e abertos 27 inquéritos por reincidência do uso do idioma alemão ou italiano, em Santa Catarina, conforme relatório do delegado de Ordem Política e Social, Antonio de Lara Ribas, detenções estas feitas principalmente em Blumenau, Joinville, Hamônia, São Bento, Rio do Sul e Rodeio. Percebe-se, assim, como o imigrante foi severamente repreendido pelo uso da língua estrangeira, num momento em que a política interna favorecia o abrasileiramento do imigrante, numa perspectiva nacionalista, subentendendo que a língua era, se não o maior símbolo de identificação da cultura européia, e por isso, havia a necessidade de adotar medidas de controle quanto á sua utilização afim de que o imigrante assumisse uma identidade nacional, renegando suas origens. A proposta de “padronização” cultural, a intervenção do Estado ao submeter a monolinguística como fator preponderante à assimilação sóciocultural do Brasil, juntamente com a 4 Estudo que visa o aprimoramento da raça humana, pela seleção dos indivíduos. Dicionário Ediouro. ( tomo como base, a política eugenista de Vargas, que procurava implantar no Brasil um estereotipo nacionalista, como o implantado nos Estados Unidos e posteriormente por Hitler na Alemanha. 5 O Brasil entra na 2ª Guerra Mundial apoiando os Estados Unidos, pelo “jogo” de interesses postulados até então. Os Estados Unidos financiam a construção da Usina Siderúrgica Nacional, e deste modo Getúlio Vargas é “obrigado” a tomar uma postura política que venha condizer com o apoio recebido. investida contra os imigrantes, tidos como “maus elementos” por não falarem o português, fez com que uma outra guerra eclodisse em torno do preconceito lingüístico. Tamanho foi o sofrimento e a humilhação sofrida por muitos imigrantes, que tiveram que se sujeitar aos horrores desta guerra, que assim também podemos dizer, foi uma guerra de alcance mundial, como consta no depoimento de Eduardo Will, aos setenta anos, morador de Agrolândia, relatando sua história: Vi meu pai sofrendo nas mãos dos soldados, quis conversar com ele mas ele apenas mandou-me para casa avisar a minha mãe que estava tudo bem. Foi quando falei a palavra “iá” (sim) e com isso me forçaram a tomar óleo. Dois soldados armados me forçaram a tomar uma coisa nojenta, parecia óleo cru, óleo queimado, gasolina, óleo de rícino, era uma mistura total. Tomei mais ou menos meio litro desse óleo nojento. Como não me defendi, apenas obedeci, fui logo solto e mandado embora. Tive uma desinteriamuito forte, mas logo passou. O mesmo não aconteceu com o meu pai, que tentou se defender, e com isso foi surrado, amarrado, e como não abria a boca, foi colocado óleo pelo cano do fuzil, machucando-o muito, deixando-o muito doente, e sofreu muito até o final dos seus dias, não foi mais o mesmo. 6 Os órgãos oficiais do governo investiram severamente contra os integralistas7, os “quintas- colunas” vistos como maus elementos. Em Santa Catarina, muitas pessoas foram presas, confinadas em campos de confinamento, por prestarem homenagem a lideranças nazistas, bem como organizarem grupos de resistência em apologia à ideologia Nazista. Havia sim, grupos que entraram em defesa a tais ideologias, e por isso foram repreendidos; no entanto as medidas não foram restringidas apenas a esta minoria que oferecia “perigo” à nação por promulgarem suas ideologias. O que é incompreensível entender, é como tais medidas foram também adotadas contra aqueles que por simplesmente falarem sua língua materna, ou por aprenderem no seio de sua família os costumes, tradições, sofreram represália, humilhação e foram sujeitados a tomarem óleo, como o depoimento de Eduardo Will, como simbologia de um abrasileiramento. A restrição em torno da língua estrangeira foi severamente marcada, Decretos-lei surgiram justificando toda esta barbárie sofrida pelos imigrantes neste período. Na cidade de Florianópolis, bem como em tantas outras do estado, foi expressamente proibida nos cemitérios inscrição nos túmulos, carneiras, mausoléus, lousas, cruzes ou quadros de cidadãos brasileiros, em línguas vivas estrangeiras.8 A fala e a escrita em língua portuguesa tornaram-se sinônimas de identidade nacional, sendo que a não empregabilidade deste mesmo idioma, era visto como fator de exclusão e sérias medidas deveriam posteriormente ser empregas por órgãos públicos. A Constituição de 1934 propunha estabelecer restrições quanto à formação educacional, ficando proibida a formação de agrupamentos de elementos “alienígenas” no Brasil.9 Escolas étnicas foram fechadas ou tiveram seu material didático em língua estrangeira recolhido, passando a ser obrigatório o ensino em língua portuguesa; tais medidas foram justificadas pelo Decreto 406 de maio de 1938 pelo qual fica decretado que todo material utilizado na escola fosse em português, que todos os professores e diretores fossem brasileiros natos, que nenhum 6 WILL Eduardo, 78 anos. Depoimento concedido em março de 2000. Citação da Tese de Doutorado de Marlene de Fáveri. Memória de uma outra guerra. Cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em Santa Catarina, 2002. Tese (Doutorado em História) – Curso de Pós-graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina. 7 Integralistas: grupo de adeptos á ideologia Nazi/fascista. 8 Decreto n. 119, de 24 de fevereiro de 1939. Mauro Ramos, Prefeito Municipal. ( citado por FAVERI, 2002:389) 9 Tomo como base citação de: LEÃO (1990:85) A Crise da Imigração Japonesa no Brasil (1930-1934) IPRI. Brasília 1990. livro, revista ou jornal circulasse em língua estrangeira. Pelo Decreto 1025 de 25 de agosto de 1939, os secretários estaduais de educação deveriam construir e manter escolas em áreas de colonização, fiscalizar o ensino de línguas estrangeiras bem como intensificar o ensino de História e Geografia do Brasil, tornando-se assim inviável a perpetuação cultural e lingüística destes imigrantes, pois tiveram que se limitar a falar em sua língua materna apenas no núcleo familiar, ainda assim às escondidas. Conclusão Ainda hoje, palavras ou expressões em língua estrangeira são dotadas de preconceito por apresentarem subversão à própria língua portuguesa. Não se pode comparar com o sofrimento dos imigrantes durante o Estado Novo, mas ainda hoje persiste no seio da sociedade em geral, uma certa rejeição pelas manifestações culturais e lingüísticas diferentes do idioma nacional. Tomo como exemplo as escolas, que deveriam ser o centro da representação da pluralidade lingüística e cultural, se omitem em preservar estes valores, quando não mostram também serem preconceituosas, excludentes, não reconhecendo a grande contribuição que esta mesma diversidade possibilita para a nossa língua. A História nos mostra que poderíamos ter sido um país muito mais plurilíngüe, não fossem as repetidas investidas do Estado contra a diversidade cultural e lingüística.10 (OLIVEIRA 2000:90), A discriminação e a exclusão atualmente possuem novos artifícios. A escrita e a fala ainda continuam sendo sinais de status social como nas antigas sociedades mesopotâmicas, em que eram considerados e dotados de privilégios os que manipulavam a escrita, e desta forma ganhavam prestígio como uma “classe superior”. Grupos separatistas como por exemplo o ETA, utilizam o fator “língua” como base para legitimar uma cultura diferenciada dos espanhóis e franceses, bem como a ação nacionalista do país Basco, onde mais de 600.000 pessoas falam Euskara, uma das línguas mais antigas faladas hoje na Europa. 11 A sociolingüística reconhece a significativa contribuição de diferentes elementos acrescentados em nossa língua. Vivemos em um mundo globalizado, multicultural onde não há espaço para preconceitos em torno de divergências lingüísticas como dialetos, gírias, vícios de linguagem e estrangeirismos, sendo que estes não alteram as estruturas da língua. Porém, sabemos que preconceito lingüístico existe e que não se encontra isolado em uma determinada região. Para aqueles que defendem a idéia de uma “raça” ou cultura superior, qualquer fragmento social justificará o preconceito. Esperamos que a língua não se torne objeto de indiferença e exclusão, mas que possamos aprender com sua diversidade. RESUMO: O artigo pretende evidenciar alguns marcos histórico-sociais, a partir de uma amostra heterogênea de dados de fala de comunidades plurilíngües de Santa Catarina. Procuramos demonstrar como a linguagem foi manipulada durante o Estado Novo, bem como contextualizar toda a repressão sofrida pelos imigrantes europeus em torno da língua estrangeira. PALAVRAS-CHAVE: língua; imigrante; preconceito; Estado Novo. 10 OLIVEIRA, Gilvan Müller. Brasileiro fala português: monolinguísmo e preconceito lingüístico. O Direito á Fala. 11 www.kke.org.br - acesso em: 06/07/2004 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLACK, Edwin. A Guerra contra os Fracos. A Eugenia e a Campanha norte-americana para criar uma raça superior.Trad. Tuca Magalhães. São Paulo Ed. Girafa, 2003. CABRAL, Marco Antonio dos Santos. DIP: Máquina de Propaganda que conquista corações e controla mentes. História Viva – Grandes Temas. São Paulo. Ago/2004. p. 42 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Anti-Semitismo na Era Vargas.São Paulo: Ed. Perspectiva, 2001. FÁVERI, Marlene de. Memória de uma (outra) guerra. Cotidiano e medo durante a Segunda Guerra Mundial em Santa Catarina . Florianópolis 2002. Tese (Doutorado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina. FARACO, Carlos Alberto. (Org.). Estrangeirismos: Guerras em torno da Língua. Ed.Parábola. LEÃO NETO, Valdemar Carneiro. A Crise da Imigração Japonesa no Brasil, (1930 – 1934): Contornos Diplomáticos. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1989. LOPES, Eliane Marta Teixeira., FARIA, Luciano Mendes Filho., VEIGA, Cyntia Greive. (Orgs). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte, Ed. Autêntica, 20 00. OLIVEIRA, Gilvan Muller de . Brasileiro fala português: monolingüísmo e preconceito lingüístico. O Direito á Fala. A questão do preconceito lingüístico. Florianópolis. Ed. Insular. 2000. XIMENES, Sérgio. Minidicionário da Língua Portuguesa . São Paulo,Ed. Ediouro, 2000.www.kke.org.br - acesso em: 06/07/2004
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