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A psicologia existencial Lindzey & Hall.

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Psicologia
Teorias Fenomenológicas da Personalidade
A psicologia existencial
* - o texto veio cortado.
p.81
Nos anos que se seguiram à II Guerra Mundial, um movimento popular conhecido como o existencialismo adquiriu importância na Europa e rapidamente espalhou-se pelos Estados Unidos. O movimento nasceu da resistência francesa a ocupação alemã e seus mais articulados porta-vozes foram Jean Paul Sartre e Albert Camus. Sartre era um brilhante estudante da Sorbonne que se tomaria mais tarde um eminente filósofo, escritor e jornalista. Camus, natural da Algéria, ficou famoso como romancista e ensaísta. Ambos conquistaram o prêmio Nobel da literatura, mas Sartre recusou-se a recebê-lo. A vida de Camus terminou tragicamente num acidente automobilístico quando estava com 46 anos de idade.
Como normalmente acontece com esses movimentos de vanguarda endossados por uma classe heterogênea de pessoas artistas, escritores, intelectuais, clérigos, estudantes universitários, dissidentes e rebeldes de vários tipos - o existencialismo acabou por significar multas coisas diferentes. Considerando-se sua base popular, seus clichês e slogans e suas divisões, este movimento poderia ter se esgotado em poucos anos como aconteceu com a maioria das modas intelectuais. O fato de não ter tido esse destino, mas ter, ao contrário, emergido como poderosa força no pensamento moderno, incluindo a psicologia e a psiquiatria, pode ser atribuído a descoberta de que o existencialismo possuía uma tradição vigorosa, com antepassados de prestigio, bem como sólidos proponentes contemporâneos, além de Sartre A sua figura ancestral, mais notável foi o excêntrico dinamarquês. Soren Kierkegaard (1813-1855). Essa alma torturada foi um escritor prolífico, apaixonado e polífico, cujos livros constituem uma espécie de escritura sagrada para o existencialismo. Uma longa lista de nomes famosos como Bergson, Dostoievsky e Nietzsche foi acrescentada à genealogia do existencialismo.Entre os modernos foram identificados com o movimento existencialista, Berdyaev, Buber, Heidegger, Jaspers, Kafka, Marcel, Merleau-Ponty e Tillich. (Uma excelente introdução ao existencialismo é o livro de William Batret, Irrational man, 1962.)
Para nossos propósitos, o nome de Martin Heidegger (1889-1976) é da maior importância. Este filósofo alemão e Karl Jasper (1883 - 1969) são considerados por Barret os criadores da filosofia existencial do nosso século. Além disso, Heidegger é a ponte de ligação com os psicólogos e psiquiatras em cujos pontos de vista nos concentraremos nesse capitulo. 
p.82 
A ideia central da ontologia de Heigegger (ontologia é o ramo da filosofia que trata do ser ou da existência) é a seguinte: o homem é um ser no mundo. Ele não existe com um, Eu ou um sujeito em relação, ao mundo externo: não é tampouco uma coisa ou um objeto, ou um corpo interagindo com as outras coisas que fazem mundo. O homem tem sua existência por ser-no-mundo e o mundo tem sua existência porque há um. Ser para revelá-lo. O ser e o mundo são unos. Barret dá o nome de Teoria de campo do ser, à ontologia de Heidegger. A filosofia da existência de Heidegger encontra-se no seu livro Being and time (1962), que é considerado um dos livros de maior influencia sobre a filosofia moderna bem como o mais difícil.
Heidegger foi também um fenomenólogo e a fenomenologia desempenhou um papel importante na historia da psicologia. Ele foi discípulo de Edmund Husserl (1859-1938), o fundador da fenomenologia moderna e Husserl, por sua vez, foi discípulo de Carl Stumpf, um dos lideres da “nova” psicologia experimental, que surgiu na Alemanha na última metade do século dezenove. Köhler e Koffka, que com Wertheimer fundaram a psicologia da forma (Gestalt), foram também discípulos de Stumpf e adotaram a fenomenologia como método de análise dos fenômenos psicológicos. Nós ressaltamos esses faros históricos para sublinhar os antecedentes comuns da psicologia, da fenomenologia e do existencialismo.
A fenomenologia é a descrição dos dados da experiência imediata; ela busca mais compreender do que explicar o fenômeno. Van Kaarn (1966) a define como “um método da psicologia que procura descobrir e elucidar os fenômenos do comportamento tal como se manifestam na percepção imediata". A fenomenologia é às vezes considerada como o método primário de toda ciência, já que a ciência começa pela observação do que está na experiência imediata (Boring, 1950, p. 18). Essa concepção da fenomenologia foi expressa de maneira muito bonita no parágrafo de abertura do livro de Köhler, Gestalt psychology (1947) 
Parece haver um único ponto de partida para a psicologia, exatamente como ha um único para todas as ciências: o mundo tal qual o encontramos, ingenuamente e sem critica. A ingenuidade pode ser perdida quando nós prosseguimos. Podem ser encontrados problemas que a principio estavam completamente ocultos aos nossos olhos. Para a sua solução pode ser necessário elaborar conceitos que parecem ter pouca ligação com a experiência direta. Apesar disso, o desenvolvimento do todo precisa começar com um quadro ingênuo do mundo. Esta origem é necessária porque não ha outra base para o nascimento de uma ciência. No meu caso, que pode ser tomado como exemplo de muitos outros, o quadro ingênuo consiste, no momento, de um lago azul cercado de florestas escuras, de uma grande rocha cinzenta, dura e fria, por mim escolhida como assento, de um papel onde escrevo, de um suave barulho do vento movendo as árvores com dificuldade e de um forte cheiro característico dos botes e da pesca. E há mais neste mundo: de alguém modo agora observo, ainda que não confundido com o lago azul do presente, um outro lago de um azul mais suave em cujas margens eu me encontrava anos atrás observando a paisagem, em Illinois. Estou perfeitamente acostumado a observar milhares de paisagens desta espécie, que aparecem quando estou sozinho. E ainda há mais neste mundo; por exemplo, minha mão e dedos movendo-se lentamente sobre o papel. Agora quando eu para de escrever e olho novamente em volta, ha também um sentimento de saúde e vigor, mas, no momento seguinte, eu sinto algo como uma pressão sombria dentro de mim que parece resultar no sentimento de estar sendo perseguido é que eu prometi aprontar este manuscrito dentro de poucos meses (p. 3 - 4).
Um dos mais sofisticados e articulados fenomenologistas contemporâneos é Erwin Straus (1963, 1966). Uma discussão acadêmica concisa da fenomenologia, articulada por um de seus principais representantes na psicologia dos Estados Unidos, pode ser encontrada em MacLeod (1964).
p.83
A fenomenologia, tai como é apresentada nos trabalhos dos psicólogos da forma (Gestalt) e de Erwin Straus, foi empregada principalmente para investigar os fenômenos resultantes de processes psicológicos como a percepção, a aprendizagem, a memória, o pensamento e o sentimento, e não para estudar a personalidade psicologia existencial, por outro lado, usou a fenomenologia para elucidar aqueles, fenômenos que são freqüentemente considerados como pertencentes à esfera da personalidade. A psicologia existencial pode ser definida como uma ciência empírica da existência humana que emprega o método da análise fenomenológica.
Neste capítulo trataremos primeiro da psicologia existencial que se encontra nos livros dos psiquiatras suíços Ludwig Binswanger e Medard Boss e isto por vários motivos. Eles permanecem muito próximos das fontes do pensamento existencial europeu, e sua identificação com o existencialismo é muito significativa. A sua utilização da ontologia do “Ser” abstrato para o estudo de seres individuais é cuidadosamente elaborada, e multas vezes em colaboração com o próprio Heidegger. (A região do sul da Alemanha onde Heidegger vivia faz fronteira com a Suíça.) Como psiquiatras clínicos eles acumularam grande riqueza de material empírico derivado da análise de pacientes. Finalmente, ambos escreveram clara e vividamente a respeito de assuntos obscuros e muitos de seus trabalhos foram traduzidos parao inglês.
Existe um certo número de psicólogos existenciais americanos, mas eles derivam seus pontos de vista de Binswanger e de outros psicólogos e psiquiatras europeus. 
p.84 
Rollo May é um dos mais ardorosos expoentes americanos do existencialismo e, seus capítulos introdutórios do livro Existence (editado por May, Angel e Ellenberger, 1958), bem como seu livro Existencial Psychology (segunda edição, 1969), têm sido a principal fonte de informação sobre o existencialismo para os psicólogos americanos. Adrian Van Kaam, professor de psicologia na Universidade de Duquesne é um prolífero escritor da fenomenologia e do existencialismo. Ele tem a vantagem de ter sido treinado no pensamento existencial e na fenomenologia nas universidades européias bem como nos Estados Unidos. Seu livro, Existential foundations of psychofogy (1966) é um tratado bastante didático sobre o assunto. Outro importante psicólogo existencial americano é James Bugental (1965). Alguns dos teóricos considerados nesse livro que foram influêncidos em graus variáveis pelo existencialismo são, entre outros, Allport, Angyal, Goldstein, Lewin, Maslow e Rogers. 
Ludwig Binswanger nasceu em Kreuzlingen, Suíça, a 13 de abril de 1881, e formou-se em medicina na Universidade de Zurique, em 1907. Ele estudou com Eugen Bleuler, um eminente psiquiatra suíço, e com Jung. Foi um dos primeiros seguidores suíços de Freud e sua amizade perdurou por toda a vida. (Sobre esse relacionamento intimo, veja Binswanger, l957.) Sucedeu a seu pai (e a seu avô) na direção médica do sanatório Bellevue em Kreuzlingen. Morreu em 1966.
No inicio da década de vinte, Binswanger foi um dos primeiros proponentes da aplicação da fenomenologia à psiquiatria. Dez anos depois ele se tornou um analista existencial. Binswanger define a análise existencial como a análise fenomenológica da existência humana real. Seu objetivo é a reconstrução do mundo interno da experiência. Seu sistema está descrito em sua maior obra, Grundformen und Erkenntnis menschilichen Daseins (l943; edição revista, 1955), que não foi traduzida para o inglês. As fontes para o leitor inglês são os três capítulos de Binswanger (l958a, l958b, l958c) no livro Existence, editado por May, Angel e Ellenberger, e o volume Being-in-tire-world:selected papers ol Ludwig Binswanger (1963). Este último livro contém uma longa introdução crítica do editor e tradutor Jacob Needleman (1963).
Heidegger foi a maior influência sofrida por Binswanger, mas ele também incorporou a seus pontos de vista idéias derivadas de Martin Buber (1958). 
Medard Boss nasceu em St. Gallen, Suíça, a 4 de outubro de 1903. Quando tinha dois anos de idade seus pais mudaram-se para Zurique onde Boss reside desde então. Após tentar sem sucesso tornar-se um artista, Boss decidiu estudar medicina Formou-se em medicina na Universidade de Zurique em 1928. Antes de graduar-se, estudou em Paris e Viena e foi analisado por Sigmund Freud. De 1928 a 1932, Boss foi assistente de Eugen Bleuler, o famoso diretor do hospital psiquiátrico Burgholzli em Zurique. Depois disso, durante dois anos Boss submeteu-se a um treinamento psicanalítico mais profundo em Londres e na Alemanha com eminentes psicanalistas como Ernest Jones, Karen Horney, Otto Fenichel, Hanns Sachs e Wilhelm Reich. Na Alemanha ele trabalhou ainda com Kurt Goldstein. Após essa excelente preparação, Boss passou a clinicar particularmente como psicanalista, com 32 anos de idade. Nessa época ele e outros psicoterapeutas começaram uma série de reuniões mensais na casa de Carl Jung.
O ano de 1946 causou uma reviravolta na vida intelectual de Boss, Nesse ano ele tornou-se amigo de Martin Heidegger. O resultado desse relacionamento foi a elaboração de uma forma de psicologia e de psicoterapia, criada por Boss e chamada de Dasein análise. Dasein é uma palavra germânica que foi traduzida para o inglês pela expressão ligada por hifens “ser-no-mundo" (biëirzg-irr-tire-world).
p. 85
Os nomes psicologia existencial e Dasein análise são usados neste capítulo indiferentemente.
As perspectivas de Boss foram também grandemente influenciadas pela sabedoria da Índia, após duas viagens que ele ai fez em 1956 e 1958 Ele descreve suas experiências no livro A psychiatrist discovers India (1965).
Durante anos Boss foi presidente da Federação Internacional de Psicoterapia Médica, de que é atualmente presidente honorário. De 1954 até sua aposentadoria em 1973, ele foi catedrático de psicoterapia da Universidade de Zurique. Ele é presidente do instituto Dasein Analítico de Psicoterapia e Psicossomática de Zurique. Boss recebeu o prêmio de eminente terapeuta, "Great Therapist Award", dado pela Associação Americana de Psiquiatria em 1971.
Boss escreveu muìtos livros, alguns deles traduzidos para o inglês. Para um conhecimento mais profundo dos pontos de vista de Boss, sugerimos a leitura das seguintes obras: The analysis of dreams (1958), Psychoanalysis and Daseinanalysis (1963), Existential foundations of medicine and psychology (1977) e “I dreamt last night...” (1978) O livro Existential foundations of medicine and psychology contém a apresentação mais madura das concepções de Boss.
Contra quais aspectos dos outros sistemas psicológicos se opõe a psicologia existencial, representada pelos trabalhos de Binswanger e de Boss, e o que ela propõe? Em primeiro lugar e principalmente ela se opõe ir aplicação do conceito de causalidade das ciências naturais à psicologia. Não irá relações causas-feito na existência humana. No máximo, existem apenas seqüências de comportamentos, mas não é lícito derivar a causalidade da sequência. Algo que acontece a uma criança não é a causa de seu comporta mento futuro como adulto. Os dois eventos podem ter o mesmo significado existencial, mas isso não significa que o Evento A causou o Evento B. Em resumo, ao rejeitar a causalidade a psicologia existencial também rejeita o positivismo, o determinismo e o materialismo. Ela afirma que a psicologia não é como as outras ciências e não deve seguir-lhes o modelo. Ela requer o seu próprio método - a fenomenologia -- e seus próprios conceitos - ser-no-mundo, modos de existência, liberdade, responsabilidade, vir-a-ser, transcendência, espacialidade. temporalidade e muitos outros, todos derivados da ontologia de Heidegger,
 	O psicólogo existencial substitui o conceito de causalidade pelo conceito de motivação. A motivação sempre pressupõe uma compreensão (certa ou errada) da relação causa-efeito. Para ilustrar a diferença entre a causa e o motivo, Boss utiliza o exemplo de uma janela fechada pelo vento e por uma pessoa. O vento causa o fechamento da janela, mas a pessoa é motivada a fechar a janela porque sabe que quando a janela está fechada a chuva não entra, o barulho da rua é diminuído e as correntes de ar são eliminadas. Pode-se dizer que a pressão exercida pelo braço da pessoa sobre a janela causa o fechamento - o que seria verdade, mas tal explicação omitiria todo o contexto motivacional e cognitivo de que o ato final é simplesmente um complemento. O próprio ato de aplicar a pressão requer o conhecimento de onde colocar a mão, do significado de empurrar ou puxar alguma coisa, e assim por diante. Consequentemente, a causalidade tem pouca relevância para o comportamento humano, A motivação e a compreensão são os princípios operativos de uma análise existencial do comportamento.
Intìmamente relacionada a essa primeira objeção está a oposição firme da psicologia existencial ao dualismo do sujeito (mente) e objeto (corpo, ambiente,materia).
p. 86
Essa divisão, atribuida a Descartes, é que resulta na explicação da experiência é comportamento humanos em termos de estímulos ambientais ou de estados corporais. “O homem pensa e não o cérebro" (Straus, 1963). A psicologia existencial propõe a unidade do individuo-no-mundo. Qualquer ponto de vista que destrua essa unidade é uma fragmentação e falsificação da existência humana.
A psicologia existencial também nega que exista alguma coisa subjacenteao fenômeno, que o explica e causa seu aparecimento. Explicações da existência humana em termo de um “eu”, do inconsciente, de uma energia física ou psíquica, ou de forças como os instintos, as ondas cerebrais, os impulsos e os arquétipos são postas de lado. Os fenômenos são o que são em todo o seu imediatismo; eles não são uma fachada ou o derivativo de alguma outra coisa. E, ou deveria ser, o trabalho da psicologia descrever os fenômenos tão cuidadosamente quanto possível. O m da ciência psicológica é a descrição fenomenológica ou a compreensão, e não a explicação causal ou a prova.
A psicologia existencial, suspeita, da teoria - qualquer teoria, - porque ela implica em que algo que não pode ser visto está produzindo aquilo que é visível. Para o fenomenologista apenas o que pode ser visto ou experimentado é real. A verdade não é atingida por um exercício intelectual; ela é revelada ou descoberta nos próprios fenômenos. Alem do mais, a teoria, ou qualquer pré-concepção, age como uma viseira na apreensão da experiência ou verdade revelada. Essa verdade só pode ser alcançada por urna pessoa completamente aberta para o mundo. Ver o que ha para ser visto sem qualquer hipótese ou julgamento prévio é a prescrição do psicólogo existencial para o estudo do comportamento.
Heidegger coloca nas mãos do psiquiatra urna chave por meio da qual ele pode, livre dos preconceitos de qualquer teoria científica, atingir c descrever os fenômenos que investiga no seu conteúdo fenômeno total e no seu contexto intrínseco (Binswanger, 1963, p. 206).
Binswanger e Boss conseguiram despojar-se de todo o complexo aparato das teorias de Jung e de Freud, apesar de terem sido treinados na psicanálise e de terem se servido dela por muitos anos. Ao ler seus trabalhos tem-se a impressão de que esse despojamento foi para eles uma experiência muito libertadora.
A dissecação não é aceita porque ela reduz o homem a um montão de fragmentos que desafia a síntese, assim como um Humpty Dumpty. O fim da psicologia existencial, segundo Boss, é tornar transparente a estrutura articulada do ser humano. “A articulação é possível apenas no contexto de um todo que foi deixado intacto; toda articulação como tai deriva da totalidade” (Boss, 1963, p. 285).
Finalmente a psicologia existencial se opõe veementemente à consideração do individuo como algo semelhante a uma pedra ou uma árvore. Essa perspectiva não só impede o psicólogo de compreender plenamente o homem sob a luz de sua existência no mundo, mas também resulta na desumanização das pessoas. A psicologia existencial entra na arena da crítica social quando polemiza contra o alheiamento, a alienação e fragmentação do homem pela tecnologia, pela burocracia e pela mecanização. Quando as pessoas são tratadas como coisas e acabam por se considerar como coisas que podem ser manejadas, controladas, modeladas, e exploradas, elas estão impedidas de viver de uma maneira verdadeiramente humana. A pessoa é livre e apenas ela é responsável por sua existência. A liberdade, dia Boss, não é alguma coisa que o homem tem, é algo que ele é. É esta suposição da psicologia existencial que torna atraente para o movimento humanista da psicologia americana.
 
p. 87
Seria errado concluir, entretanto, que psicologia existencial é basicamente otimista e esperançosa a respeito do homem. Não é preciso ler profundamente Kiericegaard, Nietzsche, Heidegger, Sartre, Binswanger ou Boss para notar que está longe de ser este o caso. A psicologia existencial está tão preocupada com a vida quanto com a morte. O Nada está sempre aos nossos pés, O horror está tão presente quanto o amor nos escritos existencialistas. Não pode haver luz sem trevas. Uma psicologia que faz da culpa uma característica inata e inevitável da existência não oferece muito consolo ao homem. “Eu sou livre” significa ao mesmo tempo “Eu sou completamente responsável pela minha existência”. As implicações da conexão liberdade-responsabilidade são detalhadas no livro de Erich Fromm, Escape from freedom (1941). Tornar-se um ser humano é um projeto árduo e poucos o conseguem. Muito desse amargor foi deixado de lado ou minimizado em alguns dos ramos americanos da psicologia existencial.
Consideraremos agora alguns dos conceitos básicos da psicologia existencial (Dasein análise) formulados por Binswanger e Boss.
 
A estrutura da existencia - ser-no-mundo (Dasein)
Dasein é o conceito fundamental da psicologia existencial. Toda a estrutura da existência humana está baseada nesse conceito. Ser-no-mundo ou Dasein é a existência humana. Dasein não é uma propriedade ou atributo da pessoa, nem uma parte do seu ser como o ego de Freud ou a anima de Jung; e o todo da existência humana. Quando Boss usa o termo Dasein análise, quer referir-se ã elucidação cuidadosa da natureza especifica da existência humana, ou ser no- mundo. Dasein é uma palavra alemã usada por Heidegger, e contrasta com Vorharzdsein, que caracteriza a existência das coisas não humanas Traduzida literalmente, Dasein significa “ser” (sein) “ai” (da). Essa tradução literal não faz justiça ao significado que Heidegger tinha em mente. A tradução significativa é “ser o ai". “O ai” não é definitivamente o mundo como algo externo. É a abertura para o mundo iluminada, compreensiva - um estado de ser-no-mundo em que a existência total do individuo que é e virá-a-ser pode aparecer, tornar- se presente e ser presente.
Alguém é ai expressa o imediatismo e inevitabilidade primários da condição existencial. O homem não tem existência independente do mundo e o mundo não tem existência independente do homem Boss insiste: “O homem revela (elucida) o mundo”. As pessoas são “o domínio iluminado dentro do qual tudo o que pode ser pode realmente brilhar, emergir e aparecer como um fenômeno, isto é, como aquilo que se mostra a si mesmo (1963, pl. 70). O fenômeno é o “brilho externo” da realidade imediata Nada existe atrás dos fenômenos; eles não são manifestações visíveis de uma realidade última. Eles são a realidade. Consequentemente, na análise existencial ou do Dasein, trata-se de ver o que está na experiência e de descrevê-lo tão precisamente quanto a linguagem o permita. Este é um conceito de difícil compreensão e aceitação pelo homem ocidental, condicionado, por uma visão cientifica do mundo, a procurar significados e causas invisíveis ou ocultas. Uma pessoa não confere significados às coisas; são as coisas que lhe revelam seus significados quando estiver aberta para recebê-los. A característica básica do Dasein é sua abertura para perceber e responder aquilo que está na sua presença. Boss fala do homem habitando no mundo para enfatizar a unidade de ser-no-mundo.
p. 88
O ser-no-mundo cura a cisão entre sujeito e objeto e restaura a unidade entre o homem e o mundo. E necessário enfatizar que este ponto de vista não afim que o homem se relaciona ou interage com o mundo. Isto sugeriria que a pessoa e o ambiente são duas coisas separadas. Também não existem dois pólos, o homem e o mundo, como na biosfera de Angyal. Parte da dificuldade em transmitir este conceito é devida às diferenças entre o alemão e o inglês. Em alemão, novos conceitos podem ser expressos pela combinação de palavras como da e “sein”. Em inglês, emprega-se o método menos satisfatório de ligar palavras por hífens. Além disso, as expressões ligadas por hífens parecem pedantes e inventadas. [É irônico que Boss em artigos recentes tenha passado a ligar Da e “sein” por um hífen (Da-sein), provavelmente para destacar que Da significa “o ai" e não simplesmente “ai”.] 
O mundo em que o homem tem sua existência compreende três regiões: 1) os arredores físicos ou biológicos, ou paisagem (Umwelt); 2) o ambiente humano (Mitwelt); e 3) a pessoa e seu Eu, incluindo o corpo (Eingenwelt). Para esclarecer o significado dessas três regiões-do-mundo e o uso que a análise existencial faz delas, nada melhor do que relatar uma longa passagem do livro de Binswanger, Case of Ellen West (1958c). Ellen foi urna jovem que passou a maior parte de suavida adulta sob tratamento médico e psiquiátrico. Finalmente foi levada ao sanatório de Binswanger onde viveu os últimos meses de sua vida. Ela cometeu suicídio três dias após ter deixado o sanatório. O seu sintoma mais marcante era a compulsão de comer. Aqui apresentamos a síntese de Binswanger sobre os modos de ser de Ellen nas três regiões-do-mundo, baseada nos relatórios médicos e psiquiátricos anteriores, nas entrevistas e observações feitas por ele próprio, nos escritos de Ellen, cartas, poemas, diários,e num relato circunstancial da história de sua neurose.
Se tentarmos, então, sumarizar uma vez mais as características individuais e formas fenomenais do modo de (Ellen) ser-no-mundo dentro das várias regiões-do-mundo, será melhor começarmos novamente pelo mundo da paisagem (Umwelt) o ser-limitado e o ser-oprimido expressam-se aqui no escurecimento, na escuridão, na noite, no frio, na maré-baixa; as fronteiras ou limites mostram-se como as paredes de névoa tímida, ou como as nuvens; o vazio, como o Mistério; o anseio de liberdade (libertar-se do mundo) como a elevação no ar; o eu como um pássaro emudecido. No mundo da vegetação, o ser-restrito e ser-oprimido mostram-se no esmaecimento e as barreiras no ar sufocante; o vazio, nas sementes; o anseio de liberdade, na urgência de crescer; o eu, na planta seca. No mundo das coisas encontramos o ser-restrito no buraco, no sótão, no túmulo; as barreiras estão nas paredes, na alvenaria, nas correntes, nas redes; a ânsia de liberdade no vaso da fertilidade; o eu na casca jogada fora. No mundo animal o ser-restrito é visto como ser-esburacado por dentro; as barreiras, como a terra ou a noite escura; o eu como um verme incapaz de ainda ansiar por liberdade; o vazio como o simples vegetar. No Mitwelt, o ser-restrito é visto como ser-subjugado, oprimido, prejudicado e perseguido; o vazio, como a falta de paz, a indiferença, a submissão infeliz, a reclusão, a solidão; as barreiras, como as algemas ou as víboras de todo dia ou como o ar sufocante; o vazio em si mesmo como o pequeno mundo (do dia-a-dia); o anseio por liberdade, como a necessidade de independência, de desafio, de insurreição, revolta; o eu como rebelde, niilista e, mais tarde, como covardemente comprometido. No Eigemvelt, o mundo-do-pensamento, reconhecemos o ser-restrito na covardia, na indulgencia, no abandono dos planos a longo prazo; as barreiras, nos fantasmas ou espectros acusadores e zombeteiros que a rodeiam e invadem de todos os lados; o vazio, no ser-norteado por uma única idéia, como a do Nada; o eu, na minhoca tímida, no coração gelado; o anseio de liberdade, no desespero. Finalmente, no Eigenwelt. o mundo-corporal, encontramos o ser-restrito ou oprimido no ser gorda; as barreiras ou paredes, na camada de gordura em que a existência dá murros; o vazio, no ser tola, estúpida, velha, feia, e mesmo no ser morta; o anseio de liberdade no desejo-de-emagrecer; o eu, como um mero tubo que se enche e se esvazia de matéria (l958c. p, 328-329)
p.89
O leitor poderá notar neste trecho um estilo de escrever que é característico da análise fenomenológica. A terminologia técnica está ausente, exceto pelas palavras Umwelt, Mitwelt e Eigenwelt, mas estas só parecem técnicas aos leitores de língua inglesa porque elas são palavras estrangeiras. Nota-se também o uso de um vocabulário evocativo, quese poético. Tais imagens parecem muito distantes do vocabulário sóbrio, comum e mesmo esmerado, comumente empregado na exposição científica. É preciso ter em mente que o existencialismo sempre manteve fortes laços com a literatura e que um de seus antepassados. Nietzsche, foi tanto poeta quanto filósofo. De fato, a literatura sempre foi e terá de ser existencial, pois ela lida com o ser-no-mundo. A literatura é psicologia com a diferença de que a literatura é ficção enquanto a psicologia é ou deveria ser factual, A diferença é entretanto trivial.
Boss insiste que o que a ciência considera ser um respeitável vocabulário científico e uma usutpação da palavra “científico”. É preciso usar as palavras que melhor descrevem os fenômenos e não ser limitado por uma tradição autoritária. Novas perspectivas cientificas comumente exigem um vocabulário completamente novo. Assim, não e surpreendentes que muitos dos escritos existenciais soem estranhos e esotéricos para aqueles que foram criados com a visão de mundo científico do século XIX. Como acontece com as novas formas de musica e de arte, a dissonância criada pelo vocabulário existencial será gradualmente reduzida e desaparecerá.
Ser-além-do-mundo (as possibilidades humanas)
A análise existencial aborda a existência humana apenas com a consideração de que o homem é no mundo, tem um mundo e deseja ultrapassar o mundo (Binswanger). Ser-além-do-mundo não significa para Binswanger o outro mundo (Céu), mas expressa as múltiplas possibilidades que o homem tem de transcen- der o mundo em que habita e entrar num novo mundo. Ele pode, e realmente de- seja, realizar todas as possibilidades de seu ser (Nietzsche). Apenas atualizando suas potencialidades o homem pode viver uma vida autentica. Quando nega ou restringe as amplas possibilidades de sua existência, ou quando se deixa dominar pelos outros ou pelo ambiente, está vi- vendo uma existência inautêntica. O homem e livre para escolher uma ou outra alternativa de vida.
Boss afirma muito simplesmente que a existência apenas consiste de nossas possibilidades de relacionamento com o que encontramos. “Na realidade", escreve Boss, “o homem existe sempre e somente com uma miríade de possibilidades de relacionar-se, e de desvendar os seres vivos e as coisas que ele encontra" (1963, p. 183), Alem disso,
... o homem precisa assumir seriamente todas as suas chances de se envolver em relacionamen- tos de descoberta-do-mundo, de modo que o que quer que se apresente ã luz desses relacionamentos possa emergir do melhor modo possível em seu próprio ser. Em outras palavras, o homem deve aceitar todas as suas possibilidades-de-vida, apropriar-se delas e reuni-las para criação de um eu autentico e livre, não mais aprisionado na mentalidade estreita de um “todo-o-mundo" anônimo e inautêntico. A liberdade humana consiste em preparar-se para aceitar e realizar tudo isto (l963, p. 48). 
A fim de ilustrar o que significa para o homem a recusa de exercitar essa liberdade na realização das possibilidades de sua existência, Boss (1963) apresenta o exemplo de uma pessoa que sofre de melancolia.
p. 90
É sempre a existência global do paciente melancólico que terá falhando em assumir com abertura e responsabilidade todas aquelas possibilidades de relacionar-se com o mundo que constituem o seu próprio e genuíno ser. Consequentemente, tal existência não possui uma posição própria e independente, mas é continuamente presa nas exigências, desejos e expectativas dos outros. Esses pacientes tentam fazer frente às expectativas alheias o melhor que podem, a fim de não perder a proteção e o amor daqueles que o cercam. Mas, quanto mais esses pacientes permitem aos outros governarem sua maneira de agir e perceber, tanto mais profundamente endividados se tornam com respeito a sua tarefa fundamental na vida: a de apropriar-se e realizar, com independência e responsabilidade, todas as suas possibilidades autêntica de relacionamento com tudo o que encontram. Dai surgem os terríveis sentimentos de culpa do melancólico; suas incessantes auto-acusações derivam de sua culpa existencial. A severidade de seus sintomas varia de acordo com o grau em que ele fracassa em existir como um mundo aberto em cuja luz tudo o que é encontrado pode desdobrar-se e brilhar em seu pleno significado e conteúdo (p 209-210) 
No seu livro recente Existential foundations of medicine and psychology (1977), Boss diz que todos os sintomas patológicos, físicos ou psicológicos devem ser vistos como usurpações e injúrias ao direito de uma realização livre e aberta da existência humana.
O campo existencial
Existem limitações para o que o homem pode tornar-selivremente? Uma das limitações é o campo existencial em que a pessoa é lançada. As condições de seu lançamento, isto é, o modo como o homem encontra a si mesmo no mundo que seu campo, constitui o seu destino. Ele precisa realizá-lo para adquirir uma vida autêntica. Se ele nasceu uma mulher, seu campo existencial não será o mesmo que o de um homem. O fato de ser mulher define, em parte, as possibilidades de sua existência. Se ela rejeitar essas possibilidades, e tentar, por exemplo, ser um homem, então ela terá escolhido um modo inautêntico de ser-no-mundo. A punição pela inautenticidade ,são os sentimentos de culpa. Uma existência autêntica em projetada pelo reconhecimento de seu campo existencial, uma existência inautêntica é o resultado do afastamento do seu próprio campo existencial. “Quanto mais uma pessoa se opõe teimosamente às condições fundamentais de seu lançamento na existência, mais essas condições adquirem uma forte influência” (Binswanger. 1958c, p. 340). Disso resulta um enfraquecimento existencial, o que significa que “a pessoa não permanece auto-nomamente no seu mundo, mas isola-se de seu próprio campo existencial; não assume sua própria existência, mas a confia a forças alienadoras e faz com que essas forças alienadoras sejam as responsáveis por seu destino - ao invés de assumi-lo” (Bìnswanger, 1963, p. 290).
O termo "lançamento” também é usado no sentido de ser levado pelo mundo quando ha uma alienação de si mesmo, uma entrega total ao poder alienador. Um exemplo extremo é o da existência que é controlada pelos narcóticos, álcool, logo, ou sexo, para mencionar algumas das muitas compulsões a que o homem é suscetível. Apesar das limitações decorrentes do ser lançado no mundo num determinado lugar, são muitas as possibilidades de escolha.
O modelo-de-mundo
Modelo-de-mundo é o termo usado por Binswanger para o padrão que engloba todos os aspectos do modo-de-ser-no-mundo do individuo. O modelo-de-mundo de uma pessoa determina como ela reagirá em situações específicas e que tipos de traços de caráter e sintomas ela desenvolverá Ele imprime uma marca cm tudo que a pessoa faz. As fronteiras do modelo podem ser estreitas e restritas, ou amplas e abrangentes.
p. 91
Bingwanger dá exemplos de alguns modelos-demundo restrito, que ele encontrou em seus pacientes. O modelo de uma, paciente era construído ao redor da necessidade de continuidade. Qualquer ruptura na continuidade - uma lacuna, um corte, ou urna separação – produziam grande ansiedade. Uma vez ela desmaiou quando o salto de seu sapato caiu. A separação da mãe também evocava ansiedade porque quebrava a continuidade do relacionamento. Agarrar-se à mãe significava agarrar-se ao mundo; perdê-la significava cair no terrível abismo do Nada. Convém esclarecer que para Binswanger, perder o salto do sapato não é uma representação simbólica da separação da mãe. Ambos são maneiras a mesma maneira de relacionar-se com o mundo e uma não é derivativo, deslocamento ou causa da outra.
Outro paciente, que fora um ativo homem de negócios, tornou-se inativo, tolo e desatento. O seu modelo-de-mundo como homem de negócios estava baseado em empurrões, pressões, ameaças e na desarmonia-do-mundo de maneua geral Seu modo-de-ser-no-mundo era bombardear as coisas e ser bombardeado. Ele entendia que seus semelhantes eram desrespeitosos, desdenhosos e ameaçadores. Quando tentava controlar sua ansiedade mantendo-se distante do mundo, seus esforços resultavam em exaustão. 
O modelo de um terceiro paciente consistia das categorias de familiaridade e estranheza. Sua existência estava constantemente ameaçada por poderes hostis impessoais. Ele se defendia contra medos indefinidos, personalizando-os como sentimentos de perseguição,
Binswanger observa que quando o modelo-de-mundo é dominado por poucas categorias, a ameaça é mais iminente do que "quando ele é variado. No último caso, se uma pessoa está ameaçada numa região, outras regiões podem emergir e oferecer-lhe uma segurança satisfatória. Em muitos casos, as pessoas podem tez mais de um modelo-do-mundo.
Boss não fala de diferentes modelos-de-mundo, mas fala da existência aberta ou fechada, revelada ou oculta, clara ou obscura, abrangente ou restrita. Toda uma existência pode, por exemplo, ser absorvida por uma compulsão tal como comer ou acumular riqueza. Uma condição psicológica ou somática pode ser um fator de limitação impedindo “a realização de um ou outro dos possíveis relacionamentos como o mundo de que a existência humana é constituída” (Boss, 1963, p.228).
Os modos de ser-no-mundo
Há muitos modos diferentes de ser-no-mundo. Cada modo é um meio pelo qual o Dasein compreende, interpreta e expressa a si mesmo. Binswanger fala, por exemplo, do modo dual, atingido por duas pessoas que estão se amando. O “Eu” e “Você” tornam-se “Nós”. Este é o modo autêntico de ser humano, o modo plural é descrito por Binswanget como sendo um mundo de relações formais, de competição e de luta. O individuo que vive para si mesmo escolheu o modo singular de existência, enquanto aquele que se encerra numa multidão escolheu o modo do anonimato. Normalmente uma pessoa tem não um, mas vários modos de existência “A tarefa da ciência do homem (que os existencialistas chamam antropologia) é compreender a totalidade da experiência humana de si mesmo em todos os seus modos de existência" (Binswanger, 1963, p. l73).
Características existenciais
Boss não tala de modos de ser-no-mundo do no mesmo sentido de Binswanger. 
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Ele prefere falar daquelas características que são inerentes a toda existência humana. Essas características inerentes são chamadas existenciais. Entre as mais importantes estão à espacialidade, a temporalidade, a corporalidade, a existência num mundo compartilhado, e o estado de ânimo ou sintonia. Vamos considerar uma por vez.
 	A espacialidade da existência. A espacialidade, em termos existenciais não deve ser confundida com o espaço físico. Existencialmente, um amigo a milhares de milhas de distância pode estar muito mais próximo de mim do que meu vizinho do lado. A abertura e a claridade constituem a verdadeira natureza da espacialidade no mundo humano. Eu estou mais aberto para meu amigo distante e ele está mais claro para mim do que meu vizinho.
A temporalidade da existência. A temporalidade não é o tempo do relógio ou do calendário. Não é também uma serie infindável de pontos, como na física. O tempo está sempre ai, no mundo, para ser usado ou consumido como desejarmos. O tempo é sempre um tempo para (ou não ter tempo para) fazer alguma coisa. O “tempo para” é de primordial significância para o ser humano. O tempo pode ser amplo quando se diz, por exemplo. “Eu vou passar o próximo ano viajando ao redor do mundo", ou pode ser restrito quando, por exemplo, se diz: “Só tenho um minuto disponível”. O tempo humano também tem a característica de ser datável. Usamos palavras como “agora”, “anteriormente”, e “quando” para indicar o tempo presente, passado, e futuro. Teremos mais a dizer sobre o tempo presente, passado e futuro no tópico sobre desenvolvimento.
A corporalidade. A corporalidade é definida como a esfera corporal da realização da existência humana. A corporalidade não está limitada ao que está sob a pele; ela se estende até onde vai nosso relacionamento com o mundo Boss fala de uma extensão corporal dos modos de ser-no-mundo. Ele usa como exemplo o ato de apontar para alguma coisa. Minha existência corporal não termina na ponta do meu dedo. Ela se estende até o objeto apontado e mesmo mais além, a todos os fenômenos do mundo em que estou no momento habitando.
A existência humana num mundo compartilhado. A psicologia existencial foi algumas vezes acusada de ser solipsista, e de ver o individuo encapsulado em seu mundo privado sem nada saber do mundo em que outras pessoas vivem. Boss nega a validade dessa acusação. Os seres humanos sempre coexistem ou habitam juntos no mesmo mundo. Sua mútua abertura para o mundo permite que os mesmos fenômenos brilhem damesma maneira significativa para todos os seres humanos, A existência humana nunca é privada, exceto em cortas condições patológicas; ela está sempre compartilhando com outras o mundo.
Estados de ânimo ou sintonia. Este é um existencial extremamente importante porque explica porque nossa abertura para o mundo se dilata e se contrai e porque ela ilumina diferentes fenômenos de tempos em tempos. Aquilo que percebemos e a que respondemos depende de nosso estado de ânimo naquele momento. Se uma pessoa está ansiosa, seu Dasein será sintonizado com ameaças e perigos Se ela está feliz, sua existência estará sintonizada com um mundo de relações e significados felizes. Se o estado de ânimo muda repentinamente da esperança para o desespero, a claridade do mundo escurecerá e sua abertura se contrairá. O modo humano de habitar no mundo está constantemente sintonizado com um estado de ânimo ou com outro. Os estados de ânimo são eles próprios existenciais; são potencialidades inerentes a toda existência humana.
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Dinâmica e desenvolvimento da existência
Dinâmica
Uma vez que a psicologia existencial rejeita o conceito de causalidade, o dualismo mente e corpo e a separação da pessoa e seu ambiente, sua concepção de dinâmica não é a usual. Ela não concebe o comportamento como resultante da estimulação externa e de condições corporais internas. O individuo não é nem o peão do seu ambiente, nem uma criação dos instintos, das necessidades e dos impulsos. Ele é, ao contrário, livre para escolher e inteiramente responsável pela sua própria existencia. O homem, se quiser, pode transcender tanto seu ambiente como seu corpo físico. O que quer que ele faça é de sua escolha. As próprias pessoas determinam o que serão e o que farão.
Se os homens são livres para escolher, por que, então, sofrem tão freqüentemente de ansiedade, alienação, aborrecimento, compulsões, fobias, ilusões e urna porção de outros distúrbios que o incapacitam? Há duas respostas para essa questão. A primeira, e a mais óbvia, é que a liberdade para escolher não assegura que as escolhas sejam sabias. O homem pode realizar suas possibilidades ou pode voltar-lhes as costas. Em linguagem existencial, podemos escolher viver autenticamente, ou escolher. Viver inautenticamente. Não ha menos liberdade para uma escolha do que para outra, embora as consequências sejam radicalmente diferentes.
Para o homem escolher sabiamente é necessário que esteja consciente das possibilidades de sua existência. Isto significa que ele precisa permanecer aberto a todo momento para que essas possibilidades possam se revelar. A abertura é a condição prévia da revelação, e seu oposto, o fechamento, é a base da ocultação. Boss escreve: “A Dasein análise nunca perde de vista a consciência primária do Ser (Beingness) e o fato de que a existência humana é chamada a ser o reino iluminado onde o que deve ser consegue de fato brilhar, emergir e aparecer como um fenômeno, isto é, como aquilo que se mostra a si mesmo” (1963, p 80).
Existem possibilidades ilimitadas? Uma pessoa poderá ser o que quiser? Não, porque sempre existe o campo existencial - as condições do lançamento no mundo - a considerar. Esse campo coloca limites definidos naquilo que uma pessoa pode tornar-se. Existe ainda a influencia do ambiente familiar, e dos ambientes posteriores que expandem ou reduzem o cumprimento das possibilidades inatas de ser. Boss, por exemplo, reconhece isso quando diz: “Um relacionamento pais-filhos, cuja abertura está suficientemente de acordo com toda a natureza genuína da criança, é o único domínio em que suas possibilidades de existir podem emergir de uma maneira saudável” (1963, p, 207).
Para a questão sobre a razão do sofrimento das pessoas, já que elas são realmente livres, há ainda uma resposta mais drástica. O homem pode afinal transcender os ferimentos da infância e as ofensas posteriores à sua existencia. (Veja, por exemplo, o The doctor and the soul de Victor Frankl, 1969, para conhecer como alguns prisioneiros dos campos de concentração transcenderam os horrores de sua existência.) O homem pode metamorfosear-se de uma pessoa existencialmente doente em uma pessoa sã. Sempre existe a possibilidade de mudar nossa própria existência, de desvendar e desabrochar um mundo todo novo.
Uma coisa que as pessoas nunca podem transcender é a sua culpa. A culpa é um existencial, isto é, uma característica fundamental do Dasein, Boss coloca esse grande dilema que todo homem enfrenta nas seguintes palavras:
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... o homem é primariamente culpado. Sua culpa primaria começa no nascimento, pois é ai que ele começa a ficar em débito para com o seu Dasein, no que diz respeito no cumprimento de todas as possibilidades de viver de que ele é capaz. Por toda a sua vida, o homem permanece culpado nessa sentido, isto e, em divida para com todas as exigências que seu futuro lhe reserva, até seu último suspiro, cada alo, cada decisão, cada escolha, envolve a rejeição de todas as outras possibilidades que também pertencem a um ser humano num dado momento. A culpa existencial do homem consiste no seu fracasso em cumprir a exigência de realizar todas as suas possibilidades (1963, p. 270).
Exemplo dessa culpa primaria e irremediável são encontrados em abundância na literatura e nos estudos de caso. Joseph K, personagem do romance, O processo, de Kafka, buscou inutilmente uma absolvição, e finalmente escolheu a morte, como sua última absolvição ou fugas. O Ivan Ilyich de Tolstoi também encontrou na morte a resposta para uma vida irrealizada (culpada). A paciente de Binswager, Ellen West, começou a viver relativamente livre de culpa existencial, quando decidiu seriamente acabar com sua vida.
Há uma outra coisa que uma pessoa não pode evitar: a angustia - o pavor do Nada ou daquilo que Barret chama “a terrível e total contingência da existência humana" (1962, p. 65). O Nada é uma presença do Não-Ser no Ser (Heidegger). Ele está sempre ali, amedrontador, misterioso e atraente. Cair no Nada significa perder o próprio ser, tornar-se nada. A morte é o Nada absoluto, mas há outras maneiras menos absolutas pelas quais o Não-Ser pode invadir o Ser -a alienação e o isolamento do mundo, por exemplo. As possibilidades da existência carecem de realização na medida em que o Não-Ser dominou o Ser.
	A dinâmica aparece em abundância nos escritos existencialistas, embora o existencialismo a desaprove. Por exemplo, quando uma pessoa está com fome seu modo de ser-no-mundo é muito diferente daquele que existe quando está sexualmente excitado. O corpo é, afinal, uma parte do Eigenwelt, e suas exigências não podem ser ignoradas. Em outras palavras, as possibilidades da existencia incluem coisas como os estados e condições corporais tanto quanto as possibilidades ampliadas ou restritas do mundo. Esses estados corporais não são porém conceituados como impulsos (drives), pois fazê-lo significaria admitir que alguma coisa existe por trás do ser-no-mundo e isso é repugnante aos olhos dos existencialistas. Boss, como vimos, chama de estados de ânimo a coisa como a fome, a fadiga e o sexo. Os estados de ânimo não têm entretanto propriedades dinâmicas no sentido de causar o comportamento. Eles determinam a escala e sintonia da abertura-do-mundo de um individuo num dado momento. Os estados de ânimo são responsáveis pelos significados revelados e motivações das coisas encontradas. O estado de fome, por exemplo, ilumina um mundo de alimentos e as ações possíveis nesse mundo agora revelado.
 
O desenvolvimento
As explicações genéticas, tais como dizer que as experiências iniciais causam o comportamento posterior, são também rechaçadas pelos psicólogos existenciais; eles também não dão ênfase, em seus trabalhos, a qualquer sucessão de eventos de desenvolvimento que caracterize o crescimento individual. Dito de outro modo, não acreditam que a existência global do individuo seja um evento histórico. Boss, por exemplo, afirma: "A história global do Dasein é inerente e presente a qualquer momento dado"-Essa historia não consiste de estágios, mas de diferentes modos de existencia.
p. 95
O modo de existencia da criança é diferente do da primeira infância, e o do adolescente é diferente do da criança, mas esses modos de ser ainda não foram pormenorizados. 
O conhecimento genético, diz Boss, só pode vir ã tona após a compreensão dos fenômenos presentes em si mesmos. Quando alguém chega a essa compreensão, as explicações genéticas parecem tautológicas porque não acrescentam nada ao que já é conhecido. Uma pessoa pode agir hoje como o fez ontem - ou na infância - porque percebe que o encontro presente tem o mesmo significado do encontro passado. Apenas nessa circunstância se pode dizer que alguém foi motivado pelo passado, mas mesmo essa motivação se baseia no ser-no-mundo presente. Nós comemos hoje não porque comemos ontem, mas porque nosso atual estado de ânimo e de sintonia com o mundo o ilumina de uma maneira particular. É verdade que podemos nos lembrar do que fizemos ontem e repetir hoje os atos de ontem, mas a repetição é devida ao significado do ato para nos agora. Em outras palavras, o hábito não é usado como um principio explicativo na psicologia existencial.
Boss sempre assinala que habitar no mundo sempre significa habitar no passado, presente e futuro simultaneamente. Quando recordamos alguma coisa do passado isto significa que nossa existência aqui e agora está aberta para o passado, Nós não existimos no passado, o passado existe em nós. De modo semelhante, quando esperamos alguma coisa do futuro, nosso Dasein fica naquele momento aberto para o futuro. A temporalidade da existencia se expande ou se contrai para incluir mais ou menos do passado ou do futuro. Nós notamos essa característica essencial da existencia quando dizemos de uma pessoa “Ela está vivendo no passado” ou “Ela está vivendo o momento presente", idealmente o Dasein deveria estar aberto a todo o passado, a todo o futuro e a todo o presente.
 O mais importante conceito existencialde desenvolvimento é o vir-a-ser ou tornar-se. A existência nunca é estática; está sempre em processo de tornar-se alguma coisa nova, de transcender-se a si mesma o objetivo é tornar-se completamente humano, para realizar todas as possibilidades do Dasein. Naturalmente, este é um projeto sem fim e sem esperança porque a escolha de urna possibilidade sempre significa a rejeição de todas as outras possibilidades
Apesar da dificuldade da situação, devemos - porque somos livres – realizar tantas possibilidades de ser-no-mundo quantas pudermos. Recusai o vir-a-ser é fechar-se numa sala pequena e escura. Isto é o que fazem as pessoas dominadas por fobias, compulsões, alucinações e outros sintomas neuróticos e psicóticos. Elas se recusam a crescer A maior parte das pessoas faz entretanto algum progresso na realização de suas possibilidades, o que significa que o adulto é tipicamente mais realizado do que a criança. O tornar-se (vir-a-ser) implica direção e continuidade, mas a direção pode mudar e a continuidade pode ser quebrada. 
O vir-a-ser da pessoa e o vir-a-ser do mundo são sempre relacionados; eles são um vir-a-ser conjunto (Straus). Isto é assim necessariamente porque a pessoa está no mundo. Ela desvenda as possibilidades de sua existência por meio do mundo, e o mundo é, por sua vez, desvendado pela pessoa que está nele. Quando um cresce e se expande, o outro tem forçosamente que crescer e se expandir Pela mesma razão, se um fica bloqueado, o outro também fica. Os eventos históricos são expressões das varias possibilidades da existência humana.
Que a vida, ou pelo menos a existência humana como ser-neste-mundo, termina
p. 96
com a morte é um tato conhecido de todo mundo. Boss assinala que esse conhecimento da morte não deixa ao homem outra escolha do que viver permanentemente em relação com a morte. A existência humana pode ser chamada, desse ponte de vista, de “ser-para-a-morte". A mortalidade é um existencial, como diz Boss, "o mais plenamente difundido e peculiarmente humano dos tragos". Consequentemente, o fim inevitável do ser-no-mundo confere ao homem a responsabilidade de tirar o máximo de cada momento de sua existência e de realizar sua existência. A psicologia existencial foi a primeira formulação teórica que se ocupa das implicações da mortalidade e sem dúvida a maior fonte de estimulação para a recente onda de livros sobre a morte e sobre morrer.
A pesquisa e os métodos de pesquisa característicos 
A análise fenomenológica
A psicologia existencial emprega o método fenomenológico para conduzir as investigações sobre a existência humana. Esse método consiste da descrição e da explicação da experiência na linguagem da experiência. A linguagem da experiência é concreta em vez de abstrata; seu vocabulário compõe-se de palavras comuns de uso diário e não de termos técnicos e neologismos. A análise fenomenológica não deve ser confundida com o método clássico da introspecção usado pelos primeiros psicólogos experimentais para pesquisar os elementos da consciência. Os fenomenologistas não procuram elementos, mas tentam descrever e compreender a experiência como ela aparece imediatamente na consciência. Van Kaam (1966) escreve, por exemplo, que “... experiências tais como a responsabilidade, a angústia, a ansiedade, o desespero, a liberdade, o amor, a fantasia ou a decisão não podem ser medidas ou objeto de experimentação. . . Elas simplesmente estão ai e apenas podem ser explicadas em sua qualidade de dádiva” (p. 187). 
Aqui tomos um exemplo dessa qualidade de dádiva (givenness) da experiência. Trata-se do belo parágrafo de abertura do segundo volume da obra de Oswald Spengler, Decline of the West (1932).
Observe as flores ao anoitecer, quando, uma após outra, elas se fecham ao pôr-do-sol. Um estranho sentimento se apossa de você – um sentimento enigmático de medo em presença dessa existência terrena, cega como um sonho. A muda floresta, os campos silenciosos, este arbusto, aquele broto, não se movem por si mesmos, é o vento que brinca com eles. Apenas o mosquito é livre - ele ainda dança à luz vespertina e se move por onde quer (p, 3).
Embora o relato fenomenológico possa ser dado pelo sujeito de uma investigação ou por um paciente de psicoterapia, o procedimento usual é fazer uma análise fenomenológica dos relatos do sujeito ou do paciente e do comportamento observado. Faz-se assim uma distinção entre os relatos de um sujeito ingênuo, não treinado, e os do fenomenólogo treinado e experiente. Dai surge à questão da validade da análise fenomenológica da experiência. Quando, por exemplo, Boss analisa um sonho fenomenologicamente, ou quando Binswager explica um traço de caráter (veia a seguir), que grande confiança pode ser atribuído às suas descrições? As descrições de dois fenomenologistas sobre o mesmo fenômeno concordariam uma com a outra?
Van Kaam (1966, p. 216-269) discute os vários métodos de validação das explicações fenomenológicas. O primeiro método é a validação intra-subjetiva. O investigador reúne certo número de explicações do mesmo comportamento numa variedade de situações e, se houver consistência entre as descrições, a validado das explicações é confirmada.
p. 97 
Este é o método mais freqüentemente usado nos estudos de casos existenciais.
	Uma variante do método intra-subjetivo é a coleta de descrições de um dado fenômeno, feitas por sujeitos não treinados. O fenomenologista reúne essas descrições e identifica a estrutura básica que aparece nas várias manifestações do mesmo tipo de comportamento. Van Kaarn (1966, capitulo 10) usou esse método para, validar os dados de sua dissertação de doutorado. O fenômeno a ser explicado era a experiência “de ser compreendido”.
	Grande número de estudantes de primeiro e de segundo ciclo foram convidados a recordar situações em que sentiram que estavam sendo compreendidos por alguém e a descrever como se sentiram em cada uma dessas situações. Essas descrições foram relacionadas, omitindo-se as duplicatas. As 157 descrições restantes foramexaminadas para ver se cada urna das descrições alcançava o critério de ser “um constituinte necessário e suficiente da experiência de sentir-se realmente compreendido”. Se o critério não era alcançado a descrição era eliminada. Foram também eliminados itens quando não era possível abstrair e enunciar a experiência sem desvirtuar a formulação do sujeito. Dessas duas estratégias de redução resultou um conjunto de experiências que puderam ser reunidas sob os nove títulos seguintes:
Tabela:
Constituintes da experiência de “sentir-se realmente compreendido" – porcentagem dos constituintes
Perceber sinais de compreensão expressos pela pessoa - 87
Perceber que a pessoa co-experiencia o significado das coisas para o sujeito - 91
Perceber que a pessoa aceita o sujeito - 86
Sentir satisfação - 99
Sentir um alivio inicial - 93
Sentir um alivio inicial da solidão experiencial - 89
Sentir-se seguro no relacionamento com a pessoa que o compreende - 91
Sentir uma segura comunhão experiencial com a pessoa que o compreende - 86
Sentir uma segura comunhão experiencial com aquilo que a pessoa representa para o sujeito – 64
Fim da tabela
	Van Kaam sumariza a experiência de “sentir-se realmente compreendido” nas seguintes palavras: "E uma Gestalt perceptivo-emocional:/ Um sujeito, percebendo/que uma pessoa/co-experiencia/o que as coisas significam para o sujeito/e que o aceita/sente, inicialmente, alivio da solidão existencial/e gradualmente, uma comunhão experiencial segura/com aquela pessoa/e com o que o sujeito percebe que essa pessoa representa" (p.. 325-326),
	Um segundo método, a validação intersubjetiva, consiste da descrição do mesmo fenômeno feita independentemente por vários fenomenologistas treinados, e da comparação posterior dos resultados.
	A validade pode ser determinada experimentalmente pelo teste de hipóteses derivadas da análise fenomenológica. Pode-se, por exemplo, levantar a suposição de que o homem sempre mantém um diálogo com o seu ambiente. A previsão deduzida dessa suposição é a de que uma pessoa privada de estimulação sensorial manterá esse diálogo servindo-se da imaginação, da fantasia, e da alucinação.
p. 98
Esta previsão foi experimentalmente confirmada pelos resultados dos estudos de privação sensorial. Van Kaarn assinala que a validação experimental é indireta porque não verifica a descrição fenomenológica em si mesma.
	Algumas explicações são evidentes por si mesmas e não requerem validação. Nenhuma validação é requerida para a descrição “Ele está experienciando um embaraço”, quando alguém observa uma pessoa enrubescida.
	Há outro tipo de validade facial (face validity) que Van Kaam chama “existencial”, São as descrições confirmadas pela própria natureza da existência em si mesma. É evidente em si mesmo, por exemplo, que o homem tem um certo grau de liberdade para fazer escolhas. Se um determinista ou mecanicista se opusesse a essa afirmação e tentasse persuadir o psicólogo existencial de que ela não é verdadeira, suas tentativas de persuasão confirmariam a proposição que estava tentando negar. Se o homem não fosse livre para mudar de opinião, não haveria sentido na tentativa de persuadi-lo. Apenas as pessoas livres podem ser convertidas, diz Van Kaam. (O determinista poderia argumentar que os argumentos são os fatores determinantes da mudança de opinião, e não a liberdade da pessoa.)
Dasein análise versus psicanálise
	Por terem Binswanger e Boss sido psicanalistas antes de se tornarem psiquiatras existenciais, as inferências que fazem a partir de suas investigações fenomenologicamente orientadas são freqüentemente comparadas com as inferências que a psicanálise teria feito a partir dessas mesmas investigações. Nós selecionamos dois exemplos dos trabalhos de Binswanger para ilustrar esses contrastes. Um exemplo trata do erotismo anal, o outro da avareza como traço de caráter. 
	O erotismo anal. Fazemos uma citação para preservar a linguagem característica da psicologia existencial.
	...A principal característica do erotismo anal o guardar-para-si-mesmo ou não dar. E um insight muito importante da psicanálise, com que a análise existencial concorda plenamente, que esse traço básico não está ligado à distinção corpo e mente, mas a transcende. Mas ai a concordância termina... a análise existencial pergunta primeiramente qual é o modelo-de-mundo básico para a analidade. Com respeito ao caso de Ellen West a resposta é particularmente fácil: neste modelo-do-mundo a multiplicidade de formas do mundo é reduzida às formas do buraco. A maneira de serem tal mundo é ser confinada ou oprimida; o eu que modela esse mundo é um eu "vazio", preocupado apenas em encher o vazio. Consequentemente a opção pela analidade ê simultânea a uma opção pela oralidade, a um desejo de “incorporar". Como essa expressão não está restrita E1 esfera corporal - fato que a psicanálise observou muito bem - , preferimos falar de apropriação, mas no sentido de encher simplesmente. A “categoria” que domina igualmente seu modelo-de-mundo, seu ser-no-mundo e seu eu é unicamente a do cheio e vazio, do ser cheio e ser esvaziado, do eu faminto e do eu saciado. O traço básico de tal forma-de-existência e a voracidade, o atirar-se (sobre a comida). Este movimento existencial tem, como vimos, a característica temporal do imediatismo e a característica especial da proximidade. O mundo em que tal existência se "move" é orientado temporalmente para o mero. Agora da possibilidade de encher, e para o mero. Aqui do saciamento; esse mundo é sem luz e sem cor (embaçado), monótono e uniforme; em uma palavra, sem alegria ou melancólico. Esse mundo vazio encontra a sua correspondência no eu existencialmente vazio, no vazio existencial e em sua pressão decorrente - e é até mesmo um pré-requisito para a constituição deste eu. Quando o mundo nada mais é do que um buraco, o eu também ê um buraco (tanto no sentido corporal quanto no sentido mental); afinal, o mundo e o eu determinam-se reciprocamente (de acordo com o princípio - repeti-lo nunca é demais - de que a individualidade é o que o seu mundo é, no sentido de que é o seu próprio mundo) (Binswanger, 1958c, p. 317- 318).
	A avareza. O avarento está interessado principalmente em encher recipientes de dinheiro. A riqueza e a mesquinhez são simples conseqüências da orientação para encher,
p. 99 
pois se o avarento fosse gastar ou dar seu dinheiro, os cofres ficariam vazios e a ansiedade do avarento retornaria. O encher é o denominador comum da retenção das fezes e da retenção do dinheiro; o primeiro não causa o último, como a psicanálise sustenta.
	A prevalência do encher e seu correlato - a cavidade - apontam para algo semelhante a “Moloch" (uma referência ao ídolo oco que leva este nome) nesse tipo de existência. De acordo com a estrutura unitária do ser-no-mundo, isto naturalmente resulta em uma for ai a de mundo pessoal, e particularmente nesse caso em formas de mundo corporal e de consciência corporal que são semelhantes às do Moloch, como a psicanálise enfatizou corretamente (Binswanger, l958a, p.211) 
	Binswanger prossegue dizendo que os avarentos são também mesquinhos com o seu tempo porque sua temporalidade é espacializada à maneira de Moloch. O tempo está sendo constantemente economizado, acumulado e guardado daqueles que poderiam roubá-lo
	Os recipientes não se destinam apenas a serem cheios, mas também a esconder seus conteúdos dos outros. O avarento "choca" o seu dinheiro. Há também o prazer de vê-lo secretamente, manuseá-lo e contá-lo. O gozo de fazer faiscar o ouro é “o único brilho de vida e amor que resta ao avarento" (Binswanger, l958a, p. 211). 
Um estudo de caso existencial: Ilse
	O mais famoso estudo de caso de Binswanger disponível em língua inglesa é o de Ellen West (l958c). Trechos desse estudo foram usados no presente capítulo para ilustrar vários conceitos da psicologia existencial, mas ele é por demais longos e complexos para acomodar-se em um resumo. O leitor que estiver interessadoem saber como o terapeuta existencial trabalha para fazer a análise existencial de um paciente e como usa os resultados dessa análise para formular a existência do paciente, ou modos de ser no mundo, deve ler Ellen West por inteiro.
	Por razões práticas, escolhemos discutir um dos mais curtos estudos de caso de Binswanger, Insanity as life-history phenomenon and as a mental disease: the case Ilse (1958b). Ilse, uma mulher casada de quase quarenta anos, tornou-se paciente do sanatório de Binswanger quando começou a apresentar vários tipos de delírios. Seu comportamento delirante apareceu vários meses após ter realizado um ato muito dramático e penoso. Ela mergulhou a mão nas brasas quentes de um fogão e, então, estendeu a mão seriamente queimada para o pai e disse: "veja, isto é para mostrar como eu gosto de você”. Ostensivamente, Ilse se queimou num esforço supremo para mudar o tratamento severo e tirânico de seu pai para com sua mãe. O comportamento do pai mudou durante alguns meses, mas logo ele voltou a seus velhos hábitos, Ilse reagiu a isso alienando-se na insanidade, da qual ela se recuperou após o tratamento.
	A história de vida de Ilse continha apenas um tema-chave - o tema do pai - , ao redor do qual girava toda sua existência. A opressão desse tema acabou ficando intolerável e ela tentou libertar-se dela por um ato extremo. Entretanto ele não foi eletivo e por isso a existência de Ilse acabou sendo ainda mais dominada pelo “complexo” do pai.
	Agora esse tema não se detém mais diante de limitações, e arrasta consigo toda a existência, percebendo apenas a si mesmo, vivendo apenas para si mesmo. Ele força esta pessoa (Ilse), por ele controlada, a encontrar o "pai" por todo o mundo dos homens (Mitwelt), e a lutar contra ele, com amor e ódio, com domínio e submissão, uma vez e outra, sempre em conflito. Assim como a severidade e a frieza do pai, sua insensibilidade ao amor e ao sacrifício tornaram-se um enigma para Ilse, assim também o ambiente inteiro assume um poder enigmático: às vezes ele é um. 
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Você amoroso, alguém a quem ela gostaria de entregar não só a mão, mas ela toda; outras vezes, ê um mundo cruel, sem amor, inacessível, que zomba do seu amor, desdenha e humilha, fere sua honra. Sua existência inteira está agora limitada aos movimentos cansativos de ser atraída e ser rejeitada. Com a pluralização do Você, com o tema abrangendo sem limites toda a sua existência e com a perda do objetivo temático original - o pai - nenhuma solução do problema é mais possível (1958, p. 224).
	Dai, a insanidade.
	Considerando a natureza especifica do sacrifício - queimar a mão - Binswanger observa que ele significa diferentes coisas para Ilse Na superfície, ele foi feito para beneficiar a mãe, mas foi também um ato de purificação (uma vez que o fogo purifica) c de expiação pelo seu amor "vermelho ardente” pelo pai. Ela tenta extinguir de si mesma o “fogo interno” que ameaça consumi-la. É fogo contra fogo. O sacrifício significa também uma tentativa de derreter o coração “frio como gelo” do pai no fogo de seu próprio amor por ele. O sacrifício foi vão. Ele não só fracassou em mudar o pai, como também em purificar Ilse. Para ser bem-sucedido, um sacrifício tem de resultar na união de quem se sacrifica com aquele a quem o sacrifício é oferecido. Ilse desejava purificar-se e ao pai, de modo que uma nova união entre eles pudesse ser criada “ ...pelo fracasso da união, da unidade com o pai ao nível de um puro. Nós, a auto-purificação tornou-se sem significado” (1958, p. 220).
	A conseqüência desse fracasso é que lise “pluraliza" o tema do pai para todos os homens; dai seus delírios de auto-referência, de amor e de perseguição. Ela é atraída e rejeitada pelos homens com todos os sentimentos de culpa e ódio que tais conflitos despertam. Binswanger adverte seus leitores para não verem essa história “à maneira da psicanálise”, simplesmente como uma história da libido, da fixação no pai, da sua fuga forçada do pai e da eventual transferência para o mundo em geral (1958b, p 225). A história de uma pessoa se apóia na sua atitude para com o seu “campo” existencial. Ter um pai e uma mãe é parte do campo existencial da maior parte das pessoas.
	Mas o destino de Ilse era o de que ela tivesse justamente aquele pai e aquela mãe, e foi; recebido como herança e como tarefa; conduzir esse destino era o problema da sua existência. Deste modo, no seu “complexo pelo pai” havia destino e liberdade em jogo (1958b).
A Dasein análise dos sonhos
	As características singulares da psicologia existencial aparecem muito claramente no seu tratamento dos sonhos Tanto Boss (1958) como Binswanger (1963) escreveram sobre os sonhos, mas limitaremos nossa atenção aos estudos de Boss porque eles são muito mais extensos. Numa primeira investigação sobre os sonhos, antes de se tornar um psicólogo existencial, Boss (1938) mostrou como os sonhos dos pacientes esquizofrênicos tornavam-se mais abertos (menos disfarçados e simbolizados) quando a condição esquizofrênica piorava e mais simbólicos quando ela melhorava. Durante os estágios iniciais da doença, uma mulher esquizofrênica sonhou com uma vaca que se atolou no lodo, e mais tarde, quando ficou muito pior, ela sonhou que empurrava a mãe para uma pilha de estrume.
	Como existencialista, Boss agora rejeita o conceito de simbolismo, bem como todos os outros mecanismos e interpretações freudianas. O sonho é outro modo de ser-no-mundo. Os conteúdos de um sonho devem ser aceitos como coisas com seu significado e conteúdo próprios, assim como são sentidos na experiência do sonhador. O sonho e a vigília não são esferas inteiramente diferentes da existência. 
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De fato, o modo de existência de uma pessoa, retratado em seus sonhos, frequentemente replica seu modo de existência na vida desperta. Este fato é ilustrado por uma série muito dramática de 325 sonhos relatados por um paciente durante três anos de terapia (Boss, 1958, p. 115-117)
	O paciente, um engenheiro de mais de quarenta anos, procurou terapia por causa de sua depressão e impotência sexual. Durante os primeiros seis meses e meio de tratamento, ele sonhava exclusivamente com máquinas e outros objetos materiais. Nunca apareciam nos seus sonhos plantas vivas, animais ou pessoas. No final desse primeiro período ele começou a sonhar com plantas, árvores e flores. Quatro meses depois, insetos que são usualmente perigosos surgiam nos seus sonhos frequentemente. Estes foram sucedidos por rãs, sapos e cobras. O primeiro mamífero com que ele sonhou foi um rato, depois um coelho e um porco selvagem. Os porcos tornaram-se os animais favoritos dos sonhos, mas finalmente seu lugar foi tomado pelos leões e cavalos. O primeiro sonho com um ser humano teve lugar dois anos depois do início da terapia. O sonho foi com uma mulher inconsciente. Seis meses depois, ele sonhou que estava dançando com uma mulher que estava muito apaixonada e que ele sentia amar profundamente.
	As mudanças nos conteúdos dos sonhos deste paciente correspondiam às mudanças na sua experiência e comportamento quando acordado. A deprimente falta de significado da sua vida já tinha começado a desaparecer quando ele começou a sonhar com plantas. Sua potência sexual retornou com toda a força quando os leões e cavalos foram admitidos nos seus sonhos. Quando ele começou a terapia seu modo de vida era aquele de um robô mecânico. Não havia nenhuma consciência da realidade plena da existência, do seu ser-no-mundo com plantas, animais, pessoas ou mesmo com sua mulher. Em vez de desvendar e iluminar completamente o rico mundo da existência, seu Dasein estava constrito, mutilado e oculto 	
	Se os sonhos e a vigília são homólogos, pode-se perguntar por que é necessário considerar os sonhos? A resposta é que o Dasein ao sonhar freqüentemente ilumina províncias do mundo humano de que o sonhador não está consciente quando acordado. Num livro recente sobre os sonhos, Boss (1978) estabeleceu três questões básicas para serem formuladas a respeito de umsonho: 1) O Dasein do sonhador está aberto a que durante o sonho, isto é, que fenômenos (pessoas, animais, objetos) aparecem no sonho? 2) Como os fenômenos afetam o sonhador? Ele está amedrontado? Com raiva? Feliz? Triste? Indiferente? 3) Como o sonhador responde aos fenômenos no sonho? Foge deles? Ataca-os? Abraça-os? As respostas a estas questões fornecem a base para a análise existencial do sonho.
	Boss, como dissemos, rejeita toda a panóplia de desejos, mecanismos, arquétipos, compensações e disfarces que os psicanalistas usam para interpretar os sonhos. As razões disso são ilustradas numa análise pormenorizada de um sonho contado por uma jovem casada, física e mentalmente saudável.
	No início do sonho, ela está sentada à mesa dc jantar, junto com os filhos e o marido, numa atmosfera pacífica. Ela é atraída pela comida e vorazmente engole um bocado atrás do outro porque “Eu estava com muita fome”. já que ela estava com muita fome quando foi dormir, seu sonho de comer seria interpretado simplesmente como a satisfação de um desejo, de acordo com a teoria de Freud. Boss discorda dessa interpretação porque a mulher não sentiu nenhum desejo de comer. “Nossa sonhadora é servida de comida logo no início de seu sonho e não precisa desejá-la, mas apenas comê-la” (1958, p. 84). 
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O sonho também não pode ser atribuído a um instinto ou impulso oral porque a experiência imediata da pessoa não é a experiência de um instinto ou impulso. Interpretar o comportamento, seja em sonhos ou em vigília “ como o resultado de impulsos e instintos. é pensar que o homem é dirigido por forças internas e externas como qualquer objeto; este é um modo de pensar que a psicologia existencial rejeita.
	Existencialmente, o que a fome faz e É revelar um mundo de coisas comestíveis. "Tanto o comer no sonho como o desejo de alimento presente quando ainda estava acordada brotam de uma mesma fonte: ambas são apenas duas formas de atividade de uma existência sintonizada com a fome” (1958, p. 85).
	Embora Boss dispense o simbolismo, ele diz que um objeto que aparece no sonho pode ter para o sonhador muitos significados e contextos diferentes. Para esclarecer os vários significados de um objeto do sonho, o analista não pede uma associação livre (Freud), ou uma ampliação do objeto (Jung). Em vez disso, ele formula perguntas para o sonhador. As respostas a essas perguntas permitirão ao analista - ou melhor, ao sonhador sele estiver em terapia - ver mais claramente ou abertamente o significado de um sonho em relação à vida desperta do paciente. Aí reside o valor da análise dos sonhos para a psicoterapia. Os pacientes ganham valiosos insights sobre os seus modos de ser-no-mundo. Eles tornam-se então livres para usar esses insights para construir um Dasein mais saudável. Boss observa que esses insights não surgem facilmente para os pacientes e por isso o analista deve insistir obstinadamente em fazer várias vezes as mesmas perguntas a cada sonho sucessivo.
	O tratamento do simbolismo usado por Boss é exemplificado por um experimento realizado com cinco mulheres. Ele hipnotizou uma mulher de cada vez, sugerindo a cada uma que ela sonharia com um homem muito conhecido, que a amava e que se aproximava dela nua com intenções sexuais. As três mulheres que tinham atitudes saudáveis para com o sexo tiveram agradáveis sonhos abertamente eróticos. Das duas restantes, uma, que era uma solteirona neurótica com medo de sexo, só sonhou que estava sendo atacada por um homem nojento de uniforme carregando uma pistola. Boss diz que o uniforme e a pistola não devem ser vistos como símbolos. O uniforme exprime o modo de existência ansioso, escondido, apertado da sonhadora, e não um disfarce para o corpo. A pistola não é o fallus disfarçado, mas expressa os sentimentos de ameaça e perigo vividos pela sonhadora. Foi sua poderosa ansiedade que trouxe à cena um revólver, porque em vigília ela tinha medo de revólveres. Os sonhos são revelações da existência e não disfarces. Seu significado existencial manifesta-se e não deve ser procurado em algum conteúdo latente ou elaboração onírica por trás da cena. “Os fenômenos do sonho são sempre aquilo que são quando brilham: eles são descobertos e revelados e não são uma capa ou um véu para o conteúdo psíquico” (1958, p. 262).
Situação atual e avaliação
	A psicologia existencial surgiu como a psicanálise, na Europa, entre médicos e foi exportada para os Estados Unidos. Mas ao contrário da psicanálise, ela não teve que suportar muitos anos de rejeição acadêmica e as duras criticas dos psicólogos americanos antes de ser aceita ou pelo menos tolerada. Ela teve um impacto quase imediato sobre o pensamento e a prática de vários psicólogos, e influenciou principalmente o aparecimento de novas técnicas e novos pontos de vista, especialmente nas áreas do aconselhamento e da psicoterapia. Parte dessa diferença de resposta à psicanálise e à psicologia existencial pode ser atribuída às complexas mudanças da psicologia entre os anos de 1910 e 1950.
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Em 1910, a psicologia era feita quase que inteiramente por psicólogos de formação universitária, cujas atividades eram puramente cientificas ou teóricas. Por volta de 1950, um grande número de psicólogos envolveu-se na psicologia aplicada e descobriu, para sua tristeza, que muito do que haviam aprendido na universidade não era relevante ou aplicável em seus trabalhos. Eles começaram a procurar perspectivas e conhecimentos mais relevantes e acreditavam encontrá-los na psicanálise e na psicologia existencial.
	Ainda por volta de 1950, muitos psicólogos americanos sentiram que a psicologia tinha sido transformada pelo behaviorismo numa camisa-de-força, perdendo de vista a pessoa e os valores humanos. O existencialismo era visto por esses dissidentes como uma base para uma psicologia orientada humanisticamente.
	A psicologia existencial assemelha-se à psicanálise em outro aspecto; ela foi criada por psiquiatras, assim como várias das outras teorias da personalidade tratadas neste livro. Trabalhar intensivamente com pessoas numa situação terapêutica parece favorecer o desenvolvimento de concepções amplas do homem. Ao contrário da psicanálise, entretanto, que se apoiou firmemente sobre o positivismo da ciência do século dezenove, a psicologia existencial nasceu da filosofia e continuou a manter íntimas relações com suas raízes filosóficas- Com respeito às duas orientações - ciência versus filosofia - a psicanálise é mais próxima do behaviorismo, e a psicologia existencial é mais próxima da psicologia da forma (Gestalt). 
	Não se pode negar que a psicologia existencial européia foi aclamada por muitos psicólogos americanos e que sua influência é crescente. Ela, entretanto, não escapou à critica.
	Uma das críticas surge do fato dc que a psicologia americana lutou duramente para livrar-se da dominação da filosofia. Após ter sido bem sucedida em obter sua independência, muitos psicólogos resistem a uma nova aliança com a filosofia, e particularmente com uma filosofia que abertamente mostra seu desprezo pelo positivismo e pelo determinismo. Por se- tenta anos pelo menos, a psicologia americana tentou transformar-se em uma ciência “respeitável”. O teste das hipóteses, por meio de experimentos cuidadosamente planejados, realizados sob condições controladas e com um sofisticado tratamento estatístico dos dados foi inculcado no pensamento de praticamente todos os estudantes recém-graduados em psicologia. Por muitos anos a psicanálise foi considerada como não científica, e a sua aceitação pelos psicólogos acadêmicos - ou por alguns psicólogos - só ocorreu quando suas hipóteses começaram a ser testadas sob condições experimentais controladas. Muitos psicólogos sentem que a psicologia existencial representa um rompimento desastroso com o stablishment científico, ameaçando o status cientifico da psicologia, ganho com tanta dificuldade.
	A esta critica a psicologia existencial responderia dizendo que há muitas perspectivas científicas e filosóficas. Qualquer

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