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O BRASIL DA SEMIDEMOCRACIA VERSÃO 02

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1 
 
O BRASIL DA SEMIDEMOCRACIA: O GOLPE MILITAR 
DE 1964 E O MOMENTO ATUAL 
Glaudionor Gomes Barbosa 
 
 
 
1. O CICLO POLÍTICO BRASILEIRO 
 
Segundo Kalecki (1943), a existência de ciclos político-econômicos era uma 
circunstância “(...) sintomática do futuro regime econômico das democracias 
capitalistas”. (KALECKI, 1943). A partir desta ideia, a presença de ciclos políticos 
de natureza econômica nas sociedades democráticas repercute a interação do 
sistema político com o econômico. Assim ocorreria a alternância entre os 
partidos Conservador e Trabalhista. O Ciclo de Kalecki seria de curta duração. 
Kalecki (1943) argumenta pela existência da politização da demanda efetiva. 
Essa situação é talvez sintomática do futuro regime econômica das democracias 
capitalistas. Na depressão, ou pela pressão popular ou mesmo sem ela, o 
investimento público financiado por empréstimo será adotado para evitar o 
desemprego em larga escala. Mas se forem feitas tentativas de aplicar esse 
método a fim de manter o alto nível de emprego alcançado na subsequente 
prosperidade, é provável que haverá uma forte oposição por parte dos “líderes 
empresariais”. Como já foi assinalado, um pleno emprego duradouro não é 
absolutamente do gosto deles. Os trabalhadores estariam “fora de mão” e os 
“capitães da indústria” estariam ansiosos por “ensinar-lhes uma lição”. Ademais, 
o aumento de preços na fase de prosperidade é desvantajoso para os pequenos 
e médios repentistas e os tornaria “aborrecidos”. Nessa situação é provável a 
formação de um poderoso bloco de grandes empresários e repentistas, que 
encontraria mais de um economista para declarar que a situação é claramente 
enferma. A pressão de todas essas forças, e em particular das grandes 
empresas, muito provavelmente induziria o Governo a retomar à política 
ortodoxa de corte do déficit orçamentário. Seguir-se-ia uma recessão, na qual a 
política governamental de despesa voltaria a seu sentido próprio. 
Pode-se dizer que o Brasil, em pouco mais de cem anos de República, possui 
uma história política, jurídica e constitucional permeada de alterações de regime, 
2 
 
transições, rupturas e permanências. Alguns personagens se destacam, 
determinadas datas são particularmente significativas, certos eventos parecem 
adquirir uma relevância decisiva. Porém, para o observador desse período, o 
que fica é a complexidade das transformações, a capacidade de manutenção, 
no regime novo, de componentes da ordem anterior e, acima de tudo, a 
impossibilidade de explicações monocausais. Essa é uma conclusão, aliás, que 
se aplica à história do Brasil desde a independência. Num percurso radicalmente 
diverso das ex-colônias espanholas na América, o Brasil mantém-se com suas 
fronteiras praticamente inalteradas após a separação em relação à metrópole e, 
o que é mais signifi cativo, opta pela manutenção da monarquia como forma de 
governo. Várias razões, que se combinam, teriam contribuído para esse quadro, 
que gerou, como não poderia deixar de ser, um extenso debate na historiografia 
brasileira. Nos limites do presente artigo, não poderemos nos deter em cada uma 
das controvérsias acerca da formação do Brasil contemporâneo. Nosso objetivo 
é outro: compreender os períodos centrais enfocados no texto (1930-1945 e 
1964-1988) numa perspectiva mais abrangente. Em outras palavras: a análise 
da experiência jurídica desses dois marcos temporais terá de pressupor, ainda 
que de modo breve, uma reconstrução histórica ampla, que se projete para além 
dos períodos determinados. 
 
2. DEMOCRACIA? QUAL DEMOCRACIA? 
 
A tese que norteia este pequeno ensaio é de que o espírito público que define 
uma democracia, como um regime onde liberdade e igualdade estão imbricadas 
num todo orgânico, não prevalece na sociedade brasileira. Muitos elementos 
autoritários continuam determinando nosso comportamento político, inclusive no 
sentido de representar um perigo constante de retrocessos institucionais. 
A tipologia de quatro vértices: democracia, semidemocracia, semiautoritarismo 
e autoritarismo. O conceito de semidemocracia é de um regime hibrido, onde 
coexistem traços democráticos e autoritários. Assim trata-se de um processo 
temporário a caminho de uma democracia. Neste ponto, quanto ao Brasil, este 
trabalho se afasta, ou mantém uma dúvida razoável em relação às estas 
formulações, pois não se pode aceitar uma situação de transição que caminha 
para mais de trinta anos (1985 – 2016). 
3 
 
Alguns fatos públicos e muito conhecidos na medida em que colocam em xeque 
direitos fundamentais da pessoa, ajudam a entender a semidemocracia 
brasileira. Foram escolhidos três episódios recentes que enfraquecem 
sobremaneira a noção de uma democracia consolidada no Brasil. 
O deputado Federal e Pastor protestante, Marcos Feliciano defende 
abertamente ideias racistas e homofóbicas chegando a polemizar publicamente 
suas posições retrogradas e ofensivas a liberdade individual de segmentos 
sociais que merecem garantias inerentes na noção de liberdade individual 
tocquevilleana. Resultado: por violar dispositivo constitucional o deputado é 
denunciado, é julgado com direito a ampla defesa e condenado? Não. O referido 
senhor é eleito presidente da comissão de direitos humanos do Congresso 
Nacional. Significa dizer que a casa política que deve legislar em prol da 
democracia, da liberdade e dos direitos da pessoa humana aceita as posições 
daquele pastor. 
A pergunta que se deve fazer é até que ponto os longos anos de ditadura militar 
(1964– 1985) consolidaram um padrão estranho ao verdadeiro liberalismo 
político. Vale lembrar que as forças armadas não foram reformadas e a polícia 
segue os padrões de repressão às manifestações de massa como caso de 
polícia e não de política. 
Em matéria de 31 de agosto de 2013 a Rede Globo, depois das manifestações 
de junho, quando dezenas de milhares de manifestantes tomaram as ruas do 
Brasil em coro: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”, resolveu fazer 
uma autocrítica daquele apoio alegando que “à luz da História, aquilo tinha sido 
um erro”. Na sequência a Globo constrói uma memória absurda sobre os 
acontecimentos de 1964, em particular a correlação de forças que antecede o 
golpe militar, os compromissos do presidente legitimamente eleito João Goulart 
e o “perigo” do comunismo. O pronunciamento da Rede Globo assemelha-se a 
“alguém afirmar que à luz da História, o nazismo foi um erro”. Esses tipos de uso 
da História não recuperam as vidas ceifadas, nem ajudam a compreender que 
muitos na Alemanha dispensaram a temporalidade histórica para se 
posicionarem, com risco da própria vida, contra o nazismo. 
Em outubro de 2014 dois jovens, em manifestação política, em São Paulo foram 
detidos e ameaçados de enquadramento na famigerada Lei de Segurança 
4 
 
Nacional. Em primeiro lugar, é preciso entender a referida Lei. Ela é uma Norma 
típica de períodos de guerra, onde se opera com o conceito de direito penal do 
inimigo. Tal dispositivo legal foi promulgada durante a ditadura militar, definindo 
como crime o ato “de depredar, provocar explosão ou incendiar para manifestar 
inconformismo político ou manter organizações subversivas”. Dentro da referido 
Lei há um artigo que tipifica a ação dos jovens como: “sabotagem de instalações 
militares”. 
Vamos aos fatos. A primeira impressão é de que os jovens incendiaram algum 
quartel ou um navio de guerra, certo? Errado. Ocorreu o tombamento de uma 
viatura da polícia, sem nenhuma pessoa dentro e sem danos materiais 
substantivos. A ação foi coletiva e os jovens, segundo observadores e alguns 
vídeos amadores apenas incitavam com gritos de quebra! quebra!Além de toda manipulação e da falsa identificação de culpados, resta uma 
questão preocupante, a saber, como criminalizar jovens que não atentaram 
contra a segurança do Estado, nem mesmo contra pessoas com base numa Lei 
de uma ditadura produzida para os opositores de um regime autoritário que 
torturava e matava, em uma democracia? 
Causa mal-estar saber que no fundo a eleição de Tancredo e Sarney e a 
Constituinte não promoveram ruptura com o passado autoritário, mas uma linha 
perigosa de continuidade. No Brasil do século XXI exercer o direito de 
manifestação acarreta a possibilidade de ser punido por uma Lei de exceção do 
regime dos quartéis. 
Na esteira da mentalidade antidemocrática, conservadora e distante dos ideais 
liberais está a proposta de Lei antiterrorismo aprovada sob o pretexto de evitar 
questionamentos durante a Copa do Mundo de Futebol que prever penas de 15 
a 30 anos de prisão para atos “subversivos”. Observar que a Lei 7170/83, a Lei 
de Segurança Nacional previa penas de 3 a 10 anos, ou seja, cria-se, numa 
democracia, uma Lei mais draconiana do que a Norma autoritária. Sabe-se que 
o crime de homicídio, a saber, ceifar a vida de outro ser humano é punível com 
reclusão de seis a vinte anos, pela Lei antiterrorismo, o crime contra “coisas” 
será punível com penas de oito a vinte anos. Conclui-se que é melhor matar o 
vizinho adversário de futebol do que destruir uma cabine telefônica. 
5 
 
3. 1964: O golpe preventivo em um contexto de 
radicalização das massas 
O que se procurava impedir era a transição de uma democracia restrita para uma 
democracia de participação ampliada ... que ameaçava o início da consolidação 
de um regime democrático-burguês, no qual vários setores das classes 
trabalhadoras (mesmo de massas populares mais ou menos marginalizadas, no 
campo e na cidade) contavam com crescente espaço político. 
Em síntese, as classes dominantes e suas elites ideológicas e repressivas, no 
pré-64, apenas enxergavam baderna, anarquia, subversão e comunização do 
país diante de legítimas iniciativas dos operários, camponeses, estudantes e 
soldados. Por vezes, expressas de forma altissonante e retórica, tais demandas, 
em sua substância, reivindicavam o alargamento da democracia política e 
a realização de reformas do capitalismo brasileiro. 
Em toda nossa história republicana, o golpe contra as frágeis instituições 
políticas do país se constituiu em ameaça permanente. Seu fantasma rondou, 
em especial, os governos democráticos no pós-46; com maior intensidade, a 
partir dos anos 60. 
Assim, pode-se dizer que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o 
espectro do golpe de Estado. Goulart foi empossado em setembro de 1961, após 
a fracassada tentativa golpista de Jânio Quadros. Com sua inesperada renúncia, 
JQ visava, contudo, o fechamento do Congresso que lhe fazia oposição. Não 
tendo o povo saído às ruas para exigir dos militares a volta do renunciante, o 
golpe se frustrou. A emenda parlamentarista, imposta ao Congresso nacional 
pela junta militar, pode ser interpretada como um "golpe branco". O Congresso, 
acuado e ameaçado pela espada, reformou a Constituição sob um clima pré-
insurreicional, contrariando, assim, dispositivos constitucionais da Carta de 46. 
Em outubro de 1963, alegando a necessidade de impedir "grave comoção 
interna com caráter de guerra civil", Goulart – por imposição de seu dispositivo 
militar – tentou impor ao Congresso o estado de sítio. Se o estado de exceção 
visava silenciar Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, quem poderia negar que 
líderes de esquerda como Miguel Arrais e Leonel Brizola não estariam também 
6 
 
incluídos na "lista saneadora" elaborada pelos militares, com a inteira anuência 
do próprio Goulart? 
Em abril de 1964, o golpe de Estado – permanentemente reivindicado por 
setores da sociedade civil – foi, então, plenamente vitorioso. 
O golpe estancou um rico e amplo debate político, ideológico e cultural que se 
processava em órgãos governamentais, partidos políticos, associações de 
classe, entidades culturais, revistas especializadas (ou não), jornais etc. Assim, 
nos anos 60, conservadores, liberais, nacionalistas, socialistas e comunistas 
formulavam publicamente suas propostas e se mobilizavam politicamente em 
defesa de seus projetos sociais e econômicos. 
No pré-64, outras reivindicações políticas visavam o alargamento da democracia 
liberal vigente no país: entre elas, o direito de voto aos analfabetos, o direito dos 
setores subalternos das forças armadas de postularem cargos eletivos (a carta 
de 46 lhes vedava esse direito) e a legalidade do Partido Comunista Brasileiro, 
posto fora da lei desde 1947. Embora alguns de seus membros conseguissem 
ser eleitos por outros partidos, embora tivesse lideranças em sindicatos, editasse 
revistas e semanários,13 o PCB não podia realizar seus encontros e reuniões 
senão de forma clandestina e sob permanente repressão policial. A inexistência 
do pluralismo ideológico-partidário no pré-64 se constituía, assim, numa séria 
deformação da democracia política no país. 
Ao afirmarmos que o golpe de 1964 teve como protagonistas principais as 
facções duras das forças armadas e o empresariado nacional (através de seus 
partidos, entidades de classe e aparelhos ideológicos) – com o decidido apoio e 
o incentivo da embaixada e de agências norte-americanas (Departamento de 
Estado, Pentágono e outras)17 –, não significa que devemos isentar os setores 
nacionalistas e de esquerda pelo dramático desfecho do processo político. 
Mas, diante de insinuações de que os setores progressistas e de esquerda – 
pela intransigência de suas demandas e ações – também devem ser 
responsabilizados pelo desfecho dos acontecimentos de abril de 1964, é preciso 
sempre lembrar e ressaltar que quem planejou e desencadeou o golpe contra a 
democracia foram as classes dominantes através de suas forças políticas e 
entidades de classe. Como ressaltamos, os setores conservadores e liberais da 
7 
 
sociedade civil – as chamadas "vivandeiras de quartel" –, durante todo o período 
republicano se manifestaram resolutamente contrários à ampliação das 
liberdades políticas e dos direitos sociais das classes populares e dos 
trabalhadores. Desde 1950, manobras golpistas foram tentadas, intensificando-
se a partir da renúncia de Jânio Quadros. 
O golpe de 1964 veio, pois, coroar as tentativas anteriormente fracassadas. 
Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais de 
esquerda e progressistas, o golpe foi saudado pelas classes dominantes e seus 
ideólogos, civis e militares, como uma autêntica Revolução. Aliviadas por não 
terem de se envolver militarmente no país, as autoridades norte-americanas 
congratularam-se com os militares e políticos brasileiros pela "solução" 
encontrada para superar a "crise política" no país. 
Desarmadas, desorganizadas e fragmentadas, as forças progressistas e de 
esquerda nenhuma resistência ofereceram aos golpistas. Alegando que não 
queria assistir a uma "guerra civil" no país, Goulart negou-se a atender alguns 
apelos de oficiais legalistas no sentido de ordenar uma ação repressiva – de 
caráter intimidatório – contra os sediciosos que vinham de Minas. Preferiu o 
exílio político. 
4. DOIS EXEMPLOS DA JUSTIÇA DAS CLASSES DOMINANTES 
4.1. QUE TERÍAMOS FEITO SEM OS JURISTAS ALEMÃES? 
(ADOLF HITLER) 
Em 1938, o líder nazista Adolf Hitler foi escolhido o “homem do ano” da revista 
Time. Antes disso, Hitler figurou na capa de diversas revistas europeias e norte-
americanas, no mais das vezes com matérias elogiosas acerca de sua luta 
contra a corrupção e o comunismo que “ameaçavam os valores ocidentais”.Seus 
discursos contra a degeneração da política (e do povo) faziam com que as 
opiniões e ações dos nazistas contassem com amplo apoio da opinião pública, 
não só na Alemanha. O apelo transformador/moralizador da política e as 
reformas da economia (adequada aos detentores do poder econômico) fizeram 
emergir rapidamente um consenso social em favor de Hitler e de suas políticas. 
8 
 
A “justiça penal nazista” estabeleceu-se às custas dos direitos e garantias 
individuais, estas percebidas como obstáculos à eficiência do Estado e ao projeto 
de purificação das relações sociais e do corpo político empreendida pelo grupo 
político de Hitler. Aliás, a defesa da “lei e da ordem”, “da disciplina e da moral” 
eram elementos retóricos presentes em diversos discursos e passaram a integrar 
a mitologia nazista. Com o apoio da maioria dos meios de comunicação, que 
apoiavam o afastamento de limites legais ao exercício do poder penal, 
propagandeando uma justiça penal mais célere e efetiva, alimentou-se a imagem 
populista de Hitler como a de um herói contra o crime e a corrupção, o que levou 
ao aumento do apoio popular a suas propostas. 
Hitler, aproveitando-se de seu prestigio, também cogitava alterações legislativas 
em matéria penal, sempre a insistir na “fraqueza” dos dispositivos legais que 
impediriam o combate ao crime. Se o legislativo aplaudia e encampava as 
propostas de Hitler, o Judiciário também não representou um obstáculo ao 
projeto nazista. Muito pelo contrário. 
Juízes, alguns por convicção (adeptos de uma visão de mundo autoritária), 
outros acovardados, mudaram posicionamentos jurisprudenciais sedimentados 
para atender ao Führer (vale lembrar que na mitologia alemã o Führer era a 
corporificação dos interesses do povo alemão). Vale lembrar, por exemplo, que 
para Carl Schmitt, importante teórico ligado ao projeto nazista, o “povo” 
representava a esfera apolítica, uma das três que compõem a unidade política, 
junto à esfera estática (Estado) e à esfera dinâmica (Movimento/Partido Nazista), 
esta a responsável por dirigir as demais e produzir homogeneidade entre 
governantes e governados, isso através do Führer (aqui está a base do chamado 
“decisionismo institucionalista”, exercido sem amarras por Hitler, mas também 
pelos juízes nazistas). 
Ao contrário do que muitos ainda pensam (e seria mais cômodo imaginar), o 
projeto nazista não se impôs a partir do recurso ao terror e da coação de parcela 
do povo alemão, Hitler e seus aliados construíram um consenso de que o terror 
e a coação de alguns eram úteis à maioria do povo alemão (mais uma vez, 
inegável o papel da mídia e da propaganda oficial na manipulação de traumas, 
fobias e preconceitos da população). Não por acaso, sempre que para o 
crescimento do Estado Penal Nazista era necessário afastar limites legais ou 
9 
 
jurisprudenciais ao exercício do poder penal, “juristas” recorriam ao discurso de 
que era necessário ouvir o povo, ouvir sua voz através de seus ventríloquos, em 
especial do Führer, o elo entre o povo e o Estado, o símbolo da luta contra o 
crime e a corrupção. 
Também não faltaram “juristas” de ocasião para apresentar teses de justificação 
do arbítrio (em todo momento de crescimento do pensamento autoritário 
aparecem “juristas” para relativizar os direitos e garantias fundamentais). 
Passou-se, em nome da defesa do “coletivo”, do interesse da “nação”, da “defesa 
da sociedade”, a afastar os direitos e garantias individuais, em uma espécie de 
ponderação entre interesses de densidades distintas, na qual direitos concretos 
sempre acabavam sacrificados em nome de abstrações. Com argumentos 
utilitaristas (no mais das vezes, pueris, como por exemplo o discurso do “fim da 
impunidade” em locais em que, na realidade, há encarceramento em massa da 
população) construía-se a crença na necessidade do sacrifício de direitos. 
A Alemanha nazista (como a Itália do fascismo clássico) apresentava-se como 
um Estado de Direito, um estado autorizado a agir por normas jurídicas. Como é 
fácil perceber, a existência de leis nunca impediu o terror. O Estado Democrático 
de Direito, pensado como um modelo à superação do Estado de Direito, surge 
com a finalidade precípua de impor limites ao exercício do Poder, impedir 
violações a direitos como aquelas produzidas no Estado nazista. Aliás, a 
principal característica do Estado Democrático de Direito é justamente a 
existência de limites rígidos ao exercício do poder (princípio da legalidade 
estrita). Limites que devem ser respeitados por todos, imposições legais bem 
delimitadas que vedam o decisionismo (no Estado Democrático de Direito 
existem decisões que devem ser tomadas e, sobretudo, decisões que não 
podem ser tomadas). 
Na Alemanha nazista, o führer do caso penal (o “guia” do processo penal, 
sempre, um inquisidor) podia afastar qualquer direito ou garantia fundamental ao 
argumento de que essa era a “vontade do povo”, de que era necessário na 
“guerra contra a impunidade” ou na “luta do povo contra a corrupção” (mesmo 
que para isso fosse necessário corromper o sistema de direitos e garantias) ou, 
ainda, através de qualquer outro argumento capaz de seduzir a população e 
10 
 
agradar aos detentores do poder político e/ou econômico (vale lembrar aqui da 
ideia de “malignidade do bem”: a busca do “bem” sempre serviu à prática do mal, 
inclusive o mal radical. O mal nunca é apresentado como “algo mal”. Basta 
pensar, por exemplo, nas prisões brasileiras que violam tanto a legislação interna 
quanto os tratados e convenções internacionais ou na “busca da verdade” que, 
ao longo da história foi o argumento a justificar a tortura, delações ilegítimas e 
tantas outras violações). E no Brasil? 
 
4.2. QUEM APRESENTA QUALQUER RESTRIÇÃO A OPERAÇÃO 
LAVA JATO E SEU CHEFE SÉRGIO MORO É A FAVOR DA 
CORRUPÇÃO 
Deflagrada há dois anos, a Operação Lava Jato tem desrespeitado, 
sistematicamente, a Constituição de 88. Apenas os militares, na Ditadura, com 
o AI nº 5, tiveram poder para desrespeitar, de forma tão escancarada, o texto da 
Carta Magna. 
Para os defensores do juiz Sérgio Moro, a justificativa obedece ao clássico 
raciocínio autoritário de que “os fins justificam os meios”. Para os defensores da 
legalidade, os métodos do juiz Sérgio Moro colocam em xeque as conquistas 
democráticas em um país ainda assombrado pela memória do regime de 
exceção da Ditadura, e contribuem de forma decisiva para o golpe em curso 
contra o governo da presidenta Dilma Rousseff. 
1 - Delações premiadas no atacado 
A delação premiada é um instrumento novo no arcabouço jurídico brasileiro, 
jamais usado com a intensidade vista na Lava Jato. Juristas das mais diversas 
áreas e tendências ideológicas são praticamente unânimes em afirmar que o 
instrumento não pode ser usado no atacado, sob pena de subverter as garantias 
constitucionais, suprimindo-as. 
Pesquisa da Consultor Jurídico mostrou que todas as 23 delações firmadas por 
Moro até aquela data violavam a Constituição e/ou as leis penais. Em vários 
depoimentos forçados, chamados de acordos de delação, os "delatores" ficam 
11 
 
impedidos de recorrer das sentenças condenatórias, que lhes forem impostas. 
 
Essa verdadeira subversão constitucional ocorre pela exigência de renúncia de 
direitos indisponíveis, como o amplo direito de defesa. 
As delações, tal como os depoimentos colhidos no período da ditadura, vedam 
completamente aos réus a possibilidade de impetração de habeas corpus, além 
de todo e qualquer recurso contra a sentença, inclusive, denúncias de que as 
delações estejam sendo utilizadas como instrumento para que réus mantidos 
encarcerados, algumas vezes em situações precárias,possam ter acesso à 
liberdade, por prazos até aqui indefinidos. 
No entendimento de um membro do MP, que bem ilustra a subversão da garantia 
constitucional da dignidade humana e presunção da inocência que assola a Lava 
Jato, “passarinho para cantar precisa estar preso”. Estranhamente, são postos 
em liberdade "condicional" colaboradores que fazem a delação premiada. É 
evidente que a prisão preventiva não é preventiva, mas uma prisão para 
delação. 
 
Prender para delatar 
O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 600 
mil encarcerados, dos quais cerca de 25% ainda não foram sequer a julgamento. 
Entre eles, estão as vítimas da prisão preventiva, que a midiática Lava Jato teima 
em banalizar para dar aos “midiotas” a falsa sensação de que "algo muito 
profundo está mudando no país da corrupção”. Os juristas alegam que a prisão 
preventiva deveria ser a exceção. Não a regra. "Ninguém será preso antes do 
trânsito em julgado". E que seu uso indiscriminado cobrará um alto preço da 
democracia. 
 
No dia 11/3, um grupo de mais de 200 promotores e procuradores publicaram 
um manifesto criticando o excesso de prisões preventivas, requisitadas pelo 
Ministério Público e concedidas pelo judiciário. No documento, eles afirmam que 
“a banalização da prisão preventiva – aplicada, no mais das vezes, sem qualquer 
natureza cautelar – e de outras medidas de restrição da liberdade vai de encontro 
a princípios caros ao Estado Democrático de Direito”. As manifestações contra 
12 
 
a prática têm sido recorrentes entre juristas e operadores do Direito ainda não 
contaminados pela “Doutrina Moro”. 
3 - Conduções coercitivas? 
No dia 4/3, o país quase entrou em convulsão social depois que Moro determinou 
a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Lava Jato, no 
episódio que chegou a ser classificado por juristas como “sequestro”. 
 
O sequestro do ex-presidente Lula tem um peso simbólico especial. Maior líder 
político do Brasil, admirado e respeitado internacionalmente, ele jamais se negou 
a colaborar com a Lava Jato. Pelo contrário. Por três vezes, se apresentou 
voluntariamente à PF para prestar os esclarecimentos demandados por Moro. 
 
Além disso, aeroporto é um lugar para se embarcar em um avião, não para 
prestar depoimento. Ainda mais em um espaço não atribuído à Polícia Federal, 
mas sob jurisdição da Força Aérea Brasileira, o que, aliás, provocou a 
intervenção do oficial comandante daquele posto, impedindo que o ex-presidente 
fosse embarcado num avião da PF que o aguardava ali para este fim. 
4 - Autorização e divulgação de grampo ilegal 
No dia 16/3, o Brasil que assistiu ao Jornal Nacional ficou chocado com o teor 
da conversa telefônica mantida entre Lula e Dilma, na qual, segundo o maior 
telejornal da mídia golpista, os dois tramavam para manter o ex-presidente fora 
das grades da Lava Jato. A conversa, como quase tudo na vida, admitia várias 
outras interpretações possíveis, como deixou claro a presidenta Dilma Rousseff. 
Mas isso não interessava à narrativa criada por Moro e a mídia que o serve. 
 
O mais preocupante, porém, é que era uma conversa privada envolvendo a 
principal mandatária da República que, por previsão constitucional e legal, não 
pode ter suas comunicações privadas violadas e divulgadas sem autorização do 
STF, até mesmo por razões de segurança nacional. Para agravar o quadro, 
tratava-se de grampo inconstitucional e ilegal: o próprio Moro havia mandado a 
PF suspendê-lo às 11h12 e a gravação fora feita às 13h32. Mas o juiz se fez de 
morto e com clara intenção de subverter a Constituição e a lei, divulgou a 
13 
 
conversa para a mídia três horas depois, naquela já considerada a operação de 
escuta telefônica mais ágil e ilegal da história do país. 
5 - Violação do direito de defesa 
São várias as formas com que a condução da Lava Jato viola o direito de defesa 
dos réus. A primeira a ser apontada pelos juristas, ainda no início da operação, 
está prevista em vários dos acordos de delação premiada já selados: por 
determinação do juiz Moro, os advogados de defesa ficam proibidos de ter 
acesso às transcrições dos depoimentos do delator, o que viola o princípio do 
contraditório e o direito à ampla defesa. 
6 - Carimbo de sigilo partidarizado 
O mesmo Moro que divulgou a conversa privada da presidenta da república sem 
sequer pedir autorização ao STF, sob a alegação de que o conteúdo era de 
interesse público, colocou sob sigilo a chamada “Lista da Odebrechet”, o 
documento encontrado na última fase da operação que lista a relação de 
políticos que supostamente recebiam propina da empreiteira. A lista contém 200 
nomes de políticos de 18 partidos. Lá estão os tucanos Aécio Neves e José 
Serra, assim como o peemedebista Eduardo Cunha. Não constam, porém, nem 
Lula e nem Dilma. Mas isso, claro, o juiz justiceiro cuidou de deixar sob sigilo. E 
o Jornal Nacional não mencionou. 
7 - Vazamentos seletivos 
Não se pode acusar Moro de responsabilidade pelos vazamentos seletivos de 
documentos da Lava Jato que, há dois anos, abastecem o noticiário com 
informações desfavoráveis a um campo político em detrimento do outro. Não há 
provas suficientes para isso. A não ser que se lance mão da Teoria do Domínio 
do Fato, que tanto sucesso tem feito nas acusações contra petistas. 
 
Certo, nesta história, só mesmo o fato de que o juiz justiceiro nada fez para 
impedi-los, pelo menos enquanto eles desfavoreciam apenas ao governo federal 
e seu núcleo. A única vez em que ele falou em investigar o vazamento de 
informações referentes à Lava Jato foi quando suspeitou que Lula soube que a 
PF iria a sua casa com antecedência. 
14 
 
8 – Atuação política escancarada 
Moro tomou posição escancarada como força de oposição ao governo da 
presidenta Dilma quando, no dia 13/3, após as manifestações golpistas que 
tomaram conta do país, enviou um email à jornalista Cristiana Lobo, comentarista 
da Globo News, pedindo que as forças políticas do país “ouçam a voz das ruas”. 
"O juiz Sérgio Moro perdeu de vista os limites e responsabilidade da magistratura 
e se deixou influir pela publicidade", avaliou o professor emérito da USP e jurista 
Dalmo Dallari. 
Antes disso, o juiz já havia dado provas de sua atuação partidarizada. No dia 
9/3, proferiu uma palestra sobre a Lava Jato para a Lide Consultoria, cujo 
coordenador nacional, João Dória, é pré-candidato pelo PSDB à Prefeitura de 
São Paulo. Ao apresentá-lo ao público, Dória convidou os presentes a aderirem 
aos protestos pelo impeachment de 13/3. No dia 18/3, quando as mesmas ruas 
foram tomadas por brasileiros que defendem a democracia, o juiz justiceiro não 
trocou correspondência com jornalistas da mídia golpista e não elogiou a 
manifestação democrática. 
9 – Discurso de ódio 
Muitos os intelectuais brasileiros têm acusado Moro de adotar uma estratégia 
discursiva autoritária para justificar a forma com que vem conduzindo Operação 
Lava Jato, um dos principais pilares do golpe em curso no país. Amplificado pela 
mídia e pela oposição golpista, o discurso de ódio seletivo contra a corrupção de 
apenas um espectro ideológico tem suscitado a violência. 
São inúmeros os casos de pessoas agredidas por usarem roupas vermelhas, a 
cor identificada com a esquerda. Inclusive, cinco mães com bebês de colo. Há 
relatos de patrões que demitiram ou ameaçaram de demissão trabalhadores 
petistas e até de uma médica que se negou a atender o filho de uma ex-
vereadora do partido em Porto Alegre (RS). 
10 - Redução das garantias individuais 
Muitos juristas avaliam que a subversão incorporada por Moro à investigação 
criminal, à instruçãoprocessual e aos julgamentos da Lava Jato têm reduzido 
15 
 
drasticamente as garantias individuais no país, o que preocupa os defensores 
da democracia. 
Ao comentar as práticas da Lava Jato em debate no Senado, o juiz Rubens 
Casara, especialista em direito processual penal, alertou que tanto no fascismo 
clássico italiano quanto no nazismo alemão e no stalinismo soviético a presunção 
de inocência também foi relativizada. 
5. 2016: NOVO GOLPE EM MARCHA 
Por que a burguesia deseja o golpe? 
O golpe na democracia brasileira viria para quebrar de vez este movimento de 
crescimento de lutas classistas e de conquistas de direitos. 
Como num cassino macabro, os grandes grupos financeiros estão especulando 
e apostando abertamente no fim da democracia brasileira. Como se noticiou no 
UOL, no jargão das manifestações pró impeachment do dia 13 de março e da 
avaliação de um iminente desmoronamento da coalizão governista no 
Congresso Nacional, o “cenário base” que prevê estaria na ordem de 
possibilidade de 65 % a 75 % entre os analistas de grandes instituições de 
consultoria financeira. O dólar flutua para baixo e as bolsas para cima, ao sabor 
das Provavelmente, os analistas internacionais e nacionais de mercado 
diminuíram estes percentuais nos últimos dias diante da escala grandiosa das 
manifestações do dia 18 de março democrática, das turbulências e ilegalidades 
flagrantes que ameaçam a legitimidade da Operação Lava Jato e de uma 
renovada iniciativa do governo Dilma na organização da resistência posições 
críticas ao golpe do presidente do Senado, o racha iminente do PMDB, a disputa 
voto a voto na comissão parlamentar que fará a primeira votação sobre a 
aceitação ou impeachment). 
O fato é que, após o editorial do New York Times do dia 18 de abril, o The 
Economist dá uma capa em favor do afastamento da presidente eleita do Brasil. 
Não há mais dúvida que internacional, com sua força geopolítica, está apoiando 
e organizando o golpe na democracia brasileira. 
Não é preciso se valer aí de nenhuma hipótese especulativa de conspiração. 
Nestes tempos de espetacularização da política, os golpistas não apenas deixam 
16 
 
pistas, mas produzem série. Armínio Fraga – o ex-ministro da Fazenda de Aécio 
Neves – apareceu em Brasília como o terceiro personagem de um almoço que 
reunia Serra e Gilmar Mendes. 
Em um artigo publicado nesta mesma Agência Carta Maior, em dezembro de 
2014, “Um escândalo chamado Armínio Fraga”, documentávamos a presença 
deste homem de Wall norte-americano JP Morgan como orgânico a toda 
estratégia do PSDB nas eleições. O PSDB havia migrado definitivamente da 
condição de um partido da Avenida Paulista para novo programa radical 
neoliberal de guerra aos direitos sociais e de privatização do setor público 
brasileiro. Em março de 2014, Emy Shayo, analista do JP Morgan, havia 
coordenado publicitários conservadores brasileiros com o tema “Como 
desestabilizar o governo Dilma?”. No momento decisivo do final do primeiro turno 
das eleições de 2014, foi novamente organizou um seminário de grandes 
banqueiros de Wall Street para ouvir Fernando Henrique Cardoso e sua diretiva 
de apostar as fichas em Aécio Neves e não em Marina Silva turno. 
Foi apenas em 1981, dezessete anos após o golpe militar, com o trabalho de 
René Armand Dreifuss, no livro “1964: A conquista do Estado (Ação política, 
poder e golpe de classe) ”, documentação resultante de pesquisa em arquivos 
norte-americanos, que o caráter classista do golpe de 1964 foi ao centro das 
análises. Ele documentou as relações entre o IPES/financiamento americano 
para a eleição de deputados golpistas desde 1962 até a campanha de 
desestabilização final do presidente Jango Goulart. Certamente, as ilusões 
pecebistas sobre uma burguesia nacional progressista dificultaram e retardaram 
este entendimento. 
Hoje, para derrotar o golpe é preciso denunciar centralmente o seu caráter 
patronal. A Fiesp, a Firjan, as Federações do Comércio de São Paulo, a 
Associação Brasileira da Indústria Eletrodomésticos (Abinee), entidades 
empresariais do Paraná, Espírito Santo, Pará e muitas redes empresariais estão 
já em campanha aberta pelo fim da democracia no Brasil. Por que o capital 
financeiro e, cada vez mais, os grandes empresários brasileiros estão movendo 
e se movendo em direção ao golpe? 
 
17 
 
Três razões 
A primeira razão está bem enunciada no documento do Dieese sobre o balanço 
das greves em 2013, uma dinâmica que prosseguiu em grandes linhas até o final 
de 2014. Enquanto voltados para as espetaculares manifestações de ruas de 
junho de 2013, estava se registrando o maior ciclo grevista de luta dos 
trabalhadores por seus direitos desde que a série 15.9K em 2012 havia ocorrido 
em todo o país 877 greves, em 2013 esta dinâmica saltou para 2050 greves!. O 
número de horas paradas que havia sido de 86.921 em 2012, saltou para 
envolvendo dois milhões de grevistas. Pelo acompanhamento do Dieese, 80 % 
dos movimentos grevistas obtiveram êxito! A forte ampliação do número de 
grevistas, de greves documento do Dieese, correspondia a um desbordamento 
do centro para a periferia, das categorias tradicionalmente mais organizadas 
para aquelas com menor tradição grevista, desemprego e maior formalização do 
mercado de trabalho. O golpe na democracia brasileira, viria, então, quebrar de 
vez este movimento ascensional de lutas classistas e de conquistas de direitos. 
A “eleição” de Joaquim Levy para o Ministério pressão do mercado financeiro, 
revelou-se um instrumento instável, insuficiente e inseguro. Seria preciso, por o 
governo do Brasil, com sua força, seu poder repressivo e seu poder com o 
movimento classista democrático dos trabalhadores. 
A segunda razão está didaticamente exposta em um documento do Diap, 
assinado por Antônio Carlos Queiroz. Ele elencou cinquenta projetos de lei 
antitrabalhadores e antipopulares, em andamento no Congresso Nacional que, 
em seu conjunto, desorganizam todo o sistema de direitos democráticos 
previstos na Constituição de 1988 e acumulados pelas lutas então. Entre eles, 
na Câmara Federal, a terceirização total das relações de trabalho, a prevalência 
do negociado sobre o legislado e o impedimento do empregado demitido 
reclamar seus direitos. Até a legislação que coíbe o trabalho escravo seria 
adulterada! No Senado, a regulamentação e retirada do direito de greve dos 
servidores públicos, a privatização das empresas independência do Banco 
Central. Estão previstas, a desvinculação dos recursos orçamentários de 
porcentuais obrigatórios para a saúde e a educação pública, a desindexação do 
em relação à inflação e ao crescimento do PIB, a desindexação do piso dos 
benefícios previstos previdenciários e assistenciais do valor do salário mínimo. 
Seria iniciado, arrocho salarial e de destruição das políticas públicas no Brasil. 
18 
 
A terceira razão é de ordem geopolítica e econômica e diz respeito à política 
externa soberana do Brasil, à política para os Brics, à posição da Petrobrás no 
mercado mundial de recente ciclo progressista e distributivo das democracias na 
América Latina. O golpe viria criar uma nova época de domínio norte-americano 
na América Latina, impondo um novo em crise. Ao mesmo tempo, trilhões de 
dólares do patrimônio do Estado brasileiro seriam colocados à disposição da 
rapina do capital financeiro internacional. Como alerta Antônio Carlos Queiroz, 
seria necessário após o golpe criminalizar o movimento sindical brasileiro em 
larga escala, mais além dos movimentos sociais. Não se aplica radicalmente 
antipopular sem doses maciças de violência. A assembleia dos quatromil 
operários da Ford contra o golpe, em São Bernardo do Campo, e a bela e 
decisiva reunião de Lula com lideranças sindicais, de todo o país, de sete 23 de 
março vem estabelecer um novo marco na luta classista democrática contra o 
golpe dos patrões. 
A corrupção é a forma mais aparente das relações promíscuas entre o Estado 
burguês e os interesses econômicos capitalistas. O plano de mudança 
de governo do qual a Lava-Jato é apenas uma peça, portanto, não é um golpe 
contra a institucionalidade liberal-burguesa, mas uma das vias no interior dessa 
institucionalidade para a imposição de governantes que melhor 
atendam, circunstancialmente, os interesses do capital. Isto não significa 
subestimarmos, neste quadro, as tendências a mais restrições no campo das 
liberdades democráticas que a burguesia tentará impor cada vez mais para fazer 
frente ao acirramento da luta de classes que a crise do capitalismo engendra. 
A decisão da burguesia de livrar-se do governo petista por meio do impedimento 
ou da renúncia negociada da Presidente e de inviabilizar, por via judicial, uma 
futura candidatura de Lula em 2018 não justifica a defesa do governo Dilma nem 
do ex-presidente por parte da esquerda socialista, porque não nos faz esquecer 
a opção política da cúpula do PT pelo caminho do pacto social burguês, como 
se comprova desde a Carta aos Brasileiros, em 2002, e o zeloso atendimento 
aos interesses dos bancos, da indústria automobilística, do 
agronegócio, das empreiteiras e mineradoras. Não nos cabe afiançar uma 
suposta inocência de Lula e outros líderes petistas e menos ainda de imaginar 
que investigações sobre eles coloquem a democracia burguesa em risco, mas 
de fazermos uma profunda crítica à estratégia de conciliação de 
19 
 
classes adotada pelo PT, a qual, aprofundada nos últimos 14 anos, agora se 
volta contra ele. 
Apesar de o governo Dilma seguir a cartilha do capital financeiro, adotando o 
ajuste fiscal em curso, viabilizando o fim do monopólio do Pré-sal pela Petrobrás 
e o aumento da participação estrangeira no setor aéreo em até 49%, e sustentar 
a expectativa de uma pequena recuperação econômica no segundo semestre de 
2016, a sua defesa deixou de ter sentido para a burguesia. Em primeiro lugar 
porque o crescimento anterior não pode mais ser retomado, da qual a crise 
econômica é expressão. Em segundo lugar não quer mais 
sustentar este governo pois os efeitos políticos na economia vão perdurar, ou 
seja, as intervenções judiciais contra a corrupção na qual o governo está 
envolvido acarretarão baixa na taxa de investimentos e queda na taxa de lucro 
nos setores que controlam o mercado de modo oligopolista. 
A esse respeito importa chamar atenção para o brutal equívoco expresso na 
Nota da CUT “Em defesa de Lula, da democracia e contra o golpe”, de 04 de 
março, quando afirma que as “forças conservadoras recorrem ao golpe para 
voltar ao governo com o objetivo de retomar o derrotado projeto neoliberal…” 
uma vez que tal projeto, além de não ter sido derrotado, é parcialmente levado 
adiante pelo próprio governo Dilma. Na caracterização “social-liberal” que 
críticos de esquerda fazem de seu governo, cada vez mais as posições liberais 
predominam sobre as “sociais”, expressando a subordinação dos trabalhadores 
aos interesses do capital. A saída de Dilma, contudo, abre caminho para um 
novo governo burguês “puro sangue”, capaz de aplicar medidas de arrocho 
contra os trabalhadores. 
A CUT, por ter perdido o horizonte de classe dos trabalhadores, a saber, o da 
superação da sociedade capitalista, deixa de apontar – e de esclarecer os 
trabalhadores de suas bases – como a saída da recessão econômica exige, para 
a burguesia, o aumento da exploração da força de trabalho em condições 
de competitividade internacional. Aliás, o novo presidente do Tribunal Superior 
do Trabalho, Ives Grandra, do TST, explicitou essa exigência com a maior 
clareza possível ao tomar posse em 2 de março: é indispensável flexibilizar a 
CLT, impor o negociado sobre o legislado, apontando o exemplo do Programa 
20 
 
de Proteção ao Emprego, defendido aliás… pela CUT e pelo sindicato dos 
metalúrgicos do ABC! 
Se a CUT afirma, na Nota, que há um “acirramento da luta de classes no país” 
tem de tirar consequências dessa posição e assumir o ponto de vista de 
classe dos trabalhadores, o que significa romper com a política de colaboração 
de classes com o capital, pautado no sacrifício dos direitos dos trabalhadores em 
nome da defesa do emprego até o nível admissível para suas próprias bases 
sindicais. 
Frente ao golpismo em curso, adotar uma posição de classe significa muito mais 
do que denunciar a supressão desta ou daquela cláusula da Constituição e do 
direito burguês, a exemplo de acusações sem prova material, e denunciar sim a 
intenção política do Ministério Público depor este governo para viabilizar os 
interesses de classe da burguesia, tornando-o alvo exclusivo do desmonte do 
esquema de corrupção que sempre alimentou a democracia burguesa não 
apenas no Brasil mas em qualquer país do mundo. De reconhecer que a 
democracia burguesa é uma forma de ditadura na qual se dá aplicação do 
proverbial princípio da política burguesa: “aos inimigos, a lei” mesmo se a lei 
for burlada – como está a acontecer no Brasil neste momento – alvo de 
“interpretações” amparadas exclusivamente na autoridade de quem as aplica. 
Por tudo o que afirmamos acima, somos contra o golpe em marcha contra o 
governo Dilma e a perseguição política contra Lula e o PT, sem que isso 
signifique defender este governo e a política da conciliação dos interesses de 
classes que tal liderança e partido expressam. 
Importa ainda alertar os trabalhadores de que os promotores do golpe “branco” 
ou “legal”, tendo à frente a “mídia” burguesa, parecem estar a dirigir apelos na 
direção dos quartéis, pedindo sua intervenção se a crise não tiver uma solução 
nas altas esferas do Estado. Apenas a mobilização independente dos 
trabalhadores poderá enfrentar e superar a situação de conjunto em que 
vivemos. Esclarecê-los dos interesses que estão em jogo na cena política 
nacional nos debates que precisam acontecer nas assembleias sindicais e 
organização nos locais de trabalho é um passo fundamental. 
21 
 
A crise econômica capitalista, que os analistas da direita atribuem 
oportunisticamente aos “erros do governo”, mas que tem na verdade caráter 
sistêmico e mundial abate-se agora com força inédita sobre o país, que sofre 
uma severa recessão. Nessas circunstâncias, a política de colaboração de 
classes que forjou a coalizão “social-liberal”, que governou o Brasil de 2003 até 
agora, não tem mais condições de se manter. 
Essa coalizão, baseada na política de colaboração de classes conduzida pelo 
PT, preservou sempre em última instância os interesses do grande capital, mas 
garantiu algumas migalhas aos trabalhadores, viabilizadas pelo auge econômico 
propiciado pela valorização, no âmbito mundial, das matérias primas exportadas 
pelo país. 
Mas, para combater a crise e retomar a taxa de lucros, a burguesia não conhece 
outro remédio a não ser a desvalorização dos salários, a retirada de direitos 
sociais e a venda na “bacia das almas” de propriedades públicas para grupos 
capitalistas privados. Depois de eleita, Dilma não vacilou e, tendo garantido o 
seu mandato, apresentou-se como condutora de uma política de austeridade, 
nomeando Joaquim Levy, representante do capital financeiro, para o Ministério 
da Fazenda. Este iniciou o arrocho com a promoção de grandes tarifaços, que 
alimentaram a inflação e a correspondente e desejada desvalorização salarial. 
O receituário burguês para a política econômicade austeridade exige, 
entretanto, muito mais: fim da política de ganhos reais para o salário mínimo, 
criação de idade mínima para a aposentadoria, flexibilização ou retirada de 
direitos trabalhistas, privatização de estatais, abertura para o comércio 
internacional, etc. Essa política coloca o governo em rota de colisão direta com 
a CUT e as bases sindicais do PT. A política de colaboração de classes entrou 
em colapso. 
A burguesia, representada pelos seus órgãos corporativos – FIESP e FIRJAN – 
já não tem mais dúvidas que Dilma não tem condições políticas de conduzir a 
política de austeridade contra os trabalhadores na intensidade e na velocidade 
necessárias. Um pedido de impeachment em tramitação no Congresso se 
apresenta como a saída mais viável para resolver a crise. Que os elementos 
para o processo sejam frágeis, pois pedaladas fiscais todos os governos 
praticaram, que ele seja conduzido por Cunha, um personagem envolvido até a 
22 
 
raiz dos cabelos com os processos da Lava-Jato, nada disso parece deter o trem 
em marcha. Se os fins justificariam os meios para o PT, ao adotar os métodos 
de governança da burguesia, o mesmo “silogismo dos jesuítas” vale para a 
oposição de direita: não importa que os motivos sejam fúteis, não importa que 
Cunha tenha as mãos sujas, o que importa é tirar Dilma e o PT do poder. 
Surge então a discussão sobre se estaríamos na iminência ou não de um golpe 
de Estado. Se o critério para definir o golpe for a quebra da institucionalidade 
burguesa, nada indica que isso esteja acontecendo. Os militares estão 
acompanhando a situação, mas não têm motivos nem motivações para agir. 
Também não há nenhum líder bonapartista à disposição. O assunto está sendo 
conduzido pelo poder legislativo e pelo judiciário, seguindo regras e formalidades 
legais. 
O que causa a impressão de golpe é que os motivos para o impeachment são 
pífios e podem criar um precedente perigoso para os futuros presidentes da 
República. Não é à toa, que a classe dominante prefere que Dilma renuncie ou 
mesmo se suicide, mas ela não é nem Collor, nem Jânio, nem Getúlio. Alguns 
pensaram numa reforma de sistema de governo que desse mais poder ao 
parlamento, mas esta seria uma solução improvisada, parecida com a de 1961, 
com chances reduzidas de vingar, ainda mais com um Parlamento totalmente 
desmoralizado pelas acusações da Lava-Jato. Assim, a OAB prepara outro 
pedido de impeachment, baseado em outras razões, e o TSE aguarda as provas 
da delação premiada que a Odebrecht certamente fornecerá, para invalidar a 
chapa Dilma-Temer. 
Assim, a contraditória política levada a cabo pelo PT desde 2003 encontra-se 
hoje nos seus dias finais, pronta para ser alvejada pelo “pior Congresso que o 
dinheiro pode comprar”, com o PMDB à frente. Que isso não vai significar o fim 
das crises política e econômica é o que veremos nos próximos meses. A classe 
operária ainda não se pronunciou e, livre das amarras da política de conciliação 
de classes, não ficará inerte diante dos ataques que estão sendo preparados na 
surdina contra ela, pelos que se apresentam como os futuros sucessores de 
Dilma.

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