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A LETRA E OS VERMES

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
MAURÍCIO LEMOS IZOLAN
A LETRA E OS VERMES
O jogo irônico de ficção e realidade em Machado de Assis
Rio de Janeiro
2006
1
MAURÍCIO LEMOS IZOLAN
A LETRA E OS VERMES
O jogo irônico de ficção e realidade em Machado de Assis
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Literatura Brasileira da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos 
necessários à obtenção do título de Doutor em 
Literatura Brasileira.
Orientador: Professor Doutor Ronaldes de Melo e 
Souza.
Rio de Janeiro
2006
2
MAURICIO LEMOS IZOLAN
A LETRA E OS VERMES
O jogo irônico de ficção e realidade em Machado de Assis
Aprovada em ________________________________________
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Literatura Brasileira da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos 
necessários à obtenção do título de Doutor em 
Literatura Brasileira.
(Ronaldes de Melo e Souza, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro)
(Godofredo de Oliveira Neto, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro)
(Manuel Antonio de Castro, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro)
(Antônio José Jardim e Castro, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro)
(Wellington de Almeida Santos, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro)
3
FICHA CATALOGRÁFICA
 Izolan, Maurício Lemos.
 A letra e os vermes – O jogo irônico de ficção e realidade 
em Machado de Assis/Maurício Lemos Izolan – Rio de Janeiro, 2006.
 p. 207
 Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – 
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Faculdade de Letras, 
2006.
 Orientador: Ronaldes de Melo e Souza.
 1. Literatura Brasileira 2. Teoria da Literatura. 3. Hermenêutica. 
5. Linguagem.
 I. SOUZA, Ronaldes de Melo e (Orient.). II. Universidade Federal do 
Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. III. Título.
4
AGRADECIMENTOS
Gostaria, em primeiro lugar, de não só agradecer, como também 
dedicar esta tese ao meu orientador, Professor Ronaldes de Melo e Souza. A ele 
dedico todo meu apreço e respeito pelo intelectual que é e pelo caráter como 
pessoa, educador e formador. Estendo o agradecimento e a dedicatória a sua 
esposa, a também pesquisadora, Professora Drª Maria Lúcia Guimarães. 
Gostaria ainda de agradecer e dedicar aos meus avós (in 
memoriam), Oscar e Leocádia. A minha mãe, Ana Maria Moraes de Lemos, que, 
quando todos não acreditaram, acreditou. A meu pai, Norival Izolan.
Aos meus filhos: Pedro, Luiza e Brisa.
A minha esposa: Ana Paula da Silva Cardoso.
Dedico também aos amigos da UnB, de quando este projeto foi 
engendrado e se tornou, como eles, parte da minha vida: Robson André da Silva, 
Marcelo Américo da Silva, Marco Túlio Ribeiro Pacheco, Laura Goulart, José 
Nunes de Oliveira Filho. 
Agradeço e dedico aos amigos da UFRJ: José Manuel Castrillon, 
Marcus Saraiva e Angélica Castilho. 
Aos membros da minha Banca, agradeço aos Professores Doutores 
Manuel Antonio de Castro, Godofredo de Oliveira Neto, Wellington de Almeida 
Santos, Antônio José Jardim e Castro.
À funcionária Nádia Romanovski e à secretaria de Pós-Graduação da 
Faculdade de Letras.
Ao CNPq.
Meus agradecimentos à Professora Inês e ao Professor Elmano, da 
Faculdade Multieducativa.
Agradeço e dedico também, e com especial carinho, aos amigos da 
Universidade Católica de Brasília: Professores Lívila Pereira Maciel, Mariza Vieira, 
Dalva Del Vigna, Rozana Reigota, Maria Fernanda, Lúcia Helena, Virgílio Pereira, 
Marcos Silvio, Aline Pessôa e Adriana Viana (in memoriam). 
5
RESUMO
A letra e os vermes é a cifra hermenêutica da operação textual de 
complementariedade entre a escrita e o silêncio. A obra machadiana dramatiza o 
jogo entre o dito e não-dito, o visto e o invisível. Para fazê-lo falar, é necessário o 
entendimento não só da ironia no plano literário e retórico, mas principalmente no 
plano poético-filosófico do paradoxo. A operação que vai de Friedrich Schlegel a 
Machado de Assis é a formatividade irônica do jogo de contrários e da parábase 
como reflexão constante da criação sobre a criação e da criação sobre o mundo. 
Tal processo é estranho ao horizonte crítico tradicional que entende a ironia 
machadiana nos extremos do estrambótico ou do pessimismo, como 
contraditoriedades mutuamente excludentes e não complementares. O jogo 
irônico é a síntese analítica schlegeliana entre vida e morte em Ressurreição, 
entre o dito e não-dito em Iaiá Garcia, entre a letra e os vermes que a corroem em 
Dom Casmurro e entre ficção e realidade em Memorial de Aires.
6
ABSTRACT
The letter and the worms is the hermeneutical cypher of the textual 
and spiritual operation of complementarity between the writing and the silence. 
Machado’s work dramatizes the play between the said and the unsaid, the seen 
and the unseen. To make it speak is necessary the understanding of irony not only 
in literary and rethoric level, but mainly in the poetical-philosophical level of 
paradox. The operation which comes from Friedrich Schlegel to Machado de Assis 
is the ironic formativity of the play of contradictions and of parabasis as a constant 
reflexion about creation and about the world. Such process is strange to the 
traditional critical horizon which understands Machado’s irony as extremes, such 
as odd or pessimism, as mutually excludent contradictorities and not as 
complementary ones. The ironic play is Schlegel’s analytical synthesis between life 
and death in Resurrection, between the said and the unsaid in Iaiá Garcia, 
between the letter and the worms which corrodes it in Dom Casmurro and between 
fiction and reality in Memorial de Aires. 
7
RÉSUMÉ
La lettre et les verres est la chiffre hermeneutique de l’operation 
textuelle et espirituelle de complémentarité entre la lettre et le silence. L’ouvre 
machadienne dramatise le jeu entre dit et le non dit et la vue et l’invisible. Pour le 
faire parler, c’est necessáire la compréhension non seulement de l’ironie du plan 
litteraire et réthorique, mais principalement dans le plan poètico-philosophique du 
paradoxe. L’operation qui va de Friedrich Schlegel à Machado de Assis c’est la 
formativité ironique du jeu des contraires et de la parabase comme réflexion 
constante de la création sur la création et de la création sur le monde. Tel procès 
est étrange à l’horizon critique traditionnel qui comprend l’ironie machadienne dans 
les extrêmes de l’estrambotique ou pessimiste, comme des contrariétés 
mutuellement excluentes et pas complementaires. Le jeu ironique est la synthèse 
analytique schlegelienne entre la vie et la mort en Ressurrection, entre le dit (parlé) 
et le non dit (parlé) en Iaiá Garcia, entre la lettre et les verres qui endommagent en 
Dom Casmurro et entre fiction et réalité en Memorial de Aires. 
8
SUMÁRIO
Capítulo pg. 
Introdução ......................................................................................................... 10
Capítulo I O conceito de ironia .......................................................................... 15
 1. O conceito de ironia na tradição e a retórica da ficção................. 17
 2. O conceito de ironiano Romantismo alemão............................... 40
 2.1. Ciência, consciência e autoconsciência em Fichte............. 40
 2.2. Reflexão, paradoxo e ironia em Schlegel............................. 49
Capítulo II O conceito de ironia e a sua recepção na crítica machadiana ......... 72
Capítulo III O drama de caracteres e a ironia estrutural em Ressurreição......... 100
Capítulo IV A ironia como desmascaramento ideológico em Iaiá Garcia .......... 128
Capítulo V Dom Casmurro: a letra e os vermes ............................................... 151
Capítulo VI Memorial de Aires: la vecchia e dolce ironia .................................. 173
Conclusão ........................................................................................................ 190
Bibliografia ....................................................................................................... 192
9
 
Introdução
Um projeto é o germe subjetivo de um objeto 
em devir. Um projeto completo teria de ser ao 
mesmo tempo inteiramente subjetivo e 
inteiramente objetivo, um indivíduo indiviso e 
vivo. Segundo sua origem, inteiramente 
subjetivo, original, somente possível 
justamente nesse espírito; segundo seu 
caráter, inteiramente objetivo, física e 
moralmente necessário. O sentido para 
projetos que poderiam ser chamados de 
fragmentos do futuro é diferente do sentido 
para projetos do passado somente pela 
direção, que é progressiva naquele, mas 
regressiva neste. O essencial é a capacidade 
de ao mesmo tempo idealizar e realizar 
imediatamente os objetos, de os 
complementar e em parte executar em si. Uma 
vez que transcendental é justamente aquilo 
que se refere ao vínculo ou à separação do 
ideal e do real, se poderia dizer que o sentido 
para fragmentos e projetos é o componente 
transcendental do espírito histórico.
(Friedrich Schlegel. Athenäum, 22)
A ironia é a análise [contrapondo-se à síntese] de tese e antítese. 
Este é o romantismo que a tradição brasileira não conheceu. O romantismo da 
ironia de Friedrich Schlegel que nega a síntese dialética hegeliana, herdeira da 
tradição metafísico-idealista. Para a ironia romântica desenvolvida por esse 
romantismo, tudo é paradoxo. Portanto, para a obra de arte construída pelo 
princípio da ironia, nada é eterno, tudo é contraditório e a obra de arte deverá 
representar essa verdade palindrômica. Para habitar tal horizonte, a arte reflete 
ao mesmo tempo que representa, reflete representando, representa refletindo, 
é expansão e contração. Unidade inorgânica de caos e cosmos, a obra 
romântica encena metacriticamente o princípio que a constitui enquanto arte no 
ato de se fazer arte. Concomitância de execução e invenção, a construção 
irônica é parábase, reflexão, formatividade.
10
O Romantismo alemão será, portanto, o momento da 
fundamentação de uma teoria crítica do fazer poético calcada na equação 
imaginação e reflexão. Herdeiro direto do Idealismo Alemão, o Romantismo é a 
cifra da aporia desse pensamento. Negação da tradição de cisão entre espírito 
e letra, a Lebensphilosophie cria uma filosofia centrada na arte e uma arte 
filosófica, reunião do orgânico e do aórgico, em que se supera a abstração da 
Wissenschaftslehre. Kant – Fichte – Schlegel é o caminho hermenêutico de 
compreensão da raiz quadrada do infinito no finito, do trans-finito da 
imaginação do real na realização do ideal. Nosso percurso teórico, nossa meta.
E o que tem a ver o Romantismo alemão com Machado de Assis? 
A resposta é: ironia. A ironia que se encena na obra de Machado de Assis não 
é a ironia socrática da tradição filosófica, mas a ironia poética que o 
Romantismo alemão fundamentou. Machado de Assis, apontado pela crítica e 
pela historiografia literária brasileiras como autor realista, é o mestre da ironia 
romântica. Isso não quer dizer que o encaixotamos em um rótulo. Mesmo 
porque a própria ironia romântica extrapola o rótulo “romantismo” como é 
tradicionalmente compreendido, uma vez que ela é um fenômeno da 
modernidade, só compreendido fora da Alemanha pelo Romantismo inglês e 
pelo Simbolismo francês. O conceito de ironia romântica é um conceito 
complexo que ultrapassa a dialética sintética para a qual aponta a ironia 
socrática que culmina na dialética hegeliana. Como enuncia a primeira frase 
desta introdução, não há síntese hegeliana na dialética da ironia romântica, 
que tem como inventor, teórico e poeta Friedrich Schlegel. Na realização 
poético-filosófica dos fragmentos do Athenäum e do Philosophisches Lehrjahre, 
iremos decifrar a intrincada hermenêutica da filosofia cíclica de Schlegel, seu 
conceito de paradoxo como ironia e traduzir a hermética dialética do espírito e 
da letra que se revela em sua obra. Concriativa à complexidade dessa dialética 
é a poética silenciosa d’a letra e os vermes de Machado de Assis. A 
compreensão do diálogo entre os dois horizontes coloca em xeque a tese de 
que há duas fases (uma romântica e outra realista) na obra do autor carioca, 
11
uma vez que a ironia corrói tanto o idealismo do romantismo tradicional quanto 
a objetividade pura do realismo-naturalismo do final do século XIX.
É importante insistir nesse ponto: a ironia não trabalha com um 
pensamento crítico tradicional onde a dialética tende para uma solução 
sintética da polêmica. Esse elemento afasta Machado de Assis do universo 
tanto da literatura quanto da crítica de seu tempo e mesmo da crítica de 
momentos posteriores. Não dá para estudar Machado com os mecanismos 
tradicionais, mas também não dá para estudá-lo com o aparato dialético-
filosófico que se propôs como teoria crítica numa vertente dialético-materialista. 
É necessário um pensamento mais refinado que esteja em diálogo com o 
horizonte poético – sem perder de vista a dialética - e que, muitas vezes, ainda 
não encontrou melhor tradutor em nossa tradição crítica. Esse horizonte foi 
fundado por poetas e não por filósofos. Daí a importância da reflexão de um 
poeta-filósofo como Schlegel. É preciso sair da dicotomia e entrar na 
complementaridade e na harmonia dos contrários que a filosofia não suporta. 
Eis a dimensão da poética filosofia assistemática dos fragmentos de Friedrich 
Schlegel e de Novalis. Complementaridade de poesia e filosofia que funda um 
poetar pensante desconhecido em nossa tradição. A ironia é, neste processo, 
parábase: a reunião de imaginação e reflexão que faz da arte um jogo 
interativo de fazer e refletir, o qual se revela na (meta)ficção - concriativa ao 
trabalho dos românticos alemães - da obra de Machado de Assis.
Tal abordagem, como não poderia deixar de ser, se choca com a 
fortuna crítica existente. Para dialogar com essa tradição, o segundo capítulo 
será dedicado à recepção crítica da obra de Machado de Assis e a como uma 
perspectiva dialógica irá contradizer muitas posturas e complementar outras. O 
primeiro horizonte a ser desconstruído é o da crítica positivista que vê na 
ambigüidade da ironia machadiana um cacoete, um defeito. Tal perspectiva 
tem como representante máximo o crítico Silvio Romero. Sua visada é a do 
naturalismo que pregava uma literatura objetivista e positivista, posturas às 
quais a ironia de Machado se contrapõe frontalmente. Posteriormente a crítica 
de fundo psicológico não compreende a dimensão da ambigüidade de sentido 
12
da ironia e acaba por encaixotar a obra nohorizonte monológico da relação 
com a vida do autor, acusando-o de pessimista. O jogo de contrários do 
paradoxo da ironia também desautoriza tal afirmativa. Por fim, dialogaremos 
com o momento de virada da crítica para uma abordagem mais afeita ao 
horizonte literário e dialógico, com a entrada em cena de críticos como José 
Guilherme Merquior, Sônia Brayner e Enylton de Sá Rego. Papel decisivo 
também será o da obra de Helen Caldwell, ao apontar a dimensão da traição 
como a dimensão geradora da ambigüidade que perpassa todo o Dom 
Casmurro. A síntese de tais contribuições nos encaminhará para uma 
hermenêutica da narrativa e da ironia na obra de Machado de Assis. 
Ambigüidade, paradoxo, duplo sentido são termos que a crítica e a teoria do 
romance inglês já conheciam bem. Por isso, nossa abordagem da ironia no 
diapasão do Romantismo alemão não prescinde da teoria do romance e da 
narrativa desenvolvida em torno da retórica da ficção do romance desde 
Cervantes até Fielding e Sterne. Wayne C. Booth, John Preston, Wolfgang 
Iser: autor implícito, eu criado, leitor implícito. São conceitos fundamentais da 
retórica que, co-jogados ao paradoxo filosófico, suscitam um horizonte 
interpretativo inovador. Preston é pioneiro ao levantar o problema da ironia 
como plot (trama) e apontar a ambigüidade como problema epistemológico da 
narrativa moderna. Sua colocação abre espaço para a fenomenologia da leitura 
ver o papel do leitor justamente como construção virtual dos espaços em 
branco da falha da escritura e da narrativa. Esses são os vermes que corroem 
a letra.
A corrosão é o nosso objeto de estudo. A corrosão está inscrita 
tanto na maneira metaficcional de narrar que assinala a presença da auto-
consciência como instância exegética da narrativa, como no sentido ambíguo, 
anti-idealista, desconstrutivo que os silêncios do texto evocam. Em 
Ressurreição, tal ambigüidade está marcada tanto na construção do autor e do 
leitor, no jogo da enunciação, como na representação da consciência do 
personagem. O paradoxo é que Félix é infeliz, suas dúvidas impedem-no de 
persistir no bem que poderia ganhar, pois sua consciência o trai. O narrador, 
13
porém, não se comove, mas ironiza sua derrocada com o riso que marca o 
reconhecimento da insuficiência existencial do personagem diante do amor e 
da vida. Ressurreição significa, no silêncio do texto, morte. Ler o livro é 
entender criticamente esse paradoxo. Em Iaiá Garcia, o narrar ambíguo funda 
um processo de desconstrução do universo narrado ao qual chamamos de 
narrar desconstruindo. O processo desconstrutivo desse narrar é isomórfico à 
corrosão do tema do amor, irônica e desilusoriamente representado como 
interesse. Em Dom Casmurro, então, a ironia como paradoxo chega ao ápice 
da obra machadiana. A ambigüidade é tão intensa que o próprio texto trai o 
narrador, sendo essa a nossa tese que contradiz a crítica; pois esta pretende 
afirmar - caindo na armadilha do texto – que Capitu traiu Bentinho, quando, na 
verdade, vemos um processo diferente, em que é impossível dizer 
categoricamente se ela o traiu ou não, o que leva à conclusão de que o 
narrador é que foi traído pelo texto.
O paradoxo e a ironia se apresentam, por fim, em Memorial de 
Aires, como jogo entre ficção e realidade. Jogo sutil, narrativa suave e 
violentamente irônica. A crítica, em geral, não a soube ler. Concriativamente à 
linguagem elusiva da obra, procuramos escrever esse último capítulo através 
de uma linguagem parabólica. Parabólica porque toca suavemente o objeto 
sem procurar esgotá-lo, sem o desmontar. O fundamental é criticar co-
poeticamente o recurso ficcional do romance de inscrever a história na 
escritura ficcional do diário de um velho e ameno observador. O resultado é 
uma das obras mais corrosivas – aparentemente inofensiva como os velhos 
diplomatas – da literatura brasileira, uma verdadeira parábola irônica da história 
do Brasil – una dolce e vecchia ironia. Gostaríamos de terminar nossa 
introdução com outro fragmento de Schlegel para garantir a circularidade de 
nossa composição e expressar o que significa o recurso machadiano de 
escrever parabolicamente: A ironia é uma parábase permanente. 
14
CAPÍTULO I O conceito de ironia
“Felizmente a poesia espera tão pouco da 
teoria quanto a virtude da moral, do contrário 
não se teria, para começar, nenhuma 
esperança de um poema.” (Friedrich Schlegel. 
Athenäum, 9).
“no author, who understands the just 
boundaries of decorum and good-breeding, 
would presume to think all: the truest respect 
which you can pay to the reader’s 
understanding, is to halve this matter 
amicably, and leave him something to 
imagine, in his turn, as well as yourself.” 
(Laurence Sterne. Tristram Shandy, II, 11.)
O que se mostra bem quer velar-se. O mais alto estilo poético é o 
que apreende este paradoxo, o que representa em sua estrutura o jogo entre o 
que é dito, expresso, formulado, e o que é inexprimível por palavras, o que 
permanece obscuro no silêncio, na dobra da página, naquele pano de fundo de 
onde tudo provém, mas que nunca é totalmente apreensível, pois representa a 
mais funda raiz da linguagem: o drama de representar não o que as palavras 
dizem, mas o que o silêncio da página, o que a folha em branco entre uma letra 
e outra significa.
O estilo poético que harmoniza potencialmente a palavra e o 
silêncio, o dito e o não-dito, o finito e o infinito, a letra e o verme que a corrói, é 
o estilo irônico. O vigor é a essência do estilo irônico. O vigor do silêncio. A 
ironia se revela como um estilo de alusões, ambigüidades, jogos de sinais, de 
entreditos. Sutil, revela no mais límpido e lídimo estilo, na mais corrente e 
inocente frase, um jogo de tensões extraordinário. Aí está justamente sua 
15
dificuldade: a simplicidade ordinária do sentido extraordinário, a elusividade1 do 
ordinário.
 Ao contrário do que acreditava a tradição retórica, o estilo irônico 
não se encontra em uma ou outra parte do texto especificamente. A ironia é, 
antes de ser um tropo que diz o contrário do que as palavras significam, a 
própria contextura ou arcabouço de relações de um texto. Um estilo irônico 
elevado não é o que se encontra em frases ou ditos espirituosos, mas o que 
entrelaça, silenciosamente, um corolário de relações e tensões insuspeitadas à 
primeira vista. Relações e tensões que não se esgotam na visão monológica 
da tradição filosófica ocidental, mas que exigem um novo pensamento, que 
suporte a tensão harmônica ou a complementaridade dos termos opostos em 
luta e disputa no universo da ficção.
Para alcançarmos nosso objetivo, a compreensão do conceito de 
ironia, deveremos, portanto, partir de sua abordagem na tradição para então 
mostrar a insuficiência do seu tratamento enquanto problema retórico. A 
problematização do seu conceito nos leva, por sua vez, a outras abordagens, 
que privilegiam o duplo sentido, a ambigüidade estrutural da narrativa, enfim, o 
conúbio entre o estudo da estrutura irônica do romance com um conceito que 
comporte o jogo de elementos contrários, abordagem que buscamos no 
conceito de ironia no Romantismo Alemão. Esse momento sui generis do 
pensamento moderno, que encontra suas raízes no Idealismo Alemão, eleva a 
reflexão, no âmbito da filosofia, e a ironia, na poesia, ao mais alto grau de 
criatividade, sendo mesmo o inseminador de toda a poesia modernae, no caso 
da literatura brasileira, tendo sido brilhantemente absorvido pela obra de 
Machado de Assis – autor cuja obra será aqui estudada - é transformado em 
um dos recursos mais autênticos de sua crítica à consciência, à ideologia e à 
sociedade. A ironia prodigaliza a metaficção e a paródia, que denunciam o 
paradoxo do comportamento humano. Essa ironia só poderá ser compreendida 
no horizonte de um pensamento que comporte o jogo palindrômico dos 
1 Esta palavra é uma audácia de nossa tese. Vem do inglês “elusive” e do italiano “elusivo”. 
Como no original há um sentido específico que desejamos usar, ousamos o “elusivo” em 
português. (Esta foi a última nota colocada na tese, depois de muitas leituras a várias mãos, 
nas quais a correção desta palavra foi recorrente.)
16
Lorena Heloísa
Realce
contrários e a desnude como um fenômeno poético que suplante o horror 
filosófico ao paradoxo e à contradição. Esse é o percurso que agora se nos 
abre. 
 
1. O conceito de ironia na tradição e a retórica da ficção 
Vários foram os tratamentos dados para o tema da ironia na 
tradição crítica: desde o conceito da eironeia socrática como dissimulação do 
conhecimento – substrato filosófico que está presente em toda aproximação ao 
problema – até a abordagem retórica que a considera uma figura de inversão 
e, gramaticalmente, também uma forma, sintática entre outras, de dissimular o 
sentido. É nos diálogos de Platão que ela recebe a designação de eironeia 
(εỉρωνεία,ας), palavra que se refere à ação de perguntar fingindo ignorar ou 
mesmo de perguntar tendo em vista a própria inesgotabilidade da pergunta ou 
a insuficiência, que não deixa de ser uma ignorância, de qualquer resposta. É o 
que os latinos chamavam de dissimulatio (dissimulação). O eiron (είρων,νος) 
dos diálogos platônicos é Sócrates, aquele que pergunta aos sofistas sobre a 
justiça, o amor, a morte, dissimulando nada saber, o que é a maior ironia do 
conhecimento, o próprio aspecto bifronte de Sócrates, saber dissimulando não 
saber ou saber que não há uma resposta concludente para a pergunta. O 
método socrático é o da pergunta e resposta, contrapondo-se aos sofistas, que 
desenvolveram o método das respostas apenas. A estrutura de pergunta e 
resposta é o princípio construtivo dos diálogos socrático-platônicos e o próprio 
punctum saliens da arquitetura irônica desses textos. De acordo com Friedrich 
Schleiermacher, grande hermeneuta da obra de Platão, os diálogos se dividem 
entre os que estão dentro do espírito socrático (dialógicos) – e aqui a ironia é a 
base estrutural de sua construção – e os que se afastam do espírito socrático e 
procuram respostas muito próximas do científico para as perguntas deixadas 
em aberto por Sócrates – os quais Schleiermacher classifica como 
construtivos. No primeiro grupo a marca fundamental é a estrutura ambígua, 
que não nos dá respostas concludentes; sua estrutura irônica nos remete à 
17
mais abstrata vacuidade. Por sua vez, os diálogos construtivos se apresentam 
dentro do espírito platônico de elaboração de uma teoria das idéias, de uma 
especulação positiva que busca a plenitude na idéia do Bem (ágathon). Uma 
observação mais detida dos primeiros diálogos é de grande valia para a 
compreensão do problema da ironia. Nesses diálogos, Sócrates se coloca 
primeiramente como alguém que não sabe da essência do objeto inquirido. 
Logo, porém, põe abaixo a pretensão dos interlocutores através de suas 
perguntas. Como sabemos, a estrutura da pergunta é uma abertura tanto para 
o objeto em questão quanto para o interlocutor. A ironia socrática derruba os 
argumentos dos interlocutores ao mesmo tempo que os seduz; mostra-lhes a 
insuficiência dos argumentos sobre o objeto, revelando-lhes uma possibilidade 
mais profunda de ser, sem dar, no entanto, uma resposta lógica, fechada ou 
concludente sobre ele. Paul Friedländer, em seu valioso trabalho Plato: an 
introduction2, refere-se a essa tensão que está “on the one hand deceptively 
concealing, on the other uncompromissingly revealing, the truth” (por um lado, 
ocultando ilusoriamente e, por outro, revelando inflexivelmente a verdade)3 – 
como uma wordless irony (ironia calada): uma estrutura silenciosa e dinâmica 
do ironic play (jogo irônico) que permeia os diálogos. 
No entanto, dentro da tradição filosófica (que inclui a gramatical), 
a ironia não foi compreendida em todas suas possibilidades significativas, 
tendo sido sempre tratada isoladamente, pontualmente. Na lógica dos 
gramáticos, o tratamento se torna ainda mais problemático pelo vício lógico de 
reduzir o sentido a construções sintáticas que se concretizam na fórmula 
rafada do tropos de inversão, ou mesmo, no trocadilho. É necessário, portanto, 
redefinir o conceito de ironia dentro de uma abordagem que revele o sentido no 
âmbito do jogo tensional de palavra e silêncio, dito e não-dito, recuperando a 
ressonância já entrevista nos diálogos socrático-platônicos. 
Na Modernidade, sua compreensão continuou atual, uma vez que 
é um recurso central na construção do romance. Nesse campo de estudo, a 
2 FRIEDLÄNDER, Paul. Plato: An Introduction. Translated by Hans Meyerhoff. New York: 
Pantheon Books, 1958. Especialmente capítulo VII, “Irony”.
3 Idem, p. 144.
18
teoria da narrativa e, por extensão, do romance, sua abordagem estava, por 
sua vez, restrita à ironia verbal (verbal irony), conceito bastante estudado em 
romancistas da tradição inglesa como Henry Fielding, Laurence Sterne e 
Jonathan Swift. Em artigo sobre a ironia verbal, Eleanor Hutchens afirma sobre 
o romance Tom Jones de Henry Fielding:
Verbal irony takes several forms. As irony, it is one of two main 
varieties – verbal and substantial – of the sport of bringing about 
a conclusion by indicating the opposite one. It is effected by a 
choice or arrengement of words which conveys the ironist’s 
meaning by suggesting its reverse. ( A ironia verbal toma 
diversas formas. Como ironia, é de duas variedades principais – 
verbal e substancial – de sorte a revelar uma conclusão ao 
indiciar a oposta. É efetivada por uma escolha ou arranjo de 
palavras que sustentam o sentido do ironista ao sugerir seu 
reverso.)4
A escolha ou arrumação para nos ludibriar cai na intencionalidade 
do autor/narrador. Essa concepção denota um uso instrumental da ironia como 
látego sobre as personagens, sobre a visão reificada do leitor. Restringe-a, 
assim, a uma fala ou aspecto pontual do discurso, cabendo-nos decifrá-la ou 
não, ou, em outras palavras, sermos enganados ou não; mas, enfim, ter uma 
atitude ou outra diante de sua colocação, o que leva ao cerne de uma visão 
lógica sobre o problema, ainda muito próxima daquela de dizer uma coisa 
querendo dizer outra apresentada pela gramática. O problema é que tanto a 
tradição gramatical como a filosófica da qual a gramática faz parte foram 
reduzidas a uma visão lógica e monológica que não aceita a abertura para uma 
resposta não-concludente. A não compreensão dessa inflexão no pensamento 
ocidental, porém, leva à incompreensão de textos que não sejam calcados na 
visão maniqueísta do lógico, o que causa grande estrago tanto no pensamento 
como no estudo da poesia. É aqui que o estudo do romance e da poesia são 
de fundamental importância para o deslocamento do conceito de 
conhecimento, pois atualizam, no espaço da modernidade, a tradição de textos 
e de um pensamento calcado na harmonia e não na separação dos contrários. 
4 HUTCHENS, Eleanor N.. Verbal Irony in Tom Jones. In: R.S. Crane (org.). Critics and 
Criticism – Ancient and Modern. Chicago: Chicago University Press, 1952, p. 46.
19
Essa questão pode ser melhor compreendida se se leva em 
consideração a possibilidade de não ser a ironia um jogo lógico que envolva 
apenas as respostas sim ou não para os truques verbais do autor/narrador, 
mas um jogo um pouco mais complexo, que aceite, inclusive, 
concomitantemente, as respostas sim e não para a mesma pergunta. No 
estudo do romance moderno, especificamente, esse é um elemento 
epistemológico central: a possibilidade de haver uma estrutura que articule um 
sentido recôndito e virtualmente possível entre as várias instâncias narrativas 
(autor, narrador, personagem, leitor), não se esgotando em nenhuma delas, 
mas as ultrapassando e somente revelado no ato da leitura. 
Ultrapassando o horizonte monológico de abordagem do 
problema, a ironia se torna uma dimensão ontológico-construtiva do romance, 
que atualiza o problema do dialógico da tradição como uma herança pródiga na 
modernidade. Há uma outra passagem fundamental sobre o romance inglês do 
século XVIII, mais uma vez sobre a obra de Henry Fielding, que ajudará 
decisivamente nessa nova delimitação. Trata-se do livro The Created Self de 
John Preston, no qual é desenvolvido o conceito de ironia como plot (enredo) 
que, numa tradução mais precisa, considerar-se-ia trama:
..., the plot [of Tom Jones] faces two ways. From one side 
it looks like a forced solution, from the other an open question. 
In one way it looks arbitrary and contrived, in another it not only 
makes the reader guess but keeps him guessing at what has 
happened. The latter aspect of the plot is sustained by what 
Eleanor Hutchens calls “substantial irony”: “a curious and subtle 
means used by Fielding to add irony to a given detail of plotting 
is to leave the reader to plot a sequence for himself”. The reader 
has not, in fact, been told everything and is sometimes as much 
in the dark as the characters themselves. But irony of this kind is 
only contributory to the ironic shift by means of which the whole 
direction of the novel is reversed, and the plot has to sustain two 
contradictory conclusions simultaneously. [ a trama (em Tom 
Jones) aponta dois caminhos. Por um lado parece uma solução 
forçada; por outro, uma questão aberta. De uma maneira 
parece arbitrária e tramada, de outra ela não apenas faz o leitor 
conjeturar como o mantém conjeturando sobre o que 
aconteceu. O último aspecto da trama é embasado pelo que 
Eleanor Hutchens chama “ironia substancial”: “um meio curioso 
e sutil usado por Fielding para adicionar ironia a um detalhe 
20
dado da trama é deixar ao leitor completá-la por si mesmo”. O 
leitor não foi, de fato , avisado de tudo e fica, às vezes, tão no 
escuro quanto os próprios personagens. Mas ironia deste tipo 
só contribui para o ardil irônico na medida em que a direção 
completa do romance é revertida, e o enredo tem de suster 
duas conclusões contraditórias simultaneamente.]5
É bem clara a abordagem da ironia como um problema 
construtivo. A última frase é um petardo contra a crítica impressionista, pois 
deixa em evidência primeiramente que é o plot que constrói a ironia e, em 
seguida, que ele harmoniza conclusões simultaneamente contrárias. Preston 
complementa suas colocações com a afirmação de que o enredo de Tom 
Jones tem uma estrutura que pede sucessivas respostas ao romance e que 
isso significa que seu efeito é mais epistemológico do que moral, uma vez que 
o livro põe o leitor para pensar e construir o quebra-cabeça durante a leitura. A 
crítica de Preston desvenda o enredo aparente e redimensiona a recepção 
crítica criada em torno da obra, pois destrói o argumento moralista que havia 
se formado sobre o livro na Inglaterra. Além disso, esse trecho retoma, em tom 
crítico-literário, aquilo que Schleiermacher apontou nos diálogos platônicos 
como dialógico, a possibilidade de uma abertura que não se esgota na 
resposta unívoca. Esse problema, que fora escamoteado pelo trajeto filosófico, 
parece ser brilhantemente retomado pelo romance moderno e, como veremos 
também, pela filosofia do século XVIII.
Não querendo cair no lugar comum do comparativismo, mas se 
utilizando de conclusões críticas sobre o romance inglês do século XVIII, pode-
se escolher esse trecho como um ponto fundamental no trajeto de elucidação 
do conceito de ironia. Ele será também muito importante para 
compreendermos certos paradoxos da obra e da recepção crítica da obra de 
5 PRESTON, John. Tom Jones (i): Plot as Irony. In: - . The Created Self. The Reader’s Role in 
Eighteenth-Century Fiction. London: Heinemann, 1970, p. 97. Esta obra faz parte de um 
esforço da crítica de língua inglesa dos anos 60 e 70 para compreender o estatuto ficcional da 
retórica do romance, cuja tradição naquela língua é riquíssima. O estudo decisivo nesse 
sentido foi o de Wayne C. Booth, The Rhetoric of Fiction (1961), que apresentou o conceito de 
autor implícito e que parece formar uma trilogia crítica, se pudermos aproximar um pouco 
livremente pólos à primeira vista distantes, incluindo o próprio Preston, Booth e a obra 
magistral de Wolfgang Iser, The Implied Reader. Citações posteriores.
21
Machado de Assis. Muitos autores e críticos já apresentaram a proximidade do 
romance inglês com a obra do autor carioca do século XIX6, mas ainda é pouco 
estudada qual a contribuição decisiva daquela tradição do romance - sob a 
ótica do jogo irônico dos contrários - sobre o autor brasileiro. Nosso intuito não 
se atém a essa relação comparativa, mas se esforça para compreender o 
funcionamento do jogo irônico no universo ficcional do autor em questão.
 Os romancistas do século XVIII eram profundamente conscientes 
do jogo com o leitor que é construído pela ironia. Esse jogo é que constitui a 
novidade do universo narrativo moderno desde o Dom Quixote. Podemos dizer 
que a ironia se confunde com esse jogo. Aquela estrutura desvendada em sua 
ambigüidade por Preston o produz. Por isso gera no leitor um efeito dissonante 
que será amplamente discutido pela teoria literária moderna, principalmente 
pela teoria do efeito estético da Escola de Constança, e ainda mais 
especificamente por Wolfgang Iser em seus livros The Implied Reader e The 
Act of Reading7. Para compreender a ironia como jogo é imprescindível passar 
em revista alguns conceitos e algumas discussões desse autor, como, por 
exemplo, os conceitos de vazio estrutural e de leitor implícito.
Iser parte da fratura exposta pelo romance, o que marca a 
diferença dessa forma literária moderna em relação à obra de arte antiga. A 
mudança de horizonte da obra de arte clássica - onde a construção era 
organicamente unívoca - para a obra de arte moderna, que se compraz, 
especialmente no caso do romance, em parodiar e transformar a coerência em 
uma incoerência intencionalmente construída, instaura um problema moderno 
de leitura: a dissonância domina como a condição central da comunicação no 
romance.
6 Entre outros estudos, poderíamos enumerar: SENNA, Marta de. O Olhar Oblíquo do Bruxo 
(ensaios em torno de Machado de Assis). Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1998.; BRAYNER, 
Sônia. Labirinto do Espaço Romanesco. Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/MEC, 
1979; REGO, Enylton de Sá. O Calundu e a Panacéia (Machado de Assis, a sátira menipéia e 
a tradição luciânica). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
7 ISER, Wolfgang. The Implied Reader (Patterns of Communication in Prose Fictionfrom 
Bunyan to Beckett). London: Johns Hopkins University Press, 1974. E ainda: ISER, W. The Act 
of Reading (A theory of aesthetic response). London: Johns Hopkins University Press, 1978. 
Este já se encontra em português: ISER, W. O ato da leitura – Uma teoria do efeito estético. 2 
vols. Trad. Johannes Kretschmer. São Paulo: Ed. 34, 1996.
22
A dissonância é criada precisamente pela “incoerência” ou 
assimetria entre os vários planos co-jogados no texto: o do autor, o do 
narrador, o da personagem e o do leitor. A “incoerência” estimula o leitor a 
participar ativamente do ato da leitura, pois sua participação em uma obra 
clássica, onde tudo já lhe está dado, não é requerida, apenas seu deleite e sua 
adequação às normas expostas. É o velho lema do prodesse et delectare. Ao 
contrário, para a tradição moderna do romance, o texto formulado deve “falhar” 
para estimular o leitor. É como se a leitura fosse eivada de verdadeiros vazios 
aos quais Roman Ingarden, fenomenólogo a quem Iser deve o ponto de partida 
de sua teoria, chama pontos de indeterminação8. Os vazios derivam da 
indeterminação do texto, formam buracos na conectibilidade textual, quebrando 
o princípio da economia comunicacional dos textos não-ficcionais chamado 
princípio da good continuation9. Dessa forma, os vazios intensificam a atividade 
ideativa do leitor. Os vazios ou buracos são, em verdade, os pontos nos quais 
o leitor pode entrar no texto, formando suas próprias conexões e concepções e 
o sentido configurativo do que lê:
And just as the reader is to ‘reflect’ during these ‘vacant pages’, 
so too must he reflect during all the other vacancies or gaps in 
the text. The gaps, indeed, are those very points at which the 
reader can enter into the text, forming his own connections and 
conceptions and so creating the configurative meaning of what 
he is reading. Thanks to the ‘vacant pages’, he can reflect, and 
through reflection create the motivation through which he can 
experience the text as a reality. He forms what we might call the 
‘gestalt’ of the text,…(E assim como o leitor deverá refletir 
durante essas páginas vazias, assim também ele deve refletir 
durante todos os vazios ou buracos no texto. Os buracos, em 
verdade, são aqueles mesmos pontos nos quais o leitor pode 
entrar no texto, formando suas próprias conexões e 
concepções e assim criando o sentido configurativo do que ele 
está lendo. Graças às ‘páginas vazias’ ele pode refletir e, 
8 INGARDEN, Roman . The cognition of literary work of art. Evanston, Northwestern University 
Press, 1973.
9 Este é um termo utilizado por Wolfgang Iser para o princípio da economia vigente na 
percepção diária da linguagem, pois, como diz o próprio nome – boa continuidade – não cabe à 
linguagem diária levantar barreiras à percepção, o que é o oposto nos textos ficcionais. Iser o 
retira da psicologia da percepção de Gerwitsch e Bateson: “Ele indica a ligação consistente de 
dados da percepção em uma forma de percepção”. Vide: ISER, W. A Interação do texto com o 
leitor. In: - COSTA LIMA, Luiz. (org.). A literatura e o leitor (Textos da Estética da Recepção). 
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, pp. 108 e ss.
23
através da reflexão criar a motivação através da qual ele pode 
experienciar o texto como uma realidade. Ele forma o que 
poderíamos chamar de ‘gestalt’ do texto,...)10. 
Poderíamos considerar esta abordagem do processo de leitura 
como uma abordagem fenomenológica. Para essa abordagem, a obra-de-arte 
literária se dinamiza e se concretiza na interpenetração dialética e dinâmica de 
sua estrutura textual com a sua realização11 pelo leitor. Podemos, portanto, 
dizer que a concretização é uma tarefa de construção do sentido não-dito, mas 
potencialmente estruturado pelo texto. O texto literário é uma malha de 
elementos que não trazem a significação já pronta. Os elementos 
determinados se organizam e se relacionam de tal maneira que apresentem 
indeterminações comunicativas entre si. A estrutura dos elementos 
determinados produz uma estrutura de pontos de indeterminação (Leerstellen) 
e negação. Por via de conseqüência, é na dialética do dito e do não-dito, do 
escrito e do não-escrito, que se dinamiza o papel do leitor e a concretização da 
obra. 
Partindo da concepção ingardiana do texto como uma estrutura 
de correlatos oracionais intencionais (intentionale Satzkorrelate), Iser 
aperfeiçoa o legado da fenomenologia e psicologia da percepção ao 
justamente enfatizar a produtividade dos vazios estruturais. Enquanto para 
Ingarden o processo da leitura deve caminhar através das sentenças 
correlativas até a apresentação completa do mundo da obra, Iser enfatiza 
precisamente a não-conectibilidade entre os segmentos estruturais como os 
pontos de maior significação do texto. O que diferencia o texto literário do texto 
não-literário, e particularmente do texto científico, é justamente a não-
conectibilidade que nos leva a uma dificuldade de ideação12. O texto ficcional 
10 ISER, Wolfgang. The Implied Reader, p. 40.
11 Realização é a tradução da palavra inglesa realization, que, por sua vez, traduz a palavra 
alemã Konkretisation. Estas palavras são substantivos dinâmicos que remetem ao processo de 
interação entre o horizonte em formação da obra e a existência concreta do leitor. Tal interação 
se dá no ato da leitura. 
12 O conceito de dificuldade de ideação foi criado por Iser para aperfeiçoar o conceito de 
dificuldade de percepção dos Formalistas Russos. Para Iser, a dificuldade de ideação é mais 
fiel que a dificuldade de percepção ao fenômeno de constituição do sentido pelo leitor. Cf. 
ISER, W. How acts of constitution are stimulated. In:__. The Act of Reading, pp. 180-231.
24
rompe com o caráter de previsibilidade dos outros discursos, 
desautomatizando a percepção pela quebra do princípio da good continuation 
evocado pela psicologia como princípio de economia dos textos palatáveis, isto 
é, que não oferecem resistência à boa continuidade da compreensão. A quebra 
da good continuation pela estrutura dos vazios provoca no leitor uma atividade 
intensa de formação de imagens dadas pelo texto. A dificuldade de ideação é, 
portanto, um acréscimo na necessidade de construção de uma configuração 
(Gestalt) integrada das várias perspectivas textuais pelo leitor. 
Os vazios, porém, não marcam apenas a suspensão da conectibilidade 
entre os segmentos, mas formam a própria condição de seu mútuo 
relacionamento. Eles funcionam como a estrutura de comunicação do texto, 
pois coordenam a permuta de perspectivas do ponto-de-vista do leitor. A 
primeira propriedade estrutural do vazio é justamente a possibilidade que ele 
cria de, a partir das conexões interrompidas, organizar campos onde se inter-
relacionem e se interpenetrem segmentos e perspectivas do texto. Cabe à 
atividade projetiva do leitor organizar a tensão entre os segmentos em 
relacionamento no campo estruturado pelo seu ponto-de-vista. Daí a 
necessidade de perspectivar relações determinadas enquanto outras são 
postas em segundo plano, num processo constante e permutável de 
aproximação de alguns segmentos em diálogo e afastamento de outros. Essa 
operação funciona como se houvesse uma mudança de lugar dos vazios, 
focalizando um determinado agrupamento de segmentos e desfocando outros, 
o que cria a necessidade de mobilidade da perspectiva do leitor. O 
agrupamento de segmentos focalizado torna-se tema, o não-focalizado, 
horizonte. A estrutura da compreensão coordena à tematizaçãode um grupo 
segmental a criação de um horizonte, de tal forma que o ato de compreender 
só se efetiva na interpenetração dinâmica de tema e horizonte.
Portanto, o processo de interação do texto com o leitor não se dá pelo 
fato de este trazer sua experiência subjetiva e a despejar na forma (ô) vazia, 
aberta pelo texto, como muitos críticos desavisados interpretam o conceito de 
abertura, principalmente por uma leitura mal feita da obra de Umberto Eco, 
25
Obra Aberta. Obra Aberta não significa obra escancarada. Pelo contrário, o 
texto cria uma intensa atividade de projeção e frustração, ilusão e desilusão, 
criação de expectativas e boas intenções para posteriormente serem 
solapadas por sua estrutura de negações. Para Iser, esse não é um processo 
contínuo, mas um corolário de interrupções. Um processo no qual
We look forward, we look back, we decide, we change our 
decisions, we form expectations, we are shocked by their 
nonfulfilment, we question, we muse, we accept, we reject…
(nós olhamos para frente, nós olhamos para trás, nós 
decidimos, nós mudamos nossas decisões, nós formulamos 
expectativas, nós somos surpreendidos por sua não-realização, 
nós questionamos, nós ensimesmamos, nós aceitamos, nós 
rejeitamos...)13
Enfim, para Iser, citando I. A.Richards, “a book is a machine to 
play with” (Um livro é uma máquina para se jogar com ela.)14. Isto é, o livro é 
uma estrutura intencionalmente fraturada que constrói sua coerência como livro 
da incoerência formal que gera aquele efeito epistemológico que Preston nos 
descreve. O suportar duas soluções simultaneamente contraditórias é 
justamente fazer da incoerência coerência. É abrir vazios que ativem a 
dissonância da comunicação e a ambigüidade do sentido. A ambigüidade é o 
efeito irônico sobre a leitura e leva o leitor a ter que desentranhar, refletir sobre 
o sentido potencial e virtualmente construído, mas estruturalmente silenciado 
no texto. Por isso, Iser nos afirma que “a concepção do leitor implícito designa 
então uma estrutura do texto que antecipa a presença do receptor”15. Ou ainda, 
que “a estrutura do texto e o papel do leitor estão intimamente unidos.”16 O 
leitor é implícito justamente porque ocupa o papel que os vazios lhe oferecem, 
construindo-se imagem daquele leitor que o texto concede e pré-forma, 
silenciosamente, na sua estrutura aberta, que também poderíamos chamar de 
irônica. É claro que a interação leitor/texto passa por um confronto do mundo 
13 ISER,W. The Implied Reader, p. 288.
14 Idem, p. 45.
15 ISER, W. O Ato da Leitura, p. 73.
16 Idem, p. 75
26
da ficção com o mundo da vivência do leitor, realizando-se, por isso, em 
diferentes graus, mas o texto mais lê o leitor do que é lido por ele.
O jogo do texto com o leitor é o jogo do sentido que se revela no 
ato da leitura. Para compreender a fundamental heterogeneidade do leitor no 
processo configurativo do sentido do texto, Iser irá dialogar com outras teorias, 
como com o conceito hermenêutico de jogo da obra-de-arte e de história 
operativa (Wirkungsgeschichte) desenvolvido por Hans-Georg Gadamer em 
sua obra magistral da Hermenêutica Contemporânea Verdade e Método 
(Wahrheit und Methode)17. Esses conceitos também são importantes para 
compreendermos o modus operandi da ironia como formatividade do texto. 
Para compreendê-los, passemos à exposição de seu conceito.
Segundo Gadamer, o jogo é o próprio ser da arte. Sua afirmação 
só pode ser entendida quando confrontada com o esquema epistemológico de 
conhecimento formulado pela tradição filosófica que, modernamente, se 
apresenta no discurso metódico cartesiano. Para René Descartes, o ego do 
cogito, ergo sum é o sujeito (sub-jectum=suporte) a priori de todo 
conhecimento e só através dele se manifesta a objetividade do objeto. Tudo 
que existe só existe porque há um sujeito matemático (cogito) que corrobora 
sua objetividade. Sujeito e objeto são os dois termos do método cartesiano. 
Nesses termos, ou a verdade é subjetiva ou é objetiva.
Não é o que afirma Gadamer. O ser da obra é jogo porque seu 
sentido não se esgota nem na subjetividade do autor ou do “fruidor”, nem na 
objetividade do representado. A obra-de-arte é o livre manifestar-se 
(Darstellung) da verdade (Alétheia) bem no meio da linguagem, é o jogo 
incessante daquilo mesmo que se manifesta. Seu ser não é determinado pela 
subjetividade nem pela objetividade, mas pela redundância do próprio 
movimento do jogo da obra. O que Gadamer quer dizer é que o sujeito da obra 
é o próprio jogo, pois aquilo que a obra é é o que se manifesta em seu jogo. 
Uma redundância que aponta para a auto-representação da obra, que é aquilo 
mesmo que se mostra sendo, não o que uma consciência ou realidade exterior 
17 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método (Traços Fundamentais de uma Hermenêutica 
Filosófica). Trad. Flávio Paulo Meurer. 2 vol. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
27
queira que ela seja. Assim, Gadamer liberta o conceito de arte da 
determinação subjetiva da estética kantiana e da idéia platônica de que a arte 
sempre representa (no sentido de copiar, Vorstellen) uma realidade que a 
circunda ou precede. A importância de Gadamer para Iser ou da Hermenêutica 
para a Teoria do Efeito é a de que o sentido que se manifesta não se reduz à 
subjetividade ou à objetividade que circundam a obra, que o sentido se 
manifesta num jogo que representa o próprio ser da obra e que é esse mesmo 
jogo que cria o papel do leitor, do autor, do narrador e do universo narrado.
O ser da arte se revela nesta redundância: o jogo é um 
movimento incessante que não procura um ponto único como objetivo; é a 
redundância do movimento. Se, numa folha de papel, estabelecêssemos dois 
pontos – como, por exemplo, a subjetividade e a objetividade numa relação 
metódica – o jogo não se ateria a nenhum dos dois pontos, mas se constituiria 
como o próprio movimento de ir e vir entre um e outro no espaço em branco da 
página. Portanto, no jogo, o movimento é uma representação que se auto-
representa. Seu modo de ser é medial, é o entremeio. Por não ter objetivos 
fora de si, o jogo não é sério no sentido das atividades que procuram realizar 
um fim. A sua seriedade tem um sentido próprio, autotélico. Por isso, no jogo 
da arte, nem o sujeito (autor ou leitor), nem o objeto (realidade) se mantêm os 
mesmos, mas são transformados pela construção lúdica do texto. O que ex-
surge da representação do jogo da arte é algo novo, inédito, mas que, 
paradoxalmente, é aquilo mesmo que é verdadeiro. Isto é o que Gadamer 
chama de Verwandlung ins Gebilde (Transformação em Construção):
A este giro por el que el juego humano alcanza su verdadera 
perfección, la de ser arte, quisiera darle el nombre de 
trasformación en una construcción. Sólo en este giro gana el 
juego su idealidad, de forma que pueda ser pensado y 
entendido como él mismo. Sólo aqui se nos muestra separado 
del hacer representativo de los jugadores y consistiendo en la 
pura manifestación de lo que ellos juegan. [...]18
Ou ainda:
18 Utilizamos a tradução espanhola: GADAMER, H. G.. Verdad y Método (Vol. 1). Quinta 
edición. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1993, p. 154.
28
Nuestro giro ‘transformación en una construcción’ quiere decir 
que lo que había antes ya non está ahora. Pero quiere decir 
también que lo que hay ahora, lo que se representa en el juego 
del arte, es lo permanentemente verdadero.19
A partir da apresentação do conceito de jogo de Hans-GeorgGadamer, já podemos fazer um apanhado dessas teorias e apontar o caminho 
que estamos procurando seguir. Em consonância com essas teorias até aqui 
apresentadas, exporemos, mais à frente, o conceito de ironia estrutural de 
Beda Allemann, como concepção fundamental do processo lúdico-construtivo 
da ironia no romance. Porém, de imediato, se relacionarmos a teoria do 
romance inglês do século XVIII de John Preston – que aponta para as duas 
respostas simultâneas exigidas do leitor pelo romance – , com os vazios 
estruturais ou pontos-de-indeterminação apresentados pela teoria de Wolfgang 
Iser – vazios que exigem a participação ativa do leitor no jogo da obra e que o 
transformam, no ato da leitura, em leitor implícito no horizonte de sentido 
revelado no texto - , e ainda fundamentarmos este percurso na teoria do jogo 
de Gadamer – que aponta justamente para a experiência da obra de arte como 
uma experiência que nos revela a verdade não como continuidade com nossa 
subjetividade ou com a objetividade, mas como transformação pela construção 
do texto -, então já podemos vislumbrar o que nosso esforço teórico deseja 
revelar: a ironia como um jogo textual que implica a transformação da realidade 
e do leitor através da encenação de um mundo submetido ao paradoxo e à 
contradição. O jogo da obra de arte irônica deverá ser compreendido, no 
entanto, no horizonte da ironia romântica alemã de Friedrich Schlegel. Sua 
representação como construção de um sentido em constante luta e disputa de 
elementos e visões contrários submete a visão do leitor, a própria construção 
do universo narrado e a realidade representada ao jogo de ambigüidades e 
paradoxos. Levando a cabo as conseqüências destes elementos em diálogo 
crítico, poderíamos falar ainda da retórica da ficção ou, em termos mais 
amigáveis, dos papéis do autor e do narrador também transformados pelo jogo 
19 Idem, p. 155.
29
irônico do romance moderno. Antes, porém, passemos por um conceito 
também relacionado ao universo da ironia: o humor.
Para tanto, é necessário lembrar que a mímese do romance não é 
a cópia da realidade, mas a re-elaboração do sentido do real no ato de 
representação pelo jogo da narrativa. O real realizado é confrontado pelo jogo 
de realização do real na dinâmica representativa do texto. Trata-se não da 
representação como cópia (Vor-stellung), mas como criação (Dar-stellung)20. A 
representação irônica do romance questiona a realidade ao desvelar, na 
dinâmica do jogo, um sentido novo, inédito e inaudito do real. 
Todo fenômeno literário ou poético tem um caráter ficcional. 
Nem por isso ele se afasta ou torna independente da realidade 
vivencial, imediata. Pelo contrário, a realidade ficcional e a 
realidade vivencial constituem-se no exercício de uma 
identidade na diferença, qual espelho que reflete refletindo-se. 
Esta tensão especular de identidade na diferença e de diferença 
na identidade projeta-se e reflete-se nos elementos funcionais 
que constituem as duas realidades, através de uma terceira: a 
realidade discursivo-literária.21
Quer dizer, a realidade ficcional não é o reflexo da realidade real, 
estabelecendo-se entre uma e outra um jogo dialético entre representação e 
transformação ou, em outros termos, entre identidade e diferença. Como a 
realidade ficcional é um jogo em que o real é transfigurado, o seu sentido está 
representado na dinâmica da auto-manifestação do jogo da obra. Se seu jogo 
intensifica e distorce a tensão identidade/diferença, então ele é marcado pela 
distorção da própria realidade discursiva do texto. Assim é a paródia. A ironia é 
questionamento (eironeia), pois está nessa dinâmica de representação 
transformadora. A paródia da motivação realista é a sua linguagem por 
excelência. 
20 Rubens R. T. Filho, em uma passagem da discussão sobre Fichte, elucida a diferença entre 
Vorstellung e Darstellung: “Fichte tem, desde o começo, uma noção muito clara do paradoxo 
que haveria em pensar essa exposição (Darstellung) como simples representação 
(Vorstellung)...” In: FILHO, Rubens Rodrigues Torres. O Espírio e a Letra – A crítica da 
imaginação pura em Fichte. São Paulo: Ática, 1975, p. 52.
21 CASTRO, Manuel Antônio. O Acontecer Poético. A História Literária. 2 ed. Rio de Janeiro: 
Edições Antares, 1982, p. 112.
30
E é assim que a ironia se aproxima do humor. O humor como 
sentimento del contrario22, como diz Luigi Pirandello, faz fronteira com a 
paródia do real revelada no questionamento irônico. Mas, assim como nem 
sempre o humorismo se define pelo riso, mas pela reflexão sobre o que até 
então era visto sem ser problematizado, também a ironia nem sempre se 
conceitua pelo elemento cômico. Tanto a ironia quanto o humorismo, por sua 
natureza paradoxal, reúnem tensionalmente o cômico e o trágico. O que 
significa que não se detêm apenas no jogo de aparência que leva ao riso 
cômico, mas lançam-se ao desvelamento do sentido que vai além das 
aparências, revelando a essência trágica do real. 
Ainda em seu texto-ensaio sobre o humorismo, Pirandello, apesar 
de afirmar não ser possível defini-lo, dá uma explicação muito límpida sobre o 
seu caráter:
Ordinariamente – já disse alhures e aqui me é forçoso repetir – 
a obra de arte é criada pelo livre movimento da vida interior que 
organiza as idéias e as imagens em uma forma harmoniosa, na 
qual todos os elementos correspondem entre si e à idéia-mãe, 
que as coordena. A reflexão, durante a concepção, assim como 
durante a execução da obra de arte, não permanece inativa: 
assiste ao nascer e ao crescer da obra, segue suas fases 
progressivas e goza com elas, aproxima os vários elementos, 
coordena-os, compara-os. A consciência não ilumina todo o 
espírito; notadamente para o artista ela não é um lugar distinto 
do pensamento, que permita à vontade atingi-la qual a um 
tesouro de imagens e de idéias. A consciência, em suma, não é 
uma potência criadora, mas o espelho interior no qual o 
pensamento se mira; pode-se dizer, antes, que ela é o 
pensamento que vê a si mesmo, assistindo aquilo que ele faz 
espontaneamente. E, comumente, no artista, no momento da 
concepção, a reflexão se esconde e permanece, por assim 
dizer, invisível: é quase, para o artista, uma forma de 
sentimento. À medida em que a obra se faz, ela a critica, não 
friamente como faria um juiz desapaixonado, analisando-a, mas 
improvisadamente, segundo a impressão que dela recebe. 
[...]
Pois bem, nós veremos que, na concepção de toda obra 
humorística, a reflexão não se esconde, não permanece 
22 PIRANDELLO, Luigi. Essenza, caratteri e matéria dell’umorismo. In: - . L’Umorismo. Milano: 
Arnaldo Mondadori, 1989,129-168.
31
invisível, isto é, não permanece quase uma forma de 
sentimento, quase um espelho no qual o sentimento se mira; 
mas se lhe põe diante, como um juiz; analisa-o, desligando-se 
dele; decompõe a sua imagem; desta análise, desta 
decomposição, porém, surge e emana um outro sentimento: 
aquele que poderia chamar-se, e que eu de fato chamo o 
sentimento do contrário.23
Neste trecho singular de consciência poética – só encontrado em 
grandes criadores -, ficam claros alguns pontos fundamentais levantados até 
aqui: há, na obra-de-arte, uma harmonia de idéias e imagens criadas pelo “livre 
jogo de vida interior” que poderíamos aproximar do livre movimento de jogo da 
obra apontado por Gadamer. Mas, além disso, há outro elemento central 
levantado por Pirandello: a consciênciaque, no processo de concepção e 
execução, obedece ao ritmo de formação da obra, chegando ao fato de que, no 
momento da concepção, a reflexão se esconde e “permanece, por assim dizer, 
invisível”. Esse fato, porém, não se repete na obra humorística, pois nela a 
reflexão toma um papel central. Para exemplificar essa constatação, Pirandello 
nos dá um exemplo brilhante, não incluído em nossa citação, mas que se 
refere a uma imagem, como se uma imagem de um livro, em que ele, o autor, 
vê uma velha senhora com os cabelos retintos, pintados de um óleo horrível, 
vestindo roupas juvenis e desajeitadamente maquiada. Se ele ri do que vê é 
porque adverte que aquela senhora é o contrário do que deveria ser uma velha 
senhora. Essa advertência do contrário é o cômico. Mas se, além da 
advertência, a reflexão intervém e comenta, por exemplo, que aquela senhora 
talvez não tenha nenhum prazer em se vestir daquela maneira papagaiada, 
mas que só o faz para tentar segurar o seu amor mais jovem, aí então, além da 
advertência, a reflexão nos faz passar para o sentimento do contrário. Esse é o 
humor.
Quer dizer, é na reflexão que a distorção da realidade se 
manifesta como realidade distorcida. Só temos consciência do ridículo do real 
quando representamos a consciência do ridículo. Essa consciência é a ficção 
23 PIRANDELLO, Luigi. O Humorismo. Tradução e notas de Dion Davi Macedo. São Paulo: 
Editora Experimento, 1996, pp. 131-132.
32
que, para representar o real e, mais que o real, seu aspecto estranho, estranha 
a representação e nos dá, além do ridículo, a consciência do ridículo. O real 
não é só representado como distorcido, mas também é analisado e explicado 
em sua distorção. Mais à frente, na parte referente ao conceito de ironia no 
Romantismo Alemão, veremos como que esse jogo de espelhamento da 
consciência e da autoconsciência é que compõe a reflexão como ponto central 
da ironia romântica. É na reflexão, como consciência do jogo entre realidade e 
aparência, que ironia e humor se aproximam. Esse jogo é que cria o teatro 
entre reflexão e representação no caso da narrativa, ou entre enunciação e 
enunciado, conhecido como retórica da ficção.
O sentimento del contrario é, por sua vez, retomado no romance 
Um, nenhum, cem mil (1926)24, onde Pirandello “assinala,[...], a crise da 
representação convencional da realidade dita objetiva, crise que trouxe no seu 
bojo a problematização dos tipos no registro ficcional”25. A contradição entre os 
papéis subjetivo e social, as várias máscaras que somos obrigados a vestir e a 
tensão entre este imperativo e o nosso eu interior também em transformação, 
é o tema dessa obra magistral, que assinala a ironia dos padrões de 
comportamento estabelecidos por uma sociedade hipócrita e medíocre.
Continuando, porém, em nossa busca de fenômenos implicados 
no jogo irônico da narrativa, devemos falar sobre a retórica da ficção, que 
poderíamos traduzir como a verificação de que, no jogo da ironia, autor e leitor 
são co-jogados pela estrutura polifônica, transformando-se em papéis 
dramatizados pelo teatro do texto. Autor e narrador são os outros dois pólos do 
jogo irônico e é isso que implica a retórica da ficção. Porém, é importante 
lembrar que assim como o leitor é implícito, também o são o autor e o narrador. 
No caso do romance machadiano, a perspectiva do autor é o papel cambiante 
que marca a complexidade e a revolução decisiva de seu universo ficcional. A 
máscara do autor assume em Machado de Assis a feição multiperspectiva do 
narrador, do comentarista, do humorista, do moralista, do satirista, criando um 
24 PIRANDELLO, L. Um, nenhum e cem mil. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo, Cosac & 
Naify Edições, 2001, Coleção Prosa do Mundo.
25 Idem, p. 7. Apresentação de Alfredo Bosi.
33
ritmo de perspectivação tão complexo e multifacetado quanto o sentido que 
muda de valência às vezes quase que de linha para linha. A ambigüidade e a 
contradição são próprias desse jogo. Por isso, no ritmo de transe da 
construção irônica, autor, narrador e leitor são papéis, nunca se atendo a um 
sentido fechado monologicamente. 
Um desses papéis cambiantes e multifacetados é o do autor 
implícito26 à narrativa. A figura do autor como comentarista ou diretor de cena é 
um papel do texto. O autor implícito não é o narrador, mas um papel 
dramatizado pelo texto. Mesmo narrativas em 1ª pessoa, onde há um diálogo 
constante entre o narrador e o universo passado de sua existência como 
personagem, podem apresentar a intromissão do autor implícito. Ele é uma 
imagem do autor dramatizada e exigida pelo próprio romance. Poderíamos 
mesmo dizer que ele é a personagem principal do teatro ficcional, através da 
qual temos acesso ao universo aberto pelo texto. Nas palavras de Wayne C. 
Booth:
Even the novel in which no narrator is dramatized creates 
an implicit picture of an author who stands behind the scenes 
whether as a stage manager, as puppeteer, or as an indifferent 
God, silently paring his fingernails. This implied author is always 
distinct from the ‘real man’ – whatever we may take him to be – 
who creates a superior version of himself, a ‘second self’, as he 
creates his work. ( Mesmo o romance que não tem um narrador 
dramatizado cria a imagem implícita de um autor nos 
bastidores, seja ele diretor de cena, operador de marionetes ou 
Deus indiferente que lima, silenciosamente, as unhas. Este 
autor implícito é sempre distinto do ‘homem sério’ – seja o que 
for que pensemos dele – que cria uma versão superior de si 
próprio, um alter ego, tal como cria a sua obra.)27.
O autor autoconsciente do jogo, criado em consonância com o 
movimento formativo28 da obra, é um autor irônico. Em suas várias facetas 
26 Conceito chave da teoria da narrativa moderna. O autor implícito é, segundo Wayne C. 
Booth, um second self, uma máscara que intervém metaficcionalmente na narrativa. O texto de 
Booth será citado logo adiante.
27 BOOTH, Wayne C.. The Rhetoric of Fiction. Second Edition. Chicago and London: The 
University of Chicago Press, 1983, p. 151. 
28 O adjetivo formativo é tomado à concepção da obra de arte como formatividade da estética 
de Luigi Pareyson, correlata à concepção de jogo de Gadamer. Em suma, a formatividade é a 
concepção do ato criativo como concomitância de execução e invenção, isto é, uma concepção 
34
durante o processo narrativo, dada a maior ou menor distância do mundo 
ficcional ou dos capítulos metaficcionais, o autor implícito se apresenta em 
constante metamorfose no romance, aparecendo tanto como um narrador 
autoconsciente, quanto como um narrador intruso ou ainda como um unreliable 
narrator (narrador não-confiável)29 dos eventos do mundo ficcional. De qualquer 
forma, a representação de vários papéis estabelece um acesso multifacetado 
ao universo da ficção, o que problematiza e ironiza o processo de 
compreensão pelo leitor. Entre o narrador e o autor, representados nas várias 
modulações da voz do autor implícito, ou no silêncio do narrador, que se afasta 
estrategicamente da narração, estabelecem-se vazios ou fissuras30 que ativam 
a imaginação e a ideação do leitor. 
Com relação ao diálogo entre os eus criados, autor e leitor 
implícitos, pode-se dizer que só se efetiva em consonância com a ironia 
estrutural do texto, a qual produz um diálogo de meias palavras e silêncios 
verminosos, aletréticos, que se coaduna ao ritmo do jogo de claro e escuro da 
estrutura sincopada e ambígua do romance. O autor e o leitor implícitos são 
papéis que realizame concretizam o sentido irônico do romance porque 
completam ludicamente esses vazios e têm consciência da finitude da 
compreensão. A autoconsciência do autor é autoconsciência do sentido irônico. 
Por isso, sua fala é ambígua e, paradoxalmente, diz mais quando em silêncio. 
Por outro lado, a realização e concretização do sentido pelo leitor são, tanto 
quanto lhe faz ver o autor por entre a tessitura do texto, o reconhecimento da 
finitude de seu conhecimento perante o mundo representado na ficção. Para 
Booth, esta conexão se passa da seguinte maneira:
fabril e não ideativa – como a tradição estética – em que o autor cria ao executar seu projeto e 
executa ao criar. 
29 Expressão usada por Booth e que grande significação possui no estudo na narrativa de 
Machado de Assis. Justamente por não se ter em mente a inconfiabilidade do narrador é que 
muitos leitores e até mesmo críticos são pegos de surpresa e caem em meandros da estrutura 
irônica da narrativa machadiana.
30 Ainda Wolfgang Iser falando do conceito de vazio estrutural ou estrutura de vazios, como já 
foi citado anteriormente: “Representam pois as ‘articulações do texto’, pois funcionam como as 
‘charneiras mentais’ das perspectivas de representação e assim se mostram como condições 
para a ligação entre segmentos do texto.”In: COSTA LIMA, L. Op. Cit., p. 106.
35
The author creates, in short, an image of himself and 
another image of his reader; he makes his reader, as he makes 
his second self, and the most successful reading is one in which 
the created selves, author and reader, can find complete 
agreement. (O autor cria, em suma, uma imagem de si e outra 
imagem de seu leitor; ele constrói seu leitor, assim como 
constrói seu alter ego, e a leitura mais bem sucedida é aquela 
na qual os eus criados, autor e leitor, podem encontrar 
completa concordância)31.
Por outro lado, a máscara do autor implícito cria uma outra 
máscara, a do narrador, para tornar ainda mais complexo o jogo. Trata-se aqui 
da construção da situação narrativa. No nosso universo de trabalho, a obra de 
Machado de Assis, duas situações narrativas se apresentam basicamente: o 
romance narrado em terceira pessoa e o romance narrado em primeira pessoa. 
Porém não basta a percepção gramatical da estrutura narrativa, é necessário 
que se observe também sua fenomenologia, isto é, o sentido de sua 
estruturação de tal ou qual maneira. Conseguiremos essa abordagem a partir 
do estudo da tipologia do narrador verificado pelo teórico da narrativa austríaco 
Franz Stanzel32 .
Stanzel elucida a fenomenologia do narrador ao revelar que, em 
verdade, o narrador de 3ª pessoa aparece em um tipo específico de narrativa 
chamada autoral, onde dialogicamente33 o autor se desdobra em comentarista 
do romance e em narrador. O plano do autor comentarista é aquele 
desdobramento chamado anteriormente por Booth de autor implícito. Esse 
autor comentarista está fora do universo ficcional, realiza um papel 
metaficcional, podendo disfarçar-se, às vezes, de cronista a quem foi contada a 
estória e, assim, fazendo a ponte com o mundo ficcional. A distinção dos dois 
campos de realidade, a ficcional e a metaficcional, garante ao narrador o papel 
dialógico de narrador autoral que tem uma posição de superioridade ou 
31 BOOTH, Wayne C.. Op. Cit., p. 138.
32 STANZEL, Franz. Narrative Situations in the Novel (Tom Jones, Moby Dick, The 
Embassadors, Ulysses). Translated by James P. Pusack. Bloomington: Indiana University 
Press, 1971.
33 O termo dialógico vem de dialogismo da teoria de Mikhail Bakhtin e tem sentido diverso do da 
dialética formal por suportar harmonicamente os contrários sem subssumir um termo ao outro 
da questão. É uma dialética material.
36
distanciamento sobre os personagens. Nesse distanciamento se cria a ilusão 
da narrativa e aí está inserido o problema da ironia.
O maior ou menor distanciamento entre o narrador autoral e o 
universo ficcional estabelece um papel muito próximo ao de um personagem, 
levando-o a uma situação análoga à de 1ª pessoa, na qual o narrador sempre 
aparece como um personagem do mundo ficcional, porém temporalmente 
distanciado. Esse traço é fundamental, o tempo. A relação do narrador autoral 
com o universo ficcional é de posterioridade, vindo geralmente indicada na 
conclusão da narrativa, quando o tempo da ficção se encontra com o tempo da 
narração. Nesse momento privilegiado, a apresentação passada do tempo pelo 
narrador é suspensa e ele passa a contar no presente da enunciação que é o 
futuro do enunciado. A distância que implica essa ambigüidade lhe dá o 
privilégio metaficcional do controle sobre o que o leitor vai ou não ver, vai ou 
não saber. Enfim, nesse jogo e nesse lapso ficcional se dá o vazio da narrativa, 
esse vazio gera os comentários metaficcionais e requer a reflexão do leitor que 
leva à ironia.
No caso da narrativa de 1ª pessoa, o tempo é também 
fundamental. O tempo do narrador implica diferença existencial em relação ao 
personagem, que é o narrador mesmo em outro momento de sua vida, quando 
ainda não via o que vê agora. Há, portanto, uma diferença de avaliação e de 
interpretação entre os dois eus – narrador e narrado. O narrador ou o eu de 
agora, sujeito da enunciação, distingue-se temporal-existencialmente do 
personagem ou eu de outrora, sendo os dois a mesma pessoa. Nas palavras 
de Stanzel, as condições para a narrativa de 1ª pessoa são:
1. The narrating self is identical in persona with the 
experiencing self;
2 . The narrating self in the act of narration stands in a 
relationship of posteriority to the experiencing self and to the 
action; the narrative distance is designated in the narrative;
3. If the narrative distance is greater than the duration of the 
narrative matter, then the narrating self regards the action as 
completed; the narrating self then has the privilege of 
foreknowing all the action to be narrated; for this reason the 
narrating self can rise to panoramalike surveys; he can give 
glimpses of partial resolutions or reveal the ending;
37
4. the narrating self distinguishes itself from the experiencing 
self by greater insight and maturity, by a tendency to 
retrospection and reflection, and often by a completely 
different way of life; between the experiencing self’s 
experience of an event and the narrative re-creation of the 
same event at the hands of the narrating self there are 
therefore differences of valuation and interpretation which 
become visible in the structure of meaning of the novel.
(1. o eu-narrador é idêntico em persona ao eu da 
experiência;
1. o eu-narrador permanece no ato da narração em 
relação de posterioridade ao eu da experiência e em 
relação à ação;
2. se a distância narrativa é maior do que a duração da 
matéria da narrativa, então o eu-narrador considera a 
ação como completa; o eu-narrador tem então o 
privilégio de saber antes de toda a ação a ser narrada; 
por essa razão o eu-narrador pode elevar-se a uma 
forma de visão panorâmica; ele pode dar olhadas 
parciais na resolução ou revelar o fim;
3. o eu-narrador distingue-se do eu da experiência pelo 
maior insight e maturidade, por uma tendência à 
retrospecção e reflexão e, freqüentemente, por um 
meio completamente diferente de existência; entre a 
experiência de um evento do eu da experiência e a 
recriação narrativa do mesmo evento nas mãos do eu-
narrador há, no entanto, diferenças de avaliação e 
interpretação que se tornam

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