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Roberto Cipriani Manual de sociologia da religião PAULUS Este livro oferece uma análise crítica do pensamento clássico e con temporâneo no campo da sociologia da religião, uma apresentação precisa e documentada dos autores mais significativos e um minu cioso exame interpretativo dos resultados mais importantes, sempre privilegiando uma perspectiva internacional, não eurocêntrica nem cristianocêntrica. • Socio log ia e soc iedade pós-industrial, Paulo Sérgio do Carmo • Introdução à política brasileira, Hum berto Dantas, José Paulo Martins Júnior • Manual d e sociologia da religião, Roberto Cipriani R oberto C ipriani MANUAL DE SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO PAULUS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 07-1355 Cipriani, Roberto Manual de sociologia da religião / Roberto Cipriani; [tradução Ivo Storniolo]. — São Paulo: Paulus, 2007. — (Coleção ciências sociais) T ítulo original: Manuale di sociologia delia religione Bibliografia ISBN 978-85-349-2653-9 1. Religião e sociologia I. Título. II. Série. CDD-306.6 índices para catálogo sistemático 1. Sociologia da religião 306.6 T ítulo original Manuale d i Socio logia delia Relig ione 1997, Edizioni Borla s.r.l. Via delle Fornaci 50-00165 Roma ISBN 88-263-1215-X Direção editorial Paulo Bazaglia Tradução Ivo Storniolo Editoração PAULUS ©PAULUS-2007 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 • São Paulo (Brasil) Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5084-3066 www.paulus.com.br • editorial@paulus.com.br ISBN 978-85-349-2653-9 S u m á r io I In t r o d u ç ã o ................................................................................................... 7 PRIMEIRA PARTE - AS ORIGENS 1 I Os PRESSUPOSTOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS.................................... 21 2 I A RELIGIÃO UNIVERSAL DE COMTE ( 1 7 9 8 - 1 8 5 7 ) ......................... 41 3 I R e lig iã o e d e m o c r a c ia s e g u n d o T o c q u e v ille (1 8 0 5 -1 8 5 9 ) ........................................................................................ 49 4 I R e l ig iã o e " im p u ls o v it a l " em B e r g so n ( 1 8 5 9 - 1 9 4 1 ) ....... 55 5 I A c o n t r ib u iç ã o a n t r o p o l ó g ic a ..................................................... 61 SEGUNDA PARTE - OS CLÁSSICOS 1 I As fo rm a s re lig io s a s de D u rk h e im ( 1 8 5 8 - 1 9 1 7 ) ................. 91 2 I As r e l ig iõ e s u n iv e rs a is de W e b e r ( 1 8 6 4 - 1 9 2 0 ) .................... 105 3 I R e lig io s id a d e e r e lig iã o e m S im m e l ( 1 8 5 8 -1 9 1 8 ) ................. 121 4 I A d im e n s ã o p s íq u ic a d a r e lig iã o s e g u n d o F reud ( 1 8 5 6 -1 9 3 9 ) ........................................................................................ 129 5 I A r e lig iã o n a perspectiva p s ic o s s o c ia l d e J a m e s (1 8 4 2 -1 9 1 0 ) ........................................................................................ 141 TERCEIRA PARTE - OS CONTEMPORÂNEOS 1 I A r e lig iã o c o m o u n iv e r s a l ............................................................... 151 2 I O d e l in e a m e n t o m a c r o s s o c io l ó g ic o ....................................... 159 3 I A d in â m ic a h is t ó r ic o - c u l t u r a l ...................................................... 167 4 I A RELIGIÃO SEGUNDO A ESCOLA DE FRANKFURT.................... 187 5 I As NOVAS PROPOSTAS EUROPÉIAS........................................................ 193 6 I As PERSPECTIVAS SOCIOANTROPOLÓGICAS....................................... 207 QUARTA PARTE-OS DESENVOLVIMENTOS RECENTES 1 I A SECULARIZAÇÃO................................................................ 225 2 I O PLURALISMO RELIGIOSO...................................................................... 239 3 I A RELIGIÃO CIVIL DE B e lla h (1927-).................................... 247 4 l As CORRENTES NORTE-AMERICANAS.................................................. 255 5 I AS CORRENTES EUROPÉIAS..................................................................... 277 6 I A RELIGIÃO COMO FUNÇÃO EM ÜJHMANN (1927-)............... 301 7 I OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS................................................ 309 I P o s f á c io ......................................................................................................... 315 I R e fe r ên c ia s b ib l io g r á f ic a s ................................................................... 319 I Q u a d r o s in ó t ic o (a u t o r e s , in f l u ê n c ia s , CONCEITO-CHAVE, TEMAS)........................................................................... 335 I S in o p s e g r á f ic a g e r a l .............................................................................. 353 I Ín d ic e d o s n o m e s ........................................................................................ 355 In t r o d u ç ã o A DEFINIÇÃO SOCIOLÓGICA DE RELIGIÃO A fórmula mais simples para definir a sociologia da religião consis te em dizer que ela analisa a fenomenologia religiosa com o auxílio dos instrumentos teóricos e empíricos que são típicos da sociologia. Historicamente, a ligação entre sociologia e sociologia da religião foi estreitíssima. As incertezas iniciais de uma recaíam sobre a outra, como também os progressos sucessivos em termos de confiabilidade científica. E também terá algum significado a coincidência, certamente não fortuita, de que os maiores expoen- tes da assirn_chamada sociologia geral sejam também enumera: dos entre os autores clássicos da sociologia da religião: é o caso tanto de Comte como de Durkheim, de Simmel como de Weber, de Sorokin como de Parsons. Há um ponto particular, em relação ao qual convergem e di vergem muitas abordagens dos autores acima citados e de outros. Alguns professam a sociologia em chave quase militante, em favor de uma perspectiva confessional ou anticonfessional específica, en quanto outros fazem da neutralidade seu fulcro, fugindo de envol vimentos demasiadamente diretos e de aplicações demasiadamente imediatas. Na verdade, não são muitos, porém, que escolhem a solu ção da eqüidistância não valorativa, em chave não preconceituosa. A orientação pessoal de cada sociólogo emerge de modo cla ro já por meio das próprias definições de religião, que foram objeto de um estudo específico de Yves Lambert [1991], o qual distingue essencialmente entre definições substantivas e definições funcionais. As primeiras se referem a elementos justamente substantivos, como o culto, o sobrenatural, o invisível, o rito ou ainda outras coisas. As segundas, ao contrário, salientam a conotação funcional, o papel da religião na sociedade. Nas origens da sociologia da religião, foram prevalentes as definições substantivas, e depois - especialmente com o desenvolvimento do debate sobre a secularização - se difundiram as funcionais. Mas umas e outras foram mais atravessadas e con dicionadas pelo problema da crença (ou não crença) e da pertença confessional (ou não) do estudioso em questão. A título de exemplo, podemos citar como tendencialmente subs tantivas as definições de Durkheim e de Weber, e marcadamente mais funcionais as de Luckmann e Luhmann. A S DEFINIÇÕES TENDENCIALMENTE SUBSTANTIVAS DA RELIGIÃO Para Durkheim [1973: 59], “uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a entidades sagradas, isto é, sepa radas, interditas; crenças e práticas que unem em uma mesma co munidade moral, chamada igreja, todos os aderentes”. Os conteúdos substantivos são aqui as crenças, as práticas, as inatingíveis entidades sagradas, a igreja. Uma definiçãoanterior [Durkheim 1996: 67] fala, ao contrário, de fenômenos religiosos e não de religião, enquanto não acena à comunidade e nem sequer ao sagrado. De sua parte, Weber não forneceu uma definição precisa da re ligião. Podemos, entretanto, conseguir alguns indícios significativos dela, dispersos em suas obras. Por exemplo, ele fala de “sistemas de regulação da existência”, que conseguiram “reunir a seu redor uma fila particularmente cerrada de fiéis” [Weber 1976: 327], quando analisa a ética econômica das religiões mundiais. Insiste, ao invés, sobre a dimensão da ação, quando afirma que “o agir religiosamen te ou magicamente orientado toma sua consistência originária em um processo mundano. As ações que se apresentam como religiosas ou mágicas devem ser realizadas ‘a fim de que tudo vá bem e vivas longamente sobre a terra ” [Weber 1974,1: 421 ]. Há, portanto, uma, sólida relação entre dimensão religiosa e dimensão terrena. Jean Séguy [1988: 174] observa justamente que “nas primeiras linhas do parágrafo Io do capítulo V de Economia e sociedade - que trata expressamente da sociologia religiosa (Religionssoziologie) - Weber considera impossível fornecer uma definição da religião no início de uma tratação como a que ele empreende. Além do mais, acrescenta, poder-se-á tentar tal definição no fim do trabalho. Aí chegando, não pensaremos mais”. Talvez a razão esteja na opção we- beriana em favor da neutralidade científica, da avalorabidade (Werí- freiheit) que, no caso, se arriscaria a carecer de uma delimitação ex plícita de formas e de conteúdos religiosos. Ou então - conforme sugere o próprio Séguy - a motivação está no mal-estar weberiano de prosseguir um debate demasiadamente datado e obsoleto como o de Feuerbach sobre a essência da religião. O que permanece definido, em todo caso, é a intenção de Weber: estudar o agir religioso coletivo, isto é, em comunidade, e a refe rência a potências sobrenaturais.*Na realidade, a atenção é colocada sobre a regulação das relações entre aquilo que é humano e aquilo que é sobrenatural, de modo que a definição implícita de religião se torna nesse caso também de tipo funcional, enquanto serve para ge renciar relações. Além disso, tal abordagem, sem definições de base, é feita por meio do compreender (verstehen) e, particularmente, por meio da tentativa de compreender a vida religiosa dos outros indi víduos sociais que, como protagonistas, definem de fato sua crença, sua visão religiosa do mundo, sua ritualidade ^Portanto, coletando a definição que os indivíduos sociais apresentam de sua religião, é possível assumir um ponto de vista empiricamente fundado, evitan do recorrer aos pressupostos desviantes do próprio pesquisadorj Sempre a respeito de Weber, não esqueçamos, lembra ainda Sé guy, a remitência a form as analógicas ou metafóricas de religião, ou seja, a modalidades religiosas reutilizadas por analogia ou por me táfora em campo profano, como no caso do conceito de “politeísmo dos valores”, usado para indicar a pluralidade e a “sacralidade” das formas de valor, fruto do individualismo ético. Weber não se mostra favorável à presença de uma multiplicidade de valores, mas, como sociólogo, não pode deixar de notar sua existência. Com efeito, “a vida, enquanto deve se fundar sobre si mesma e ser compreendida em si mesma, conhece apenas o recíproco eterno conflito das divin dades, ou seja, deixando de lado a metáfora, a impossibilidade de conciliar e resolver o antagonismo entre as posições últimas em geral a respeito da vida, isto é, a necessidade de decidir por uma ou pela outra”. A propósito, soa então pertinente a interrogação, citada pelo próprio Weber [1967: 37-38], “ ‘a qual dos deuses em luta devemos servir? Ou talvez a algum outro, e quem então?’ Justamente por serem dotadas de significado, algumas formas não especificamente religiosas se tornam quase “religiões substitu tivas”. Essa tendência, já entrevista por Weber em termos de meta- forização do religioso, encontra paralelos ainda hoje. Com efeito, acrescenta Séguy [1988: 180], algumas religiões metafóricas tomam impulso “a partir da ‘religião invisível’ de Thomas Luckmann [1969]; outras se aproximam da ‘religião implícita’ de Arnaldo Nesti [1985]; outras ainda da ‘religião difusa de Robert Towler [1974] e/ou de Roberto Cipriani [1988]; outras, finalmente, da ‘religião política’ de Raymond Aron [1958] ou de Jean-Pierre Sironneau [1982] etc. O conceito de religião metafórica tem o mérito de ser globalizante; ele também apresenta dificuldades unidas naturalmente à seguinte vantagem: os fenômenos concretos que dele se aproximam são de enorme variedade”. Esse olhar dirigido ao futuro da religião não é apenas weberiano. Também Durkheim [1973: 59] parece prospectar - ao menos em um ponto, antes de sua definição substantiva - uma possível visão mais funcional, quando acena a “aspirações contemporâneas na direção de uma religião totalmente feita de estados interiores e subjetivos, construída livremente a partir de cada um de nós. Mas, por mais reais que sejam, não têm o que ver com nossa definição, referente apenas a fatos adquiridos e realizados, e não a virtualidades incertas. Pode acontecer que esse individualismo religioso esteja destinado a traduzir-se concretamente; todavia, para poder determinar até que ponto, seria necessário já saber o que é a religião, de quais elementos ela é constituída, de quais causas ela provém, qual função preenche: problemas todos dos quais não podemos antecipar a solução, en quanto permanecemos no limiar da pesquisa. Apenas no termo de nosso estudo poderemos tentar antecipar o futuro”. Já é conhecida a definição de Durkheim da religião. No fim de seu texto, ao contrário, o sociólogo francês não se expõe ulteriormente a fazer previsões: “Sem dúvida, não é possível fazer prognósticos desde já sobre os futuros desenvolvimentos dessas soluções” [Durkheim 1973: 443], Resta, porém, que seu aceno ao subjetivismo religioso preludia, de algum modo, os desenvolvimentos sucessivos da análise sociorreligiosa, que vê uma definição funcionalista mais marcante na teoria de Luck mann [1969: 95-106] sobre a “religião invisível” e, particularmente, na idéia de uma “religiosidade individual”. As DEFINIÇÕES FUNCIONAIS DA RELIGIÃO Justamente a propósito de definições, o próprio Luckmann [1969: 53] precisa que “quando for aceita uma definição substancial da religião poder-se-á, naturalmente, perguntar-se, com esperança ou receio, se a religião é, ou se tenha tornado, um fenômeno excepcional. Se aceitar mos a tese proposta por Durkheim - ou, ao menos, implícita em sua obra - e definirmos a religião sobre a base de sua função social univer sal, tal problema deixará de ter um sentido. Para que possa ser útil para a teoria sociológica da religião, a tese de Durkheim deverá ser especifica da, e isso comportará algumas dificuldades que procuraremos superar. Uma coisa, no entanto, pode ser afirmada com segurançaKima defini ção funcional da religião evita ao mesmo tempo o habitual preconceito ideológico, da mesma forma que a limitação ‘etnocêntrica da definição substancial do fenômeno”. Para Luckmann não têm relevância sociológica primária as prá ticas religiosas, e sim os “universos simbólicos”, que “são sistemas de significado socialmente objetivados que se referem, de um lado, ao mundo da vida quotidiana, e de outro lado se dirigem a um mundo que é experimentado como que transcendendo a vida quotidiana”. “Outros sistemas de significado não olham para além do mundo da vida quotidiana; ou seja, eles não contêm uma referência ‘transcen dente’ ” [Luckmann 1969: 55-56]. Para essa concepção da religião como universo simbólico, Luckmann parte da fenomenologia socio lógica de seu mestre Alfred Schutz [1979: 181-232 e 260-328], que se dedicaraao estudo das diversas formas da vida quotidiana e das relações simbólicas, estas últimas entendidas como “transcendên cia da natureza e da sociedade”. Mas a origem mais remota está no pragmatismo, que define um conceito a partir de suas conseqüên cias práticas [James 1967: 130-137], e no funcionalismo de William James [1950], que considerava a religião como um subuniverso, da mesma forma que a teoria científica, a política, a arte, âmbitos que Schutz [1979: 312] preferia chamar de “províncias finitas de signifi cado” caracterizadas cada uma por um específico “estilo cognitivo” da realidade. A definição luckmaniana de religião, contudo, vai muito além dos esquemas habituais [Luckmann 1969: 62-63]. Ele considera que “está em conformidade com o significado elementar do conceito de religião definir fenômeno religioso a transcendência da natureza biológica como parte do organismo humano”. “Tal fenômeno se ba seia sobre a relação funcional entre Eu e sociedade; podemos, por- tanto, considerar como fundamentalmente religiosos os processos sociais que levam à formação do Eu”. O objetivo é passar depois para os “temas religiosos modernos” (a autonomia do indivíduo, a auto- expressão, a auto-realização, o ethos da mobilidade, a sexualidade, o familismo), que representam a “religião invisível”, contraposta à vi sibilidade das práticas religiosas. Entendendo dessa forma a religião, Luckmann oferece o flanco para várias críticas em relação a seu ex- tensionismo conceituai, ou seja, à sua própria concepção de religião, ampliada muito além dos limites considerados habituais, enquanto relacionáveis a experiências constantemente qualificadas como reli giosas. Ele, contudo, antecipa tais observações demolidoras e escre ve: “podemos salientar incidentalmente como tal tese não está em contraste com a etimologia do termo. Poderão objetar, de um ponto de vista teológico e ‘substancialista’ da religião, que, nessa perspecti va, a religião se torna um fenômeno onicompreensivo. Esta, porém, não nos parece uma objeção válida. A transcendência da natureza biológica é um fenômeno universal da humanidade”. Em poucas palavras, a religião permanece uma ligação, entrando por isso em seu contexto etimológico originário. Tal ligação não remete neces sariamente às entidades divinas das religiões históricas organizadas, e sim à concepção do mundo. Reutilizando o clássico delineamento de uma “construção social da realidade” [Berger, Luckmann 1966; 1969), o teórico da “religião invisível”, enquanto considera “um ata lho” a definição de religião que se refere ao “sobrenatural”, levanta, ao contrário, o problema da “condição antropológica universal da religião” e, ajeguir, da própria religião como “parte distinta da rea lidade social. Luckmann insiste particularmente sobre o fato de que “a transcendência da natureza biológica, realizada pelos organismos humanos, é um processo profundamente religioso. Agora podemos acrescentar que a socialização, enquanto processo concreto em que tal transcendência se realiza, é fundamentalmente religiosa. Ela se baseia sobre a condição antropológica universal da religião, sobre a individuação do conhecimento e da consciência nos processos so ciais, e se realiza na interiorização do modelo de significado subja cente a uma ordenação social histórica. Chamaremos esse modelo de significado de uma concepção do mundo” [Luckmann 1969: 67], Para Luckmann, portanto, a religião é definível como concepção do mundo. Com efeito, “a concepção do mundo, enquanto realidade social objetiva e histórica, preenche uma função essencialmente religiosa, e podemos defini-la como uma elementar form a social de religião. Essa forma social é universal na sociedade humana” [Luck- mann 1969: 69]. .« Também entra em uma óptica funcionalista a definição projeta da por Luhmann [1991: 36]: a religião “desempenha para o sistema social a função de transformar o mundo indeterminável, enquanto não passível de ser circunscrito para o exterior (ambiente) e para o interior (o sistema), em um mundo determinável, em que siste ma e ambiente possam estar em relações tais que excluam de ambas as partes a arbitrariedade da mutação. Em outras palavras, ela deve justificar e tornar tolerável que todas as tipificações, auto-identifica- ções, categorizações e toda formação de expectativa devam proceder redutivamente e permanecer refutáveis. Também a própria religião deve ater-se a formas de sentido acessíveis, deve representar o apre sentado. Mas ela, no decorrer de uma longa história, especializa os próprios esforços em representações que absorvem o risco da repre sentação. Daí resulta então o problema de uma especialização que torna consciente a função e seu risco”. *A função da religião, para Luhmann» é a de reduziria incerteza e a complexidade, de determinar aquilo que aparece indeterminado. de tomar acessível o inacessível. A própria dimensão sobrenatural torna-se útil enquanto serve para reduzir a complexidade. Mas, so bretudo, a religião é um sistema no qual a referência ao divino falta, aquele que dá significado está ausente. A única referência do sistema religioso é a si próprio. Ele é autopoiético, autocriativo, autocons- trutivo. Como oportunamente relembra Sérgio Belardinelli, ao introdu zir a edição italiana de Funktion der Religion de Niklas Luhmann [1991: 1], “qual seja propriamente a função da religião dentro da te oria dos sistemas é afirmado depois das primeiras linhas do texto: ‘representar o apresentado’ ” (p. 36). De apresentação falara também Schutz [1979: 267-278], remetendo-se à quinta das Meditações car- tesianas de Husserl [1960: 120], o qual falava justamente de “apre sentação” ou “percepção analógica”, uma modalidade que une, cons ciente ou inconscientemente, dois elementos diferentes, mas ligáveis entre si (por exemplo, a fumaça e o fogo). A percepção daquilo que se vê remete àquilo que não se vê: “a parte frontal, que é percebida na imediatidade ou nos é dada na apresentação, apresenta o atrás não visto de modo analógico”; portanto, “o termo que se apresenta, ou seja, que está presente na percepção imediata, está acoplado com o termo apresentado” [Schutz 1979: 268]. A apresentação supõe outra presença, da qual é apenas uma par te visível. É justamente este o limite da apresentação: não está em grau de representar aquilo ao qual remete. A religião procura fazer isso, ou seja, representar aquilo que não é representável; ela perma nece dentro de seu sistema mas parece aludir, mais do que outros sistemas, ao ambiente externo e, portanto, consegue de algum modo captar ao mesmo tempo sistema (interno) e ambiente (externo), ou seja, o mundo em seu conjunto. Além disso, a religião está ligada à contingência da realidade, motivo pelo qual o próprio Deus é um elemento contingente, exco- gitado para responder às instâncias de redução da complexidade. Outro ponto que merece atenção: a religião é um sistema dentro do qual se colocam aqueles que a ela pertencem como crentes; fora da religião há o ambiente dos não crentes, dos indivíduos não-re- ligiosos; uns e outros estão presentes no mundo. Ora, a Luhmann interessa não o problema de Deus como entidade transcendente, com o qual o crente se relaciona, e sim o da adequabilidade funcio nal da religião em relação à diferenciação da sociedade complexa contemporânea. Conforme a teoria sistêmica de Luhmann, a fun ção da religião está apenas em conexão com a relação entre sistema, ambiente e mundo. E a metadiferenciação (Ausdifferenzierung) da religião, que permanece um sistema parcial autônomo, consiste em sua capacidade de autotransformação e de auto-especialização, que se realizam não pela utilização de uma de suas funções internas de sistema parcial, mas pela recorrência ao sistema social global em cujos interesses ela satisfazuma função específica [Luhmann 1991: 54-55]. Em outras palavras, Luhmann [1991: 24-26] rejeita a idéia de uma “função sistêmica integrante”, típica da óptica de Durkheim; ao contrário, propõe dar atenção à diferença entre sistema e ambiente e aos processos construtivos de sentido. Ele considera que “a análi se funcional, diferentemente do proceder definitório categorizante, permite, e até exige, uma radicalização dos problemas de referência a classes inteiras de equivalentes funcionais. A imprecisão assim ad mitida é sem dúvida inevitável, ainda que possa ser evitada verbal mente - como quando definimos a religião em referência (ou como referência) ao sagrado, ao numinoso, ao superior. Com tais defini ções o processo da análise é bloqueado demasiado rapidamente. De masiado repentinamente elas se aproximam da experiência religiosa, do próprio objeto, de modo a provocar um curto-circuito. A análise funcional prefere, ao contrário, um aparato conceituai distanciado, que dá valor a conexões para o exterior, para a múltipla utilização dos conceitos, para a importação de práticas teóricas de outros âm bitos. Em relação aos próprios objetos ela acrescenta com isso a ca pacidade de decomposição e de recombinação”. Para além das afirmações luhmannianas, permanece, em todo caso, a dúvida de que a teoria sistêmica possa representar uma espé cie de camisa-de-força para a compreensão da religião, inserida em uma lógica férrea, que deixa pouco espaço para alternativas no âm bito das interpretações sociológicas possíveis. Na verdade, Luhmann [1991: 88-89] bem sabe que “um conceito de religião que se remeta unicamente a uma determinação funcional é freqüentemente critica do por causa de sua indeterminação. De um lado, ele é demasiada mente compreensivo, pois nele entram também modos de experiên cia vivida e de ação em geral, não considerados religiosos. Por outro lado, diz demasiadamente pouco, uma vez que uma indicação fun cional abstrata singular não basta para entender a variedade interna e os limites de variação da religião. Essas fraquezas da constituição funcional do conceito não podem ser eliminadas pela limitação da determinação funcional, por meio da indicação do como’ da satisfa ção de sua função e, portanto, descrevendo a religião, por exemplo, como fé em essências supra-humanas”. As funções a serem analisa das, portanto, são muitas, uma vez que “se queira fazer com que na teoria da religião se considere que todo sistema social e, portanto, também a sociedade deve resolver mais do que um único problema, tendo de satisfazer uma multiplicidade de funções. A capacidade de desenvolvimento de uma teoria funcional sistêmica e de uma teo ria funcional da religião terá como conseqüência conseguir ou não impulsionar a análise para além de meros catálogos de funções e de disfunções”. Não é secundária a capacidade da religião de enfrentar as inseguranças e reformulá-las. Com efeito, “ela interpreta eventos e possibilidades, correlacionando-os com a ordenação dotada de sen tido e tornando possível o aumento da insegurança tolerável” [Luh mann 1991: 88], U m a p r o p o s t a de d e f in iç ã o m e n o s r e d u t iv a À luz das diversas propostas, ora mais substantivas ora mais fun cionais, torna-se evidente o quanto convém, ao contrário, apoiar-se sobre definições mais abertas, polivalentes, não passíveis de serem inscritas em único horizonte explicativo ou em uma subentendida concepção confessional de referência. Em outras palavras, para a correta operação sociológica é oportuno e até indispensável prescin dir - o quanto possível - das noções experienciais subjetivas, situan do-se dentro de um espectro muito mais amplo, pluralista, universa- lista. Ou seja, é preciso utilizar um denominador comum que abrace o maior número possível de itinerários marcados por uma matriz religiosa qualquer. O difícil é, talvez, encontrar os constituintes de tal denominador, aplicáveis em momentos e lugares também muito diversos entre si. Um primeiro fator poderia ser representado pela noção de referência metaempírica na atribuição de significado para a existência humana, para a natureza em seu variado modo de se articular, aos eventos tanto quotidianos e repetíveis como singulares e excepcionais. Essa remitência a razões não experimentáveis dire tamente, não verificáveis objetivamente, deve, porém, ser assumida dentro dos confins de uma linha tendencial, porque em alguns casos os atores sociais religiosos (aqueles que de fato têm experiência do fenômeno religioso) podem prescindir de uma transferência de tipo metafísico, não verificável, e até considerar como objetiva, quase ma terializada, sua dimensão religiosa: pensemos no imanentismo, que considera toda questão dentro da única dimensão experiencial, ou nas visões de pânico, que atribuem força criadora à natureza. O caráter metaempírico, portanto, é uma hipótese tão somen te orientadora, uma espécie de conceito sensibilizante blumeriano [Blumer 1954], isto é, uma definição mínima inicial, em nível de orientação, que pode se diluir, adaptando-se às diversas situações concretas. Desse modo não se tem um contraste entre nível trans cendente e nível real. Substancialmente, é como se a partir de dois pontos de vista se olhasse para um mesmo objeto: a inervação de uma presença não humana na realidade e o enraizamento de um significado explicativo dentro da própria realidade. Uma das duas visões não exclui a outra nem a ela se opõe; ao contrário, pode haver então uma convergência que chegue ao mesmo resultado: a compre- ensão-explicação da vida em chave religiosa. Todavia, uma contribuição fundamental para a definição daqui lo que possamos entender e definir como religião vem também da pesquisa de campo, que orienta e verifica, sugere e precisa, precisa e põe em discussão os pontos de partida iniciais, junto com as defini ções provisórias que aí se encontram correlacionadas. P r im e ir a Pa r t e As ORIGENS 1 OS PRESSUPOSTOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS O MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO O início de uma aproximação científica no conhecimento do fato religioso é muito lento e parte de longe. Muito provavelmente é preciso remontar aoíséc. XVII :e, particularmente, à nova ciência galileana, ao racionalismo cartesiano e ao espinozismo, ou seja, à necessidade de libertar os estudos religiosos de hipotecas fideístas e ideológicas. Piergiorgio Grassi [1984: 54-55] escreve, com razão, que “hoje estamos em grau de individuar com maior clareza como o pen samento de Spinoza tenha entrado em circulação na cultura inglesa do fim do séc. XVII, influenciando o debate político e religioso, par ticularmente o da hermenêutica bíblica, que ele havia libertado da garantia de autoridade própria da confissão romana e da incidência, reivindicada pela confissão protestante, pneumática e sobrenatural (lumen super naturale), para restituí-la apenas à ratio. A origem judaica de Baruch (isto é, Benedito) de Spinoza, filho de cônjuges hispano-portugueses, que vive na Holanda de 1632 a 1677, é um dado que marca também a existência de outros estudio sos considerados fundamentais para o desenvolvimento das ciências da religião. Por outro lado, ele é submetido a várias críticas. Acusam- no de ser um “judeu”, “expulso por sua comunidade”, “morto sem assistência do clero e sem professar um Deus reconhecível”, “símbolo do ateísmo”, “filósofo ímpio e perigoso para a religião e para a socie dade”, mas também “homem simples e discreto”, “ateu virtuoso”, “só brio e frugal, obediente às leis de seu país, não desejoso de riquezas, de impecável moralidade”. Com essas premissas, citadas por Grassi, torna-se difícil imaginar uma sorte fácil para o Tractatus theologi- co-politicus de Spinoza, muito crítico em relação ao profetismo, ao miraculismo e aoteocratismo. Guardião ciumento de sua autonomia de livre-pensador, rejeita a sustentação econômica a ele oferecida por Luís XIV e uma cáte dra em Heidelberg, proposta pelo Eleitor Palatino. Luta contra os preconceitos que impedem o conhecimento da verdade e adota um método dedutivista, à moda de Descartes. Sua inspiração é princi palmente de ordem moral (que o aproxima, entre outros, também de Durkheim). Sustenta a superioridade do Estado sobre a Igreja. No entanto, seu objetivo permanece de qualquer modo, sendo a li berdade absoluta de poder expressar seu próprio pensamento. Tal li berdade não é desligada de uma ênfase racionalista, que representa a base do conhecimento científico, para a descoberta de leis aplicáveis em todo tempo e em todo lugar. A verdade é acessível por meio do processo dedutivo, que começa com a coleta das idéias auto-eviden- tes, claras e distintas, das quais partir para compreender a realidade, passando do geral para o particular. O método histórico-crítico spinoziano deve ser posto em estreita relação com as questões próprias da política, dentro da qual a liber dade de consciência aparece funcional para o advento de uma socie dade diferente, mais aberta a novas soluções, nisso compreendendo uma aproximação mais decisivamente secular do fato religioso. O pensamento de Spinoza tem certamente outras implicações mais estritamente filosóficas, mas aqui interessa sua ação de deses- truturação, de vanguarda em relação a perspectivas sucessivas, que estão mais orientadas em sentido meramente científico-sociológico. A TEOLOGIA CIVIL RACIOCINADA DA PROVIDÊNCIA EM VlCO (1668-1744) Apesar de sua aversão ao cartesianismo (e, portanto, de algum modo, às premissas filosóficas remotas de tipo racionalista e empí rico, que levaram ao nascimento da sociologia), Giambattista Vico contribui de modo relevante para uma mudança de perspectiva na análise do fenômeno religioso, graças a sua aproximação histórica das problemáticas filosóficas, que o leva a individuar na história da humanidade um caráter originário da religião e da idéia de Deus, uma vez que - como se lê no n° 8 da Ciência Nova - “o mundo civil começou em todos os povos com as religiões” [Vico 1983: 222], afir mação que depois foi retomada mais à frente no n° 176: “o mundo dos povos em todo lugar começou pelas religiões” [Vico 1983: 259]. Para Vico é a história (a ciência nova) que explica a sociedade, a natureza, a realidade em geral. A história tem suas leis e seus itinerá- rios (da era dos deuses, chamada de “puro ouvir”, passa-se à dos he- róis, definida pela “fantasia” e, finalmente, para a dos homens, domi- nada pela “razão”). Em outras palavras, “os homens primeiro ouvem sem perceber, depois percebem com espírito conturbado e comovi do e, finalmente, refletem com mente pura” [Vico 1983: 259]. Toda sociedade mostra as reverberações da era em que se coloca e, portanto, ela é de vez em quando teocrática, ou aristocrática, ou democrática. Todavia, ao terminar o ciclo (das três fases, ou eras) verifica-se uma crise e, portanto, recomeça tudo ex novo, ou seja, volta-se (com os ciclos, justamente) à era dos deuses. Dessa forma, volta a dominar o mito que resiste até o advento da terceira fase, a fase racional do homem. Esses diversos desenvolvimentos são presididos, para Vico, pela providência divina (Leitmotiv de toda a Ciência Nova). Com efeito, a história é uma espécie de “teologia civil raciocinada da providência”. A essa lógica se deve atribuir a leitura de Vico da “potência da reli gião”: “a providência divina deu princípio aos ferozes e violentos de chegarem à humanidade e a ela ordenarem as nações, com o desper tar nelas uma idéia confusa da divindade, que elas, por sua ignorân cia, atribuíram a quem ela não convinha: e assim, com o pavor de tal divindade imaginada, começaram a se colocar de novo em alguma ordem” [Vico 1983: 253]. Esta é a trigésima primeira das cento e quatro “dignidades” ou axiomas ou princípios da Ciência Nova: nela defende-se a capacidade da religião de desenvolver ação educativa também em condições difíceis, de modo a tornar dóceis e promoto res de ordem até povos habituados às armas e às violências. Todavia, uma antecipação desse postulado já se encontra na sétima “dignida de”, que “prova existir uma providência divina e que ela é uma divina mente legisladora, a qual, das paixões dos homens, todos apegados a suas utilidades privadas, pelas quais viveriam como animais fero zes dentro de solidões, delas fez as ordens civis por meio das quais vivessem em uma sociedade humana” [Vico 1983: 245-246], Torna- se clara, portanto, para além da inspiração religiosa pessoal de tipo providencialista, uma conexão precisa entre religião e sociedade, en tre crenças religiosas e ordenação civil. Pasquale Soccio observou a esse respeito que se trata de “uma teologia civil raciocinada da providência, ou seja - note-se o adje tivo civil - , uma providência divina, sem dúvida, mas que age por vias naturais, na formação de uma sabedoria humana vulgar, que depois deve se preferir à sabedoria dos tempos cultos; e fundada, ou seja, aqui demonstrada com a ordem natural e histórica das coisas e dos fatos humanos. Nos primórdios, principalmente, podemos des cobrir a obra da providência. Esta, agindo por ‘caminhos naturais apenas’, e descobrindo-se como impulso íntimo da razão, guiado pelo senso comum, no decorrer dos acontecimentos humanos, re gula e dirige os eventos humanos para a justiça e a sociedade e, portanto, para a civilização e o bem comum; e, por uma inevitável tendência à sociabilidade, também os eventos egoístas que se ilu dem ou se propõem seguir caminhos diversos e contrários’ ” [Vico 1983:214]. A “conclusão” da obra de Vico aparece como um elogio da reli gião: “os primeiros governos do mundo tiveram em sua inteira forma a religião, sobre a qual unicamente regeu-se o estado das famílias; daí, passando para governos civis heróicos ou aristocráticos, essa religião deve ter sido sua principal planta firme; depois, antecipando-se aos governos populares, a mesma religião serviu de meio para os povos aí chegarem; detendo-se, finalmente, nos governos monárquicos, essa religião deve ser o escudo dos príncipes. Daí que, perdendo-se a religião nosjDovos, nada lhes resta para viver em sociedade; nem escudo para se defenderem nem meio para se aconselharem, nem base em que se governem, nem forma pela qual eles de fato estejam no mundo” [Vico 1983: 599], A sucessão costumeira das três fases é aqui integrada pela monárquica, quarta e última. Desse modo, a centralidade da religião permanece uma constante, como “escudo” perene em apoio e garantia da convivência social e, portanto, como forma não eliminável na história social dos povos. Finalmente, Vico não refreia mais sua opção religiosa e proclama que “as religiões são aquelas unicamente pelas quais os povos fazem obras virtuosas pelos sentidos, que eficazmente movem os homens para operá-las”. O que acontece “com a diferença essencial entre a nossa cristã, que é verdadeira, e todas as outras, dos outros, falsas: que, dentro da nossa, faz virtuosamente operar a divina graça para um bem infinito e eterno, o qual não pode cair sob os sentidos e, em conseqüência, pelo qual a mente move os sentidos para as ações virtuosas”. Daí segue-se que “esta Ciência leva indivisivelmente con sigo o estudo da piedade, e que, se não se fosse pio, não se poderia verdadeiramente ser sábio” [Vico 1983: 600]. Os sucessivos desenvolvimentos da análise aplicada ao fato reli gioso, ao contrário, permitirão amplamente prescindir de uma pie- tas religiosa como indispensável para a sabedoria e o conhecimento científico. Portanto, a lição de Vico permanece utilizável apenas em sua parte de exame diacrônico, que esclarece as ligações estreitasen tre a religião e as diversas sociedades, que operam durante os séculos pesquisados pela Ciência Nova. A RELIGIÃO NATURAL DE H u M E (171 1-1776) O nascimento de uma disciplina científica como a sociologia da religião não é um acontecimento repentino. Nos anos que precedem tal evento assistimos a uma longa gestação que apresenta caracterís ticas alternadas: ora críticas, até impiedosas, em relação à religião e particularmente a suas formas organizadas, ora a defesa militante em favor desta ou daquela pertinência confessional; mais raramente emerge uma intenção mais neutra, ou seja, de mera análise social, mesmo que ainda não sociológica. Os caminhos a seguir para rastrear os pródromos de uma socio logia aplicada ao fenômeno religioso podem ser diversos. Uma via que parece contudo privilegiada é a do desenvolvimento relativo a uma filosofia da religião que, embora não seja propriamente a úni ca base das ciências sociais da religião, para isso contribui de modo não negligenciável. Por outro lado, o parentesco entre filosofia e so ciologia é um dado suficientemente levado em conta para requerer posteriores justificativas. Fique bem claro: não queremos sustentar que todos os estudiosos apresentados a seguir sejam etiquetáveis como proto-sociólogos da religião. Nenhum deles fez declarações em tal sentido e, com efeito, nem o podia, dado que era ainda totalmente desconhecido o próprio termo que teria indicado a ciência futurível da sociedade. Em todo caso, a contribuição de Hume, Feuerbach, Tocqueville, Marx, Berg son, aqui escolhidos pela significação histórica e espessura teórica, torna-se emblemática de uma atmosfera intelectual que daí a pouco teria dado lugar a considerações mais documentadas e a abordagens mais rigorosas no plano científico. As reflexões desses autores sobre a religião tornam-se um pon to de referência e também um discernimento. Depois de superar o impacto de perspectivas caracterizadas por grandes paixões ideoló gicas e por orientações filosóficas contingentes, será então possível iniciar um discurso mais sereno, menos estimativo, mais equilibrado segundo os cânones do conhecimento experimental. Como é sabido, torna-se fundamental depois, no fim do século XIX e nos inícios do século XX, a contribuição do positivismo, corrente filosófica à qual se deve o surgimento da sociologia. Para a sociologia da religião, na verdade, o fio vermelho a ser seguido é pouco perspícuo, não leva imediata e diretamente a Durkheim e a Weber a partir dos filósofos ativos entre os séculos XVIII e XIX. As pegadas são menos visíveis e devem ser procuradas com muito cuidado, com a finalidade de individuar filões especula tivos, atitudes culturais e propensões cognitivas que ponham a aten ção sobre o papel da religião na sociedade. O inglês David Hume (1711-1776) é o primeiro autor a se exa minar, por causa de sua análise do fato religioso, delineada essen cialmente sobre uma abordagem empírica. Ele fala de uma religião natural, busca suas raízes num plano histórico-antropológico e re conhece sua matriz no instinto, pois os indivíduos humanos seriam movidos por tnííatores decisivos: felicidade, miséria e morte. Não só o desejo de gozo e prazer, mas também o medo da pobreza extre ma e do fim da vida impelem o homem a procurar,explicações que a religião fornece de modo satisfatório, criando figuras antropomór- ficas _que.se tornam objeto de culto. Este último é um expediente salutar para vencer todo tipo de temores. Já desse primeiro impacto vemos a importância do pensamen to de Hume em relação tanto aos desenvolvimentos do empirismo, como também de uma teoria mais atualizada do conhecimento apli cada à religião e não submetida a hipotecas teológicas; ao contrário, limitada à percepção concreta da realidade e, portanto, sem hipóte ses sobre aquilo que não se consegue provar empiricamente. Não é por acaso que no mesmo clima cultural escocês, e edim- burguês particularmente, nasça e opere a assim chamada escola realista, que tem em Ferguson [1767] e Millar [1771] seus maiores expoentes e os antecipadores igualmente das pesquisas sobre a so ciedade civil (e aqui a influência de Montesquieu é evidente), com uma primeira colocação de hipóteses conceituais referidas a realida des sociologicamente importantes como as de grupo, de conflito, de propriedade, de “associação” (entendida como cooperação em vista de criar formas associativas, também compreendendo as religiosas), de divisão do trabalho, de anomia, de poder, ainda que nem sempre definidas nos mesmos termos em uso na sociologia atual. O filósofo, economista e historiador inglês - autor, entre outras obras, de uma célebre e monumental história da Inglaterra [Hume 1754-1762] - coloca-se, portanto, em um contexto que é já ampla mente favorável ao primado da abordagem empírica; todavia, se de um lado ele rejeita a “hipótese Deus” porque empiricamenteinsus- tentável, do outro, reconhece ao sentimento uma função importante para orientar a vida, razão pela qual as crenças do homem - embora privadas de fundamento racional - parecem legítimas à medida que sustentam a ética e a religião, como também outras experiências so- ' ciais que dão sentido à vida. O seu A Treatise ofH uman Nature [Hume 1739-1740], publi cado - sem o nome do autor - com um primeiro volume dividido em dois livros em 1739 e um segundo volume com um só livro em 1740, aparece dividido em três partes que falam de conhecimen to (primeiro livro), paixões (segundo livro) e ética (terceiro livro), discutindo, com certa audácia para a época, sobre questões religio sas, às quais se dá um alcance não usual, submetendo-as ao crivo da experiência. Mais difusas são depois as considerações de Hume em matéria religiosa, já aparecida parcialmente na supracitada obra anônima e retomada em Pour Dissertations: The Natural History o f Religion, o f the Passions, ofTragedy, o f the Standard ofTaste [Hume 1969] e principalmente em Dialogues Concerning Natural Religion [Hume 1983]. Para Hume, o sentimento está na base da religião, ao passo que a experiência se funda sobre percepções, impressões. Mas não faltam também as idéias, deriváveis dos dados experienciais e acompanha das por emoções, memórias e antecipações. O que permanece in- demonstrávej é a existência de Deus. Por isso, tanto o homem de fé como o cético compartilha a impossibilidade de explicar a idéia de Deus, figura antropomórfica apenas provável e não necessitada. Eis por que se depreende certo ceticismo também no crente. A mesma atitude crítico-cética investe a plausibilidade dos milagres [Hume 1758], não explicáveis de modo racional, também porque os pro gressos da ciência fazem descobrir sempre novos horizontes e expli cações ignoradas anteriormente. O milagre torna-se, portanto, algo que tem a ver com a superstição, enquanto o número das testemu nhas é freqüentemente reduzido, em geral falta concórdia entre elas ao falar do evento prodigioso, e depende muito do desejo do maravi lhoso. Principalmente, conforme Hume, “é a experiência apenas que confere autoridade ao testemunho humano; e é a própria experiência que nos dá certeza das leis da natureza. Quando, portanto, esses dois gêneros de experiência estão em contraste, não temos mais a fazer senão subtrair uma da outra e aceitar uma opinião, ou em uma ou em outra direção, com a certeza que deriva da experiência residual” [Hume 1971: 137], Com base em observações mais próximas de uma perspectiva sociológica, Hume salienta as diferenças entre povos que praticam o monoteísmo e os que se dedicam mais ao politeísmo. Enquanto os primeiros acentuam uma óptica racionalizante, os segundos per manecem ligados a uma abordagem menos crítica. Por outro lado, devemos ter presente que entre os politeístas temos maior aberturasocial e disponibilidade para aceitar mais facilmente posições diver sificadas [Hume 1969: 471. Além disso, no politeísmo a familiarida de com a dimensão metafísica é mais praticada, pois as divindades parecem muito próximas dos indivíduos humanos. Hume afirma que não pode existir nenhum conhecimento da quilo que não recai sob o controle da experiência. Seu método, su ficientemente próximo ao de Newton para a física, aplica-se à reali dade social, justamente como se esta fosse quase um âmbito de tipo físico. Esse corte analítico conota tanto o supracitado Um tratado da natureza humana [Hume 1739-1740] - obra juvenil e anônima que remonta à primeira estadia francesa (ocorrida em La Flèche, lugar já freqüentado por Descartes) e depois rejeitada - como o que refluiu nas obras posteriores (não mais anônimas). Em síntese, podemos dizer gue Hume não nega_a_B0ssibilidade da religião. De resto, como poderia, dado que a experiência - sua principal base de referência - mostra plenamente a subsistência da fenomenologia religiosa? Sua atitude crítica e cética refere-se, por tanto, principalmente à evidência do fato religioso, do qual não pare ce possível fornecer nenhuma prova por meio da observação empíri ca e da razão. As crenças religiosas são, portanto, sentimentos e não conhecimentos rigorosos. Mas o gênero humano está, com efeito, mais atento aos movimentos do sentido do que aos da razão. A preocupação principal de Hume [1751] permanece de natu reza moral, apesar de seu ceticismo de fundo. A ligação entre ética e religião não é casual. Ele, com efeito, contesta certo debate sobre a moral ou o modo fanático de viver a experiência religiosa, mas não nega inteiramente nem uma nem outra. Ao contrário, é seu próprio espírito morigerado que o leva a desdenhar o miraculismo da reli gião e suas eventuais pretensões de racionalidade e de fundamenta ção empírica. A sensibilidade de Hume em relação à moral parece muito mais antecipar alguma preocupação semelhante que podemos encontrar também em Durkheim, mais de um século depois. Não é por acaso que Hume, justamente como Durkheim, se interesse pela problemática do suicídio [Hume 1777], em um ensaio já pronto em 1757, mas publicado postumamente vinte anos depois. A pecha de filósofo ateu impede que o filósofo empirista esco cês obtenha uma cátedra universitária. Em 1761, a Igreja Católica põe seus escritos no índice dos livros proibidos (Index librorum pro- hibitorum). Estudioso muito controvertido em seu tempo e amigo influente do economista Adam Smith, mantém entre outras coisas uma célebre disputa com Rousseau (ajudado por Hume a se refu giar em Staffordshire, para fugir de seus perseguidores franceses, que o consideravam revolucionário por causa de suas idéias morais igualitárias e libertárias). Embora antimetafísico por antonomásia, o filósofo escocês conta entre seus freqüentadores diversos membros do clero. Permanece descrente até o último instante, principalmente porque não crê na imortalidade da alma, como escreve em um tra balho seu, editado porém apenas depois de sua morte [Hume 1777]. Apesar disso, seus compatriotas o chamam de “São David”. Seu indutivismo empírico não é estranho ao desenvolvimento do pensamento positivista de Auguste Comte, o assim chamado pai da sociologia, e antecipa a opção científica desenvolvida por Peter Berger [1984: 114] como ateísmo metodológico, que deriva da ne cessidade de prescindir de tudo o que não é empiricamente docu- mentável. Por isso, parece singular que o pensamento de Hume não tenha recebido até agora muita atenção por parte dos historiadores do pensamento sociológico, das ciências sociais - salvo alguma me ritória exceção [Filoramo, Prandi 1991: 65-67] - e principalmente por parte dos filósofos da religião. Estes últimos, em rara harmonia acadêmica, parecem tef formulado quase unanimemente - exceto Bucaro [1988: 50-57] e Olivetti [1992:226-228] - um julgamento de damnatio memoriae, condenação ao esquecimento para o estudioso de Edimburgo. Não podemos, portanto, deixar de compartilhar o que afirma Olivetti [1992: 225-226]: “a filosofia da religião, quando nasceu e se desenvolveu como disciplina filosófica específica, con figurou-se precisa e essencialmente como uma teoria da socieda de - ou da comunidade - religiosa e/ou como teoria da sociedade überhaupt”, ou seja, em geral. Essa dupla característica sociorreli- giosa em particular e social em geral é posteriormente confirmada justamente com referência específica a Hume: “a filosofia da religião (e o próprio nome ‘filosofia da religião’) nasce historicamente e se constitui como disciplina depois da crise da metafísica ontológica. Isso é verdade não só para a tradição ‘continental’, kantiana e pós- kantiana, mas também e ainda mais para a tradição empirista anglo- saxã (pensemos, por exemplo, nos Diálogos sobre a religião natural de Hume)”. Além de Hume, outro filósofo deve ser mencionado por seu in teresse pela dimensão religiosa: Friedrich Daniel F.rnst Schleierma cher. pastor e pregador protestante, docente de teologia dogmática na universidade de Berlim, nascido em 1768 e falecido em 1834. Ele \ L considera a religião essencialmente como um “sentimento de depen- dência absoluta” do ser finito em relação ao infinito, entendido como realidade do mundo ou também como Deus. O “sentimento” ou “au- toconsciência absoluta” é a consciência religiosa de um ser divino. Esse Deus é o todo. A perspectiva, portanto, é spinoziana e panteís- ta, porque atribui à religião uma autonomia absoluta em relação a outras esferas da atividade humana e, portanto, também da forma histórica das igrejas. A sociedade e a própria religião aparecem como um conjunto de relações de indivíduos em desenvolvimento que, com suas particula ridades, encontram seu lugar no âmbito do infinito. A religião, por tanto, não deve ser levada em consideração, nem em chave de mo ralidade nem de racionalidade científica. Prevalece definitivamente o sentimento religioso, bem distinto da institucionalização da reli gião. Do fetichismo primitivo ao politeísmo da era clássica, e depois até o cristianismo, a religião foi se aperfeiçoando gradualmente em termos de experiência subjetiva interior. E da experiência religiosa, do sentimento (Gefühl) religioso se desenvolve uma “piedosa auto- consciência” (e uma comunicação) que gera “piedosas comunida des”, entre as quais a igreja cristã. “Era religião a dos antigos, quando, aniquilando os limites do tempo e do espaço, eles consideravam toda forma original de vida, em todo o mundo, como a obra e o reino de um ser onipresente: eles haviam percebido na sua unidade um modo original de agir do Universo e indicavam sua intuição com tal nome de ser onipresente... Era religião, quando se elevavam para além da dura e férrea era do mundo, cheio de cisões e de desigualdades, e procuravam no Olimpo, entre a bem-aventurada vida dos deuses, a era de ouro... Considerar todos os acontecimentos do mundo como ações de um Deus é religião, porque desse modo se exprime sua re lação com um Todo infinito” [Schleiermacher 1799: II]. Conforme a óptica de Schleiermacher, as doutrinas e os dog mas têm uma importância secundária, como se lê em sua obra mais conhecida, publicada anonimamente em 1799 e intitulada Sobre a religião. Discursos dirigidos às pessoas cultas entre aqueles que a des prezam (mas não devemos deixar de lado sua outra obra, chamada A f é cristã, que foi publicada em 1821 e evidencia ao máximo o método indutivo aplicado à experiência religiosa cristã: é a partir da “piedosa autoconsciência” imediata que se passa para soluções institucionais). Na verdade, a própria instituição religiosa vem apenas depois do sen timento religioso, depois da experiência, termo este preferido tam bém por Peter Berger [1987:135], segundo o qual “uma das críticas fundamentais feitas contra Schleiermacher foi que seu método era o antecipador do de Feuerbach. Seria mais justo dizer que o método de Schleiermacher é o oposto do de Feuerbach. Este último (...) procu rou reduzir o infinito ao finito, traduzir a teologia em antropologia. Ao contrário, Schleiermacher, em seu fazer teologia, utiliza apenas um ponto de partida antropológico, e vê o finito penetrado pelas manifestações do infinito. Em sua discussão sobre os milagres (um momento de delicada sensibilidade no ambiente intelectual saturado de racionalismo iluminista), ele argumenta que o mundo está cheio deles, no sentido de sinais e presságios do infinito até nos eventos mais naturais e comuns” [Berger 1987:136]. De Schleiermacher e do conceito de “sentimento de dependên cia absoluta” toma sucessivamente impulso para sua concepção do sagrado Rudolf Otto [1984]. Afim ao método indutivo de Schleier macher é também o projeto analítico de William James [1945]. A ESSÊNCIA ANTROPOLÓGICA DA RELIGIÃO EM FEUERBACH (1804-1872) Coloca-se em geral sobre posições atéias (por ele próprio ne gadas, porém) também Ludwig Andreas Feuerbach, filósofo bávaro de origem, que depois dos estudos teológicos em Heidelberg passa a freqüentar cursos de filosofia em Berlim, onde é aluno de Hegel. Também Feuerbach pensa no culto como expediente projetivo das qualidades humanas, motivo pelo qual a própria Trindade se coli garia a características igualmente típicas do gênero humano: razão, vontade e amor. Sua teologia humanista o leva a sustentar que justa mente por meio do ateísmo a humanidade torna-se objeto de culto (que ultrapassa as imperfeições do indivíduo), tornando praticável uma “Religião da Humanidade” (projetada também por Auguste Comte). Da mesma forma que Hume, Feuerbach [1830] escreve um en saio anônimo, Pensamentos sobre a morte e sobre a imortalidade, em que mostra não crer na imortalidade (o que o faz perder o magisté rio universitário). Publica depois os ensaios Sobre a filosofia e o cris tianismo [Feuerbach 1839] e A essência do cristianismo [Feuerbach 1960], argumentando no primeiro sobre o desaparecimento do cris tianismo, que se teria reduzido a mera idéia. No segundo, limita a religião apenas à*consciência doinfinito^e, mais uma vez, justamen- te como pai® Hume^Deus seria apenas uma projeção do homem (esta é a essência antropológica da religião, contraposta à teológica que, ao contrário, põe Deus fora da realidade terrena, tornando-o objeto de um materialismo religioso, constituído por sacramentos, devoções e crenças na revelação); dessa forma, confirma-se que o Deus da bondade, o Deus do amor, o Deus dos princípios éticos é uma “ilusão”, que corresponde de fato a equivalentes necessidades da natureza humana. O projecionismo religioso e humanocêntrico de Feuerbach leva a uma auto-interpretação humana do fato religioso, a uma antropo logia materialista e a uma rejeição de toda forma de mito e, portanto, a uma demitização da religião por meio da humanização de Deus. H Para Feuerbach não é o homem à imagem de Deus, mas é este últi- mo que resulta uma sombra projetada pelo próprio homem, que se “auto-aliena” no absoluto da divindade. A religião, e a cristã em par ticular, é a relação do homem com sua essência. Deus, pois, é fruto da mesma essência humana, que é elevada ao plano metafísico e se torna objeto de devoção. O divino é, de qualquer modo, profunda e essencialmente humano. O homem natural (ecoa aqui a religião na tural de Hume) se auto-realiza na relação com outro homem ou com Deus, em uma forma dialógica gratificante, de tipo igualitário, que é retomada, no lado judaico, em 1923, pelo filósofo religioso e social Martin Buber em seu conhecido ensaio lch und Du (Eu e Tu) e, no lado protestante, pelo teólogo-pastor Karl Barth (fautor do antina- zismo, inspirador de Dietrich Bonhoeffer e teórico do ecumenismo) com a publicação, em 1919, de sua obra Rõmerbrief (Epístola aos Ro manos) e de outras seguintes, sobre as relações Deus-mundo. A respeito do papel central desenvolvido por esse tipo de dialéti ca, merece ser citada uma avaliação feita por Buber [1952]: “Feuerba ch introduziu a descoberta do ‘Tu, que foi definida como o empreen dimento copernicano’ do pensamento moderno e um ‘acontecimento fundamental’, igualmente digno de conseqüências como a descoberta do Eu por parte do idealismo, e que deve necessariamente levar a um segundo novo ponto de partida do pensamento europeu, superior ao primeiro impulso cartesiano da filosofia moderna. Também a mim deu o impulso determinante já desde os primeiros anos da juventude” [Buber 1952: 62, citado por Gollwitzer 1970: 61-62, nota 34]. É ape nas o caso de acenar para o fato de que, se ao método experimental de Descarte^se pode fazer remontar de algum modo o delineamento científico, em campo sociológico*nãojestá forade lugar lançar a hipó- tese de que à antropologia de Feuerbach deva-se atribuir certo papel para o desenvolvimento de uma abordagem não mais apenas metafí sica na análise da fenomenologia religiosa. Os temas de Feuerbach, embora criticados, representam uma base fértil, portadora de desenvolvimentos decisivos. Com razão se afirma que “Feuerbach funda ao mesmo tempo a centralidade do homem como indivíduo e como gênero, e que insere uma dinâmi ca de pensamento que contribui para todas as ciências, no quadro de uma revolução antropológica em sentido imanentista” [Bucaro 1988:62]. Devemos dizer também que Feuerbach está à procura de uma composição do conflito entre razão e sensação (com clara preferência por esta última). Mas, ao mesmo tempo, ele convida a passar da prece para o trabalho, da relação com Deus à relação com os outros seres humanos, da tensão para o outro mundo para a tensão na direção do mundo presente?^, essência do homem não está em Deus e na reli- gião, e sim no próprio homem. Deus e a religião são uma alienação, um sair do homem para fora de si mesmo. É preciso, ao contrário, voltar ao homem, antropologizando a religião e Deus, por meio da consciência de que se trata de projeções humanas. Negando a Deus e à religião, se afirma o homem. E. portanto, o homem se torna Deus, não o contrário. O humanismo torna-se. então, uma forma de ateísmo. Expoente da assim chamada esquerda hegeliana, Feuerbach re jeita a quase-religião, representada pela filosofia idealista de Hegel (o qual põe a essência das coisas na idéia, em função da qual existe toda a matéria), e inclina-se para um tipo de materialismo mais realista e sensista, que abre o caminho para Marx e Engels, mas igualmente a uma forte crítica - escrita em 1845, mas publicada postumamente, com o título Teses sobre Feuerbach - de Karl Marx [1888], que o acu sa de escassa sensibilidade “revolucionária” (I tese), enquanto teria distinguido entre teoria e prática, entre pensamento e atividade hu mana sensitiva, negligenciando passar da interpretação do mundo para sua mudança (XI tese). Mas, devemos salientar principalmente o que é dito por Marx em sua IV tese: “Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo em mundo reli gioso, imaginado, e mundo real. Seu trabalho consiste em resolver o mundo religioso em sua base mundana. Foge-lhe que, realizado esse trabalho, resta ainda a fazer a coisa principal. O fato, justamente, de que a base mundana separa-se de si mesma e se fixa nas nuvens como um reino independente, que se pode explicar apenas com a autocisãp e com a contradição dessa base mundana consigo mesma. Esta deve, portanto, primeiro ser compreendida em sua contradi ção e depois revolucionada praticamente por meio da eliminação da contradição”. Ainda mais explícitas, para os fins de uma perspectiva socioló gica, são as teses VI e VII: “Feuerbach resolveo ser religioso no ser humano. Mas o ser humano não é uma abstração imanente no indi víduo particular. Na sua realidade, ele é o conjunto das relações so ciais”. Em poucas palavras, Feuerbach não captaria, segundo Marx, a dimensão do indivíduo como ser social e o isolaria em seu sen- timento religioso subjetivo compartilhado, como um fato natural, por todos os outros indivíduos: “Feuerbach, portanto, não vê que o próprio ‘sentimento religioso’ é um produto social e que o indivíduo abstrato, que ele analisa, pertence na realidade a uma determinada forma social”. Sem dúvida^Marx não é um sociólogo, mas suas re- flexões - ao menos nessas passagens de suas Teses sobre Feuerbach - têm uma valência sociológica. " Ó p io d o p o v o " e " s u s p iro d a c r ia t u r a o p r im id a " p a ra M a r x (1818-1883) Karl Marx, nascido em uma família alemã de origem judaica, que depois se converteu ao luteranismo, não oferece, como em geral se acredita, uma visão monovalente da religião. Ele escreveu [Marx 1960: 425] que “a miséria religiosa é, de certo modo, a expressão da miséria real e, de outro modo, o protesto contra a miséria real”. A solução “miserável” da religião derivaria em particular das contin gências de miséria material, mas teria também a função de tornar manifesta a não aceitação do estado de fato e abriria o caminho para a rebelião, para a revolta contra toda forma de escravidão. Com efei to, “a religião é o suspiro da criatura oprimida, o sentimento de um mundo sem coração, o espírito de situações em que o espírito está ausente. Ela é o ópio dos povos”. O anseio religioso é, portanto, tam bém uma aspiração social para se libertar da opressão, para superar as condições carentes de “espírito” porque extremamente necessita- da^No entanto, é a própria religião que impediria um passo poste; rior, o do protesto (como impulso para jt mudança) para uma verda- deira e própria ação dejsubversão do status quo. Em poucas palavras, para Marx a religião não é suficientemente operativa, permanecendo no limiar da revolução, sem jamais atravessá-lo. Devemos ter bem presente que em Marx as relações sociais (ne las compreendendo as relações de produção) são fundamentais, ex plicam muitas dinâmicas, permitem ao mesmo tempo a mudança e a conservação do existente. Ora, os diversos processos de alienação do objeto (o produto do trabalho que se torna estranho ao operário), de auto-alienação (motivo pelo qual quem trabalha não se realiza em sua atividade produtiva, perdendo simultaneamente sua ligação com a humanidade) e de alienação social (como conseqüência não só da estranheza recíproca entre os seres sociais, mas também pela pertença do produto do trabalho a outro sujeito que dele se apropria e dele tira proveito) se reproduziriam também na religião. Com efei to, “quanto mais o homem põe em Deus, menos ele conserva em si mesmo” [Marx, Engels 1974: 2981. Oportunamente, Bucaro [1988: 67] nota, a respeito, que “em nível de tipologia expressiva, Marx se serviu do conceito feuerba- chiano de alienação religiosa. Quanto aos conteúdos, ele inverte o conjunto do pensamento feuerbachiano, remetendo o todo à aliena ção da relação do operário com o produto de seu trabalho, e conside rando essa alienação a fundamental, que dá origem a todas as outras formas de alienação. A alienação religiosa serviu para Marx apenas como tipologia-base da alienação fundamental, a do objeto do ope- rário em relação a quem o produziu. Aalienação religiosa, portanto, não é a primeira nem a fundamental para Marx. Aqui reside a pro funda diferença do pensamento de Marx com toda a filosofia prece dente, incluindo Feuerbach. A religião não é o resultado dos desejos alcançados, embora sempre sonhados pelo homem; ela nasce como produto da inversão total em que a sociedade se encontra. De tal inversão a religião torna-se a consciência teórica”. A religião, porém, tem sobretudo um caráter ideológico, principalmente à medida que contribui para a manutenção da sociedade capitalista. Enquanto sis- tema de idéias, a religião corresponde aos interesses de uma classe específica ou de classes específicas (as dominantes). E então ela se torna uma ilusão que de algum modo impede de agir em chave anti- burguesa e anticapitalista. Como teoria geral do mundo, a religião não é, porém, apenas “ópio do povo” e “exploração de classe”, enquanto ela é também “sa bedoria do outro mundo”, mas também forma particular do saber, embora privada de liberdade e de racionalidade. As próprias referências à divindade são o fruto de uma constru- ção social, da realidade. “Este Estado, esta sociedade, produzem a re ligião, uma consciência invertida do mundo, justamente porque eles são um mundo invertido” [Marx 1965: 125]. Esta citação, todavia, propõe novamente a velha questão: a da confusão entre análise teóri ca da religião e sua utilização em chave política. Marcello Fedele, em sua introdução a uma antologia de escritos de Marx e Engels [1973: 42] sobre a religião, recorda justamente que, com freqüência, ao re tomar a discussão sobre marxismo e cristianismo, se “substituiu o problema lógico-sociológico da natureza da ideologia religiosa, pela perspectiva parcial e limitada da análise histórico-política dos con teúdos sociais do cristianismo e de sua doutrina”. O corte analítico de Marx parece, na verdade, redutivo em rela ção ao proposto por Feuerbach, que pensava, ao contrário, em uma perspectiva global do homem, em sua totalidade, não limitada à úni ca dimensão socioeconômica. Nesse sentido, explica-se no filósofo de Trier a transição do objetivo cognoscitivo da realidade religiosa para a superação dela, ou melhor, para seu desaparecimento como condição para o advento de uma sociedade sem classes em que nem sequer o ateísmo (além do teísmo) tem razão de ser. De resto, a ne gação de Deus não é necessária em uma situação governada pelo so cialismo baseado sobre a “consciência positiva” que o homem tem de si. Em poucas palavras, o objetivo indicado por Marx é a fundação de uma “verdade do aquém”, que não leve em conta o “céu”, a não ser como parte da natureza. A própria felicidade deriva da supressão da religião, uma vez que assim se eliminam as ilusões fantásticas que impedem que a essência humana possua a “verdadeira realidade”. '* Lutar contra a religião é, para Marx, fundamental, pois significa lutar contra a realidade dada. Dito em termos mais explícitos, “a crí tica da religião elimina toda ilusão para o homem, a fim de que ele pense, aja, forme sua realidade como um homem sem ilusões, que alcançou a idade da razão, para que gravite em torno de si mesmo e, por isso, em torno de seu verdadeiro solTA religião não é mais que o sol ilusório, que se move em torno do homem, enquanto este não se mover em torno de si mesmo” [Marx 1960: 425]. A crítica da religião é um fio condutor não eliminável de todo o percurso seguido por Marx (tanto jovem como adulto). Disso é bem consciente e incansável sustentador (à parte, sem dúvida, mas atento e muito documentado) Luciano Parinetto [1976: 73]: “enten der o arcano da alienação religiosa é, com efeito, a propedêutica para entender o arcano da form a de mercadoria. Quem é treinado nas su tis mistificações da religião está em grau de captar também as do capital e delas se precaver. Não é bom crítico do capital quem não é bom crítico da religião. A analogia entre fetichismo das mercadorias e religião torna-se ainda mais eficaz quando se trata de perceber que também o objeto religioso tem uma aparência de independência em relação a seu produtor humano, justamente como as mercadorias o têm em relação aos trabalhadores”. O filão de uma sociologia marxista da religião não teve particu lar consistência e pregnância (como, ao contrário, é verificável em outros ramos especializados,do econômico ao político), com exce ção da produção de Otto Maduro [1979], 2 A RELIGIÃO UNIVERSAL de C o m te (1798- 1857) Secretário de Saint-Simon (socialista e propugnador de um novo cristianismo, fundado sobre a ética da fraternidade), inventor do ter mo “sociologia” e expoente máximo do positivismo aplicado à análi se social, o filósofo francês Auguste Comte põe toda a sua confiança na capacidade da ciência de resolver os problemas da humanidade (definida como “Grande Ser”). Ele próprio se auto-proclama grão- sacerdote da ciência, a qual caracteriza o último dos “três estágios” da evolução humana; depois do “teológico”, com explicações que re metem aos deuses, e do “metafísico”, baseado sobre abstrações puras, chega, com efeito, o estágio “positivo”, que observa e correlaciona os fatos concretos. Será finalmente a “filosofia positiva” que coordena rá as diversas ciências, entre as quais a sociologia, a disciplina mais complexa, da qual se exige a função de presidir ao desenvolvimento da sociedade. “Nem a filosofia metafísica, que consagra espontaneamente o egoísmo, nem a filosofia teológica, que subordina a vida real a um destino quimérico, puderam jamais fazer diretamente emergir o pon to de vista social, como o fará, por sua natureza, essa nova filosofia, que o toma necessariamente como base universal da sistematização final. Esses dois regimes precedentes eram tão pouco adequados para permitir o desenvolvimento de sentimentos puramente benévolos e plenamente desinteressados, que freqüentemente levaram a negar dogmaticamente sua existência, um com base em inúteis sutilezas es- colásticas, o outro sob a inevitável influência das contínuas preocupa ções relativas à salvação pessoal” [Comte 1967: II, 723-724]. Embriagado pela idéia de uma “Religião da Humanidade”, Comte funda seu culto trinitário baseado justamente sobre o “Gran de Ser” (o gênero humano), sobre o “Grande Fetiche” (a terra) e so bre o “Grande Meio” (o espaço). Além disso, ele põe no centro de sua atividade intelectual o altruísmo (termo por ele inventado), que justamente na religião da humanidade encontra sua celebração e rea lização. Os conteúdos essenciais dessa religião universal são enun ciados no Catéchisme positiviste [Comte 1852], Todavia, permane cem fundamentais para o conhecimento de Comte o célebre Cours de philosophie positive [Comte 1967], e depois o Système de politique positive, ou Traité de sociologie instituant la religion de Vhumanité [Comte 1851-1854]. Para Comte a humanidade é constituída por todas as gerações, tanto passadas, como presentes e também futuras, que contribuem para a ordem universal, convergindo com um impulso generoso no “viver para os outros”. O próprio positivismo se torna uma religião, não só a “verdadei ra”, mas também “completa e real”, bem diferente do teologismo dos inícios e do metafisicismo do estágio intermediário. Raymond Aron, que continua mais crítico em relação ao pen samento comtiano é, contudo, induzido a admitir que “a religião de Auguste Comte que, como se sabe, não obteve grande sucesso mun dano, é menos absurda do que em geral se acredita. Em todo caso, parece-me de longe mais elevada do que muitas outras concepções religiosas ou semi-religiosas que outros sociólogos, deliberadamente ou não, difundiram’. Portanto, “se for necessário extrair uma religião da sociologia, coisa que pessoalmente evitarei fazer, a única que a rigor me parece concebível é. afinal de contas, a de Comte”. De resto, “a que Auguste Comte quer que amemos não é a hodierna sociedade francesa, nem a sociedade russa de amanhã, nem a americana de depois de amanhã, mas a excelência de que foram capazes alguns homens e para a qual todos os homens devem se elevar” [Aron 1981: 131}. Esses homens excelentes são os santos da religião universal comtiana, venerados pela filosofia positivista na capela parisiense da Rue Payenne 5 (recentemente reaberta para o público). Aron nota ainda a respeito que “o ‘Grande Ser’ não é a totalidade dos homens, mas o conjunto daqueles que sobrevivem em seus descendentes, porque viveram de modo a deixar uma obra ou um exemplo” [Aron 1981: 130-131], A inspiração comtiana para a humanidade é, muito provavel mente, de derivação saint-simoniana, na qual se considera que já nas Lettres dun habitant de Genève à ses contemporaines de 1802-1803 se lê a respeito de uma “religião da ciência”, e particularmente da religião “como uma invenção humana, como a única instituição po lítica que tende por natureza a dar à humanidade uma organização geral” [Saint-Simon 1975: 139]. Comte, portanto, a exemplo de seu inspirador, persegue um ideal de humanidade organizada, regulada por um fator unificante de grande porte como a religião, também amamentadora de conotações sociopolíticas, à medida que facilita e melhora a convivência. Seu solidarismo como objetivo de fundo em resposta à crise de sua época antecipa de algum modo as instâncias durkheimianas que mais tarde porão em campo abordagens muito semelhantes. Podemos dizer que o tema da ordem reúne os dois so ciólogos franceses, mas, no fundo, podemos divisar também a figura de Saint-Simon. É talvez sustentável que haja uma “religiosidade” tendencial na sociologia positivista de Comte. Isso se manifesta de modo explícito e sem provocar conflito com sua opção principal a favor da obser vação dos fatos. Sua “física social” (depois chamada de “sociologia”) postula - capaz como ele é pela sua formação politécnica - o rigor da ciência na análise dos fenômenos, porém trata a religião de modo in teiramente peculiar: ele a considera em suas longínquas origens his tóricas (no estágio teológico), refuta suas formulações mais abstratas (no estágio metafísico) e conclui a obra com um armazenamento das soluções tradicionais do cristianismo e do catolicismo, julgadas como inadequadas para fazer melhorar os destinos da humanidade, que devem ser confiados, ao contrário, à sua filosofia positivista e particularmente à “Religião da Humanidade”. Tal aproximação histórico-comparativa não se contenta com os fatos, mas procura também leis que devem ser verificadas por meio do típico dedutivismo hipotético, tirado da física. Disso resulta, en tre outras coisas, um quadro diacrônico amplo e pontual, que atesta como no passado as ciências libertaram a humanidade de hipote cas, primeiro de tipo teológico e depois metafísico, fazendo o gênero humano progredir de um nível infantil para um grau adulto mais consciente. As próprias ciências, por outro lado, se tornam úteis para uma reconstrução de teorias sociais em grau de representar a “base espiritual permanente da ordem social”. A superposição entre nível científico e nível espiritual é freqüen te em Comte, como bem se percebe tanto em sua relação com Clotil- de de Vaux (sua musa inspiradora, “santa companheira”, “sacerdotisa da Humanidade”) como na realização da “capela da Humanidade” junto à casa de Clotilde. Sobre a fachada do edifício encontra-se uma inscrição que já havia ilustrado as capas de ensaios publicados por Comte (veja-se, por exemplo, o volume, citado acima, com o título Catéchismepositiviste [Comte 1852], que traz: “L’ Amour pour príncipe; L’Ordre pour base, et Le Progrès pour but”): “Religião da Humanidade. O Amor como princípio; a Ordem como base, e o Pro gresso como objetivo” A capela, na verdade, remonta a 1900 e foi desejada por um grupo de positivistas. Hoje nela tem sede uma associação cultural, denominada Apostolat Positiviste. Quase tudo é retomado da lingua gem eclesiástica. Para as datações, é usado um “calendário do positi vismo religioso” (dividido em 13 meses, cada um com 28 dias), que no lugar dos nomes costumeiros (dos meses e também dos dias) in dica os de personagens ilustres, como Aristóteles ou Gutenberg. Na capela
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