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A conciliação diante da política judiciária de tratamento adequado de conflitos1 ERIÇA BARBOSA E SILVA2. FERNANDA TARTUCE1. L Introdução. 2. Contextualizaçào do tema. 3. Autocomposiçào, conciliação e transação 4. Suposta necessidade de ceder. 5. Au loco mpo si cão: unilateral (renúncia) x bilateral (transação) 6. O indevido estimulo à renuncia de direitos e a conciliação compulsória. 7. Celeridade e informalismo 8 Formação e profissionalização do conciliador. 9. Técnica adequada e diferentes conflitos 10. Nova justiça? Algumas conclusões I I Bibliografia. 1. Introdução O presente artigo tem por fim homenagear um dos maiores defensores do processo civil brasileiro, José Ignácio Botelho de Mesquita. Não só com a sua obra, mas principalmente com seus ensinamentos, o Professor buscou, em toda a sua atuação docente, aguçar o senso critico de seus alunos, não havendo dúvida sobre o êxito em sua missão: quem teve com este Mestre contato não passou imune e foi certamente, de alguma maneira, por ele tocado. Nesta ocasião, brindamos o homenageado com estas singelas linhas sobre a da conciliação, instituto cada vez mais presente nas atividades judiciárias e que foram objeto de apurada e fundamentada crítica por parte do Mestre. A Resolução n° 125 do Conselho Nacional de Justiça, datada de 29 de novembro de 20104, sedimentou a busca pela implementação nacional de uma política 1 Artigo elaborado em 2011. 2 Mestre e Doutora em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual - (BDP. Membro do Núcleo de Estudos de Mecanismos de Solução de Conflitos - NEMESC/USP. Professora de Processo Civil e Registros Públicos em cursos de especialização. Conciliadora do Setor de Conciliação da Comarca da Capital de São Paulo. Tabeliã de Notas e Oficiala Registradora em Mogi das Cruzes-SP. 3 Mestre e Doutora em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Professora do Programa de Pós Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Faculdade Autónoma de Direito - FADISP. Professora e coordenadora em cursos de especialização em Direito Civil e Processual Civil na Escola Paulista de Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Instituto Brasileiro de Direito de í-amilia (IBDFAM).do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo) e do Núcleo de Estudos de Mecanismos de Solução de Conflitos (NEMESC/USP). Advogada orientadora do Departamento Jurídico XI de Agosto (USP). Mediadora e autora de obras jurídicas. l diferenciada de justiça pautada no tratamento dos conflitos por meios consensuais e não apenas na adjudicação que conhecemos pela prolação de sentença. Cumpre indagar: estaria sendo inaugurada uma nova Justiça, conforme nos alertou outrora o homenageado 5? Sendo a resposta positiva, quais as vantagens e desvantagens desse novo Sistema? A proposta deste trabalho é fomentar a busca destas respostas. 2. Contextualizacão do tema A crise do Judiciário6 é um fenómeno que pode ser caracterizado principalmente pelo extraordinário número de processos, pela lentidão na tramitação dos feitos, pela falta de previsibilidade das decisões, pela pouca efetividade dos julgados, pelo número expressivo de recursos e pela utilização predatória da Justiça estatal. Diante desse fenómeno, o Poder Judiciário foi por vezes taxado de lento, imprevisível e ineficiente , o que incentivou uma série de reformas processuais8. ^A integra da resolução está disponível em <http://www.cnj.jus.br/aios-adminisiraiivos/aios-da- presidenciV323-resolucoes/12243-rcsolucao-no-l25-de-29-dc-novembro-de-2010>. Acesso em 24 jun. 2011. 5 Ct". MESQUITA, José Ignácio Botelho de, "As novas tendências do direito processual: uma contribuição para o seu rccxame",, in Revi.sfa Forense, São Paulo, v. 361, maí-jun. 2002, p. 47-72.. Segundo o autor, "Na verdade, só há duas formas de reduzir o tempo necessário para a realização de um trabalho. Uma é aumentar o número dos componentes empregados na produção Outra é o aperfeiçoamento da tecnologia. O processo novo oferece apenas uma mudança da tecnologia, aplicando à jurisdição contenciosa a tecnologia da jurisdição voluntária. Essa mudança pode levar a uma diminuição do tempo do trabalho, mas importa alteração da natureza do resultado O produto final não é o mesmo que o visado pela jurisdição contenciosa e pode se tomar imprevisível". Em outra obra, o autor ainda menciona que "Sob os moldes da jurisdição voluntária, está realmente se organizando uma nova Justiça, cuja característica fundamental é a de prescindir de juizes e estruturar-se com base em conciliadores, mediadores, árbitros e assessores, rcscrvando-se os juizes de carreira para dedicar-se a causas que eles mesmo escolham, segundo seu juizo particular de relevância das questões a serem decididas, á semelhança do que houve ouirora no Supremo Tribunal Federal e agora volta a existir sob a nova denominação de "repercussão geral das questões" discutidas" (MESQUITA, José Ignácio Botelho de, "O Juizado Especial em face das garantias constitucionais", in Revista Jurídica, Porto Alegre, v.53, n.330, abr. 2005, p. 15). Para GRINOVER, Ada Pcllegrini, "Nos países em que a função jurisdicional é desempenhada exclusivamente pelo Poder Judiciário, a crise da Justiça confunde-se e se identifica com a crise do Judiciário e de seus membros. Crise da Justiça, crise do Judiciário, crise da Magistratura. Tudo é levado de roldão, como que a fazer tabula rasa das instituições, dos Poderes, dos homens que os constituem, do produto que geram" ("A crise do Poder Judiciário", in Revista Já Procuradoria Gera! do Estado de São Paulo, n. 34, dez. 1990, p. 12). A autora enfatiza ainda as várias vertentes do fenómeno: "Há que extremar, na crise que se generaliza como sendo própria do Judiciário, seus diversos aspectos, ora atinentes à crise estrutural de um dos Poderes do Estado, ora relativos ã crise institucional que surge no delicado jogo de equilíbrio entre os Poderes; ora peculiares a mentalidade dos operadores da Justiça; ora próprios da inadequação dos controles sobre o exercício da função jurisdicional". Cf. SADEK, Maria Tereza, "Judiciário: mudanças e reformas", in Estudos Avançados, v. 18, n° 51, mai.-ago. 2004, p. 84, "A situação brasileira recente difere de todo o período anterior em pelo menos dois aspectos: 1) a Justiça transformou-se em questão percebida como problemática por ambos setores da população, da classe política e dos operadores do direito, passando a constar da agenda de reformas; 2) tem diminuído consideravelmente o grau de tolerância com a baixa eficiência do sistema judicial e, simultaneamente, aumentado a corrosão no prestígio do Judiciário" Nesse contexto reformador, papel de destaque foi dado aos meios consensuais, que passaram a ser vistos definitivamente como formas possíveis de realização de Justiça, sobretudo como resposta ao enorme número de conflitos judicializados. Aliás, não são raras as vezes em que se realça o enfoque quantitativo dos meios consensuais em detrimento do enfoque qualitativo*. Na busca de novas possibilidades de enfrentamento de conflitos e redução do acervo de demandas, a conciliação tem sido objeto de pesado investimento ideológico. Fomenta-se a adocão de meios consensuais com grande ânimo sob a crença de que as Cortes de Justiça poderão atuar melhor se uma significativa gama de causas for extinta por meio de acordos entabulados em sessões de conciliação10. É forçoso reconhecer, porém, que a conciliação judicial padece de consideráveis pressões que limitam seus resultados práticos: assoberbados em suas pautas, os juizes não podem se dedicar ao demorado trabalho de mediar; ademais, "a atividade desenvolvida pelo juiz na conciliação não é reconhecida para efeito de promoção por merecimento; o juiz é voltado para a cultura da solução adjudicada do conflito enão para sua pacificação; as partes mostram a inibição e o receio de avançar posições, que podem posteriormente desfavorecê-las no julgamento da causa"". 8 Segundo MESQUITA, José Ignácio Botelho de, "A revisão do Código de Processo Civil", in Revista tio Advogado, São Paulo, v. 24, n.75, abr. 2004, p 62, "Em compensação, vestido de vilão, o processo civil veio sendo meticulosamente desmontado a cada nova lei de reforma, não passando hoje de uma caricatura de processo, sem qualquer relação substancial com o direito processual, e menos ainda com o chamado direito processual constitucional". '' Para GALANTER, Marc, "Compared to what° Asscssing lhe quality of dispute processing" in Detiver [Iniversily Law Review, n° 66, 1989, p. xii. 'The many reasons for prelerring one dispute mcchanism ovcr another can be reduced to two basic arguments The first of these, which we might call the "production" cluster, is lhat one or another mechanism will produce "more" with less expenditure of resources. Thus we find arguments lhal a given device will increase lhe number and spced of resolulions and lower lheir cost. (...) Even wherc il can be shown that one process is cheapcr and faslcr lhan anolher, such a dcmonsualion is nccessarily incompleie, for il is necessary Io ask whelher what is oblained for lhe lower cosi is equally desirable. We arrive ai lhe question of lhe bcnefils or qualities lhat we attrihute thc rival arrangemcnts. This brings us to our second great clusler of argumcms - asserlions aboul lhe superiorily of allernalive processes or lhe oulcomcs thal lhey produce". 10 Para GRINOVER, Ada Pellcgrini, "Os fundamentos da justiça conciliativa" in Mediação c gerenciamenlo do processo - revolução na prestação jiirisdicional, Coordenação de Ada Pellegrini Orinover, Kazuo Watanabe e Caetano Lagrasta Neto, São Paulo, Atlas, 2007, p 2, "A crise da Justiça, representada principalmente por sua inacessibilidade, morosidade e custo, põe imediatamente em realce o primeiro fundamento das vias concilialivas: o fundamento funcional. Trala-se de buscar a racionalização na distribuição da Justiça, com a subsequente desobstrução dos tribunais, pela atribuição da solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados que buscam a autocomposicão. (...) Todavia, a justiça conciliativa não atende apenas a reclamos de funcionalidade e eficiência do aparelho jurisdicional. E, na verdade, parece impróprio falar-se em racionalização da justiça, pela diminuição da sobrecarga dos tribunais, se o que se pretende, através dos equivalentes jurisdicionais, é também e primordialmente levar à solução controvérsias que frequentemente não chegam a ser apreciadas pela justiça tradicional". " As afirmações constam na exposição de motivos do Projeto de Lei sobre mediação nos conflitos civis. Disponível cm <hup://www.cbar.org.br/leisjnlernacionais/lei_cod_civil.hlml>. Accssado cm 12 jul. 2011. A introdução de meios consensuais na abordagem dos conflitos pode propiciar uma valiosa e segura arena de diálogo e favorecer a alteração no paradigma do processo de resolução: este passa do viés antagónico para o construtivo, baseando-se na premissa "ganha-ganha" - ao contrário do que ocorre no processo judicial, baseado na premissa "ganha-perde" em um inevitável jogo de soma zero'2. Entretanto, no panorama brasileiro sérios entraves para a correia utilização dos meios consensuais podem ser identificados, destacando-se: 1. a ausência de técnica na realização da composição, havendo muitas vezes pressão para que as partes realizem acordos insensatos (sobretudo baseados em autocomposicão unilateral por fomento à renúncia), 2. a falta de critérios para analisar a pertinência da-aplicação dos meios consensuais a certos conflitos; 3. o despreparo por a falta de capacitação / profissionalização dos terceiros imparciais (conciliadores e mediadores) . Além disso, como bem destacou o homenageado, o excesso de incentivo ao uso desses meios pode fomentar perigosas mensagens aos litigantes sobre a Justiça e sobre o Poder Judiciário: por que pagar imediatamente o que se deve se protelar e remeter o processo à Justiça fará com que se pague menos (pela insistência de fomentar acordos quaisquer sejam eles?). Apesar de a conciliação estar ligada ao conceito de transação no Direito Brasileiro, com expressa menção a necessidade de concessões recíprocas'3, esta ocorrência não é imprescindível; ao contrário, a melhor técnica busca a superação das posições antagónicas para promover debate sobre interesses comuns que possam ensejar ganhos recíprocos Então nem sempre será preciso abrir mão de parte do direito para encetar um bom acordo? Nem sempre - alias, é exatamente este o grande desafio: buscar um resultado em que todos possam auferir ganhos e alcançar significativo nível de satisfação. Certamente os beneficies esperados da conciliação, principalmente quanto à realização de Justiça com a pacificação e a melhoria da prestação jurisdicional, só serão possíveis se o instituto for bem aplicado e, mesmo assim, com o respeito às suas naturais limitações. " Sobre a diferença de processos construtivos e destrutivos, v. DEUTSCH, Morlon, "A resolução do conflito: processos e destrutivos", in Estudos em arbitragem, mediação e negociação, v 3, organização de André Gomma de Azevedo, Brasília, Grupos de pesquisa, 2004, tradução de Arthur Coimbra de Para tanto, é preciso que haja suficiente clareza dos operadores do Direito e dos litigantes sobre o que pode lhes reservar a conciliação - ou não: conhecer seus limites é essencial. 3. Aulocomposicao, conciliação e transação14 Embora tais expressões sejam próximas, não há como reconhecer associação inexorável entre elas. A autocomposição é o meio de composição de controvérsias pelo qual os próprios litigantes encontram uma saída consensual para o conflito; são espécies deste género a negociação, a conciliação e a mediação. Por consistir em composição de conflitos pela vontade de uma ou de ambas as partes, prescinde da atuação de uma terceira pessoa para decidir a controvérsia com força imperativa. Caso haja a participação de um sujeito isento para promover a conversação (seja ele um negociador, um mediador ou um conciliador) sua atuação será voltada à promoção do diálogo e não a gerar uma decisão que possa ser imposta aos contendores. A conciliação é o meio consensual pelo qual as partes, mediante a intervenção de um facilitador da comunicação, podem abordar as controvérsias que as envolvem com a colaboração de alguém imparcial e apto a oferecer alternativas para a realização de acordos. Na doutrina clássica é fácil perceber que se reconhece como natural certo "esforço" para a obtenção do acordo; representante desta vertente, Cândido Rangel Dinamarco afirma que a conciliação consiste na intercessão de algum sujeito entre os litigantes para persuadi-los à autocomposiçSo, podendo se verificar em ambiente extra ou endoprocessual". Finalmente, a transação representa o contrato em que as vontades das partes são convergentes no sentido de atendimento a uma certa situação jurídica; pode, assim, a transação ser identificada com o acordo. Como se percebe, não há liame indissociável entre as três figuras. Pode haver autocomposição que não seja baseada em conciliação, mas em negociação direta entre " Segundo AZEVEDO, André Gomma de, "Perspectivas metodológicas do processo de mediação: aponlamentos sobre autocomposição no direito processual", in Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol.2. Organizador André Gomma de Azevedo. Brasília: Grupos de pesquisa, 2003, p. 151, "O direito processual, na sua vocação preponderante de servir como instrumento para a efetwa realização de dircilos materiais, organiza-se, segundo a processualistica atual, em torno de três formas de resolução de conflitos: autotiiiela (ou autodefesa), milocomposiçõoc helerocomposição." 15 In Instituições tic Direilii Processual Civil, vol. l, p. 123 as partes; além disso, nem toda tentativa de autocomposição tem êxito e conduz à transação Por sua vez, a conciliação, ainda que possa ser focada na obtenção do acordo, não se reduz a este, mas envolve uma série de técnicas de promoção da comunicação para possibilitar um eficiente diálogo entre os litigantes. 4. Suposta necessidade de ceder Alguém tem que ceder na conciliação? Em seu viés afirmativo, esta ideia aparece frequentemente como mote nas tentativas de promover acordos e revela uma perigosa mensagem; tal frase, que traz a memória de alguns um divertido filme16, não deveria ser invocada pelos fomentadores dos meios consensuais de forma prodigalizada sob pena de provocar desconfiança sobre a eficiência do sistema de justiça. Afinal, se alguém tem um direito reconhecido pelo ordenamento jurídico e encontra injusta resistência por parte do descumpridor, por que tem que ceder? Para os tribunais, a saída consensual pode representar a cómoda liberação do Estado de sua função judicante. Como destacado por Mauro Cappelleti e Bryant Garth, há vantagem óbvia para as Cortes de Justiça no que tange ao alívio da sobrecarga do acervo quando o conflito é finalizado sem necessitar de julgamento". São esforços voltados para a melhora do desempenho e da funcionalidade da Justiça, mas que colocam os meios consensuais numa perspectiva eminentemente eficientista18. É preciso, contudo, lembrar a advertência do homenageado: para Botelho de Mesquita, outorgar às partes a solução de seus conflitos traz um grande custo institucional. Maior custo ainda haverá se houver a insistência para a realização de acordos a qualquer preço, o que pode perigosamente contribuir para o descumprimento das normas19. Neste caso, o Poder Judiciário estará auxiliando o desenvolvimento de 16 Com o titulo original "Something's Gotta Give", uma comédia romântica foi lançada em 2003 nos EUA. Disponível em hup://www.youtube.com/walch?v=nV_V-n5CRaM. Acesso 04 abr. 2011. " CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio António fabris Editor, 1988, 53. " Cf. GRINOVF.R, Ada Pellegrini, "Os fundamentos da justiça conciliativa", ob cit , p. 3. 19 MESQUITA, José Ignácio Botelho de, "As novas tendências do direito processual: uma contribuição para o seu recxamc", ob. cit. Sobre a conciliação, o autor menciona que "Essa forma de extinção do processo pode, em certos casos, ter suas vantagens. Preferi-la, porém, emprestando-lhe valor maior que à solução do conflito mediante sentença pode ter para as partes, e a meu ver tem, um cuslo institucional muito alto porque transfere para elas a responsabilidade pela solução do litígio ( ) A expectativa da parte que se julga lesada pela outra é a deque, recorrendo ao juiz, o Estado lhe dará razão, confirmando sua confiança no império do direito e, reforçando na parte contrária a consciência da responsabilidade pelo cumprimento das próprias obrigações. Essa expectativa se frustra ao ver as parles que o juiz, sem lhe uma tradição voltada para a inadimplência, pois quem deve e não paga no prazo certo, acaba pagando, ao final, menos do que deveria. Assim, as partes terão uma impressão errónea dos meios consensuais. "Compensa", portanto, ao devedor protelar o cumprimento das obrigações, investindo o numerário em aplicação financeira e aguardando a longínqua data da sessão de conciliação para oferecer um valor bem inferior ao que seria devido segundo o ordenamento? A resposta positiva engendra perversa deterioração do princípio da utilidade do acesso á justiça com o qual não se deve compactuar passivamente. Em uma solução distributiva, o método de resolução do conflito apresenta opções meramente partilhadas, muitas vezes de forma insuficiente para contemplar as partes envolvidas a ponto de favorecer o clima de disputa. Isso porque o paradigma do jogo continua sendo a soma zero, pois o que uma parte ganha, a outra necessariamente deve perder20. As partes são fortemente influenciadas por esse contexto, porque buscarão as melhores opções para si e, dessa forma, deverão levar seu adversário à derrota, embasado em ações de colisão Essa situação cria estímulos que paralisam a resolução e fortalece a posição das partes2'. De outro lado, o conflito também é determinado pelo que é valorizado pelas partes conflitantes, apesar disso ser frequentemente esquecido, quando há um jogo de negar razão, insta a que ela abra mão de parte do seu direito em favor daquele que nenhum direito tem", p. 62. Cf. ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de, "A teoria dos jogos: uma fundamentação teórica dos métodos de resolução de disputa" in Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol.2. Organizador André Gomma de Azevedo, Brasília, Grupos de pesquisa, 2003, p 186, "Jogos de soma zero são aqueles em que há dois jogadores cujos interesses são totalmente opostos. Estes jogos são aqueles nos quais o ganho de um jogador significa sempre a derrota do outro: não pode haver, por exemplo, em um jogo de xadrez, a vitória por parte dos dois lados. Uma característica importante destes jogos é que eles são, necessariamente, jogos não-cooperativos: um jogador não agregará valor algum de utilidade de cooperar com o outro. Aliás, uma eventual cooperação é impossível, já que significa que o jogador cooperativo está colaborando para a vitória do outro, tendo em vista a possibilidade de ambos ganharem". 21 FISHER, Roger, URY, Wil l iam e PATTON, Bruce, Como chegar ao sim - negociação de acordos sem concessões, Tradução de Vera Ribeiro e Ana Ltiiza Borges, 2' ed., Rio de Janeiro, Imago, 2005, p. 23-24, "Na barganha posicionai, você procura aumentar a probabilidade de que qualquer acordo atingido lhe seja favorável, começando numa posição extremada, aferrando-se obstinadamente a ela, iludindo a outra parte quanto a suas verdadeiras opiniões e fazendo pequenas concessões, apenas na medida necessária, para manter a negociação em andamento. (...) A raiva e o ressentimento são um resultado frequente quando um dos lados se percebe curvando-se à rígida vontade do outro, enquanto seus próprios interesses legítimos são postos de lado. Assim, a barganha posicionai tensiona e, por vezes, destrói o relacionamento entre as partes ". a DKUTSCII, Morlon, "A resolução do conflito: processos e destrutivos", ob. cil., p. .16, dá como exemplo, dois homens famintos em um bote com comida suficiente para a sobrevivência de apenas um e sobre o conflito mencionar que "perde seu impacto se um ou os dois homens livercm valores religiosos c sociais que podem tornar-se psicologicamente mais dominantes que a necessidade da fome ou o desejo pela sobrevivência". Essas considerações procuram demonstrar que nem a ocorrência, nem a continuidade do conflito, são completas ou rigidamente ditadas por circunstâncias objetivas, ou seja, uma situação conflituosa é inevitavelmente influenciada pelas circunstâncias externas às partes. Outrossim, um conflito terá consequências destrutivas se as partes envolvidas estiverem insatisfeitas com as conclusões ensejadas pelos meios consensuais, pois se sentirão perdedoras. De maneira equivalente, um conflito terá percepções produtivas se todas as partes estiverem satisfeitas com os efeitos do acordo. É evidente que um conflito cujos efeitos são satisfatórios para todos os participantes será mais construtivo do que um que seja satisfatório para uns e insatisfatório para outros23. Note que uma variedade de resultados é possível, tais como perdas mútuas, ganhos para um e perdas para outro ou ganhos mútuos. A função do conciliador é evitar resoluções distributivas, inserindo nas discussões outros interesses relevantes para as partes e mudando o paradigma do jogo de soma zero para o paradigma do jogo de soma não-zero.S. Autocomposição: unilateral (renúncia) X bilateral (transação) Representante da clássica doutrina processualista, Moacyr Amaral dos Santos refere-se à autocomposição como a situação em que "os antagonistas se conformam em limitar o seu interesse, inclusive renunciando-o", classificando-a como "a solução moral, concebida numa sociedade espiritualmente muito desenvolvida e, assim mesmo, de modo excepcional" ou então quando, porque um teme "a força do outro", ambos se entendem e convencionam a composição do conflito por "solução contratual24". É assente que se a relação jurídica material apresenta aspecto disponível, os litigantes podem, a qualquer momento, realizar autocomposição mediante ato unilateral (renúncia / reconhecimento) ou bilateral (transação); neste caso, o juiz se limita a apreciar a validade das manifestações de vontade para então dar-lhes a chancela oficial e encerrar o feito (art. 269, II, III e V). Em qualquer dessas hipóteses, verifica-se a " Cf. DEUTSCH, Morton, "A resolução do conflito processos e destrutivos", cib. cit., p. 36. AMARAL DOS SANTOS, Moacyr, in 1'rimeiras linhas de direito processual civil. São Paulo, Editora Saraiva, 1997, v. l, p. S. Como outra opção, destaca a hipótese de que as partes, "temendo-se, reciprocamente, confiam a uma terceira pessoa a função de resolver o desencontro dos seus interesses: solução arbitrai, baseada no respeito á força do árbitro ". solução definitiva do conflito com julgamento de mérito: a lide se torna imperativamente resolvida sem possibilidade de nova discussão . Quando alguém renuncia a uma situação de vantagem, atua unilateralmente, por sua exclusiva vontade, de forma a deixar de exercer posição favorável. Esta hipótese revela caso de autocomposição unilateral porque basta uma vontade, a do renunciante. Como há total abandono da pretensão sem a exigência de qualquer contrapartida, dispensa-se a anuência da parte contrária26. Da mesma maneira, mas de forma revés, o reconhecimento do pedido é a submissão à pretensão da parte adversa, com total abandono da resistência que lhe era possível. Já a transação pressupõe consenso, acordo de pessoas: é, portanto, modalidade de autocomposição bilateral. Nesse sentido, há uma expectativa de ocorram mútuas concessões, aproximando uma solução do conflito com algo que ficaria entre a renúncia, por parte do autor, e o reconhecimento do pedido, por parte do réu, com reciprocidade de direitos e deveres, mutuamente previstos. Em todo acordo é preciso haver renúncia? Como já dito, não necessariamente. E mais: o principal desafio é que a solução do conflito possa entabular mais do que haveria em uma clássica transação pautada por concessões reciprocas. Uma autocomposição plenamente exitosa permite a busca der soluções de ganhos mútuos a partir das necessidades e dos interesses das partes. Em uma situação cooperativa, quando uma parte se comporta de modo a aumentar suas chances de alcançar o objetivo, ele também aumenta as chances da parte contrária de atingir seus propósitos27. Como se percebe, tal panorama é justamente o contrário do verificado em uma situação competitiva, pois quando uma parte se comporta de forma a aumentar suas próprias chances de sucesso, ela diminui as chances da parte contrária. Em um processo contencioso, o conflito tende à expansão e à intensificação, tornando-se frequentemente independente de suas causas iniciais e encerrando maior probabilidade de continuidade do conflito (mesmo que suas a Cf. "A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na direção e instrução do processo", in Revista de Processo, São Paulo, ano 10, n. 37, p. 140-150, jan.-mar. 1985. Cf. CALMON, Petrõnio in Fundamentos da mediação e da conciliação, Rio de Janeiro, Forense, 2007, P. 63. Trata-se do conhecido "equilíbrio de Nash". John Forbes Nash Jr. mudou a premissa da teoria dos jogos exisieme até então, consistente no entendimento de que para ganhar é preciso a derrota do adversário. Para o autor, ao contrário, pois soluções colaborativas podem maximizar os ganhos para além daqueles individuais. Sobre o lema,'v. Non-cooperalire Games, PhD, Princelon Universily Press, 1950, disponível em <hltp://www.princelon.edu/mudd/news/faq/lopics/Non-Coopcrative_Games_Nash.pdí>, acessado em 23jun. 2011. motivações prévias se tornem irrelevantes ou sejam esquecidas). Paralelamente a essa expansão do conflito, há um aumento da confiança em estratégias de poder, bem como nas táticas de ameaça, coerção e fraude Já em um processo cooperativo de resolução, o conflito pode ser visto como um problema comum, sendo o objetivo das partes conflitantes alcançar uma solução mutuamente satisfatória. Esse contexto favorece uma comunicação honesta e aberta de informações relevantes entre os participantes, encorajando-os ao reconhecimento da legitimidade dos interesses do outro e da necessidade de se buscar uma solução que responda às necessidades de ambos28. Dessa forma, há um estímulo no sentido de concretizar a lealdade e o compromisso entre as partes. Muitos conflitos podem ser resolvidos por métodos que aumentem ou minimizem o tamanho das questões disputadas. Um conflito no qual o vencedor leva tudo e o perdedor nada ganha é mais propenso a ser contestado do que um em que há vitórias para ambos os lados. Se vitórias são possíveis para ambos, não há mais um vencedor e um perdedor; em vez disso, há um vencedor para cada ponto em conflito. 6. O indevido estímulo à renuncia de Direitos e a conciliação compulsória Para promover o consenso, deve o conciliador estimular a renúncia da partes quanto aos seus direitos em nome da finalização do processo? A resposta é negativa. Seguem na mesma errónea linha as propostas de acordos formuladas com base em cálculos matemáticos superficiais e em rasas comparações com casos anteriores, já que a busca por soluções meramente distributivas é indesejável por ser notadamente insuficiente para os fins propugnados pelos meios consensuais. Ao invés de insistir em tal tipo de iniciativa, compete ao conciliador, enquanto terceiro interveniente que deve conduzir o mecanismo de forma isenta e imparcial, comprometer-se com a promoção do debate sobre interesses comuns para levar as partes a uma comunicação produtiva. Além disso, tem o dever de afastar acordos insensatos porque estes, embora em um curto prazo possam apresentar-se como resultados favoráveis, revelam-se, com o tempo, inconsistentes. Ao médio ou longo prazo seus efeitos serão calamitosos para o Sistema de Justiça; acordos mal realizados permitem uma acomodação superficial do conflito e não a sua verdadeira composição, a Cf. DF.UTSCII, Morton, "A resolução do conflito: processos e destrutivos", ob. cil, p. 62-63. 10 incentivando a retroalimentação do impasse a ponto de se desdobrar em incontáveis outras medidas judiciais. Se as partes saírem insatisfeitas de uma sessão de autocomposição, elas voltarão porque levarão consigo o inconformismo e a impressão de que devem recorrer da decisão ou reingressar com seus pedidos, retornando ao Judiciário. Como exemplo, considere o caso de um acordo feito em um divórcio litigioso, convertido à via consensual, que permite o desdobramento em conflitos de violência, com ações penais e civis, indenizações e demandas revisionais. A análise da conciliação, como meio de resolução de conflitos, não pode estar ligada à quantidade, mas sim a qualidade da aplicação do método e dos acordos formulados, pois é preferível que um caso ingresse no Judiciário para obter a adjudicação do que sejam incentivadas conciliações que não preconizem a construção de um verdadeiro consenso ou ensejem pactos que não contem com a plena adesão das partes. Acresça-se ainda que não é apropriado formular propostas de acordo baseadas na renúncia de direitos, nemna submissão pelo reconhecimento do pedido. O incentivo aos meios consensuais não pode representar uma pressão ao acordo indesejado, nem tampouco pode compulsoriamente afastar a atividade jurisdicional contenciosa - ora, esses são erros que já foram cometidos no passado e que acabaram por expurgar a conciliação do sistema No Brasil, a preocupação pela solução amigável dos conflitos existiu antes mesmo da independência29. Após esta, já na Constituição do Império, de 1824, foi adotada uma mais abrangente política pública de tratamento de conflitos de interesses •™. O art. 162 do diploma constitucional estabeleceu ainda que a existência de juizes de paz para tal fim. Tempos depois, em novembro de 1832, o Código do Processo Criminal trouxe Disposição Provisória sobre a Administração da Justiça Civil, disciplinando o procedimento de conciliação e outros aspectos relevantes do processo civil' . Os juizes de paz eram vistos com ressalvas pelo poder central por poder exercer certa influência local e permitir autonomia regional. Eram eleitos e não N As Ordenações Filipinas, no Livro 3°, T. 20, § 1°, traziam norma que dizia: "E no começo da demanda dira o Juiz a ambas as partes, que antes que façam despezas, e se sigam entre elles os ódios e dissensòes, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre he duvidoso....". 30 Estabelecia o seu art. 161 que "sem se fazer constar que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começará processo algum". 31 Nesse sentido, v. WATANABE, Kazuo, ia Política Pública do Poder Judiciário Nacional para iralamenlo adequado dos conflitos de interesses- Disponível em <hllp://www.lj.sp.gov.br/Handlcrs/Filel-elch.ashx?id_arquivo=29045>. Acesso em 03 jun.2011. 11 precisavam ser bacharéis em direito, sendo sua principal característica a voluntariedade do exercício da função. Com isso, cada vez mais passaram a se valer do prestigio para finalidades partidárias, sobretudo porque, além das suas funções voltadas à conciliação, possuíam tantas outras atribuições. Ademais, pertenciam a partidos políticos e comumente representavam os interesses particulares de seu grupo. De tal modo, não foram profícuas as contribuições dos juizes de paz no campo da conciliação. Tanto o incentivo a conciliação, quanto a figura dos juizes de paz, representaram uma grande reação dos liberais contra os conservadores, porque eram institutos representantes de certa resistência com relação ao autoritarismo vigente, gerando uma resistência estatal. Ademais, a conciliação realizada pelos juizes de paz foi perdendo a credibilidade, pela sua completa ineficiência e acabou sendo suprimida do sistema. Desse brevíssimo histórico, tem-se que os meios consensuais, adotados como política pública de tratamento de conflitos de interesses, fracassaram principalmente pela falta de critério adequado em sua implementação32. A conciliação deve ser incentivada, mas a sua compulsoriedade deve ser questionada, uma vez que diminui a facultatividade do método e a adesão das partes na efetiva participação. Tampouco deve haver pressão ou ameaça para que as partes cheguem ao acordo, práticas que devem ser cabalmente rechaçadas. Paralelamente, a conciliação vista como mais próxima da atividade jurisdicional voluntária - e não como forma autocompositiva de resolução de conflitos - fez com que o juiz fosse visto de forma rebaixada, a uma mera condição burocrática de poderes ampliados. As atividades consensuais, aliás, foram vistas como atividades administrativas equivalentes a uma pseudo-jurisdição voluntária. Essa ideia incentivou a consolidação da jurisdição estatal como forma isenta e apropriada para substituir a vontade das partes na resolução dos conflitos pela aplicação das normas". Qualquer interpretação contrária passou a ser vista como uma possibilidade de afrontar o Estado 32 Segundo WATANABE, Kazuo, in Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses, ob. cit, "a generosa ideia de uma abrangente política pública de tratamento de conflitos de interesses adolada pela nossa primeira Carta Política, fruto da inteligência e sabedoria dos homens de visão que então detinham o poder, sucumbiu por razões políticas e pela falta de critério adequado em sua implementação". 33 Sobre o lema, AZEVEDO, André Gomma de. "Perspectivas metodológicas do processo de mediação: apontamentos sobre autocomposição no direito processual", p. 160, afirma que "Restou estabelecido desde então que a jurisdição, enquanto atuação do Estado em substituição à vontade das partes, não pode ser afastada, sob pena de allerarcm-se significativamente as estruturas de um Estado democrático de direito - o que por sua vez afastaria a própria legitimidade desses meios aulocomposilivos, na medida cm que as partes não comporiam seus conflitos espontaneamente e sim após coagidos por um terceiro". 12 Democrático de Direito, sobretudo pelo risco de satisfazer interesses de regimes totalitários34. Esses fatos tiraram a virtude dos meios autocompositivos, que agora passam a ser incentivadas nas esferas pré-processuais, como equivalentes jurisdicionais, e processuais, como técnica processual, não só no Brasil, mas em diversos ordenamentos alienígenas. No que tange ao ordenamento brasileiro, é preciso frisar que a correta aplicação dos meios consensuais e a nova Política de Justiça trazida pela Resolução n" 125 do CNJ representará um custo - inclusive institucional - para o Poder Judiciário, o que ratifica a importância de sua correta implementação. Afinal, cada vez mais os conciliadores deverão ser vistos como profissionais de formação especializada imprescindível, com dever de respeitar códigos de ética e passíveis de com algum controle estatal. Ademais, além da capacitação, o deslocamento de pessoal e ainda a estrutura física que comporte novos setores de conciliação também devem entrar na conta orçamentaria do Poder Judiciário. Além destes gastos, o dispêndio de tempo também deve ser considerado: porquanto exista a possibilidade de encurtamento entre o ingresso da pretensão e a solução do conflito, existe ainda a possibilidade de não ser realizado o acordo. Sim, porque a aplicação do método não representa a aniquilação de todos os conflitos a ele submetidos, consistindo no acréscimo de fases processuais que podem não apresentar um retorno concreto (acordo). Hoje o art. 125, inciso IV, do CPC prevê uma regra de fechamento do sistema, autorizando o juiz a tentar a conciliação entre as partes em qualquer momento processual e ratificando que a atividade conciliatória integra as funções do magistrado, podendo ser exercida sempre que se revele uma medida prudente"15. Por este dispositivo, fica evidente que não há termo final para a conciliação, que pode ser renovada após toda a produção probatória ou mesmo depois da prolação da sentença, em segunda instância. 54 Nesse sentido, v. MESQUITA, José Ignácio Botelho de, "As novas tendências do direito processual: uma contribuição para o seu reexame", ob. cil., p.68. Para o autor, "O aumento da discricionariedade e da imprevisibilidade do resultado incentivam a prática de comportamentos oportunistas e desestimulam o cumprimento da lei e dos contratos. Corresponde a uma tecnologia que deteriora a administração da lei". K Segundo NERY JR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade Nery, in Código de Processo Civil Comentado, ob. cit, 2006, p. 334, "A atividade de tentar conciliar as partes é decorrente do oficio do magistrado, de sorte que não pode ser vista como caracterizadora de suspeição de parcialidade do juiz, nem de prejulgamento da causa. Para lanlo deve o juiz fazer as partes amcvcrem as possibilidades de sucesso e de fracasso de suas pretensões, sem prejulgar a causa e sem exteriorizar o seuentendimento acerca do mérito". 13 7. Celeridade e informalismo A celeridade é um predicado cada vez mais enfatizado na resolução dos conflitos. De fato, a sobrecarga de processos no Judiciário leva à morosidade e vulnera garantias constitucionais de suma importância36. Há um verdadeiro descompasso entre o ritmo lento da resposta do Judiciário e o crescimento do número de demandas, levando a conotação de que o tempo deve ser visto como inimigo do processo37. Dessa forma, o acesso à Justiça passa a ser compreendido como uma prestação jurisdicional célere. É por essa razão que a Emenda Constitucional n°. 45, de 2004, alterou o art. 5°, LXXVIH38: para que tal dispositivo apresentasse a celeridade processual como direito fundamental dos cidadãos, sendo uma diretriz e não uma norma de aplicabilidade imediata. Para atender a celeridade, a informalidade é apresentada como uma opção válida39. Contudo, a relação entre celeridade e informalidade deve ser vista com ressalvas, pois se é certo que o processo não deve conter formalidades inúteis, também o é que apenas essas formalidades devem ser condenadas e rechaçadas do ordenamento. A supressão de formalidades essenciais em prol da celeridade do processo pode trazer prejuízos à Jurisdição e a consecução dos seus fins40. É evidente a necessidade de reformas processuais pautadas na abolição de formalidades dispensáveis, porque tal supressão favorece a celeridade do processo e principalmente porque melhora a " Sobre o lema, v. TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penai). São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997. " Cf. CINTRA, António Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegnni e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral ílo processo. 26' ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 32. "o tempo é inimigo da efetividade da função pacificadora. A permanência de situações indefinidas constitui, como já dito, falor de angústia e infelicidade pessoal. O ideal seria a pronta solução dos conflitos, tão logo apresentados ao juiz. Mas como isso não é possível, eis ai a demora na solução dos conflitos como causa de enfraquecimento do sistema". w Este agora tem a seguinte redacão: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoá\vl duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação " Segundo CINTRA, António Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegnni e DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria geral do processo, ob. cil., p 32, "A primeira característica dessas vertentes alternativas é a ruptura com o formalismo processual. A desformalizaçáo é uma tendência, quando se trata de dar pronta solução aos litígios, constituindo fator de celeridade" " É nesse sentido a manifestação de MESQUITA, José Ignácio Botelho de, "As novas tendências do direito processual: uma contribuição para o seu reexame", ob. cil., p. 62 Para o autor, "Suposto que o processo já não contenha formalidades inúteis, só contenha as necessárias, a abolição de qualquer delas implicará restrição da garantia do devido processo legal". 14 utilidade processual. Porém, é preciso atenção para não afrontar o devido processo legal, garantia essencial contra o arbítrio. Ora, a conciliação é meio que não pode ser visto como mero mecanismo informal apto a resolver (finalizar) a enorme gama de conflitos judicializados. Além da profissionalização dos conciliadores, que certamente trará um custo ao Judiciário, também há necessidade de se estruturar um sistema de Justiça pautado nesse novo tratamento de conflitos4 . Vale reiterar que a conciliação não representará uma diminuição de tempo, mas sim um aumento da utilidade no processo de resolução dos conflitos. Tampouco marca, essa desarticulação, uma diminuição ao envolvimento dos profissionais ou na confiança depositada na coerção estatal. Os meios consensuais não são informalismos, mas formalismos de formas breves42 - suas práticas e técnicas devem ser respeitadas. Há um tempo para que os métodos sejam aplicados e um tempo ainda maior para que a sociedade e o Poder Judiciário sinta seus resultados. Esses lapsos temporais devem ser considerados, sob pena de novamente naufragar a utilização da conciliação no Sistema de Justiça. 8. Formação e profissionalização do conciliador Nem sempre, o conciliador é treinado suficientemente para se desincumbir de sua árdua missão com eficiência e conseguir desenvolver condutas coerentes com a imparcialidade exigida. Vale mencionar que não deve ser defendida a voluntariedade ou a desprofissionalização dos operadores do direito e dos terceiros que conduzem os meios consensuais: pelo contrário, deve haver uma mudança na atuação e no reconhecimento desses profissionais sendo, nesse contexto, imprescindível que sua correia formação seja objeto de investimento. Tanto é assim que a Resolução n" 125 do CNJ estabeleceu em diversos dispositivos a necessidade de formação de mediadores e conciliadores, inclusive cabendo aos Tribunais realizar cursos de capacitacão e incentivar constantes cursos de treinamento, aperfeiçoamento e reciclagem por parte desses profissionais. 41 Nesse sentido foi a palestra da ProP Paula Cosia e Silva da Faculdade de Lisboa, no Seminário Conciliação e Mediação: estruturação da Política Judiciária Nacional, promovida pelo CNJ em 28 de junho de 2001, na FAAP, em São Paulo. " Cf. GALANTER, Marc, "Compared to whaf Assessmg the quality of dispute processmg", ob. cil., p. xiv. "ADR is not só much mformalism as "short forra formalism"; not só much deprofessionalization as a change in profcssionals. Bui il is a species of dc-regulalion: lhe lie of procedures and sanclions lo dccisivc application of public uíles is loosened". 15 O conteúdo programático e a carga horária mínima para que os profissionais possam atuar nas esferas judiciárias estão estabelecidos no Anexo l da Resolução e tem a finalidade de estabelecer uma uniformidade dessas atividades práticas, voltadas para o consensualismo, em todo território nacional. E indispensável que os profissionais, além da formação superior, tenham conhecimentos específicos sobre tipologia do conflito, teorias da comunicação, técnicas autocompositivas voltadas para negociação, conciliação e mediação. Devem ainda saber identificar diferentes relações e podem dar ênfase no tratamento relacional das partes ou no acordo, a fim de adequar a resolução apresentado à natureza do conflito concretamente. Acresça-se ainda que estes conhecimentos específicos agregam uma parte teórica, voltada para o conhecimento bibliográfico nacional e internacional, bem como uma prática, voltada para a aplicação das técnicas. 9. Técnica adequada e diferentes conditos A atual complexidade das interações sociais apresenta novos conflitos Igualmente, a profunda transformação da sociedade apresenta conflitos de massa, de índole repetitiva, decorrentes de uma sociedade de consumo. Também merecem destaque os grandes litigantes, que concentram grande parte das ações judiciais. Compreender a diversidade dos conflitos e a pluralidade de suas ligações fortalece o entendimento de que existem disputas bastante diferentes, que podem ser administradas e resolvidas de formas muito distintas. Contudo, essa classificação de disputas por um critério de adequação próprio, ligado ao mecanismo de solução do conflito, não decorre necessariamente de um exercício técnico, mas sim de uma escolha política relativa à quais tipos de disputa merecem quais formas de resposta. Neste ínterim, cumpre fazer menção à pesquisa realizada pelo CNJ sobre os maiores litigantes do país, que realmente sobrecarregam o Judiciário com reclamações das mais diversas4"1. Muitas causas repetitivas, relacionadas a estes grandes litigantes, indicam a infracão de direitos difusos, coletivos ou individuaishomogéneos, que deveriam ser tratados de forma coletiva e não individual, revelando a inadequação absoluta da adoção dos meios consensuais em tais contextos por acabar ajudando a encobrir tais mazelas. Esta pesquisa está disponível em <http://www.cnj.jus.br/images/pcsquisas- judiciarias/pcsquisa_100_maioresjiliganles.pdf>. Acesso em 25 jun. 2011. 16 10. Nova Justiça? Algumas conclusões Sim, um novo Sistema de Justiça está sendo inaugurado, mas a distinção entre a imposição e o incentivo de meios consensuais será determinante para o sucesso futuro ou o fracasso completo da iniciativa. No passado, os meios autocompositivos não foram tratados com a devida atenção e cuidado, resultando na inversão dos predicados de resolução de disputas que acabou por transformar a jurisdição em meio principal e a autocomposicão como meio secundário, na medida em que os processualistas, orientadores dos principais sistemas processuais, praticamente desistiram da autocomposicão44. Ademais, embora seja louvável a disposição de trabalhar de forma voluntária, os conciliadores devem receber remuneração não apenas pela importância do trabalho que desempenham, mas pela imprescindibilidade da formação especifica. Serão necessários profissionais altamente qualificados, caso contrário os meios consensuais não progredirão como se espera. A figura do conciliador como pessoa diversa do julgador é fundamental para que as partes revelem seus interesses subjacentes e não somente insistam nas razões apresentadas à Corte, pela petição inicial ou contestação. A confidencialidade do que foi discutido nas sessões de conciliação, sem a contaminação do convencimento do magistrado que porventura precise analisar o mérito da causa, preserva o método e ajuda as partes a buscarem soluções que apresentem resultados benéficos para ambos Entretanto, a inserção da conciliação na esfera judicial permite uma fiscalização do juiz que vai além da mera homologação de um acordo firmado. Aliás, ambos, conciliador e juiz, devem estar empenhados em verificar a utilidade do método, sem, contudo, permitir que seja uma brecha para sobreposição da parte mais forte sobre a parte mais fraca, casos em que qualquer um desses profissionais pode afastar o método e remeter as partes à adjudicação. Da mesma maneira, qualquer acordo que afasta uma lei cogente pode ser rechaçado, tanto pelo conciliador, quanto pelo juiz. " Para AZEVEDO, André Gomma de, "Perspectivas metodológicas do processo de mediação: apontamentos sobre autocomposicão no direito processual", p 150. "Lamentavelmente, foi isso que ocorreu em meados do século XX, quando afastaram-se a maior parte dessas lenlativas de estimular a autocomposicão em virtude da falta de resultados comprobatórios de sua efetividade no ordenamento jurídico processual". 17 A implementação de uma séria política de justiça, também baseada nos meios consensuais, trará custos financeiros e temporais que devem ser considerados, mas a alteração do paradigma é o maior ganho dessas mudanças por incentivar o desenvolvimento de uma cultura de paz. É preciso reconhecer o papel dos meios consensuais, mas sem incidir em expectativas próximas das soluções mágicas vistas nas fábulas. É apenas com os pés no chão que poderá ser feita uma investigação das vantagens e desvantagens dos meios consensuais, verificando o que eles realmente podem oferecer para o Sistema de Justiça. 11. Bibliografia. ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de "A teoria dos jogos: uma fundamentação teórica dos métodos de resolução de disputa", in Estudos em arbitragem, mediação e negociação. Vol. 2. Organização de André Gomma de Azevedo. Brasília: Grupos de pesquisa, 2003. AZEVEDO, André Gomma de. "Perspectivas metodológicas do processo de mediação: apontamentos sobre autocomposicão no direito processual", in Estudos em arbitragem, mediação e negociação. Vol. 2. Organização de André Gomma de Azevedo. Brasília: Grupos de pesquisa, 2003. BARBOSA MOREIRA, José Carlos "A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na direção e instrução do processo", in Revista de Processo, São Paulo, ano 10, n. 37, p 140-150, jan./mar. 1985. . 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A conciliação diante da política judiciária de tratamento adequado de conflitos. In TUCCI, José Rogério Cruz e; RODRIGUES, Walter Piva; AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real (Coordenadores). Processo Civil: Homenagem a José Ignácio Botelho De Mesquita. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 60-78. Disponível em: www.fernandalartuce.com.br/artigosdaprofessora. Acesso em (data). 20
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