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rf. ? m DUAS PALAVRAS mi lente ra eu extensa a Quizera que procedesse a um resumo daquilo que tão considerável vulto tomara, por mais de seis mil páginas . __ • Foi o que procurei levar a cabo, nesta súmula doe quinze As dimensões tomadas por minha obra foram-lhe impoe- por fortuita circunstância: é que ela não me foi solicitada do Café duma só vez. • de 1934, declarava o eminente Dr. Armando iro, então presidente do Departamento, que ões da régulariração dos mercados, a maia o Público em geral, tinha alta finalidade cuh „ assuntos de natureza agrícola, e comercial do café e bem u todos os estudos :os, legislativos e históricos sobre éste produtof . À diretriz que tanto lhe e o interesse pela cultura, pedui-me o Sm. Fuxico Penteado, uma expo- histórico da propagação cafeeira no Brasil, ra». .iv 6 AFFONSO DE B. TAUNAY Vinda a lume esta pequena monografia em meadoa de 1934 e impressa em português, fê-la o Dr. Vidal verter para o francês pelo Conde de Perigny, distinto homem de letras, publicando-a um número especial de Le Figaro Illustré, larga- mente ilustrada. * 4 r ' ' a : ' 1hj? ' . A* * \ Pediu-me pouco depois o Dr. Armando Vidal, como iní- cio do seu projetado plano de se fazer uma História do Café no Brasil, que me incumbisse de um histórico da propagação caíeeira no nosso período colonial, o que realizei. Assim, se imprimiu, em 1935, o volume dos Subsídios .para a história do café no Brasil Colonial, ensaio que tomou 428 páginas de for- mato grande e composição miuda . Deixando o Dr. Vidal a presidência do Departamento, decidiram seus dignos sucessores, Drs. Antônio L. de Souza Melo, Fernando Costa e Jayme Fernandes Guedes, que eu prosseguisse a ventilar os nossos fastos cafeeiros. Tentame a que davam o aplauso de sua cultura elevada e apêgo à tradição nacional. . - . * - . LjjV i : - . * V* - *. .* Aj' i-’5r* £* Entendeu até o último dêstes presidentes, que se tomava indispensável republicar os Subsídios. Passariam a constituir 4 o primeiro têrmo da série da projetada História do Café no Brasil, destinada a abranger longo período, quiçá os dois pri- meiros séculos da cultura da rubiácea em nosso pais. Assim, em 1938, se imprimiram os primeiros tomos da obra agora encerrada. Abrangiam o período de 1727 a 1889, Prefaciando honrou-a o Presidente Jayme Fernandes Gue- des com uma série dos mais generosos conceitos a seu respeito. A reedição dos Subsídios tomou dois tomos, com quase 800 páginas, de excelente apresentação, coájp é a habitual dos reputados editqres fluminenses, os Irmãos rongetti . ' Tornara-se óbvio que, se a ventilação dos fastos cafeeiros coloniais tomara tal yulto, fôra-me ^impossível deixar de reser- var muito maior número de páginab^para a sua continuação , quando tivesse de compendiar o quetôra a cafeicultura na nossa fase imperial. Um simples confronto de números dc ta esta neces- jJWjw*. ,r t-lS ‘ PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL , 7 mdade indispensável , ae atendermos às ciiras da exportação edeeira em 1832 e 1889. Em 1822 190 060 sacas Em 1889 5 586 000 " % * * * * T: “ * * ‘ou fôasem 29,4 vezes, num lapso de 67 anos! Daí o fato de me ver forçado a descrever quadro incom- paràvelmente mais largo do que o seu antecedente. Assim, me achei naturalmente levado a consagrar ao pe- ríodo imperial o triplo das páginas que atribuira à primeira parte da minha monografia. * Não me era possível modificar o fades da obra, torhan- do-a heterogênea) quando justamente, após a Independência, passara o Brasil por enorme transformação econômica e civi- lizadora, devido à cultura caíeeira. Creara-se um panorama novo, econômico e social, cheio de interessantíssimos aspectos. Tal a importância do grão etíope no império americano, que um homem público de espi- rito e sintetizador exato emitiu um aforismo sobremodo digno de acatamento: Foi o vale do Paraíba que ganhou a guerra do*Paraguai / , A coexistência da grande lavoura e do trabalho servil impôs à história do café, na era imperial, inconhmdível feitio, tio interessante e original quanto pitoresco. Após 13 de maio de 1888, transformou-se a situação ex- traordinàriamente, entrando o café brasileiro no rol vulgar das grandes culturas universais. Sua história assumiu o cunho do comercialismo corrente. Desapareceu, ràpidamente, o feitio do velho íandlordismo baseado na contenção servil. Mas, como crescessem imenso as lavouras, sobretudo na década de 1890 em diante, acoroçoadaa pela derrame enorme da inflação e a vertigem do Eneühamento , tomou a cafeicul- tura enorme importância, sobretudo em S. Paulo. As 5 686 000 sacas da exportação de 1889, contrapuseram- se as 9 771 000 de 1899 e as 16 881 000 de 1909 ! O ca/é que representara 18,4 da exportação brasileira no 8 AFFONSO DB E. TAUNAY primeiro decênio do Império, passara a constituir 61,5 no últi- mo e 64,5 na primeira década republicana. E’ tanto mais significativa esta percentagem, quanto m avolumara imenso a exportação do Brasil, desde a entradé dêste para o rol das Nações livres. Fôra, em 1822, de 19 754 contos de réis; em 1889, de 259 095 a de 1 016 590, em 1909, acima de cincoenta vêzes a cifra primitiva. E se o valor do café exportado fôra de 3 866 contos, em 1822, passara a ser de 172 258, em 1889 e de 533 870, em 1909 . Assim, ao passo que a exportação nacional avultara de cincoenta vêzes, a do café passara a ser 138 vêzes maior, o que mostra do modo mais eloquente a preponderância extra- ordinária do contingente da rubiàcea, no conjunto da produ- ção nacional . Parafraseando outro e famoso axioma econômico, o de Silveira Martins, podia-se dizer que se o Império fôra o café, a República ainda continuava a ser o café. E assim, ainda por muitos anos, subsistiria esta posição excepcional . • Não era, pois, mero tropo destituído de significado real, o lema que tive o ensejo de propor como divisa, à comissão organizadora do Congresso e Exposição solenizadores da passa- gem do segundo centenário da introdução do cafeeiro no Brasil, em 1927: Coffea Brasiliae fulcrum. Foi exatamente desta desmarcada preponderância, que provieram os erros e os males dela própria decorrentes. Um coincidir de circunstâncias provocou êsses longos perío- dos de angústia em que viveu a indústria cafeeira, como de 1889 a 1909: a confiança inabalável da carreira magnífica do café e a existência de ferras prodigiosamente adaptadas ao cafeeiro, verdadeiro habitat da árvore etíope para a produção quantiosa. Se fís terras do oeste paulista fossem acidentadas como tas da região fluminense e espírito-santense, as da Mata def Minas Gerais ou como as do próprio norte de S. Paulo, é mais que provável que a terrível crise de 1900 não houvesse assumido a gravidade de que se revestiu no país. A superpro- dução teria encontrado um freio natural no rendimento limi- tado dos cafèzais. PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 9 O mesmo se daria em 1927, se as terras virgens do noro- este paulista não tivessem a capacidade de produção de que dispõem, lançando aos portos milhões e milhões de sacas. Se no tempo do Império a importância do café fôra tal, que as suas crises de preço constituíam motivo da maior soli- citude e apreensão, nas primeiras décadas da República os problemas cafeeiros tomaram o aspecto exato de problemas nacionais, mais sérios do que quaisquer outros no conjunto da economia do país. Daí o prodigioso alargamento do quadro em que se de- batiam, na imprensa e no parlamento, como reflexo das ati- tudes das correntes de opinião pública. Eis porque a primeira valorização, a de princípios do sé- culo, concretizada nas cláusulas do Convênio famoso de Tau- baté, provocou tão largos e apaixonados debates. Jamais até então se vira, de longe sequer, problema de ordem económica converter-se em questão por tal forma em- polgadora da opinião pública, como êsse da defesa do café, que se visava solver por meio de um corner. Violentas as controvérsias pela imprensa, nos congressos agrícolas, nas so- ciedades rurais. Acaloradíssimos e veementes os debates do Con ^r^sso . E. fato ainda inédito, deu-se a exteriorização da questão brasileira, atraindo a atenção dos meios de estudos econômicos do maior prestígio no universo e o pronuncia- mento de muitas das principais autoridades do globo, em ma- téria de Economia Política. A apresentação desta fase, tão cheia de incidentes curio- sos, incertezas, flutuações, exigia que ela fôsse estudada em seus pormenores e foi o que pretendi fazer, consagrando-lhe os dois tomos da minha obra, o nono e o décimo. Vencida a primeira campanha valorizadora auspiciosa- mente, porque ela repousava, sobretudo, em aceitável base de que fazia parte, entre outras medidas, o refreamento da pro- dução por intermédio da proibição de novas lavouras em S. Paulo, temou o café novo surto com a melhoria dos preços. Veio, porém, a Conflagração Mundial de 1914-1918 tra- zer a universal perturbação de tôdas as atividades da produ- ção e do consumo. 10 AFFONSO DE E. TAUNAY Passou o café, novamente, por séria crise, a que documen- tam os índices da percentagem de sua contribução no con- junto da exportação nacional. Se, em 1914, fôra de 57,7, vê- mo-la, em J916, baixar a 51,9; em 1917, a 36,6; em 1918, a 31,1, taxa inauditamente baixa e como jamais se verificara desde 1831 ! Ocorreram neste milésimo as tremendas geadas de junho , e a produção paulista se viu sèriamente comprometida por prazo longo. Entre 1918 e 1919, o preço da saca subiu, muito naturalmente, de £ 2,55 a £ 5,10. Mas, a debilidade econômica mundial do após-guerra não podia deixar de afetar, gravemente, a situação cafeeira, ante o empobrecimento geral dos consumidores. E o preço da saca, no quatriênio de 1919-1923, baixou de £ 5,10 a £ 3,05. JÁ em 1917, a retenção das safras em nossos portos provocará graves perturbações na vida econômica do país, levando o govêrno da Repúblich a intervir nos mercados de acordo com o govêrno de S. Paulo, em operação, aliás, coroada de êxito* Ante a depressão que atingira o máximo em 1921 ( £ 2,19), mpvimentou-se, novamente, o govêrno da Repú- blica, promovendo novas operações de defesa do produto, in- felizmente não acompanhadas das medidas da sua precedente , a de 1906. A intervenção oficial nos mercados provocou a alta de preços. As £ 3,05 de 1923 contrapuseram-se as £ 4,62 de 1924, £ 5,50 de 1925 e £ 5,05 de 1926. Assaz largo período de otimismo veio embalar a opinião pública. E êste sentimento eufórico, de confiança inabalável na persistência das cotações altas por longo prazo, preparou novo e formidável rush do plantio em zonas recém-abertaa, em cujo solo produz o cafeeiro maravilhosamente . Êste sentimento de bem-estar atingiu o seu apogeu, tal- vez, em 1927 e 1928, creando o ambiente em que, com a má- xima solenidade e a maior repercussão mundial, se celebra- ram as comemorações da pasagem do seguindo centenário da introdução do cafeeiro no Brasil.- A importância dêstes vinte e um anos de 1906 a 1927, exigiu que nesta História do Café no Brasil fossem êles tratados Tc?) ..'hlIn,' * f 1 . .• PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÍ NO BRASIL 11 com a extensão consentânea de tão movimentada fase, rica em pormenores interessantes. Dai o fato de lhe haver eu re- servado os volumes XI e XII. é Chegado o meu trabalho a esta altura, julgava finda a missão que o D.N.C. me confiara, quando o eminente presiden- te do Departamento, o Sr. Jayme Fernandes Guedes, fez-me ver a conveniência de prosseguir na minha tarefa até 1937, abrangendo, portanto, o histórico da terrível crise, a maior de quantas afetaram os mercados cafeeiros mundiais e trouxeram aos cafeicultores do Brasil, em geral, tão amargos dias. Pus-me à obra novamente, procurando cercar-me da maior cópia de elementos possível, a fim de descrever os fatos desta década que se encetara tão brilhante, contara anos e anos da mais aflitiva situação para, ao finalizar, trazer sólidas esperan- ças de melhores dias. De 1921 até 1926, crescera imenso a preponderância do café no cômputo da exportação nacional. De 59,6, em 1921, passara a 64,4, em 1923. Um ano depois atingira o coefi- ciente máximo jamais verificado: 75,8! Descera no quatriê- nio seguinte. Mas, ainda assim, a média dêste lapso era altís- sima: 72,0. Já se fazia, então, sentir a presença do superavit das safras, que o consumo mundial não conseguia absorver. Contudo, 1929 apresentaria o índice de 71,0. A terrível crise monetária mundial de 1929 provocou, como todos sabem, o apressamento da ruina do plano da de- fesa cafeeira posta em prática pelo Estado de S. Paulo. A revolução de 1930 encontrou a enorme mole do supe- ravit da produção cafeeira, incolocável ante a fraqueza doa mercados de consumo . Começou, então, a série negra de anos em que o governo da República teve temeroso problema a resolver. A ruptura completa da defesa traria consequências infa- líveis, imprevisivelmente nefastas à economia nacional. Ence- ta-se, então, o período de economia dirigida a que presidiram o Conselho Nacional do Café e o Departamento Naciohal do Café, período assinalado pela heróica resolução da aquisição e queima do superavit das saíras, gigantesca operação que atraiu a atenção mundial. Impôs à nossa lavoura os mais duros, mas inevitáveis sacrifícios e permitiu que o preço da va 12 AFFONSO DE E. TAUNAY saca não resvalasse por terrível despenhadeiro, terminando em verdadeiro abismo, onde por completo se subverteria aquela maravilhosa indústria secular, graças ao qual tanto o Brasil adquirira os elementos essenciais ao seu desenvolvimento e coesão, e à sua ascensão civilizadora. Se, em 1930, o coeficiente do café no conjunto da expor- tação nacional caíra a 62,6 já no triénio seguinte se levan- tava para uma média de 71,2, apesar da terrível depressão dos preços da safca. De £ 5,00, em 1928; £ 4,71, em 1929 e £ 2,69, ainda em 1930, viera a £ 1,91, em 1931, recupe- rando um pouco no milésimo seguinte (£ 2,20), para, de 1933 em diante, passar por fase depressora absolutamente angus- tiosa. E, realmente, se cotou a £ 1,69, em 1933; £ 1,52, em 1934; £ 1,13, em 1935 e £ 1,25, em 1936. Também baixara, e do modo mais notável, a percenta- gem da influência do café no conjunto da exportação nacio- nal. De 61,1, em 1934, caíra a 52,6, em 1935 e a 45,5, em 1936. A êstes dez anos tormentosos para a lavoura brasileira pontuou extensa série de medidas, tendentes a regularizar as condições da oferta e da procura dos seus cafés. Tão vasto e tão complexo o problema, que exigira contínua atenção por parte dos poderes da República. Envolvia não só casos dê ordem interna, como delicadas questões internacionais. A corajosa persistência do rumo adotado pelo Presidente Getúlio Vargas e seus ministros para a eliminação do superavit, visando destruir os cafés baixos, permitiu a distensão gradual da crise, evitando-se o grave risco das súbitas e violentas ex- plosões, cuja consequência teria sido o arrazamento da eco- nomia caíeeira e como corolário verdadeira catástrofe comer- cial e bancária, com os mais terríveis resultados para a vida financeira e econômica de tôda a Nação. Pois apesar de tudo, mau grado o grande surto industrial do país, o desenvolvi- mento de zonas não cafeeiras, a aparição de muitas e já con- sideráveis fontes de produção variada, continuava o café a ser % b verdadeiro e mais importante baluarte do saldo da exporta- ção brasileira e da balança comercial do país. Se, no quinquênio de 1931 a 1935, se cifrou em 16 318 214 contos a exportação do Brasil, para esta soma concorreu o café com 10 494 996, ou sejam 65,9 do total ! PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 13 % * ,4. Dos 4 895 435 contos de réis de 1936, pertenciam-lhe 2 231 473 ou 45,5. Assim, o estudo do decênio de 1927-1937 exigia para a exposição dos seus fastos pormenorizados, na escala das sec- ções anteriores, um desenvolvimento consentâneo de sua im- portância. Foi o que me levou a consagrar-lhe os tomos XIII e XIV e um anexo do décimo-quinto e último volume da obra. Tão vasto o panorama cafeeiro do Brasil, que muito difí- cil se toma abrangê-lo de um só golpe de vista. Ao meu ten- tame tive de apor diversos e pequenos anexos que haviam es- capado a uma primeira inspeção dos assuntos, apêndices colo- cados a diversos tomos. Volumosa como as circunstâncias impuseram que se tor- nasse a História do Café no Brasil, o seu manuseio se toma muito mais cômodo mercê de um índice remissivo . Foi o que entendi facultar aos consulentes, organizando uma táboa onomástica dêsaes quinze tomos, em que procurei assinalar os fatos maia salientes da indústria cafeeira em nosso país. E isto desde os seus primeiros e insignificantes passos setecentistas, até a creação desta magnífica fôrça econômica propulsora de nossa civilização nacional. Desabrochada na era oitocentista, ostentou a extraordinária pujança de fins do sé- culo XIX, assumindo, em nossa centúria, os Aspectos de um doa maiores cometimentos industriais contemporâneos, senão o maior, no campo da agricultura, como fez notar E. Ferri há alguns decênios. Terminando estas considerações, que imagino dever aos meus leitores, penso haver-lhes explicado os motivos pelos quais tão largas dimensões tomou a História do Café no Brasil, correspondente ao período mais que bisecular de 1727 a 1937. 1M Affonso de E. Taunai S. Paulo, 10 de agosto de 1943 Ê > TM 9H ‘•V. 'ir?. m ÍS (wy\ 4 . m*wKm py • «j# CAPITULO I A origem do café. Etíope ou árabe? Propagação pelo Oriente Próximo. Primeiras notícias na Europa. Penetração no ocidente da Europa. A etimologia do café. O café e a língua portuguêsa. Bibliografia ca- feeira antiga. Transplantação do cafeeiro à América. A história célebre de de Clieu. O café na Guiana Francesa. A famosa jornada de Palheta. Entrada do cafeeiro no Brasil. .. f r Parece absolutamente fora de dúvida que o café tem ori- gem etiópica. Os mais velhos relatos Ge viajantes consignam esta opinião. E o exame das fontes não autoriza a versão de ' que a Arábia haja sido o berço da rubiácea esteio do Brasil, por Lineu mal denominada — Coffea arabica. Deve-se, con- tudo, observar que talvez haja o grande sueco sido sugestio- nado por um êrro anterior de Jussieu, com o seu Jasminum arabicum. • Das terras abexins passou o cafeeiro à Arábia . Quando? E’ o que até agora não se conseguiu apurar nem provàvelmente jamais se apurará . O velho manuscrito de Schahab-eddin fala das vizinhanças da era de 1500, mas é muito provável que tal data não corresponda & verdade dos fatos. Admite-se, ge- ralmente, porém, que os árabes hajam começado a tomar café já no século XV. Sôbre a origem do aproveitamento da infusão dos grãos e folhas do cafeeiro há assaz farto lendário, divulgado desde .o século XVII por Fausto Nãironi, ao relatar o bem conhecido caso do pastor etíope, a quem impressionou a excitação provo- cada nas cabras de seu rebanho pela ingestão das folhas do “ - - - - - 16 AFFONSO DE B. TAUNAY cafeeiro. Comunicara tal impressão a uns monges seus vizi- nhos e, dentro em breve, bebiam êstes um decocto das cerejas do café, que os mantinha sobremodo vigilantes à hora do côro noturno conventual. A disseminação do uso do café não se fez fãcilmente. En- controu, desde os primeiros dias, muitos tropêços e até, por vêzes, feroz resistência. Assim, se deu em Mecca, onde, em 1511, principiou uma perseguição de certos elementos faná- ticos, terminada por violências e proibição expressa da inges- tão de café, por contrariar ao Alcorão. Pouco durou, porém, o triunfo dos cafeífobos. Já em 1526, eram livres o plantio e o comércio cafeeiro na península arábica, onde tomaram grande desenvolvimento . Propagou-se, rapidamente, o uso do café pelo Oriente Pró- ximo, Egito, Síria e Turquia. Na primeira destas regiões en- controu viva oposição» como em 1534 e 1539, dando isto lugar a motins e violências muito sérias contra os tomadores de café, como em 1542. Na Síria espalhou-se, rápida e triunfalmente, de 1530 em diante. No Império Otomano houve, apenas, pe- queno óbice a vencer-se, com um firtnan de Sdlimão, o Magní- fico, dentro em breve derrogado. Propagou-se, pois, nos domí- nios dos Osmanlis, o uso do café e, do modo mais avantajado, na primeira metade do século XVI. Em 1570, renovou-se o movimento anti-cafèziâta, desta vez encabeçado pelo Grão Mufti e outros energúmenos, mas sem conseguir grandes re- sultados . Continuaram os turcos a beber café e do modo mais intenso . No século XVII, cabia aos árabes a exclusividade da lavoura cafeeira e acreditava-se aliás, então, que êstes ismae- litas ferviam as sementes a fim de lhes destruir o poder ger- minativo . Parece fora de dúvida que o revelador do café à Eu- ropa, por meio da imprensa, veio a ser Leonardo Rauwolf, via- jante alemão do Oriente, que, em 1592 e no seu relato de viagens, referiu a existência do grão da rubiácea e do seu de- cocto. O segundo veio a ser o ilustre botânico italiano Pros- pero Alpini que, em sua De medicina AEéyptiontm, se referiu ao chaova e à sua infusão. Contudo, parece incontestável que já antes de ambos êstes precursores, os venezianos (e isto é tudo quanto há de mais plausível) conheciam de sobra o café, por freqüentarem os portos levantinos de Alexandria e Cons- « PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 17 tantinopla, onde tanto se bebia café. Foi Alpini, aliás, quem primeiro desenhou um ramo de cafeeiro . àf Pretende Ukers, a citar um Dr. Cougnet, que as primeiras xícaras de cnfé bebidas na Europa ocidental o foram em Ve- neza, já em fins do século XVI. Entre os propagandistas do café na Itália, citam-se Pietro delia Valle e Honorio Belli, cor- respondente de Clusius, que passava por ser o maior botânico de seu tempo. Segundo Macpherson, apareceram os primeiros grãos de café na Holanda, em 1616, levados por certo Pieter van der Broek. Desde o princípio do século XVH faziam, aliás, os navios da Companhia das índias Orientais grandes transportes de café entre os países muçulmanos cfo Levante. As primeiras referências inglesas ao café parecem ser as da tradução da obra latina do médico holandês Bernardo ten Brocke (Paludanus), em 1598, dos viajantes William Parry (1601) e John Smith (1603). Já etn 1623, tratava do café o imortal Francisco Bacon. Na Holanda, o famoso botânico Bontius, em 1631, des- creveu o cavean dos árabes . Em 1637, bebia-se café, corrente- mente, em Amsterdam e exportava-se o grão para a Alema- nha. Coube aos holandeses um grande papel na obra de propa- gação da bebida pela Europa, setentrional e central. Seus nãvips, em 1642, segundo Wurfbain, transportavam grandes partidas da Arábia para as Índias. Em França, a primeira referência impressa é a de de LTÍcluse (Cusius) e a segunda de Duloir (1654). Viajantes franceses, dois dos quais célebres, Tavemier e Thévenot, e um terceiro muito menos conhecido, Bernier, contribuiram imenso para a divulgação do café. Parece que a Thévenot se deve a introdução do café em Paris, em 1657. De 1660 em diante, passou-se a beber muito café em Marselha. Formidável impulsionador, em França, foi o embaixador de Mahomet IV junto a Luiz XIV, o faustoso Soliman Agá. Tornou-se verdadeira mania na côrte do Rei Sol tomar- se café, e a marquesa de Sevigné escreveu a tal propósito uns reparos, que citadores pouco respeitosos dos textos— segundo uns, Voltaire, segundo outros. La Harpe, comentaram num afo- rismo repetidíssimo, jamais pronunciado pela célebre episto- lógrafa: Racine passara comme le café. Parece que, na Inglaterra, foi Sir Harry Blount quem en- sinou a preparar café, coisa que aprendera entre os turcos. 18 AFFONSO DE E. TAUNAY Consta que o primeiro propagandista do café, em Londres, foi um tal Conopios, refugiado grego natural de Creta. Mas, pa- rece que o primeiro café público deveu-se à iniciativa de um grego ou armênio, chamado Pasqua Rosée. Houve, na Ingla- terra dos últimos Stuart, vivos debates sôbre a benemerência e a nocividade do café. Pontuaram-nos pitorescos incidente» como, por exemplo, o da representação das mulheres de Lon- dres a Carlos II, pedindo a proibição da bebida que, no seu dizer, esterilizava a espécie humana. Em 1670, verificava-se em Londres enorme multiplicação o mau govêrno de Carlos II, que acabou por mandá-los fechar em 1675, mas não ousou tornar efetiva tal medida. Nos cafés Foi a Inglaterra setecentista notável bebedora do café, e entre os principais adeptos da infusão arábica citam-se alguns grandes nomes, como os de Swift, Pope, Addison e Samuel Johnson . Atribuem as autoridades a preferência ulterior dos inglê- ses para o chá à propaganda da Companhia Britânica das ín- dias Orientais, a British East índia Company, que movia tre- menda guerra à sua congênere holandesa, propagandista do café. I Nas terras do Império Germânico, o café se infiltrou pela via de Hamburgo e as influências holandesa e britânica. Na grande cidade hanseática, o primeiro café público data, se- gundo parece, de 1679. Berlim teve o seu em 1721. Na Ale- manha meridional, a penetração se operou por via italiana. Frederico, o Grande, aliás grande bebedor de café, mostrou-se- lhe adverso, defendendo a bebida tradicional dos teutos: a 1 cerveja. Taxou-o fortemente. Já em tôda/ á Alemanha se con- sumia imenso o café com leite, mistura que passa por invenção germânica . Na Alemanha setecentista, existiu Um adepto fanático do à qual já nos referimos — Frederico, o Grande. Para alguns autores, passa Viena por ter sido a primeira cidade teutônica que conheceu o café . E esta circunstância se prende à história do famoso cerco de 1683, quando o grande exército otomano de- londrinos muito se operou a efervescência dos espíritos que deu em terra com os Stuarts, em 1689. de cafés públicos, centro de falatórios dos oposicionistas contra 19PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL Kara Mustafá foi, sob os muros da então capital do Santo Império, desbaratado pelas tropas do heróico SobieskL Fugindo, deixaram os turcos em sua impedimenta, numerosas sacas de café. A êste caso prende-se o romântico episódio do polaco Kolschitsky, decantado em prosa e verso. Ao herói do cêrco de Viena deveu-se a abertura do primeiro café público da grande cidade. Na Suécia, começou o café a ser ingerido depois de 1721. Na Holanda, acredita-se que os primeiros cafés públicos datam de 1665, em Haia, e de 1666, em Amsterdam. A república bátava jamais opôs o menor óbice à propagação do licor ará- bico. E a mais velha peça iconográfica européia que se co- nhece sôbre café, é certo quadro de um dos maiores pintores neerlandeses: Adriano van Ostade. Desde 1690, pensaram os bátavos em plantar a rubiácea na Malásia, sob instigação do famoso Nicolau Witsen, burgo- mestre de Amsterdam e diretor da Companhia das índias Orientais. Parece que o primeiro cafèzal de Java data de 1696 e foi plantado por ordem do Governador Geral van Ondshoorn, perto de Batávia. De Java, propagou-se o cafeeiro a diversas outras ilhas, como Sumatra, Celebes, Timor, etc. Há dúvidas acêrca da data da remg?sa do primeiro carrega- mento de café da Malásia à Amsterdam. Parece que, em 1706, ocorreu um primeiro ensaio, remetendo-se, ao mesmo tempo, mudas de cafeeiro ao jardim botânico de Amsterdam. Destas mudas se originou o imenso cafèzal americano. Diz Ukers que a primeira partida comercial, cêrca de quilos, vendeu-se na Holanda, em 1711. Consta que o primeiro café público italiano se abriu em 545 . Proliferaram os cafés, largamenté, pela Península Itá- Jca . Tornaram-se cél.ebres, em tôda a Europa, os cafés vene- tianos, genoveses e romanos. Surgiu na Itália & primeira publicação ocidental sôbre o café, De salubérrima poiione cahue seu café nuncupata dis- cursus, da autoria de Fausto Naironi, erudito maronita, resi- dente em A bil cafeeira abrem os árabes, como era de es- fmio do café, de Fakre Eddin, e as poesias do rif-Eddin, obras do século XVI. Já no século os europeus celebradores das virtudes do café. primeiro foi o poeta italiano Belighi. Citam-se, dsJ ' A 1 20 AFFONSO DB E. TAUNAY I entre os grandes nomes literários e científicos, como defensores do café: Milton, Voltaire, d’Alembert, Diderot, Pope, J. R Rousseau, Benjamin Franklin, Goldoni, Delille, talvez o mais citado de todos, graças aos seus famosos versos mil vezes repe- tidos: II est une liqueur, etc. c’est toi divin ca/é/ etc. Grande quantidade de poetae minores celebraram a infusão arábica, através dos arroubos do seu estro mais e menos inspirada Entre outros grandes vultos e notabilidades do século, citam- se J. J. Rousseau, B. de Saint-Pierre, Luiz XV, José n, Na- poleão e Talleyrand. Entre os artistas, arrolam-se nomes insignes como os de João Sebastião Bach, com a sua deliciosa Cantata do café, Van Ostade, W. Hoggarth, Boucher e Van Loo, glórias das mais puras em suas diversas escolas. Em França, os cafés públicos múltíplicaram-se, notàvel- mente, no século XVIII, representando o mais elevado papel como local de debates políticos. Já, aliás, os havia no século anterior, como o Café Procopio, aberto por um siciliano, Pro- copio Cotelli ou Cetelli, e o ainda mais conhecido Café de la Régence, datado de 1689 e, assim, crismado em 1718 , notável como centro emcadristíco mundialmente reputado. Cresceu tanto o comércio cafeeiro na monarquia do Rei Cristianíssimo que, já em 1708, negociantes de Saint Malô organizaram uma companhia para importar o gênero direta- mente da Arábia, daí se originando a célebre viagem de La Rocque. Nos tempos da Grande Revolução, tiveram excepci importância vários cafés, como de la Régence, Lemblin, Foy, etc . , assiduamente freqüentados por vultos da maior c bridade. como Robespierre, ‘Camille Desmoulins, Napoleão muitos mais. S,'j * • A bibliografia cafeeira dos séculos XVII e XVIII, fr cesa, inglêsa, alemã e italiana, avultou cada vez mais. A fran cesa é encabeçada pela obra de Philippe Dufour: As admirfc veis virtudes da amora chamada café (16711. Vaio muito de- pois das páginas do botânico inglês Johr^tfjHknson, cujo Theatrum hotanicum é de 1640, e posterior, idjfafruco aliás, à Quality and most excellent vertues oi Morton (1670). A mais antiga contribuição germânica^Hj^Hb a Pe- tersen: De potu coffi (1676). Parece que o riódico de propaganda cafeeira vem a ser " A PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 21 casa de café, outrora na Itália, e agora na Alemanha”, jorna- leco editado em Leipzig, em 1707, e propriedade de um ita- liano chamado Felipo Giorgi. Sôbre o vocábulo café, largamente discutiram os etimo- logistas de várias nacionalidades. Aventa Sir James Murray que a palavra se filia ao topônimo abexim Kaffa, a cidade do Choa no sudoeste da Etiópia, região de onde parece proceder o café. A seu ver, Kaffe passou a ser para os árabes qahwah, termo que os turcos pronunciam Koveh. A Murray contesta- ram James Platt, o filólogo indiano V. Chattopadhyaya e o erudito lingüista W. Prideaux, que repelem a influência turca. Para Ukers, que analizou estes pareceres, não pode haver dú- vida possível, provém do árabe, através do turco, a palavra café e suas modalidades idiomáticas européias. Em sua erudita monografia sôbre os primórdios do café, entende o Dr. Jorge Padberg Drenkpol, apoiado em muitas autoridades de primeira ordem, que café não vem do etíope cafia ou kaffa, de acôrdo com o primeiro aventador de tal etimologia — Bruce, célebre viajante africano. Deriva de qahwa, vinho em árabe. Ao cafeeiro chamavam os abexins bunn Vinho de bum, qahwa de bunn, como descobriram ilus- tres orientalistas, Sylvestre de Sacy e Bartolomeu d’HerbeJot Mera circunstância fortuita aproxima o topônimo abexim Kaffa e o substantivo árabe qahwa que, ao ver de muitos dos mais abalizados orientalistas, é o incontestável avoengo do café. Exaustivamente estudou P. Drenkpol êste assunto, con- sultando avultada bibliografia de primeira ordem. As primeiras referências ao café, em língua portuguesa, parecem até hoje provir de alguém que descendia da gente ribeirinha do Jordão* o judeu Pedro Teixeira, que grafou o substantivo em 1610. Nem João de Barros e Diogo do Couto, nem Fernão Mendes Pinto e Garcia da Orta jamais se referiram ao café. Nem tão pouco os embaixadores de Portugal às terras de Pres- tes João, os missionários portuguêses enviados à Abissínia. E’ sobremodo estranho que aos lusos o café haja por completo desinteressado, quando os seus rivais e competidores no Oriente, 22 AFFONSO DE E. TAUNAY * -Jm os holandeses, tanto fizeram pela propagação do gênero na Ásia e na Europa. .Fala-se que no relato de viagem do Padre Manuel Go- dinho, jesuíta, às terras persas e indianas, ocorrem referências ao café. Isto data de milésimo posterior a 1623. Raríssimas referências ao café se encontram nos auto- res portugueses seiscentistas. Um apenas, Duarte Ribeiro de Macedo, como veremos, entreviu o grande futuro do café para as colônias portuguesas, sobretudo para o Brasil. Bluteau, o nosso célebre protodicionarista, consagrou, em 1711, extenso verbete de seu monumental léxico ao café, “de- rivado do arábico cahveh e droga que já começava a se intro- duzir em Portugal”. Depois de Bluteau, vemos o café mencionado no léxico do insigne arabista Frei João de Souza, em 1789. Quem teria sido o primeiro autor brasileiro que fez im- primir a palavra? Pensamos que o nosso dicionarista flumi- nense Antonio de Morais e Silva. Em seu Dicionário, na edi- ção princeps de 1789, aparecem café e cafeteira. Os derivados do café aumentaram com o correr do tempo. Em 1881, Aulete apenas consignou sete; Maximiano de Lemos, em 1898, elevou êste número a dezenove. Figueiredo consignou uns vinte e cinco, em 1922. Pode-se afirmar que há, certa- mente, uns trinta vocábulos brasileiros e portuguêses deriva- dos de café, Amigares como cafèzista, cafelama, etc., além dos científicos como cafeína, cafeona, etc. Referimo-nos a Duarte Ribeiro de Macedo, o notável di- plomata português seiscentista, escritor de mérito, purista de tão alto relevo, que figura entre os possíveis autoree da Arte de Furtar. Amigo de Vieira e de Bluteau, foi ministro de Por- tugal em Paris e Madrid. Muito aconselhou aós reis, seus amos, que plantassem no Brasil a árvore da especiaria. Se a grande colônia ameri- cana fornecesse êstes gêneros exóticos, arruinado ficaria o co- mércio holandês do Extremo Oriente. Bm 1673, endereçou ao Príncipe Regente, futuro D. Pe- dro II, um Discurso sôbre os gêneros para o comércio que há no Maranhão e Pará, em que enumerou as trinta e sete produ- ções próprias daquela repartição, lista a que encabeça o café. iijr. »••• : >& PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 23 Verdade é que o diplomata encareceu muito mais caloro- samente a produção do algodão, da cana, do cacau, do arroz e do caroá (sict), do que a do café. Acêrca do cultivo da rübiácea, escreveu assaz nebuloso trecho, dando a entender, segundo alguns, que na data em que redigiu já era ela plantada no Pará, o que não é de todo ad- missível em face da larga documentação hoje conhecida. Seja como for, a Duarte Ribeiro de Macedo cabe, sem dúvida alguma, o patriarcado do interêsse pela implantação da cultura cafeeira no Brasil, mais de meio século antes da en- trada das primeiras mudas de cafeeiro em Belém do Pará. Na Itália, as mais velhas referências bibliográficas cafeei- ras, além do que já alegamos a propósito do maronita Fausto Naironi, são, segundo B. Belli, a Virtú dei Caífé, de Magri (1671), 11 caiié com piú diligenza esaminato, de Solcano (1674), o Dell uao e abuso dei caííé (1691). Na Alemanha, cita-ee como o número um da bibliografia cafeeira, o Usum et ábusum potum Thee et Cofie, de um dos Camerarius, Rodolfo Kamer-Meister (1694), obra precursora de enorme série. Na tão vivaz e atraente A Vida maravilhosa e burlesca do café, da autoria recente de Teixeira de Oliveira, há curiosa referência. "Temos um estalão para avaliar o prestígio imenso do café no mundo intelectual da Itália . Referimo-nos à revista 11 caffé, editada em Milão, com a colaboração do marquês de Beccaria, o santo do Direito Penal”. Consta que o primeiro cafeeiro transportado à Europa foi o que os holandêses levaram de Moka à Amsterdam, em 1616. Em 1670, houve quem pensasse em aclimar a rübiácea em França, em uijon, mas. o êxito da operação resultou nulo. Segundo o famoso Boerhaave, o sábio da cabeça fresca, pés quentes, ventre livre e mófa dos médicos, data de 1690 o primeiro ensaio de transplatanção de mudas da Arábia para Java. Diz-se que os plenipotenciários franceses à conferência 1713, de onde resultou a paz de Utrecht, solicitaram, por em de Luis XIV, mudas de café do Jardim Botânico de sterdam. Havendo o burgomestre desta cidade satisfeito ta! 24 AFFONSO DE E. TAUNAY pedido, enviou-se um cafeeiro novo e vigoroso ao Rei Transplantado em Marly, passou depois a viver numa estufa do Jardim das Plantas de Paris, sob as vistas carinhosas do ilustre Antônio de Jussieu . Pensaram os franceses, logo, em crear lavouras de café nas Antilhas, escolhendo Jussieu a Martinica para campo das primeiras plantações. As duas primeiras tentativas resultaram falhas. Afinal, a mais uma coroou o êxito. À que o sr. de Chirac, diretor do Jardim das Plantas, em 1723, confiou a Gabriel Mateus de Clieu, oficial da marinha de guerra francesa, personagem em cuja biografia ocorrem muitas obscuridades, em torno das quais lendas se crearam. Não se sabe, ao certo, qual haja sido o mi- lésimo da famosa transplantação do cafeeiro, patriarca de bi- lhões de árvores americanas . O próprio De Clieu nada escre- veu a tal respeito. Sabe-se* porém, que teve atribulada tra- vessia atlântica, receioso de ser capturado por corsários bar- barescos, o que por um triz se realizaria, quase vitimado por tremenda tempestade e por último flagelado por interminável calmaria, em que quase todos os tripulantes da sua nau pere- ceram por falta de égua doce a bordo . Foi ai que, para salvar a preciosa plantinha, com ela repartiu a minguadíssima ração do liquido. Pôde salvá-la. Foi êste cafeeiro o patriarca do cafèzal martiniquense que, em 1726, já contava umas duas mil árvores . Afirma Ukers, apoiado em Rossignon, autor da América Central, que antes da viagem de De Clieu havia cafezais no Haiti e em S. Domingos. Mas, Padberg pensa que esta asser- ção veiu de um êrro tipográfico de 15 em lugar de 25, ale- gando razões, aliás, as mais ponderosas. Consta que os pri- meiros cafeeiros da Guatemala foram plantados entre 1750 e 1760. Sôbre a efeméride congênere em Cuba, há dúvidas: 1750 ou 1769. Parece que 1755 é o ano idlntico para Pôrto Rico, 1790 para o México, 1779 para Costa Rica, 1730 para a Jamaica. Consta que o Salvador só começou a cultivar café quando o século XIX ia avançado. Na América do Sul, a primeira região invadida pelo feeiro foi o Surinam, para onde bs holandeses, senhores d colônia, mandaram mudas, talvez por volta de 1715. Diz blet na sua conhecida Hi&toke des plantes de la Guyana F c-aisG (1775), que um prófugo de Caiena, refugiado no S ca- UENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 25 narp, 1 Hto governador da Guiana que o perdoasse. Em troca, i^P^aria sementes de café. Êste indivíduo chamava- se Mourgues, ao que parece . O Sr. d’Albon, o governador, lhe concedeu o perdão. Assim, presume-se que os primeiros ca- feeiros plantados perto de Caiena são de 1721 ou dos dois anos imediatos. Mas, sobre o caso há muita obscuridade e correm versões diversas. De qualquer itianeira, é positivo que, já em 1726, havia na ilha de Caiena numerosas lavouras. No século XVIII, ao passo que na Inglaterra declinava muito o consumo do café, o inverso se dava na sua grande colônia norte-americana. Já na última metade do século XVII, era grande o gasto do grão arábico, na Nova Inglaterra. Aumentou imenso no século XVIII, sobretudo depois da independência dos Estados Unidos . O famoso “motim do chá", em Boston e em 1773, precursof da guerra libertadora, como que acirrou os americanos na preferência pelo café. A intole- rância do governo inglês, instigado pela ganância da British East índia Company, ia tornar os Estados Unidos uma nação de bebedores de café. Já em 1732, havia em Nova York uma bolsa de café. No decorrer do século XVIII, avolumou-se muito o número dos cafés públicos. Sôbre a entrada do cafeeiro no Brasil e seu intrndntm-, muito se tem escrito . Sobretudo de 1927 em diante. Para o desvendamento dafigura do portador das primeiras sementes da rubiácea confiadas ao solo brasileiro, muito contribuiram Joaquim Caetano da Silva, Capistrano de Abreu, Barão do Rio Branco, Manuel Barata, Rodolfo Garcia, Basílio de Ma- galhães, Teodoro Braga e Artur César Ferreira Reis. Foi Francisco de Melo Palheta personagem tão obscuro até os últimos anos, que historiadores relativamente modernos do café ignoraram, oor completo, o papel capital que êle repre- senta nos fastos cafeeiros! Até agora, não se esclareceu, satisfatoriamente, se Palheta era brasileiro ou português. Fora de dúvida vem a ser, po- rém, que era oficial de linha no exército português, sargento- mor no ano em que trouxe, de Caiena para Belém, os primeiros grãos de café plantados no Brasil. Presume-se que haja nas- cido nas vizinhanças de 1670. Em 1691, figura como comparte de uma expedição encarregada de escoltar as missões espa- nholas, de onde, abusivamente, saira para os domínios de Por- 7e éi 26 AFFONSO DE E. TAUNAY ê m m i tugal, o jesuita Padre Samuel Fritz, o famoso cartógrafo Amazônia, desterrado de Belém por ordem rég Em 1709, obtinha Palheta uma sesmaria no rio Ubatuba. Em 1722, já sargento-mor, chefiou uma grande jornada de exploração fluvial, de que há extenso relato publicado, em 1884, por Capistrano de Abreu. Saiu de Belém a 11 de novembro de 1722, subiu o Rio Mar até a foz do Madeira e êste enorme afluente até as terras hoje bolivianas. Visitou as missões jesuíticas ribeirinhas do Mamoré e, a 12 de setembro de 1723, aportou, novamente, a Belém .. Mas, a grande, a verdadeira celebridade de Palheta pro- viria de nova jornada, a de 1727. Começaram a surgir oe primeiros episódios da contestação franco-portuguêsa acêrca das fronteiras das duas coroas em terras amazônicas, o litígio que passou a ser franco-brasileiro depois de 1822, a questão do Amapá, e só se liquidou em 1900 com o laudo arbitrai de Berna . A João da Maia da Gama, Governador Geral do Estado do Maranhão, queixou-se acerbamente, em 1727, o governa- dor francês da Guiana, Cláudio d’Orvilliers, que portugueses haviam arrancado a balisa assinaladora da fronteira das duas coroas na Montanha de Prata, evidentemente situada em terri- tório francês. E, a tal propósito, ameaçou o seu correspon- dente de uma ação militar para repor as coisas em seu estado legítimo. Retrucou-lhe Maia da Gama, afirmando-lhe que pelas armas repeliria qualquer entrada francesa ao sul do Oiapoc. Assim, mandou que Palheta, à testa de uma expedição, seguisse para a zona litigiosa do Amapá. Transcreveu o Barão do Rio Branco grande parte do regimento passado a Palheta por Maia da Gama. Devia o oficial ir a Caiena entender-se com d’Orvilliers, pessoalmente. A 13 de maio de 1727, visitou Palheta o local onde, desde 1639, existira um marco português que os franceses haviam arrancado, em 1726, e atirado ao mar. De tal vistoria se lavrou solene auto, em presença, aliás, de um oficial francês do forte do Oiapoc . “Com a maior lisura procedeu Palheta, tão corretamente, escreve Joaquim Caetano da Silva em sua obra famosa — “L’Oyapok et l’Amazone”, que valeu ao Brasil, da mão da se- iK PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 27 governadora de Caiena, da mulher de C. d’Orvilliers, eciosa introdução do cafeeiro”. A propósito deste episódio, hoje conhecidíssimo, a mais antiga referência é a do bispo do Pará, D. Fr. João de São José Queirós. do governador João da Maia, o que se deveu ã generosidade de uma francesa, mulher do governador da praça que, sabendo a proibição e estado com que andavam os seus nacionais para que se não comunicasse a um português— de quem ignoramos o nome, e só sabemos ser N. Palheta (sic) que ali se achavà — indo visitar seu marido, e saindo todos a passeio, ela gene> rosamente lhe ofereceu em presença do esposo (que se sorriu), uma mão cheia de pevides de café, praticando a galanteria de ser a mesma que lhes introduziu no bolso da casaca, obri- gando-a a tal sorte, que lhe não sobejaram as expressões com que mostrou agradecer muito a madame esta franqueza e tbizarria”. Assim, à primeira vista, parece que a uma iniciativa ex- clusiva de Palheta se deveu o transporte de grãos de café de Caiena ao Pará, iniciativa vingada pbr uma circunstância for- tuita, o encontro da boa vontade e cordialidade da Sra. d’Or- viliiers. Mas, tal não se deu. Levava o oficial formais instruções de João da Maia da Gama para que se esforçasse, de todos os modos, por angariar grãos de café e os trazer a Belém. Coube a Teodoro Braga o desvendamento desta revela- ção capital na história do café no Brasil, mercê da descoberta de um documento de que Basílio de Magalhães só fconheceu os fragmentos, publicados pelo Basão do Rio Branco. Reza o capitulo décimo das instruções dadas por Maia da Gama a seu comissionado: “e se acauso entrar em quintal ou jardim ou roaaa ahonde houver caiee, com pretexto de pro- var alguma fructa, verá se pode esconder algum par de graons com todo o disfarce e com toda a cautella”. Chega Teodoro Braga a admitir, até, a hipótese de que c principal móvel da viagem de Palheta haja sido a obtenção das sementes de café. Assim, a idéia da introdução do cafeeiro no Brasil se deve 0 João da Maia da Gama, inspirador de Palheta. Deve êste 28 AFFONSO DE E. TAUNAY Já em 1731, segundo Teodoro Braga, chegavam a Lisboa pequenas partidas de café do Pará e do Maranhão. Uma reso- lução de D. João V e de 1731, isentou o café de direitos du- rante doze anos. Muito recomendou o primeiro Rei Fidelíssi- mo aos seus delegados na Amazônia que incentivassem o plantio do cafeeiro. Já em 1734, entravam no pôrto de Lisboa três mil arrobas de café da Companhia Geral do Maranhão e Grão Pará. Era o consumo português, então, insignificante. Pediu a Câmara de Belém, em 1739, a D. João V, o lançamento de direitos proibitivos sobre o café estrangeiro, e, em 1741, pro- meteu o rei deferir-lhe o requerimento. Nesta ocasião, produ- zia o Pará umas quinhentas arrobas anuaimentermais do que o consumo anual do Reino. A êste, o ministro Diogo de Men- donça Côrte Real avaliava, então, em 420 arrobas apenas, vendidas entre 2$800 e 3000 réis, preço, aliás, enorme para a época. Afinal, D. João V deferiu o pedido da Câmara belenense, que lhe acenara com a próxima extinção da indústria cafeeira local, se o comércio cafeeiro não fôsse protegido aduaneira- mente . Nunca foi considerável o volume da produção cafeeira paraense, a mais velha das do Brasil. Das principais exporta- ções de sua terra, fez o douto Barata um quadro correspon- dente ao período de 1773 a 1818, ano por ano, onde ocorrem, aliás, vinte lacunas. A média dos vinte e seis totais do quadro de Barata correspondentes a outros tantos milésimos, não atinge a quatro mil arrobas . Parece absolutamente incontestável que o cafeeiro pene- trou no Brasil pelo Pará. Entretanto, dois autores de antanho, um brasileiro, Monsenhor Pizarro, e outro estrangeira^ Ro- berto Southey, lançaram a absurda versão de que Dom Ma- nuel, o Venturoso, falecido em 1521, convém lembrá-lo, cogi- tara de mandar plantar café no Brasil 1 29 \ PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL estapafúrdia atoarda cabalmente rebateu Freire em 1856, corroborando-lhe palavras e conceitos da dos de Moura Brasil, Vieira Fazenda, etc. Drenk- pol, em 1927, atribuiu o êrro de Southey a alguma adulteração qualquer apógrafo da obra de Gabriel Soares, que o poeta historiador inglês haja consultado, apógrafo que, entretanto, [não se sabe hoje qual seja. » Assim, não pode haver dúvida possível: penetrou o ca- feeiro no Brasil pela via amazônica, vicejando as primeiras lavouras do futuro Braailiae fulcrum nas vizinhanças da ci- dade de Santa Maria de Belém. A mais antiga referência até agora divulgada e relativa ao consumo do café no Brasil, é o que ocorre no Peregrino da América, a conhecida obra de Nuno Marques Pereira, cuja composição terminou em 1733. Refere o piedoso autor que, nessa época, havia na cidade d’0 Salvador, “casas de pasto onde se serviam sorvetes, chocolates, chás, café e outras mui- tas potages dé gôsto ao paladar” . BHrtt à rs CAPÍTULO II f Propagação da cultura cafeeira na Amazônia, Mara- nhão e Nordeste. Entrada no Rio de Janeiro. Castelo Branco e João Hopman. Frei Veloso e o “Fazendeiro do Brasil". O bispo D. José Joaquim Justiniano, os padres Fonseca Couto e Lopes. A Mendanha. Os pri- meiros depoimentos sôbre os calèzais fluminenses. Oscafèzais das vizinhanças do Rio de Janeiro. S. João Marcos, Rezende, Pirai e Vassouras. O barão de Ai- urtsoca. Os primeiros documentos sôbre o caièzal pau- lista. Areias e Santos. Campinas. Invasão do norte paulista pelas lavouras. O café em Minas Gerais e Santa Catarina. O maquinério beneficiador primitivo. • * Introduzido o café na Amazônia, em 1727, era natural guê_aquela imensa região fôsse Q primeiro campo dacultura cafeeira. do Brasil . E, assim, se deu , emhora n5t> ela ali prosperar devido às condições climáticas. Çíobre a cultora do café na enorme região oue é hoje o Estado~do Amazonas, escreveram diversos autores , [deixando- nos assaz numerosos informes, como o desventurado e impá- vido jesuita João Daniel, em seu Tesouro descoberto no má- ximo Rio Amazonas, os relatos de viagem, e os Diários de Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, o Diário da Viagem 32 AFFONSO DE É. TAUNAY Filosófica pela capitania de São José do Rio Negro, do ilustre Alexandre Rodrigues Ferreira, e, ainda ültimamente, Artur César Ferreira Reis, na sua excelente História do Amazonas. Insignificante, porém, foi a produção dos cafèzais da Amazônia. No Maranhão, também, foi insignificante a cultura cafeeira dos primeiros anos aos nossos dias. Pouco, muito pouco, se sabe sobre a introdução do cafeeiro em terras mara- nhenses. E’ fora de dúvida, contudo, que a sua cultura jamais ali prosperou,^ segundo o autorizado depoimento de Souza Gayoso, autor 'do Compêndio histórico-político dos princípios da lavoura do Maranhão. No Piauí, afirmou o erudito Pereira d’AIencastre, em 1855, na sua excelente Memória Cronoló- gica, Histórica e Corográfica da Província do Piauí, “o café nunca se plantou na província”. Quanto ao Ceará, diz Studart que o capitão-mor de Sobral, o pernambucano Furna Uchoa, plantou, em 1742, na serra da Meruoca. uma» mudas de cafeeiro que trouxe do Jardim das Plantas, de Paris. O Sr. Máximo Linhares, desoendente de Uchoa, contesta a Studart, aproximando de nós a data para 1760. Desenvolveu-se o cafèzal cearense, relativàmente, nas en- costas das 9erras de Baturité, Aratanha, Pacatuba, etc. A pro- dução cearense foi assaz considerável, contudo, para a época. No Rio Grande do Norte colonial jamais se tentoua cultura, cafeeira. Na Paraíba foi ela insignificante. Henry Koster, que de 1809 a 1825 percorreu o nordeste, escreve em suas tão interessantes e valiosas Traveis in Brazil que, em seu tempo, o café e o cacau eram, em Pernambuco, plantados como cul- tura experimental apenas, o que confirma Tollenare em suas preciosas Notas dominicais. Em Alagoag e Sergipe, nula, por assim dizer, foi a cafeicultura colonial. Na Bahia, surgiram cafeeiros nas imediações de Caravelas^ trazidos que para ali foram por dois capuchinhos, Frei Marcelo de Gradisca e Frei Pedro de Veneza, em 1784 ou 1785, conforme cabalmènte esclareceu Frei Fidelis Mota de Primeiro, Provincial dos Ca- puchinhos, em sua excelente obra Os missionários capuchinhos no Brasil. Documentos oficiais nos revelam que, já ém 1780, havia pequenos cafèzais na Bahia. Fala-se que, em 1782,. seriam 400 000 os cafeeiros da comarca de Ilhéus. V r PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 33 A exportação para o Reino começou piais tarde. Santos Vilhéha em suas curiosas e valiosas Cartas soteropolitanas, a respeito da exportação de 1798, declarou que nela se incluiam 254 sacas de café. Spix e Martius, em 1817 avaliavam esta exportação entre dez e doze mil arrobas, e Mrs. Graham, pouco depois da Independência, dizia do comércio cafeeiro baiano que era muito restrito, em relação ao do açúcar, fumo e algo- dão. Lindley, em 1803, contava que os cafés públicos da ci- dade d’0 Salvador não passavam de sujos botequins. Em 1811, descrevendo ao Conde de Barca o que ia pelo Espírito Santo, lembrava Francisco Manuel da Cunha a sua pequena produção de café. O relatório do governador Fran- cisco Alberto Rubim, datado de 1817, corrobora esta asserção. No Rio de Janeiro, quer nos parecer que a primeira alusão ao café seja a do Abbé La Caille, ilustre astrônomo e geodeta francês que, em 1750, esteve na cidade carioca de passagem para o Cabo da Boa Esperança . Em seu relato de viagem, diz êste cientista que tomou café ao findar um jantar “magní- fico”, oferecido por um tal Paulo Vincent, fluminense de ori- gem holandesa. Seria café importado, pois, em 1768, verbe- rava Cook, o grande circunavegador, a desídia dos cariocas que de Portugal importavam todtfjfÉafé e chocolate consumi- dos em sua cidade. ece absolutaaáj Hpehcido que o introdutor do Uno Rio ^^^BI^^^NPo chanceler da Relação local, de Castro Branco /Colcca Mon- lepois de 1770, mas Aires do Casal se naturalizou, no Rio, na época do e de Bobadela, falecido a 1 de janeiro de da Silva Lisboa atribuiu a prioridade a capu- ranceses, o que é inadmissível por anacronismo. O Ide PedracBranca dá tal prioridade a João Hopman, longamente residente no Rio . |xe Castelo Branco as primeiras mudas de café para vizinhanças de 1760. Em 1756, servia na Relação a 14 de maio de 1757, chegou à Bahia vindo da manifesto de sua nau Santo Antônio e Justiça não troüxesse mudas de café. Em 1760, era chanceler ío do Rio de Janeiro. E parece que foi, então, que Maranhão cafeeiros pequenos. Entregou-os aos ca- \ 34 AFFONSO DE E. TAUNAY 8/.. I 1'L 1 * puchinhos e estes o plantaram em sua horta, onde, em 1782, o cônego Januário Barbosa os viu viçosos. Alguns autores há que atribuem ao Vice-Rei, Marquês do Lavradio, decisiva influência sobre a propagação cafeeira no Rio de Janeiro. Quer nos parecer que decorre tal atoarda da divulgação de um dos mais velhos dos romances brasileiros, o de Luiz de Azambuja Suzano, o Capitão Si'vestre e Frei Ve- loso ou a Plantação do caié no Rio de Janeiro, publicado em 1847. Nesta novela se conta que Lavradio usou de verdadeira prepotência para obrigar os lavradores das cercanias do Rio de Janeiro a plantar café, havendo feito entre êles larga dis- tribuição de sementes. Conta o romancista que um dêstes fazendeiros, o capitão Silvestre, indignado com esta violência, foi ter com Frei Veloso, a queixar-se das ameaças do Vice-Rei aos acaso desobedientes às suas ordens , ( Eo nosso ilustre botâ- nico dissuadiu-o de deitar fora os grãos da rubiácea, afirman- do-lhe que a nova lavoura o poderia enriquecer. O exame da correspondência oficial de Lavradio não nos autoriza a perfilhar semf 1779, ao passar o govêr comendou-lhe muito anil, do arroz, da amo/ uma única palavra ao caf íante versão. Ainda em junho de |UÍz de Vasconcelos e Souza, re- . incremento da cultura do is, etc., e não cor A Lavradio preocupou, dc fibras da guaxuma, a malvácea pelo Dr. Augusto Carlos da Silva Teles7 Politécnica de S. Paulo, em princípioà do sultados sobremodo dignos de aprêço. Viu o Vice-Rei na guaxuma ou aramina um magnífico do cânhamo, e mandou que sôbre ela se es exames de resistência. Tais ensaios, feitos no arser rinha do Rio de Janeiro, foram dirigidos por umj João Hopman, “homem excelente”, morador no Ri<; vizinhanças de 1740. A 12 de janeiro de 1778, es quês ao ministro Martinho de Melo Castro, louvanj os múltiplos méritos do neerlandês. E aí diz — “êle meiro que plantou o café e que ensinou a moda dej e de lhe fazer todo o outro benefício que êle precis leo M jAr . KW*:, y*3 PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 35 A 23 de maio seguinte, reiterava êstes elogios ao Ministro, a quem contava que o bátavo tentara crear a sericicultura na capital brasileira, nada obtendo de prático “por não haver quem o animasse. Recolhera-se à sua quinta de Mata Porcos, onde conservara só a cultura de café num pequeno terreno que compreendia a mesma quinta, por não lhe permitir maiores esforços a falta de sua possibilidade”. Faleceu João Hopman entre 1782 e 1789, e até o fim da vida ocupou-se com as experiências sôbre a guaxuma. Em 1787, o capitão inglês Watkin tendo passado pelo Rio de Ja- neiro, dizia em seu relato de viagem que o café já não era ali mais importado. Já se plantava a rubiácea largamente, per- mitindo considerável exportação que, provàvelmente, se des- tinava ao próprio Brasil e ao Prata, mais do que ao Reino. Os agrônomos portuguêses de fins do século XVIII, tais como José Henrique Ferreira, Joaquim de Amorim Castro, -o bispo de Eivas, Azeredo Coutinho, Vandélli e Novais Na- varro, que cuidaram dos assuntos brasileiros, não se interessa- ram de todo pelo café. A correspondência da coroa mostra-se mais atenta às possibilidades da malvácia do que às da ru- biácea, como se deduz das instruções régias de 1798 a 1800. Tão insignificante ainda a produção brasileira, que o Prín- cipe Regente, em março de 1800, requisitava ao Vice-Rei para a Upharia da Casa Real, dez arrobas do melhor café do Brasil. De quanto era o café, em fins do século XVIII, ainda alheio às cogitações dos portuguêses da Europa, temos a mais frísante prova na publicação d’0 Fazendeiro do Brasil, espécie de enciclopédia agrícola luso-americana em onze volumes, con- feccionados por ordem do Príncipe Regente, D. João VI, sob a direção do sábio botânico autor da Flora fluminensis, Frei José Mariano da Conceição Veloso. Versam os dois primeiros volumes sôbre a cana de açú- car, o terceiro sôbre laticínios; o quarto e o quinto sôbre anil, 'urucum e outros corantes, o sexto sôbre a cochinilha. Aparece o café no sétimo e no oitavo, aliás volumosos, e constantes de traduções inglesas e francesas. O que é original no primeiro dêsse depoimento, como admitir-se que o franciscano Flora Fluminensis haja sido um dos arautos cafeeiros 36 AFFONSO DE E. TAUNAY / do Brasil? Como acreditar em sua colaboração com o marquês de Lavradio? Ao segundo volume ocupa a tradução da obra de certo P. Laborie, The coifee planter oi Saint Domingo, feita por An- tônio Carlos de Andrada. Gabando tal tratado, em 1798, dizia Frei Veloso que as futuras colunas da economia lusitana seriam o café, a cochi- nilha, o anil e o fumo (sic!). Mas, tão pouco entendia de cafeicultura, que antevia a possibilidade de cafèzais brasileiros darem duas colheitas anuais ! Da fazenda do Capão, propriedade do bispo Castelo Bran- co, sairam mudas para a da Mendanha,- pertencente ao padre Antônio Fonseca, padrinho de Freire Alemão. Foi o Capão o primeiro grande centro de disseminação de cafèzais do sul. Conta um autor anônimo que os lavradores de serra acima descarregavam as cangalhas de suas mula* e voltavam com elas cheias de mudas. Dentro em breve estavam prósperos, saindo da antiga e completa pobreza . Surgiram, pois, no oeste fluminense, pequenas lavouras cafeeiras, que Carneiro Maia pensa haverem começado a produzir nas imediações de 1785.r Em 1792, visitou Sir John Barrow uma fazenda no vale da Ti.juca, onde trabalhavam cem escravos em cafèzais, canaviais, algodoais, além de tratar de cacau, frutas e outros artigos valiosos . Nas pinturas dos Pavilhões do Passeio Público notou Barrow um quadro representando um cafèzal. O viajante inglês Tuckey referia, em 1805, que, em 1794, a Guanabara exportara 312 sacas, e, em 1802, 6 250. John Mawe, em 1808, teve péssima impressão dos cafèzais de Santa Cruz, que lhe pareceram verdadeiras moitas florestais . Visi- tando Cantagalo, saindo de Niterói, encontrou pequenos cafè- zais aqui e acolá. John Luccock que residiu no Brasil de 1808 a 1818, dei- xou em suas Notes otí Rio de Janeiro interessantes depoimen- tos sôbre a lavoura cafeeira rudimentar dos arredores do Rio, além das serras, no vale do Piabanha, do Paraíba e do Pa- raibuna. Dá-nos, também, informes sôbre o destino do café exportado pela Guanabara para os Estados Unidos, Cuba, Rio da Prata, norte da Europa, Portugal e Chile, principaknfl^fc Freyreiss, zoólogo alemão, empreendeu, em 181' viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais, via Córreç PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 37 e Paraíba do Sul, encontrando pequenos cafèzais aqui e acolá. yMas, embora o café começasse a avultar na exportação do Brasil, ainda era, em 1774, todo importado. Alguns anos mais tarde, Spix e Martius-publicavam que a exportação fluminense fôra, em 1817, de 298 998 arrobas e, em 1820, de 460 423, o que exigia a existência de alguns milhões de cafeeiros, quiçá uns doze. Viajando, em 1815, pela baixada fluminense em direção a Campos e ao Espírito Santo, o ilustre naturalista Príncipe de Wied viu algum café, sobretudo em Macaé e Campos. Escrevendo, em 1817, o seu notável relatório sobre de Janeiro, dá Luiz de Freycinet, o ilustre navegante fr í primeiros e valiosos informes sôbre a lavoura cafeeira nense. Segundo êle, até aquela data não havia nos^rredoí do Rio fazendeiro algum proprietário de mais vinte mil cafeeiros. Nada mais sensato do que os conselhos de Frey- cinet aos que quizessem abrir lavoura de^éafé. Já naquela época, porém, as lavouras serranas eram qaiuito mais avultadas. Em 1822, viu Saint Hilaire uma fazenda com mais de cem mil árvores, perto de S. João Marcos . Em 1820. o mine- ralogista Alexandre Caldhnigh cüícorreu sôbre as condições da agricultura brasileira, JftiÉando acerba crítica ao misoneismo de seus processos. E anotava/ que a lavoura de café já era lucra- tiva. Alguns estrgOKiiw a ela se dedicavam com êxito. Em 1827, Teodor eech afirmava que a lavoura cjlieira jando muito, trinta anos.fluminense Sôt eiros anos cafeeiros do Bras :odo aprêço: a Histoire des relaita^^^U^ner- résil et la France (1839), da lavra d&eminente oracio Say, que residiu no JBrasil e nêle comer- café, de 1815 em diante, durante assaz largo prazo parece . Analisou Say com muit o panorama econômico-finj iha sido o primeiro a^ o ponto de vista ição e notável acuidade Brasil, e pensamos que nossas questões cafeeiras ide comercial. Percebeu o iqüente . Et amos de. do café e o assinalou de modo iva o Brasil 60 milhões de quilo- iis 55 de procedência fluminense. De- às AFFONSO DE E. TAUNAY cuplicara a produção, de que resultava grande prosperidade de larga . zona do Império . Na obra notável do veneziano Adriano Balli— Essai statistique sur le royaume de Portugal et d’Algarve compare aux autres états d’Europe (1822), há refe- rências, embora não muito consideráveis, à exportação do café brasileiro, assinalando a importância do gênero no conjunto do nosso intercâmbio nacional. V Figura interessante e pitoresca, vem a ser a de um dos mais velhos lavradores de café do Brasil, o general Conde de Hogendorp antigo ajudante de campo de Napoleão I, emigrado ra o Brasil após a queda do Corso, quiçá em 1817. Em 0, tinha nas encostas do Corcovado uma lavoura de seus il pés. Vivia modestamente e faleceu no Rio, em 1822. há interessantes depoimentos de Maria Graham, ld, Teodoro Taunay, etc. s estrangeiros de prol, cujos nomes figuram primevos do Rio de Janeiro, como fa- |cnde de Gestas, ministro de França no a Condessa de Roquefuil, tinha Grande da Tijuca; o Conde de a baroneza Rouan, perto de naite seus filhos, na chamada ugendas os visitaram; nos m zendeiros? Brasil, que 20 000 pés Scey, Príncipe de Boa Vista; Nicolau A: Cascatinha Taunay, on o Dr. Lecesnes, francês, an mingos, tido como um dos veti nense, chegando a possuir 60 000 Chamberlain, o diplomata o de Itaguaí; o barão de a da Estrela. Já em 1828," ldado dos regimentos merce Rio de Janeiro, dizia que o iuro, devido ac declive das na ilha de S. Do- afeicultura flumi- bem tratadas; o holandês andioca, aut< escrev nense era sujeitas à Plantado vado e da Serra as encostas voltadas'' mente expôs Geremário o café no Distrito Fedei truidas da capital brasileira.] cara do Portão Vermelho, no de suas trinta ou quarenta mil arrobas. ^Weech, rol, s montanhas cariocas do kdiu o.çafèzal» dentro em b^ve,.. como pormenor excelente estudo hoje totalmente coi i, como a^da C, houve lavoi uzindo 1 2 àí __ PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 'j-f: ''•• íj 39 Espraiou-se a onda çafeeira para~QS.distritQS de Jacare- paguá, Campo Grande, Santa Cruz-e Guaratiba,. “Desaparece- ram, pràticamente, da terra carioca, diz. CL Dantas, màs incon- trastável é que dentro da cidade do Rio de Janeiro se formou o primeiro núcleo de mudas e sementes que inundaram o terri- tório fluminense, Minas, S. Paulo, Paraná, Santa Catarina e Espíritp Santo, prodigiosa e incomensurável grandeza, a mais e^ ponderável fôrça econômica do Brasil perante o mundo face de nós mesmos”. Dois rumos notáveis e principais tomou a invasão çafeeira terras fluminenses, nos primeiros anos da disseminação da ibiácea: o do noroesté, com os núcleos importantíssimos de João Marcos e Rezende, e o do norte, de que decorreriam grandes lavouras de yassouras, Valença e Paraíba do SuL zona oriental da capitania, a de Cantagalo, só mais tarde iria a ser aproveitada pelos cafèzais, já muito depois dos anos /Independência . r- y Assumiu a zona de Vassouras importantíssimo papel nos Ifastos primevos do café. Já antes da fundação da atual cidade [dêste nome, por volta de 1780, cultivou-se um pouco da rubiá- »cea em Patí do Alferes. Entre as principais propriedades da região, cita-se a grande fazenda de Pau Grande, que perten- ceu ao Barão de Capivarí e ao filho dêste, Visconde de Ubá, e onde os cafèzais começaram a aparecer entre 1800 e 1810, segundo consta de documentos do arquivo do grande lati- Múndio. Na sesmaria de Vassouras, concedida, em 1782, a Francis- co Rodrigues Alves e seu sócio, Luiz Homem de Azevedo, er- guer-se-ia a capital do café brasileiro nas primeiras décadas do sépulo XIX. Segundo a tradição, começou ali o plantio de café efn 1792 e tomou, logo, enorme desenvolvimento. Incremen- tou-se esta lavoura imenso, sobretudo a partir de 1816 com a chegada de Custódio Ferreira Leite, futuro barão de Aiuruoca (1782-1859). Foi um dos mais notáveis pioneiros da cultura çafeeira nas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Era um entusiasta da nova lavoura e seu incansável propagandista. Ho- mem infatigável, viajando sempre, pessoa da mais alta repu- tação de probidade e filantropia, espírito progressista como raros, trouxe das terras de crea^ão do" seu planalto mineiro natal numerosíssimos parentes e amigos, que se afazendaram w m V: A I 40 AFFONSO DE E. TAUNAY em diferentes pontos, como Vassouras, Barra Mansa, Valença, Sapucaia, Paraíba do Sul, Mar de Espanha, Leopoldina, etc. Incansável peregrinador das novas regiões abertas à civi- lização, assinalava a sua passagem pelos diversos povoados com obras de utilidade e benemerência públicas, como a cons- trução de igrejas, cemitérios, casas de câmara, etc. E, sobre- tudo, se batia pela abertura de estradas, dirigindo êle próprio os serviços, como no caso da grande via nova que, partindo^ Magé, vencia os aclives da Serra dos Órgãos, ia ter a Sapucop penetrando na Mata de Minas, nas vizinhanças do Mar*<: Espanha . J “Abrir fazendas, dêle disse o cônego J. C. Fernandes nheiro, era para o capitão-mor Custódio Ferreira Leite nea cio da maior facilidade e no que sentia suma satisfação. An piamente com isto ganharam seus amigos e protegidos, e mal dum personagem deveu a origem da fortuna à sua magnanl midade" . Para as terras fluminenses atraiu seis de seus irmãos, nu' merosos sobrinhos, numerosíssimos primos, todos mineiros. E raros foram os que não prosperaram, e muito, com esta trans- plantação. Entre os sobrinhos estavam os filhos de seu cunha-] do, o Barão de Itambé, os irmãos Teixeira Leite: José Eugênio, Francisco (barão de Vassouras), João Evangelista, Antônio Carlos, Joaquim, Carlos e Custódio, que em meiados do século XIX eram verdadeiras potências nos meios cafèzistas e tanto se destacaram nos nossos fastos primevos ferroviários. No oeste fluminense, notabilíssimos centros cafeeiros anti- gos foram S . João Marcos e Pirai, onde as lavouras da rubiá- cea tomaram incrível incremento, sobretudo a partir de 1810. Nesta época, era o café sobretudo plantado no litoral e na bai- xada. Assim, o distrito de Angra dos Reis, em 1811, produzira 10 000 arrobas. Em 1822, verificou Saint Hilaire o enorme progresso dos cafèzais marcenses e rezendenses, lavouras novas que Spix e Martius não haviam avistado ao passarem por aquelas mesmas paragens, em 1817. Perto de Rezende havia fazendeiros de sessenta, oitenta e até cem mil cafeeiros. Pelo preço do gênero deviam ganhar somas enormes, observa o célebre viajante francês. Pertenciam em geral, po- rém, a gente muito rústica ainda. “Em 1817, segundo depõe Aires do Casal, em sua bene- mérita Corografia Brasílica, o café vinha prosperando nos ter- PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 41 renos fortes e frescos do país. O cafeeiro naturalizado no go- vêrno do Conde de Bobadela, por diligência de um magistrado, tinha se multiplicado prodigiosamente e enriquecido muita gente”. Dentre os distritos fluminenses cafeeiros põe em primeira plana^São Joãq Marcos e Rezende. São Gonçalo, Maricá e Ita- ~boraí davam alguma coisa. Sôbre Vassouras e Valença nada aduz, porém, do que êstes dois distritoá, depois tão famosos, começavam a produzir então. Quase contemporaneamente, em 1819, o primeiro viscon- de de Araruama, em sua Memória sôbre os campos dos Goita- cazes, relatava que o café ia invadindo a região entre o rio Macaé e a Lagoa Feia, produzindo ali mais de duas mil arrobas . A xenobibliografia de em torno de 1820, ainda não atri- buía ao café grande valor. Assim, se dá com Le Brésil, a obra de Hipólito Taunay e F. Denis (1822), que descreve os pe- quenos cafèzais da Tijuca, inclusive o da própria fazendinha paterna do primeiro dos dois autores, a da Cascatinha . Cham- berlain, no mesmo ano, no seu admirável álbum das Views oi Rio de Janeiro refere que, no distrito montanhoso da Tijucaj havia consideráveis lavouras que pertenciam a emigrados, eu- ropeus, geralmente franceses, E’ difícil fixar-se a data em que em terras paulistas se plantaram as primeiras lavouras de café. O mais velho dos documentos da exportação por Santos, até hoje desvendado, data de 1795, referindo-se a uma remessa feita pelo Marechal Arouche a seu irmão, o erudito bibliófilo Diogo Ordonhes, então em Lisboa. Documentos publicados por Antônio de Toledo Piza revelam-nos que, em 1797, sa>- ram de Santos papa o Reino 1 924 arrobas de café em três navios. Na Dissertação a respeito da Capitania de S. Paulo, do desembargador Marcelino Ferreira Cleto, memória datada de 1782, não há uma única referência ao café, embora o autor seja muito minudente ao relatar o que era a produção paulista. Mas, já a 20 de agosto de 1787, escrevendo o juiz de fora de Santos, DrJfc®jMÚntônio Apolinário da Silveira, ao ministro Martinho de Castro, fazia-lhe ver quanto se achava a vila decade^^^Kntava-lhe que fazia o possível para levar os lavradore^^^Has a cuidar de lavouras cafeeiras. Já em junho de 17^^^Viam plantado dois mil e tantos cafeeiros. 42 AFFONSO DB B. TAUNAY 1 Em 1788, em suas Reflexões sôbre o estado da agricultura de S . Paulo, dava o Marechal Arouche a entender a existência de pequenos cafèzais no planalto paulista. Em 1783, o plagiário Manuel Cardoso de Abreu, no seu minudente e, aliás, muito interessante Divertimento admirável, descreveu com mil pormenores o que era a produção paulista e nem uma única vez se referiu ao café. O ilustre geógrafo e astrônomo paulista Lacerda de Al- meida, vindo por terra de Vila Bela de Mato Grosso a S. Paulo, em 1788 e 1789, inseriu em sua relação de viagem que vira café plantado no Forte do Príncipe da Beira e não se refera à rubiácea em seu percurso de Porto Feliz a S. Paulo. Assim, também é artigo de que se não fala no manuscrito 13 981 do Museu Britânicç: Capitania de S. Paulo, datado de 1792, e identificado por Oliveira Lima como sendo da lavra de Frei Veloso. Mas, já em 1797, o capitão-general Bernardo de Lorenc afirmava ao seu sucessor, Antônio de Melo Castro e Mendonça ao lhe passar o governo, que na vila de Santos havia muito fafé e da melhor qualidade. Em 1794, na Casa Verde, arrabalde de S. Paulo, então fazenda do futuro Marechal Arouche, havia alguns milhares de cafeeiros . Em 1794, João Manso Pereira — personagem que no sei# tempo passava por ser dos mais notáveis brasileiros, muitos versado em ciências naturais e química — queria que se plan* tasse café, mas para que com êle se aromatizasse a aguardente brasileira . Diz Correia de Melo, abalizado botânico paulista, que o capitão-general Melo Castro e Mendonça, a tanto instigado por seu antecessor Lorena, tratou de promover a cafeicultura em terras paulistas. Assim, brindou com algumas sementes ao seu amigo sargento-mor Raimundo Alves dos Santos Prado, ' que as plantou no seu quintal de Jundiaí. Tal fato se teria dado entre 1797 e 1799 . de Melo qué todo o cafèzal do oeste pai cafeeiros de Jundiaí. Em 1803, encontrou Martim Francis têrmo de Parnaíba e bastante em Itú. ínsava Correia rendia desses Igum café no *- O; ÉÜJá PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 43 As cifras de exportação por Santos acusavam 132 arro- bas para 1801, 1 243 para 1804, 1 060 para 1806 e 1 270 para 1807. Em Campinas, onde mais tarde houve tão formidável la- voura, consta que o primeiro cafèzal data de 1807 ou 1809, plantado pelo tenente Antônio Francisco de Andrade. John Mawe, que esteve em S. Paulo em 1808, viu bas- tante café nos arredores da cidade, mas muito mal tratado, amontoado sob telheiros húmidos e coberto por couros. Indo de Santos ao Rio de Janeiro, a velejar péla costa, não conta que haja visto cafèzais em parte alguma do litoral paulista, só se avistando com êles em Santa Cruz, em território flumi- nense. Entretanto, nesta época, segundo depõe os quadros oficiais insertos nas Memórias do Monsenhor Pizarro, saía de S. Se- bastião e Ubatuba bastante café. A Memória do desembargador Veloso de Oliveira, datada de 1810, sugeria ao Príncipe Regente que S. Paulo poderia produzir café ao lado do açúcar, aguardente, fumo, cacau, etc. Gustavo Beyer, ilustrado viajante sueco que visitou a ca- pitania de S. Paulo, em 1813, não viu grandes cafèzais no lito- ral paulista e, ao se referir a Santos, não menciona o grão entre os seus artigos de exportação. Mas, declara que na ca- pitania paulista existia a exploração remuneradora do café, do açúcar e da indústria dos couros. Caberia às terras do chamado “norte paulista” empre- ender a mais importante disseminação do cafeeiro, em terras de S. Paulo, por ordem de antiguidade. E a razão é fácil de se compreender: a contigüidade das terras fluminenses, onde 8 diretriz cafeeira rumara de Mendanha para S. João Marcos e Rezende, penetrando em território paulista por S. José do Bar- reiro, Areias e Bananal. Pensa Pérsio Pacheco e Silva, erudito conhecedor da his- tória do café em S. Paulo, que os primeiros cafeeiros do norte paulista devem ter sido plantados em Areias, entre 1790 e 1797. Dai se foi espraiando no sentido da contra corrente do Paraíba, pelo vale do grande rio acima, chegando,a galgar o divortium aquarum da serra de Itapetí e ocupar os arredores 44 AFFONSO DE E. TAUNAY de Mogí das Cruzes, já no vale do Tietê. E, na mesma época, apresentava irrupções laterais, como a de S. Luiz do Piraitinga. Spix e Martius descrevendo a sua viagem do Rio de Janeiro a S. Paulo, em 1817, relatam que em Bananal e Areias haviam visto grandes lavouras. Outras referências não fizeram, e, no entanto, passaram por Lorena, Guaratinguetá, Pindamo- nhangaba, Taubaté, Jacareí e Mogí das Cruzes. Também não falam de cafèzais em Itú, Judiai e Atibaia, onde denunciam a impressão causada pelos grandes canaviais avistados. Não estiveram os dois famosos naturalistas em Campinas, onde começavam a despontar os primeiros cafèzais. Passa o capitão Francisco de Paula Camargo por ter sido quem, em 1817, fez a primeira plaptação campineira. Indo ao Rio de Janeiro assistir aos festejos do casamento do Prín- cipe Real, futuro Imperador D. Pedro I surpreendeu-o o lucro imenso proporcionado pela lavoura cafeeira. Era Campinas, então, notável centro açucareiro, onde ha- via senhores de engenho riquíssimos, como o brigadeiro Luiz Antônio de Souza e seu irmão Francisco Antônio. Não foi rápida a passagem da lavoura açucareira para a cafeeira, no distrito de Campinas . E, supomos que tal fato haja decorrido do temor que os agricultores tinham dàs geadas, então abun- dantíssimas no oeste de S. Paulo. Entre as primeiras lavou- ras da rubiácea locais, citam-se as do coronel Joaquim Aranha Barreto de Camargo, seu genro Francisco Egídio de Souza Aranha e o cirurgião-mor Alvares Machado. 0 Na sua primeira viagem a S. Paulo, em 1819, viu Saint Hilaire, vindo de Goiaz e do Triângulo Mineiro, bastantes cafeeiros pelos sítios e chácaras dos arredores da cidade. E José Bonifácio, o Patriarca, em 1820 e em sua Viagem Mine- ralógica, anotava que no planalto piratiningano a geada ma- tava muito os cafèzais. Vindo de Minas pela garganta do Embaú e dirigindo-se a S. Paulo em 1822, notava Saint Hilaire que a cultura cafeeira estava em grande progresso, sobretudo em Bananal, Taubaté e Jacareí, muito embora o surto cafeeiro fluminense fôsse muito mais vigoroso no distrito de Paraíba Nova, que assim se chamava o ocidente da capitania do Rio de Janeiro. Em 1814, o secretário do govêrno paulista, Manuel de Souza Chi- PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL 45 chorro, informava ao capitão-general que as vilas do norte e as da marinha da capitania plantavam muito café. O ilustre W. von Eschwege, em 1818, publicou dados interessantes sôbre a exportação cafeeira paulista: 4 867 arro- bas, em 1808 e 9 223, em 1813. Neste mesmo ano, Luiz