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FENÓMENOS DE TRANSPORTE I (Apontamentos) Cursos: Engª Química, Engª Mecânica Departamento de Engenharias e Tecnologias Professor Responsável: Sílvia Santos 1º Semestre/2016 Fenómenos de transporte I - Apontamentos 47 6. Escoamento Laminar e Turbulento 6.1. A experiência de Reynolds (Welty et al., 2008; Campos, 2013) Osborne Reynolds (1814-1912) foi o primeiro a mostrar as diferenças existentes entre um escoamento em regime laminar e um escoamento em regime turbulento. Para um Engenheiro de processo, a distinção entre fluxo laminar e fluxo turbulento é particularmente importante para escoamento dentro de condutas. A experiência de Reynolds (1883) permitiu perceber inequivocamente estes conceitos. Figura 20: Esquema da experiência de Reynolds. (Welty et al., 2008) Os trabalhos efectuados por Reynolds consistiram em observar água a escoar numa tubagem transparente, sendo o caudal controlado por uma válvula. Uma fina corrente de água corada era injectada na corrente principal, observando-se o padrão do fluxo. Para caudais baixos de fluido observa-se uma linha recta colorida muito bem definida – o fluido está a escoar em regime laminar. Aumentando o caudal, a linha colorida começa a apresentar um comportamento sinuoso – o fluido está a escoar em regime de transição. Aumentando ainda mais o caudal, o rasto passa a ser uma mancha colorida esbatida, que ocupa quase toda a secção recta do tubo – o fluido está a escoar em regime turbulento. Na prática, verificou-se que, para além da velocidade, a transição de fluxo laminar para fluxo turbulento depende também de outros parâmetros: diâmetro da conduta (D), viscosidade do fluido () e densidade do fluido (). O critério para determinar qual o tipo de fluxo em cada caso é dado por uma relação adimensional entre variáveis conhecida como número de Reynolds: 𝑅𝑒 = 𝜌𝑣𝐷 𝜇 O grupo adimensional Reynolds representa a razão entre as forças viscosas (que comandam o escoamento em regime laminar) e as forças de inércia (que comandam Água Água Corante Corante Válvula Válvula Fenómenos de transporte I - Apontamentos 48 o escoamento em regime turbulento), pelo que o seu valor permite identificar quando uma das forças se sobrepõe à outra. Assim, define-se como sendo um fluido a escoar em regime laminar quando as suas partículas têm trajectórias bem definidas, e se repetirmos a experiência vamos obter o mesmo perfil de velocidades. Já num fluido a escoar em regime turbulento, as partículas seguem trajectórias aleatórias, em cada ponto existe uma velocidade instantânea, e se repetirmos a experiência, não obtemos o mesmo perfil de velocidades. Figura 21: a) Regime laminar. b) Regime turbulento. (commons.wikimedia.org) Por observação experimental conclui-se que, num tubo de secção recta circular, não havendo perturbações ao escoamento, o regime é laminar se Re < 2100 e é turbulento se Re > 4000. Nas situações intermédias (região de transição) o fluxo pode ser laminar ou turbulento. (Nota: estes valores de referência podem variar ligeiramente de autor para autor) Adaptações do número de Reynolds têm sido feitas a outras geometrias e sistemas, utilizando-se dimensões características para estes casos. 6.2. A Viscosidade (Welty et al., 2008; Campos, 2013) Conforme foi referido no Capítulo 2, os fluidos caracterizam-se por sofrerem uma deformação crescente no tempo, quando sujeitos a uma força de corte constante. A viscosidade é uma propriedade dos fluidos que mede a taxa de resistência à deformação. Ou, por outro lado, pode ser vista como a resistência que um fluido opõe ao deslocamento. Existem fluidos altamente viscosos, como é o caso dos óleos vegetais ou do mel, e fluidos pouco viscosos, como é o caso do ar (gasoso) ou da água (líquido). a) b) Fenómenos de transporte I - Apontamentos 49 Um melhor entendimento sobre o conceito de viscosidade implica a observação do movimento do fluido a um nível molecular. O mecanismo de movimento dos gases pode ser descrito de uma forma mais simples do que dos líquidos. Nos gases, o mecanismo pelo qual ocorre resistência à deformação pode ser observado a nível molecular. Na figura seguinte é possível observar que as moléculas não se encontram alinhadas, mas cruzam as fronteiras do volume de controlo de um fluido gasoso. Figura 22: Movimento molecular na superfície do volume de controlo para um fluido gasoso. (Welty et al., 2008) A resistência à deformação deve-se ao choque entre as moléculas. Moléculas com maior velocidade chocam com moléculas mais lentas, o que resulta no transporte de q.d.m. de uma região para outra. O movimento aleatório é facilitado pela temperatura, logo o aumento da temperatura leva a um aumento da viscosidade. De facto, aumentando a temperatura promove-se o choque entre as moléculas que provoca maior resistência à deformação, logo maior viscosidade. Existem na literatura vários modelos que preveem a viscosidade de um gás com base na interacção molecular. Segundo a teoria cinética dos gases temos que: 𝜇 ∝ √𝑇(𝑇 ≡ temperatura absoluta) o que é uma boa aproximação, na maioria dos casos. Fenómenos de transporte I - Apontamentos 50 No que diz respeito aos líquidos, a maior fonte de conhecimento relativamente à viscosidade dos fluídos líquidos resulta do desenvolvimento experimental. As dificuldades inerentes ao tratamento analítico dos líquidos estão relacionadas com a sua natureza. Enquanto num gás, as moléculas estão de tal forma afastadas que se pode considerar que interagem aos pares, nos líquidos, a proximidade das moléculas é tal que obriga a que se considerem interacções de várias moléculas simultaneamente o que dificulta o tratamento analítico. Assim, para o caso dos líquidos, a sua viscosidade pode ser considerada devido à restrição causada por forças intermoleculares. Ou seja, a resistência à deformação é controlada pelas forças de atracção intermoleculares. O aumento da temperatura provoca uma diminuição das forças intermoleculares, pelo que a viscosidade também diminui. Evidências experimentais mostram que a viscosidade dos líquidos diminui com o aumento da temperatura, o que corrobora o conceito de forças intermoleculares serem o factor de controlo. A relação entre a viscosidade de um líquido e a temperatura segue uma lei do tipo exponencial: 𝜇 ≅ 𝑎𝑒−𝑏𝑇(a e b constantes) Na Figura seguinte são apresentadas as variações das viscosidades com a temperatura para alguns fluidos. Fenómenos de transporte I - Apontamentos 51 Figura 23: Variação da viscosidade com a temperatura para alguns fluidos. (Welty et al., 2008) Na realidade a viscosidade é também influenciada pela pressão, no entanto, no caso dos líquidos, sendo estes praticamente incompressíveis, este efeito pode ser desprezado. No caso dos gases, este efeito também é desprezável, excepto para valores de pressão elevados (da ordem de 10 vezes a pressão atmosférica). Obviamente, no caso da viscosidade cinemática, esta varia bastante com a pressão. Imaginemos duas placas planas, paralelas e de comprimento infinito, encontrando-se o espaço que as separa totalmente preenchido por um filme de fluido em repouso de espessura y0. Aplicando uma força de corte, F, numa das placas, mantendo a outra parada, estabelecer-se-á um gradientede velocidades no fluido. A camada de fluido imediatamente adjacente a cada uma das superfícies sólidas desloca-se com a superfície, i.e., está parada relativamente a ela (condição de não escorregamento). Mantendo-se a aplicação da força por um período suficientemente longo, atingir-se-á o estado estacionário, sendo o perfil de velocidades dado por uma linha recta (vide Figuras 24 e 25). Querosene Água Ar Temperatura, K V is c o si d a d e Fenómenos de transporte I - Apontamentos 52 Figura 24: Fluido entre duas placas separadas por uma pequena distância. (Campos, 2013) Figura 25: Perfil de velocidade linear no fluido entre placas. (Campos, 2013) Quando se atinge o estado estacionário, a velocidade passa a ser apenas função de y: v=v(y). A força F aplicada deverá vencer a resistência ao movimento oferecida pelo fluido. A intensidade dessa força depende da área da placa, do tipo de fluido e da velocidade v0 que se pretende imprimir à placa. Essa força também depende do fluido em causa através da grandeza viscosidade (). Esta relação existente entre a força, a área, a velocidade e a viscosidade designa-se por Lei de Newton da viscosidade: 𝜏𝑦𝑥 = 𝐹 𝐴 = 𝜇 𝑑𝑣𝑥 𝑣𝑦 Nota: nos índices do tensor de corte, o primeiro (y) diz respeito à direcção do gradiente de velocidades, enquanto o segundo (x) diz respeito à direcção da força. O gradiente de velocidades ( 𝑑𝑣𝑥 𝑣𝑦 ) corresponde à taxa de deformação do elemento de fluido. Na realidade, a Lei de Newton da viscosidade tem duas abordagens possíveis: a do tensor de corte (que se descreveu) em que 𝜏 é descrito como uma força por unidade de área, ou como um fluxo de quantidade de movimento (q.d.m). Nesta segunda Fenómenos de transporte I - Apontamentos 53 abordagem, considera-se que há transporte de q.d.m. segundo uma direcção. A Lei de Newton da viscosidade pode então ser escrita como: 𝜏𝑦𝑥 = −𝜇 𝑑𝑣𝑥 𝑣𝑦 Nota: o primeiro índice corresponde à direcção do transporte da propriedade e o segundo à direcção da velocidade. O sinal negativo (-) revela o facto de o fluxo ocorrer das zonas de maior velocidade para as zonas de menor velocidade (oposto ao gradiente de 𝑣𝑥. Os fluidos em que se observa uma relação de proporcionalidade directa entre a variação da velocidade ( 𝑑𝑣𝑥 𝑣𝑦 ), ou taxa de deformação (�̇�) e a tensão de corte(𝜏) designam-se por fluidos Newtonianos, uma vez que seguem a Lei de Newton da viscosidade. A constante de proporcionalidade é a viscosidade, também chamada de viscosidade dinâmica. Se analisarmos a expressão 𝜏𝑦𝑥 = −𝜇 𝑑𝑣𝑥 𝑣𝑦 , podemos aferir quais as dimensões da grandeza viscosidade: 𝜇 = 𝜏𝑦𝑥 𝑑𝑣𝑥 𝑣𝑦 ≡ 𝑓𝑜𝑟ç𝑎 á𝑟𝑒𝑎 𝑣𝑒𝑙𝑜𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 ≡ 𝑀. 𝐿. 𝑇−2. 𝐿−2 𝐿. 𝑇−1. 𝐿−1 ≡ 𝑀. 𝐿−1. 𝑇−1 A unidade da viscosidade dinâmica no S.I. é o Pa.s (kgm-1s-1), no entanto, esta grandeza é frequentemente apresentada e unidades do sistema cgs, ou seja gcm-1s-1, que se designa por poise. Facilmente se conclui que 1 poise=0,1 Pa.s. Sendo esta unidade demasiado grande para a maioria dos fluidos opta-se em geral por usar o centipoise (cp), sendo que 1 cp=0,01 Pa.s. Frequentemente a viscosidade dinâmica aparece dividida pela massa volúmica, e designa-se por viscosidade cinemática: 𝜗 = 𝜇 𝜌 Cujas unidades: 𝜗 = 𝜇 𝜌 ≡ 𝑀. 𝐿−1. 𝑇−1 𝑀. 𝐿−3 ≡ 𝐿2. 𝑇−1 Fenómenos de transporte I - Apontamentos 54 A unidade da viscosidade cinemática no S.I. é o m2/s e no sistema cgs é o Stoke (st) (1 st=1 cm2/s). De facto, a maioria dos fluidos de trabalho apresenta características Newtonianas, como é o caso da água, benzeno, álcool etílico, soluções aquosas de sais inorgânicos ou açúcares, hidrogénio, azoto, ar, etc. A viscosidade de um fluido Newtoniano é determinante nas características do seu escoamento. No caso dos fluidos gasosos, as suas viscosidades são baixas e variam pouco de gás para gás. Regra geral, a viscosidade de um gás apresenta valores entre 5×10-6 a 3×10-6 Pa.s. Por outro lado, as viscosidades dos líquidos são mais elevadas e apresentam uma maior gama de variabilidade. Convém referir o caso da água cuja viscosidade é de 1×10-3 Pa.s a 293 K. Na Tabela seguinte são apresentados os valores de viscosidade de alguns fluidos. Tabela 6: Viscosidades de alguns fluidos. (Bird et al., ) Substância T (ºC) Viscosidade (cp) Água (liq) 20 1,0019 Ar 20 0,01813 H2SO4 (liq) 20 19,15 Glicerol (liq) 20 1069 CH4 (g) 20 0,0109 CO2 (g) 20 0,0146 Fenómenos de transporte I - Apontamentos 56 Bibliografia Azevedo, E.G., Termodinâmica Aplicada, 3ª Ed., Escolar Editora, 2011. Bird, R., Stewart, W., Lightfoot, E.,Transport Phenomena, John Wiley & sons, 2006. Campos, J.M., Notas Para o Estudo da Mecânica do Fluidos, FEUP edições, 2013. Coulson, J.M. and Richardson, J. F., Chemical Engineering, Fluid Flow, Heat Transfer and Mass Transfer – Vol 1, 6th Edition, Butterworth –Heinemann, 1999. Geankoplis, C.J., Transport Processes and Unit Operations, 3rd Edition, Prentice Hall International Editions, 1993. Massey, B.S., Mechanics of Fluids, 8th Edition, Taylor & Francis, 2006. Welty, J.R., Wicks, C. E., Wilson, R. E., Rorrer, G. L. Fundamentals of Momentum, Heat and Mass Transfer, 5th Edition, John Wiley & Sons, Inc., 2008. Páginas de Internet commons.wikimedia.org, última consulta em Abril de 2016
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