Buscar

'Non liquet' e Regras do ÔNUS DA PROVA no Processo do Trabalho

Prévia do material em texto

"Non liquet" e Regras do Ônus da Prova no Processo do Trabalho 
Enviar por e-mail BlogThis! Compartilhar no Twitter Compartilhar no Facebook 
	
	
CONSULTE OUTROS ARTIGOS SOBRE PROCESSO DO TRABALHO
Na Roma Antiga, pela decretação do non liquet (“não líquido”, “não claro”), deixava o juiz de sentenciar alegando inexistir prova suficiente a lhe formar convicção. O Direito atual proíbe-o, de tal sorte que o juiz deve julgar todas as demandas que lhe são submetidas, ainda que não esteja convicto, no quesito prova, sobre qual seja a melhor decisão (1). Deveras, por força da proibição do non liquet, ganha destaque o instituto jurídico do ônus da prova, pois, como deve o magistrado proferir sentença, ainda que haja dúvida quanto às razões de ambos os litigantes, não lhe resta opção senão julgar em desfavor daquele que não se desincumbiu do ônus da prova, consoante regras impostas pelo artigo 333, do Código de Processo Civil, ou, no processo do trabalho, pelo artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Realmente, não tendo o juiz elementos probantes suficientes para julgar, a lei concede-lhe a prerrogativa de decidir com base no ônus da prova, que, por sinal, é encargo e não obrigação (ou dever). Não se desincumbindo a parte do onus probandi arcará com as consequências, mas, não sofrerá sanção. E a consequência é clara: poderá ficar a parte em posição de desvantagem para obtenção do ganho de causa. Consulte também:
	Princípio da Não-Prejudicialidade do Devedor vs. Princípio da Utilidade para o Credor
Denunciação da lide no processo do trabalho – Parte 3
Denunciação da lide no processo do trabalho – Parte 2
Denunciação da lide no processo do trabalho – Parte 1
Litisconsórcio no processo do trabalho – I
	Intervenção de terceiros no processo do trabalho – Parte 3 (chamamento ao processo)
Intervenção de terceiros no processo do trabalho – Parte 2 (nomeação à autoria)
Intervenção de terceiros no processo do trabalho – Parte 1 (assistência e oposição)
Litisconsórcio no processo do trabalho – Parte 2
ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO
 Como dito, as regras do ônus da prova são estabelecidas pelo artigo 333, do CPC, que traz em seu bojo a repartição do encargo (2). Regra geral, recairá sobre ambas as partes o ônus de provar respectivas alegações. No particular, deve o autor provar o fato constitutivo de seu direito e o réu os fatos extintivos, impeditivos e modificativos do direito do autor. 
A doutrina muito já debateu sobre a aplicabilidade, ou não, do artigo 333, do CPC, no processo do trabalho, tendo em vista o disposto no artigo 818, da CLT, que, objetivamente, assevera: “a prova das alegações incumbe à parte que as fizer” (3). 
Como se sabe, o direito processual comum só é aplicável no processo do trabalho nos casos em que este for omisso e desde que compatível com as normas processuais celetistas (artigo 769 da CLT). O fato é que a CLT não é omissa quanto à espécie, pois seu artigo 818  trata, justamente, de ônus da prova. No entanto, para a jurisprudência majoritária o dispositivo celetista é insuficiente à solução dos casos concretos, motivo pelo qual entende imprescindível aplicação do disposto no artigo 333, do Código de Processo Civil, na ação trabalhista. 
Data venia, entendemos que a inferência do artigo 818, da CLT, contém, implicitamente, as disposições dos incisos “I” e “II”, do artigo 333, do Código de Processo Civil. Sim, o dispositivo celetista tem essa força. 
A questão é de técnica jurídica, pois, o artigo 333, do CPC, na espécie, não parece traduzir a excessiva segurança que lhe é atribuída, pois nem ao menos cogita de inversão do ônus da prova, pelo que não vislumbramos qual seria a vantagem sobre a Consolidação das Leis do Trabalho.
	
	
A propósito, é sempre complexa a aplicação das regras do ônus da prova nas ações trabalhistas em que o autor pleiteia reconhecimento de vínculo de emprego (ação declaratória) e o réu, contestando o pedido, alega, por exemplo, “trabalho autônomo”. Consultem, a propósito, o artigo Contestação: Prescrição Bienal e Trabalho Autônomo.
Com efeito, fruto de construção jurisprudencial, estabeleceu-se que a relação de emprego, conforme previsão dos artigos 2º e 3º, da CLT, seja presumida. A presunção, que é iuris tantum (4), pode ser superada, claro,  provando-se que a relação de trabalho é de outra natureza. Faz sentido a presunção porque a maioria absoluta das relações de trabalho é de emprego (5).  Sobre a diferença entre relação de trabalho e relação de emprego, consultem o artigo Relação de Trabalho (em sentido amplo): Classificação.
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Por outro lado, levando em conta especialmente a proibição do non liquet, há correlação lógica entre a alegação das partes e o encargo da prova que a lei lhes atribui, recaindo sobre uma ou outra a obrigação de provar, a partir do que for aduzido na lide; daí a técnica processual da inversão do ônus da prova.
No exemplo acima, há inversão do ônus da prova nas seguintes condições: na ação trabalhista, o ônus de provar existência da relação de emprego é do empregado (autor), pois “quem alega deve provar”. Entretanto, se na defesa o empregador (réu) alegar existência de relação jurídica diversa (como, verbi gratia, a de trabalho autônomo), inverte-se o encargo da prova (outra vez, então, a máxima “quem alega deve provar”), ou seja, a partir da alegação defensiva, o encargo da prova não está mais com o autor, assumindo, então, o réu, pelo que alegou, o onus probandi.
Nesse desiderato, não provando o réu a relação jurídica alegada, no exemplo, a de autônomo, presume-se existência de relação jurídica de emprego, não necessitando o autor da demanda fazer qualquer prova a respeito. O ônus recaiu sobre o réu, que dele não se desvencilhou. Pode parecer injusto, porém, não é. Trata-se de técnica processual inexorável à solução dos casos concretos, sob pena de voltarmos a aplicar o non liquet, o que causaria verdadeiro caos no Poder Judiciário. Diga-se, de passagem, que a inversão do ônus da prova não é apanágio do processo trabalhista, mas, de todo o processo civil.
NOTAS
(1) É o que dispõe o artigo 126 do CPC: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. “. Cogitamos do quesito prova porquanto não existe “melhor” ou “pior” decisão.
(2) “Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – Ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – Ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.  (…)”
(3) Frase que, em poucas palavras, diz tanta coisa…
(4) Presunção legal. Aquilo no que se crê até que se prove o contrário.
(5) Malgrado, observamos outro dia entendimento no sentido de que, na prática, ocorreria o contrário, isto é, “a maioria seria de trabalho autônomo”. Não podemos concordar com tal posicionamento. Grande parte das relações de trabalho não está formalmente caracterizada como empregatícia, sem dúvida, por fraude à legislação trabalhista. Então, data venia, mais pertinente seria dizer: a maioria, ilegalmente, é de trabalho informal.

Continue navegando