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https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos Nota da Redação: O presente trabalho foi organizado pela equipe do Portal “Estudando Direito”, tendo por objetivo a seleção de temas atuais e importantes para concursos de Procuradorias. Nosso intuito não foi o de esgotar o conteúdo da disciplina, mas tão somente de selecionar potenciais assuntos para provas futuras, sendo indispensável que o aluno complemente o estudo com uma doutrina ou com suas anotações pessoais sobre os fundamentos da matéria. O material foi organizado na forma de resumo, com o intuito de condensar o conteúdo e otimizar o estudo. Por isso, serão comuns expressões abreviadas e coloquiais. Abraços e bons estudos! CAPÍTULO 1 – TEMAS SOBRE CONSTITUCIONALISMO: 1.1 - Novo Constitucionalismo Latino-Americano De forma simplificada, o novo constitucionalismo latino americano defende uma maior participação popular nos negócios políticos. Além da escolha de seus representantes, o povo deve dispor de outros meios institucionais de participação no Poder. Ex: No Equador, além dos três poderes clássicos, existe ainda o Poder Eleitoral (semelhante a uma Justiça Eleitoral) e o Poder Cidadão. Outros instrumentos seriam o “veto popular” e o “recall” (destituição de governantes que perderam a confiança do povo, mesmo no curso do mandato). OBS: Em 2014 foi editado Decreto Presidencial nº 8.243/2014, que cria uma política nacional de participação social no Brasil. O decreto elencava mecanismos para que movimentos sociais pudessem, de forma institucionalizada, compor órgãos/discussões juntamente com o Poder Público para a tomada de decisões políticas. O fundamento para este decreto presidencial seria o art. 84, VI, “a” CRFB: Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) Após duras críticas de setores mais conservadores da sociedade e do Congresso Nacional, o referido decreto acabou sendo sustado, através do já estudado “veto legislativo”, com o argumento de que a presidente teria excedido os poderes de regulamentação, ao introduzir https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos mudanças substanciais na administração pública, que não poderiam ser feitas sem aprovação do Poder Legislativo. OBS: Seguindo essa linha de maior participação popular no processo político, recomendamos citar em sua prova a mais recente Constituição da Finlândia, que foi elaborada com base em sugestões enviadas através de redes sociais. CAPÍTULO 2 – TEMAS SOBRE PODER CONSTITUINTE: 2.1 – Poder Constituinte Originário: De forma simplificada, trata-se do poder, titularizado pelo povo, de elaborar uma nova Constituição. Quais as características do poder constituinte? - É INICIAL: Dá início a um novo Estado e a uma nova ordem jurídica. Mas isso não quer dizer que tudo que existia antes será revogado. Surgem algumas questões importantes de direito intertemporal: --> No Brasil, ocorre a “revogação em bloco”, automática e integral, da Constituição anterior. Assim, com o advento de uma nova constituição, a constituição anterior é automaticamente revogada. Não vingou no Brasil a tese da desconstitucionalização, fenômeno que consiste na recepção das normas da constituição anterior com o status de lei ordinária, comum em outros países. --> O direito infraconstitucional anterior, se for materialmente compatível, será recepcionado pela nova ordem constitucional (“teoria da recepção”). Tem a ver com o principio da segurança jurídica, que deve se mostrar compatível com a característica “inicial” do PCO: não pode a nova Constituição revogar todas as leis ordinárias e complementares anteriores a sua edição, pena de se criar uma situação de verdadeiro caos normativo. Obs: o fenômeno da recepção deve ser analisado pelo conteúdo (análise material) e, não pela forma. O CTN, por exemplo, foi recepcionado com status de lei complementar, ainda que tenha sido criado como lei ordinária. No mesmo sentido, se uma lei é editada pela União seguindo a competência firmada na constituição passada e essa competência é transferida aos Estados pela nova constituição, também haverá recepção. Isso porque, com relação aos elementos formais (competência e procedimento), aplica-se o principio do “tempus regit actum”: aplica-se a norma constitucional em vigor no momento da edição da norma. OBS: Se, no segundo exemplo, o Estado edita uma lei própria, essa lei poderá revogar a lei federal naquele Estado. Seria uma lei estadual revogando lei federal, já que a nova Constituição atribuiu essa competência aos Estados. Mas, nesse mesmo exemplo, se outro Estado não edita a sua norma, continua valendo a lei federal pra ele. Se, por outro lado, a Constituição anterior atribuía a competência aos Estados e a nova Constituição atribuiu a competência à União, a doutrina diverge. Uma https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos parte da doutrina entende que as leis estaduais devem continuar valendo até que sobrevenha a lei federal, que fará uma revogação em bloco. Outros autores entendem que deve haver a automática não recepção das normas estaduais (Guilherme Pena). --> o fato de uma norma ter sido recepcionada, não significa que essa norma deve ser interpretada pelo judiciário da mesma forma que era antes. É o que Barbosa Moreira e Barroso criticam, usando a expressão “interpretação retrospectiva”. O judiciário deve fazer a chamada FILTRAGEM COSNTITUCIONAL (passar todo o direito pelo “”filtro” da Constituição): é o dever do interprete de promover uma releitura de todo o direito à luz da nova Constituição. Essa releitura pode ou não acarretar uma mudança de interpretação. Um exemplo é o do decreto-lei que previa a prisão civil na alienação fiduciária em garantia, sobre o qual o STF fez uma interpretação conforme para excluir a interpretação que permitisse o recolhimento prisional. --> de acordo com o STF, a não recepção é uma hipótese de REVOGAÇÃO da norma, e não de inconstitucionalidade superveniente. Assim, se uma lei de antes de 88 é incompatível materialmente com a Constituição, sua declaração de não recepção acarretará a revogação da norma, e não a declaração de sua inconstitucionalidade. A diferença é que a revogação atua no plano da existência (retira da ordem jurídica a lei anterior incompatível) e observa o critério cronológico, possuindo também efeitos ex nunc (dali pra frente), ao passo que a declaração de inconstitucionalidade se dá no plano da validade (por contrariar o seu fundamento de validade, que é a norma superior) e observa o critério da hierarquia, possuindo, em regra, efeitos ex tunc (retroativos). O motivo pro STF assim ter entendido é uma “jurisprudência defensiva”, para não julgar ADINs em face de leis anteriores à Constituição. O problema é que não havia nenhum instrumento para expurgar tais normas incompatíveis com a Constituição com efeitos vinculantes e erga omnes; o controle se dava apenas no caso concreto, com efeitos inter partes, o que permitiu que muitas dessas normas vigorassem por longos anos (Ex: lei de imprensa). Com a ADPF, passa a haver esse instrumento, o que diminui um pouco a importância prática da discussão. --> a Constituição vedou o salário mínimo como valor de indexação. Pense em um aposentado que tinha a aposentadoria fixada em salários-minimos antes da CRFB. Se após a CRFB houver um aumento no salario-minimo, ele terá direito ao reajuste? Como a regra é a da aplicabilidade imediata (a nova Constituição passa a ser aplicada imediatamente),a CRFB irá atingir inclusive efeitos futuros de relações jurídicas de trato sucessivo que já existiam antes. Com isso, a partir do momento da edição da Constituicao, a aposentadoria não pode mais ter como parâmetro de indexação o salário-minimo, o que tem por consequência a não extensão do aumento ao segurado. Mas não seria um ato jurídico perfeito, que gera direito adquirido ao segurado? Nesse caso, tecnicamente, não, pois não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Ainda assim, segundo o STF, o poder constituinte originário pode sim atingir direitos adquiridos, desde que essa supressão se dê de forma expressa (não se presume). -->distinção entre filhos, que foi vedada pela Constituição. Ex: no momento em que houve a morte, o de cujus tinha 2 filhos, um legitimo e outro “ilegítimo”, à luz do CC16. O inventário só foi aberto após a CRFB. Nesse caso, será aplicável o CC16 ou a nova Constituição? Pelo princípio da saisine, aplica-se o CC16, que é a lei em vigor no momento da morte. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos A constituição tem sim aplicabilidade imediata, mas tão somente aos óbitos ocorridos após sua edição. – É ILIMITADO: O direito positivo anterior não é limite ao PCO. Mas os jusnaturalistas defendem que há um conjunto de normas que estariam acima de toda a ordem jurídica, sendo condição de validade de todo o direito positivo, que é o DIREITO NATURAL. Assim, as normas do direito positivo não podem contrariar o direito natural, pena de nulidade. Por isso, para os jusnaturalistas, o PCO é limitado pelo direito natural. Ademais, na medida em que limitado, não seria um poder puramente politico, mas jurídico, condicionado pelo direito. Já os positivistas divergem, não vislumbrando quaisquer limites normativos ao PCO. Não existiriam limites normativos que condicionassem a validade das normas constitucionais originárias. Podem existir, no entanto, os chamados limites extrajurídicos , como os limites humanísticos (Ex: vedação à tortura). O que se quer dizer é que não há um direito superior, acima do direito positivo, que seja parâmetro de validade para uma norma constitucional originária. Nessa visão, o PCO seria um poder puramente politico e ilimitado no plano jurídico. - É INCONDICIONADO: O PCO não está sujeito a um procedimento pré-estabelecido. Pra edição de uma lei, temos um processo legislativo pré-estabelecido. Pra uma emenda constitucional também. Mas pro PCO não. A assembleia nacional constituinte pode, por exemplo, escolher o procedimento que ela vai seguir. Pouco importa como essa assembleia foi convocada; ela pode até ter sido convocada por uma emenda constitucional da constituição anterior, como aconteceu no Brasil. Se nessa emenda constitucional fosse estabelecido um procedimento, e se essa assembleia constituinte não o observasse, haveria algum vicio? A visão majoritária é de que não, pois o PCO é incondicionado. Outras características do PCO: - Latente: o PCO fica em estado de inatividade depois da elaboração da nova Constituição. Ele não deixa de existir, estando apto a se manifestar a qualquer momento no tempo - Automático ou Instantâneo: na medida em que o PCO é convocado, sua manifestação é instantânea. - Inalienável: o PCO é do povo e permanece com este, não cabendo qualquer modificação a esse respeito. - Específico: o PCO é convocado e se manifesta com a única finalidade de elaborar a Constituição. Tudo que o PCO produz é Constituição. É possível a existência de um poder constituinte originário “parcial”? O tema ganha relevância por conta dos intensos debates sobre a reforma política, sendo importante lembrar que com as manifestações de 2013 houve grande discussão sobre a possibilidade de convocação de uma constituinte parcial. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos Alguns autores vêm defendendo a tese do jurista norte-americano “Bruce Ackerman”, que desfaz a vinculação da manifestação do PCO à edição de uma nova constituição. Segundo o autor, poderia haver o exercício do PCO sem uma nova constituição, em virtude do chamado “momento constitucional”: seria o momento em que o povo, diretamente, se engaja na vida política para uma determinada questão. Caso haja esse engajamento, seria possível superar os limites tradicionais do poder de reforma, desde que não suprimisse direitos que são essenciais para qualquer regime democrático (Ex: direitos fundamentais). Há uma relativização no poder de reforma, mas não absoluta. OBS: Em entrevista ao TV Migalhas, no ano de 2013, Barroso sustentou a impossibilidade e desnecessidade da reforma politica através de uma nova constituinte, haja vista que não há nenhum limite material na Constituição para a sua ocorrência. Ademais, não se poderia convocar o PCO estabelecendo-se previamente sua pauta de atuação, o que tornaria inviável a figura da assembleia constituinte exclusiva. Em que consiste o poder “alienígena” ou “exógeno”? Ocorre quando a constituição advém de um poder externo, sendo normalmente importada de outro país. Tal fenômeno pode acontecer em 2 cenários: - Descolonização, em que a metrópole permite a independência pacífica da colônia, mas impondo seus valores constitucionais. - Pós-guerra, em que os estados vencedores impõem para o vencido uma nova Constituição. Quando a Constituição vem de fora chama-se heteroconstituição ou constituição heterônoma, que pode se dar de duas formas: ou esse poder externo elabora o texto completo da Constituição e o impõe (heteroconstituição em sentido hard) ou esse poder externo diz para o Estado elaborar a sua Constituição a partir das diretrizes dadas por esse poder (heteroconstituição em sentido soft). Em que consiste o poder constituinte supranacional? O poder constituinte supranacional é aquele que busca estabelecer uma Constituição supranacional legítima, a partir de um conjunto de Estados que se inter-relacionam em um processo de integração econômica e política. É a discussão que envolve, por exemplo, a União Europeia e, em menor escala, o Mercosul. Nas palavras de Maurício Andreiuolo Rodrigues, o poder constituinte supranacional “faz as vezes do poder constituinte porque cria uma ordem jurídica de cunho constitucional, na medida em que reorganiza a estrutura de cada um dos Estados ou adere ao direito comunitário de viés supranacional por excelência, com capacidade, inclusive, para submeter as diversas constituições nacionais ao seu poder supremo. Da mesma forma, e em segundo lugar, é supranacional, porque se distingue do ordenamento positivo interno assim como do direito internacional”. (Maurício A. Rodrigues, Poder constituinte supranacional: esse novo personagem, p. 96, apud Kildare G. C., Direito constitucional, p. 276-277) Trata-se de importante processo que, segundo Marcelo Neves, muitas vezes encontra-se relacionado com o fenômeno do TRANSCONSTITUCIONALISMO, em superação ao tradicional “constitucionalismo provinciano”, permitindo a solução de conflitos de direitos fundamentais e\ou institucionais que repercutem em ordens jurídicas distintas. O exemplo clássico apontado pelo autor é a análise de compatibilidade da Lei de Anistia com o texto da CRFB/1988, que o https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos STF entendeu plenamente recepcionada no julgamento da ADI 4869, decisão a qual foi posteriormente questionada na Corte Interamericana de Direitos Humanos, à luz dos tratados internacionais que sobre a matéria, notadamente o Pacto de São José da Costa Rica. Nesse sentido, chega-se a falar em uma tendência à “globalização do direito constitucional”, que se verifica no direito europeu a partir da progressiva constitucionalização do direito comunitário na União Europeia, de modo a se estabelecer relações dialógicas institucionalizadas,para que sejam empreendidas soluções comuns, evitando-se contradições políticas e\ou jurídicas (como ocorrido no caso da Lei de Anistia). 2.2 - Poder Constituinte Derivado Reformador: É o poder de se alterar a Constituição. Se a Constituição for inalterável, ela em pouco tempo irá se tornar obsoleta. Por isso, a Constituição precisa acompanhar a realidade fática, permitindo-se um mecanismo de alteração. Dessa forma, a principal função do PCDR é a de adaptar a Constituição a uma nova realidade. Há ainda uma outra função acessória, que é a correção de erros de prognose. Nem todas as previsões do constituinte originário são corretas; apostas erradas do constituinte acontecem (Ex: limitação da taxa de juros a 12%), sendo necessários mecanismos de reforma do texto constitucional para corrigir suas consequências. Esse PCDR pode ser dividido em 2 grandes linhas: - Mecanismos INFORMAIS de alteração da Constituição. - Mecanismos FORMAS de alteração da Constituição O critério é a existência ou não de alteração de TEXTO. Como mecanismo informal, temos a chamada MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL, que representa uma mudança da interpretação da Constituição sem que haja alteração no seu texto. O que leva a mudança na interpretação é a própria realidade fática subjacente à norma. Ex: conceito de família, que era muito vinculado à união entre homem e mulher. Os outros poderes podem também provocar a mutação constitucional? Sim, é possível haver mutação constitucional por iniciativa do executivo ou do legislativo. Ex: aposentadoria especial dos professores -> o STF negava a aposentadoria especial àqueles que exerciam atividades fora da sala de aula; veio uma lei posterior que acabou impulsionando a ampliação de interpretação do STF. Qual o limite da mutação constitucional? É o próprio texto. A doutrina majoritária não admite a chamada “mutação constitucional inconstitucional”. Não se pode, pela via da mutação, alterar o próprio texto da Constituição. Quanto aos MÉTODOS FORMAIS de alteração, temos inicialmente o plebiscito do art. 2º do ADCT. Esse plebiscito ocorreu em 1993 e se escolheu o presidencialismo e a republica. Discute-se se poderia hoje uma emenda constitucional instituir o parlamentarismo. A posição dominante é de que NÃO, pois foi uma decisão tomada pelo próprio titular do poder https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos constituinte, em uma participação direta, de maneira que os representantes do povo estariam indo contra o próprio povo. Somente com uma nova consulta seria possível se instituir o parlamentarismo. Uma segunda tese diz que seria possível sim essa emenda constitucional, pois o presidencialismo não está no rol das clausulas pétreas (art. 60, §4º). O contra-argumento é de o presidencialismo só que não está nesse rol porque o constituinte originário delegou essa decisão ao próprio povo, no art. 2º do ADCT. Em relação à monarquia, como o voto é clausula pétrea, haveria ainda outro óbice de instituição por meio de emenda. Há ainda a revisão constitucional, do art. 3º do ADCT. A revisão não se confunde com a emenda, por ter um procedimento mais fácil. Para a revisão basta uma sessão unicameral e maioria absoluta; já o processo de emenda está sujeito a 2 turnos de votação, por um quórum qualificado de três quintos, e deve passar pelas 2 casas. Por fim, temos o processo das EMENDAS CONSTITUCIONAIS (art. 60). É o método corriqueiro de alteração da Constituição. Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Quais são os limites ao poder de reforma? Uma primeira questão são os chamados “limites circunstanciais”. A CRFB não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, estado de defesa e estado de sitio. São momentos de instabilidade institucional, que seriam mais propícios a deliberações equivocadas e intempestivas. Por isso, a constituição só deve ser alterada em momentos de estabilidade, que permitam uma discussão serena e madura. Art. 60, § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. É certo que a edição e promulgação de EC são vedadas nestes períodos. No entanto, seria possível iniciar o processo legislativo da PEC durante estes eventos? Pela literalidade do texto constitucional, a vedação se refere apenas à promulgação da emenda, sem qualquer óbice para que o processo de discussão e votação da PEC seja iniciado. Assim, em uma prova objetiva, essa seria uma pegadinha do examinador. No entanto, o sentido finalístico da norma não é este. O estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal são mecanismos de solução de crises constitucionais, isto é, situações de anormalidade. Assim, por se tratarem de situações de excepcionalidade, o povo poderia ser levado a concordar com determinada medida que não seria adotada dentro de um quadro de normalidade. Por conseguinte, não seria adequada a discussão/votação de uma PEC neste https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos período. Trata-se de uma interpretação mais correta para concursos de nível mais elevado, como os da PGE-RJ. Já os “limites formais” são rigores procedimentais que se aplicam ao processo de emenda e que não se aplicam ao processo legislativo ordinário. Os principais limites estão no §2º do art. 60 (2 turnos + quórum de 3\5) § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. Mas a iniciativa mais restrita também é um limite formal. Somente os legitimados previstos no art. 60, I, II e III CRFB podem apresentar uma proposta de emenda à constituição. Quanto à iniciativa popular, embora o texto constitucional seja claro ao mencionar que a iniciativa popular se refere apenas às leis, a doutrina discute a possibilidade de sua aplicação para as PEC. Segundo José Afonso da Silva, se o titular do poder é o povo, nada mais legítimo que possa apresentar PEC. Um outro limite formal está no §5º: a materia da PEC rejeitada só pode ser reapresentada na sessão legislativa seguinte. Alguns autores dizem que esse seria um limite temporal, mas essa não é a visão predominante. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Por fim, há uma diferença procedimental em relação ao processo legislativo ordinário. Quem promulga a EC é a mesa da câmara ou do senado, enquanto que no processo legislativo ordinário, quem promulga a lei é o presidente, via de regra. CUIDADO COM A PEGADINHA! Não é mesa do Congresso Nacional, e sim do Senado ou da Câmara! Essa diferença existe porque a PEC não se submete à sanção ou veto presidencial. É um procedimento que se dá exclusivamente no legislativo, salvo eventual iniciativa do presidente. Por fim, temos os “limites materiais” ao poder de reforma, que são as chamadas “CLAUSULAS PÉTREAS”. São matérias que não podem ser suprimidas pelo poder constituinte derivado. Essas matérias, ao menos em seu núcleo, não podem ser menoscabadas por emendas constitucionais. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. A palavra “deliberação”, utilizada no caput, deve ser entendida comoo próprio processo legislativo. Assim, se houver PEC que viole cláusula pétrea, deverá ter seu processo de discussão/votação obstado. Se não houver a sustação do processo legislativo, qualquer parlamentar poderá impetrar mandado de segurança no STF para trancar o trâmite das deliberações sobre a PEC. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos Como a Mesa Diretora da Casa é a responsável por dar sequência ao processo legislativo da PEC viciada, figurará como autoridade coatora em eventual mandado de segurança impetrado. Neste caso, o mandado de segurança deverá ser proposto contra ato da Mesa Diretora que deu continuidade à PEC. A impetração do mandado de segurança permitirá que o STF faça um controle preventivo de constitucionalidade, isto é, na fase “pré-lei”, antes da efetiva promulgação da Emenda Constitucional. Inobstante, o mandado de segurança em si terá natureza repressiva, pois o ato coator contra o qual se dirige já foi praticado, que é a autorização de Mesa Diretora para que o processo legislativo da PEC tivesse continuidade. Sobre a natureza das clausulas pétreas, basicamente 2 correntes se destacam: 1ª (Jorge Reinaldo Vanossi)– as clausulas pétreas devem ser interpretadas como limites meramente políticos, e não como limites jurídicos, que poderiam ser aplicados aos tribunais. Assim, não poderia haver o controle das clausulas pétreas pelo judiciário. Busca-se evitar uma excessiva petrificação da constituição, que poderia gerar um conflito intergeracional (“governo dos mortos sobre os vivos), o que estimularia uma instabilidade institucional (ruptura). 2ª (tese majoritária): as clausulas pétreas são limites jurídicos, normativos ao poder de reforma. Significa dizer que, se o judiciário considerar que uma EC violou uma clausula pétrea, poderá declarar essa EC inconstitucional. O argumento básico é a ideia de “freios e contrapesos”, para evitar que maiorias transitórias viessem a suprimir da constituição determinados valores sociais, se estabelecendo uma “ditadura da maioria”. No fundo, o argumento básico é o Constitucionalismo e o Estado de Direito. Enquanto a base da tese dos limites políticos é a democracia, a base da tese dos limites jurídicos é o Constitucionalismo. No Brasil, prevalece a segunda tese. Assim, se houver aprovação e promulgação de uma PEC que pretenda extinguir uma cláusula pétrea, é certo que Emenda Constitucional respectiva estará eivada de inconstitucionalidade. É cabível a propositura de ADI contra a emenda. Já a Suprema Corte americana se aproxima da 1ª tese, nunca tendo declarado uma EC inconstitucional, inclusive sinalizando que a tarefa de aferir a compatibilidade de emendas com limites materiais do poder de Reforma é uma tarefa do próprio órgão de reforma. O STF, desde 1926, se declara, em tese, competente para declarar ECs como inconstitucionais. Mas o primeiro caso de declaração veio só na ADIn 939\07, já em 1993, que tratava do extinto IPMF, que havia sido instituído sem a observância da anterioridade tributaria. No contexto brasileiro esse modelo de controle é amplamente justificável. Isso porque nossa constituição é bastante extensa e não é tão difícil de ser alterada. Com isso, há um grande numero de emendas aprovadas, que podem acabar vindo a ferir clausulas pétreas. Ex: EC58, que criou cargos de vereador com eficácia retroativa, ferindo o princípio democrático. O que significa um projeto “tendente a abolir” clausula pétrea? Significa que a clausula pétrea não é uma garantia de imutabilidade absoluta do dispositivo que a prevê. A EC pode aumentar o grau de proteção, isso é pacífico. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos Mas parte da doutrina defende ainda que é possível até mesmo reduzir esse grau de proteção, em virtude da necessidade de ponderação entre princípios. OBS: a doutrina entende que se a clausula pétrea for um principio, pode sofrer restrição, quando for necessária ponderá-la com outros direitos fundamentais, estabelecendo-se restrições reciprocas. Mas se for uma regra, aí não seria possível essa restrição. Assim, algumas pequenas restrições são sim admitidas. “Tendente a abolir” pressupõe uma restrição ampla; é isso que está vedado. Mas como saber o grau dessa restrição no caso concreto? Aí entra em cena a teoria dos “LIMITES DOS LIMITES”, que trata dos limites às restrições aos direitos fundamentais. Os limites dos limites mais importantes seriam o princípio da proporcionalidade e o princípio do núcleo essencial. Assim, essas emendas constitucionais precisam observar a proporcionalidade e o núcleo essencial do direito em questão. Outro limite importante é a ISONOMIA: essas restrições não podem conter discriminações arbitrárias, devendo atingir todas as pessoas. Outra limitação é o principio da SEGURANÇA JURIDICA, que exige uma clareza e determinação mínima da norma que promove a restrição. Esses limites dos limites demarcam até que ponto essas clausulas pétreas podem ser restringidas. Caso concreto: Emenda Constitucional 69/2012. A forma federativa de Estado é cláusula pétrea. Dentre as características da federação, está a autonomia dos entes federados (art. 18 CRFB). Se uma EC promulgada retirar determinada competência de um ente e repassa-la a outro, potencialmente estará restringindo a autonomia do primeiro. Em sua redação originária, o art. 21, XIII CRFB determinava a competência da União para organizar e manter o Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública do DF e Territórios. A Defensoria Pública mencionada no dispositivo é aquela que atua no âmbito da Justiça do DF e Territórios. Não se confunde, portanto, com a Defensoria Pública da União, que funciona no âmbito da Justiça Federal. Ocorre que a União jamais criou esta Defensoria Pública do DF. Diante de tal omissão, o próprio governo do DF criou uma Procuradoria de Assistência Judiciária para hipossuficientes, que realizava todas as funções próprias de uma Defensoria Pública. Com a EC 69/2012, estabeleceu-se que a organização da Defensoria Pública do DF ficaria a cargo do próprio DF, cabendo à União organizar a Defensoria Pública nos territórios. Embora a EC 69/2012 tenha imprimido mudanças no que concerne à autonomia e competência dos entes políticos, não há falar em inconstitucionalidade por violação de cláusula pétrea, eis que as modificações efetuadas não atingiram o núcleo essencial do preceito em comento (forma federativa). Existem cláusulas pétreas implícitas? A posição majoritária é de que sim. Schmitt defendia que o núcleo de identidade da constituição seria intangível à reforma constitucional; o poder de reforma é um poder “de atualizar” a constituição, e não de substitui-la. Seria uma usurpação do PCO pelo PCD. O problema dessa tese é gerar um governo “dos mortos sobre o vivo”, caso haja um rol muito abrangente de clausulas pétreas implícitas. No direito brasileiro, poderíamos considerar como clausulas pétreas implícitas a “república”, o “presidencialismo”, os princípios fundamentais do art. 1º e 4º. A doutrina indica ainda as próprias normas que tratam do poder de reforma; nesse ponto temos a vedação à chamada tese da “DUPLA REFORMA” (mecanismo do direito português, https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos segundo o qual não se poderia aprovar tão somente uma EC alterando o quórum de votação, mas seria possível aprovar uma emenda revogando o art. 60, §4º e outra estabelecendo o novo quórum). A doutrina majoritária entende que essa “dupla reforma” seria uma fraude à constituição, não podendo ser adotada. Uma Emenda Constitucional pode acrescentar/ampliar o rol de cláusulas pétreas? R: O art. 60,§4º CRFB estabelece quatro institutos jurídicos que são cláusulas pétreas. Uma nova emenda constitucional não pode inserir mais institutos nesta lista,pois as cláusulas pétreas são limites que o Poder Constituinte Originário impôs ao Poder Constituinte Reformador. Quais são as cláusulas pétreas EXPLÍCITAS? O art. 60, §4º traz o rol de clausulas pétreas explicitas: 1 – Federação e separação de poderes: como a clausula pétrea não é uma garantia de absoluta inalterabilidade, não é qualquer transferência de competências entre os entes que trará violação à clausula pétrea (Ex: uma EC que tirasse alguns tributos da competência da união). A EC será inconstitucional quando violar o núcleo essencial desses princípios. Nesse sentido, o núcleo essencial do principio federativo é a autonomia politica dos entes, que não pode ser restringida pela EC. Quanto à separação de poderes, a ideia básica é a de independência e harmonia (divisão de funções estatais e atribuição a poderes independentes + ideia de freios e contrapesos). 2 – Voto direto, secreto, universal e periódico. O voto obrigatório não foi arrolado como clausula pétrea. Assim, a doutrina majoritária entende que não seria clausula pétrea. Quanto ao caráter direto, significa que uma EC não poderia estabelecer novas hipóteses de eleição indireta, além daquelas previstas originariamente pela CRFB (Ex: art. 81, §1º -> hipótese de vacância dos cargos de presidência e vice nos 2 ultimos anos de mandato). Quanto ao caráter secreto, discute-se a possibilidade de versão impressa do voto. Um dos argumentos do STF pra declarar essa pratica inconstitucional foi justamente o caráter secreto do voto. Quanto ao caráter universal, a própria CRFB entendeu o que ela entende por universal. O voto é possível, em geral, para os maiores de 16 anos. Desse modo, se a universalidade do voto foi assim delineada, a supressão do voto facultativo para maiores de 70, por exemplo, feriria esse caráter universal. Por fim, quanto ao voto periódico, são extraídas algumas consequências: (1) proibição da prorrogação automática de mandatos, (2) proibição da transformação de cargos eletivos em vitalícios. 3 – Direitos e garantias individuais: A expressão usada pelo art. 60, §4º é “direitos e garantias individuais”. Uma primeira corrente faz uma interpretação literal do dispositivo: todos os incisos do art. 5º, e somente estes, seriam clausulas pétreas. Essa tese inclui no rol de clausulas pétreas dispositivos questionáveis, como a competência do tribunal de júri. Mas o mais grave é a exclusão do rol de clausulas pétreas de dispositivos que são inegavelmente direitos fundamentais, como os direitos sociais prestacionais, direitos políticos etc. Uma segunda corrente, adotada por Gilmar Mendes, diz que são clausulas pétreas os direitos de defesa (direitos a abstenções estatais). O problema é que ela também exclui os direitos prestacionais, como os direitos sociais. É uma tese que protege pouco os direitos fundamentais. Ademais, essa tese acaba colocando os direitos de defesa em um patamar https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos superior aos direitos prestacionais, sendo que o constituinte não estabeleceu qualquer hierarquia entre esses direitos, não podendo o intérprete fazê-lo. A 3ª corrente, majoritária, diz que são clausulas pétreas os direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração, sejam eles prestacionais ou de defesa. Dentro dessa 3ª tese há uma divergência, acerca dos chamados direitos “formalmente fundamentais”. Estes direitos são aqueles incluídos pelo constituinte no catalogo constitucional de direitos fundamentais (titulo II da CRFB: art. 5º a 17). Além desses direitos, temos os direitos “materialmente fundamentais”, que são fundamentais pelo seu conteúdo, por sua substancia; o próprio art. 5º, §2º abre o espaço para o surgimento desses direitos. Há um consenso na doutrina no sentido de que os direitos materialmente fundamentais são clausulas pétreas. A divergência se dá entre os direitos formalmente fundamentais. Uma 1ª sub-corrente (Ingo Sarlet) diz que tudo que está no titulo II é clausula pétrea. Eventual interpretação contrária iria de encontro à decisão expressa do poder constituinte, que colocou tais direitos como fundamentais. Assim, todos os direitos formalmente fundamentais seriam clausulas pétreas. O problema é que essa tese acaba inflacionando demais o rol de clausulas pétreas, trazendo o problema do “governo dos mortos sobre os vivos”, o que tende a ser anti-democrático. Relacionada a essa tese há a discussão sobre a flexibilização dos direitos trabalhistas. Todos os direitos do art. 7º seriam clausulas pétreas? Parte da doutrina (Manoel Gonçalves, Daniel Sarmento) entende que não; o fato de um direito estar previsto no titulo II gera apenas uma presunção relativa de que aquele direito é clausula pétrea. Além do local de positivação, para essa parte da doutrina, deve ser aferido o conteúdo do direito. Assim, alguns direitos como o salário-minimo, repouso semanal, jornada máxima de trabalho, segurança do trabalhador etc seriam direitos materialmente fundamentais, não podendo ser flexibilizados por emenda. Por outro lado, terço de férias e outros direitos não seriam materialmente fundamentais, podendo ser flexibilizados, havendo uma justificativa plausível. Como o STF tem se posicionado? A primeira vez que o STF declarou uma EC inconstitucional foi na emenda do IMPF, que teria inobservado o direito fundamental do contribuinte à anterioridade tributária. Só que a anterioridade tributária está no art. 150, dentre as limitações materiais ao poder de tributar. Assim, o STF pacificou o entendimento de que, ao longo da CRFB, para além do titulo II, também podemos ter clausulas pétreas, a partir de normas materialmente fundamentais. Outro caso foi o da EC52, que deu nova redação ao art. 17, §1º, afastando expressamente a necessidade de “verticalização” dos partidos (obrigatoriedade de compatibilidade entre as coligações partidárias nos planos federal e estadual). Essa EC, apesar de aprovada somente em 2006, estabeleceu sua aplicação às eleições do ano de 2002. Assim foi ajuizada uma ADIn questionando essa aplicação retroativa. O STF disse que a interpretação literal do dispositivo de fato era inconstitucional, pois a eleição já tinha ocorrido há 4 anos. O que se discutiu foi a aplicabilidade da EC às eleições de 2006, em virtude do principio da anualidade (art. 16 da CRFB). Inicialmente, o STF entendeu que o art. 16 se aplica não só às leis, mas também às emendas, sendo assim, clausula pétrea. Desse modo, a EC52 não poderia ser aplicada às eleições de 2006. O STF entendeu que o principio da anualidade seria uma garantia fundamental à segurança jurídica e ao principio democrático, evitando instabilidade no processo eleitoral e evitando a manipulação das regras eleitorais. Seria, então, uma clausula pétrea, pelo seu conteúdo, e não apenas pelo local de positivação; seria um direito materialmente fundamental. Outro caso importante foi o da EC58, que tratou da questão do numero de cargos de vereadores. O constituinte originário estabeleceu limites mínimos e máximos e as leis https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos orgânicas municipais começaram a estabelecer o número dentro de sua discricionariedade (normalmente fixando o numero no limite máximo). O MP entendeu que não haveria discricionariedade, mas sim uma exigência de proporcionalidade, que impunha sub-faixas. Essa tese do MP acabou sendo acolhida pelo STF em várias decisões, implicando uma redução drástica no numero de vereadores. O Congresso foi pressionado e acabou aprovando a EC 58, que “recriou” esses cargos de vereadores que tinham sido extintos pelo STF, mas limitando os gastos do legislativo pra conter a critica da opinião publica. Só que essa EC acabou estabelecendo a sua aplicação retroativa às eleições de 2008, com o intuito de dar posse aos que tinham ficado como suplentes. O STF acabou concedendo liminar para suspender aeficácia desse dispositivo, por violar segurança jurídica (pela aplicação retroativa) e o principio democrático (uma vez que subverteria a própria decisão do povo nas ultimas eleições). Por fim, temos a discussão sobre o art. 14 da EC20. Esse artigo estabelece um teto para os benefícios previdenciários pagos pelo INSS. Discutiu-se se a licença gestante deveria se submeter ao teto. Por uma intepretação literal sim, pois sempre foi tratado como um benefício previdenciário. O problema prático é que o empregador é quem iria arcar com o valor excedente durante a licença, o que acabaria por desestimular a contratação de mulheres para postos bem remunerados, gerando uma violação ao principio da igualdade entre homem e mulher. Assim, o STF fez uma interpretação conforme a constituição pra excluir a licença gestante do teto. O supremo acabou protegendo um direito prestacional de uma EC, “flertando” com a tese majoritária na doutrina de que os direitos sociais também são clausulas pétreas. Os direitos adquiridos são oponíveis às emendas constitucionais? Existem 2 correntes radicais na doutrina: - SIM (majoritária): os direitos adquiridos são clausulas pétreas, pois o art. 60, §4º, IV diz que os direitos e garantias individuais são clausulas pétreas e o direito adquirido está reconhecido no art. 5º. Assim, qualquer EC que suprimir direito adquirido será inconstitucional. - NÃO (minoritária): o art. 5º, 86 fala em “lei”; logo, só lei em sentido estrito não poderia suprimir direito adquirido, mas a EC poderia. OBS: Qual o critério para se considerar um direito como adquirido? Quando se preenche os requisitos estabelecidos na norma que concede esse direito. O STF discutiu essa questão na contribuição dos inativos. O principal argumento pela inconstitucionalidade era a violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. No momento em que registrada a aposentadoria, nasce o direito do aposentado a perceber a integralidade daquele valor, sem a dedução da alíquota da contribuição previdenciária. Só que o STF disse que a contribuição previdenciária é um tributo, sendo certo que só há um direito adquirido a não ser tributado quando houver uma norma constitucional expressa que confira uma imunidade a uma pessoa ou situação. Assim, como não há norma que confira imunidade, não há direito adquirido em não ser tributado. Nesse caso, o STF não precisou dizer se a EC poderia suprimir direito adquirido, pois entendeu que não havia direito adquirido. Mas depois chegou a discussão sobre o teto remuneratório. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos Era um MS impetrado por 4 ex-ministros do STF que postulavam continuar recebendo os proventos acima do teto, em virtude de suposto direito adquirido. O STF, por 6 votos a 5, entendeu que nem todo direito adquirido é clausula pétrea; somente as modalidades “qualificadas” de direito adquirido. Seriam direitos adquiridos qualificados aqueles que tenham base expressa na constituição. No caso, o que é direito adquirido, e inclusive clausula pétrea, é a irredutibilidade dos vencimentos, não se admitindo redução em seu valor nominal. A forma de cálculo, no entanto, não seria direito adquirido. O STF, assim, acabou ficando no meio do caminho, não adotando nenhuma das 2 teses extremas da doutrina. O problema é que essa “modalidade qualificada” é um conceito pouco claro, o que pode acabar gerando decisões casuísticas. O que a doutrina tenta fazer é uma ponderação entre princípios fundamentais: de um lado, o direito adquirido e a segurança jurídica; de outro, princípios que possam justificar uma determinada emenda supressiva. Ao chegar nesse meio termo, dizendo que determinados direitos adquiridos são clausulas pétreas e outros não, O STF andou melhor que a doutrina, porque evitou os extremos. Não se pode dizer que todo direito adquirido é clausula pétrea (o que hierarquizaria a segurança jurídica, em detrimento de outros princípios) e nem que qualquer emenda pode suprimir direitos adquiridos (o que geraria profunda insegurança). Assim, o problema se torna uma ponderação entre princípios constitucionais (segurança jurídica X outros princípios constitucionais), que se resolve pela proporcionalidade. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos CAPÍTULO 3 – TEMAS SOBRE INTERPRETAÇÃO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: 3.1 - Interpretação conforme a Constituição: Este princípio só faz sentido em relação às normas plurissignificativas (em que o texto da norma permite mais de uma interpretação possível). Se uma interpretação for constitucional e outra inconstitucional, o principio da supremacia da Constituição exige que o intérprete afaste a interpretação inconstitucional e aplique a constitucional. Nessa interpretação conforme NÃO há redução de texto. Apenas declara-se a inconstitucionalidade de uma interpretação. Qual o limite da interpretação conforme a constituição? O limite é o próprio texto, que baliza os limites da criatividade judicial. Assim, a interpretação tem que ser conforme a constituição e conforme o texto da norma. Quando o STF faz uma interpretação conforme, a ADIn é julgada procedente ou improcedente? Parcialmente procedente. Como o STF declara inconstitucional uma ou mais interpretações, não se pode ter uma decisão de total improcedência. OBS: A declaração de inconstitucionalidade de uma interpretação produz efeitos vinculantes e erga omnes. Assim, se um juiz aplica essa interpretação a um caso concreto, caberia reclamação ao STF. Isso prova que a interpretação conforme tem uma natereza dúplice: é um método de interpretação constitucional e um instrumento de controle de constitucionalidade. Quais os fundamentos da interpretação conforme? - A supremacia da Constituição, que implica a exigência do afastamento da interpretação inconstitucional. - Presunção de constitucionalidade, que exige que o interprete busque uma interpretação compatível com a Constituição e com o texto da norma, não declarando a norma inconstitucional na primeira suspeita. Pode haver o inverso: interpretação da Constituicao conforme a lei? Sim. Temos por exemplo as hipóteses que Canotilho chama de “reenvio ao legislador”, quando o constituinte estabelece a regulamentação de determinada matéria ao legislador (Ex: direito à saúde e lei do SUS). Uma outra hipótese é quando a Constituição faz referencia a um instituto já regulamentado pelo direito infraconstitucional (Ex: matrimonio, contrato etc). https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos No entanto, a lei tem limites pra concretizar a constituição. Se a lei contrariar a constituição, não haverá essa interpretação da constituição conforme a lei, mas sim lei inconstitucional. “Liberdade de conformação da Constituição” (Canotilho): é o espaço que o legislador tem de desenvolver a constituição sem violá-la, dentro dos limites traçados pelo seu texto. Qual a diferença da interpretação conforme pra declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto? O STF usa como sinônimos. E mesmo aqueles que os distinguem, vislumbram um ponto em comum: não há redução de texto, mas alguma coisa é declarada inconstitucional. Para Barroso e Gilmar, esse algo que é declarado inconstitucional é que é diferente. Na interpretação conforme, uma interpretação é declarada inconstitucional, o que pressupõe normas plurissgnificativas. Já na declaração parcial, a declaração de inconstitucionalidade se dá em relação a uma ou mais incidências da norma. Ex: aborto de fetos anecefalos -> Barroso defendia uma interpretação conforme, pois a interpretação do texto da norma no sentido de que é fato típico, é inconstitucional, por violar a integridadefísica da mulher. Ex²: art. 14 da EC20, que dizia que todos os benefícios previdenciários deveria observar o teto. O STF entendeu que a licença gestante não deveria estar submetida ao teto. Assim, disse que a incidência do teto especificamente para a licença gestante seria inconstitucional. Na pratica não há uma distinção metodogicamente relevante pra essa diferenciação. Em ambos os casos o judiciário impõe uma clausula de restrição que não está expressamente no texto da norma. É o caso de “interpretação restritiva” ou “redução teleológica”. OBS: Não confundir essas técnicas com a “declaração de inconstitucionalidade sem pronuncia de nulidade”, que vem do direito alemão e tem a ver com a modulação dos efeitos temporais. 3.2 - O que seria a sociedade aberta dos intérpretes da constituição? Ideia desenvolvida por Peter Haberle, segundo o qual a Constituição, por ter uma enorme relevância na ordem jurídica e na vida da sociedade, não pode ser interpretada exclusivamente pelo poder judiciário. Dizer que só o judiciário pode interpretar a constituição seria defender uma verdadeira aristocracia judicial, de caráter eminentemente anti-democrático. Por isso, deve ser aberta a interpretação da Constituição a atores não-judiciais. Essa ideia tem 2 dimensões: - Interpretação constitucional fora das cortes (pelos poderes executivo e legislativo e pela sociedade civil em geral). - Democratização da jurisdição constitucional, através de instrumentos como audiências públicas, “amicus curiae”,ampliação do rol de legitimados para ADIn etc. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos CAPÍTULO 4 – TEMAS SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS: 4.1 – Especificação dos direitos humanos: A expressão especificação dos direitos humanos foi cunhada pelo constitucionalista espanhol Gregorio Peces-Barba, mas um dos autores que melhor trata do tema é o saudoso Norberto Bobbio, em sua obra “A Era dos Direitos”. Sobre essa temática, Bobbio destaca a especificação dos direitos humanos como um processo de aprofundamento da tutela, que deixa de considerar apenas os destinatários genéricos – o ser humano, o cidadão –, objeto do processo de generalização, e passa a cuidar do ser em situação, a partir da tutela específica de grupos em estado de maior vulnerabilidade. Nessa esteira o autor cita dois exemplos de especificação no plano internacional: a Convenção da ONU de 1965 para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948. Nestes cenários houve uma intensa preocupação com minorias étnicas em situação de vulnerabilidade, especialmente após o Holocausto nazista e os conflitos étnicos na Europa, Ásia e África do pós-guerra. Assim, é possível dizer que o processo de especificação nada mais é do que surgimento de direitos fundamentais vinculados a determinados grupos especialmente vulneráveis (Exemplos: direitos fundamentais de minorias étnicas, de crianças, de presos políticos, dos índios, de refugiados políticos etc). Trata-se de um processo de intensificação da tutela, uma vez que tais grupos não gozam de condições de igualdade perante o restante da sociedade, demandando uma especial proteção do Estado. Nesse ponto, importante citar o princípio da isonomia, fazendo-se a distinção entre a clássica igualdade formal do liberalismo oitocentista (defendida em autores como Benjamin Constant, Adam Smith e Humboldt) e a igualdade substancial, que paulatinamente passa a ganhar força no cenário internacional, especialmente após o Constitucionalismo Social do início do século XX. Assim, necessário se faz que a igualdade não se dê meramente perante a lei, mas que se concretize também a partir de uma igualdade de condições, o que demanda uma atuação positiva do Estado, através de políticas públicas e ações afirmativas. Nessa linha, mostram-se importantes certas ações assistenciais como as políticas de cotas e planos assistenciais como o “bolsa escola”, “bolsa família” etc. Para um maior aprofundamento sobre o tema, importante a leitura da famosa ADPF 186 DF, na qual discutiu-se a constitucionalidade da política de cotas na UnB. Segue o link para o voto do ministro relator: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf186rl.pdf IGUALDADE Formal Liberalismo oitocentista Igualdade perante a lei Substancial Constitucionalismo Social Igualdade de Condições https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos 4.2 – Princípio da vedação ao retrocesso e “efeito cliquet”: O princípio do não retrocesso social ou princípio da proibição da evolução reacionária vem das clássicas lições de J. Gomes Canotilho, não figurando como um princípio constitucional expresso no Brasil, mas tendo sido reconhecido pela doutrina constitucionalista pátria. De acordo com essa doutrina, as normas constitucionais definidoras de direitos sociais seriam normas de eficácia limitada que, inobstante tenham caráter vinculativo e imperativo, exigem a intervenção legislativa infraconstitucional para a sua concretização. Nesse sentido, tais normas vinculam os órgãos estatais e demandam uma proibição de retroceder na concretização desses direitos. Conforme assevera Canotilho, (...) o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa 'anulação', 'revogação' ou 'aniquilação' pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado. (...) ‘a ideia da proibição de retrocesso social também tem sido designada como proibição de contrarrevolução social ou da evolução reacionária; com isto quer-se dizer que os direitos sociais econômicos (ex: direitos dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo.’ (Direito Constitucional: teoria da constituição. Coimbra, 3. ed., p. 326) Dessa forma, eventuais medidas do legislador infraconstitucional que objetivassem a supressão de determinada norma concretizadora desses direitos sociais deveriam ser consideradas inconstitucionais, por estarem retrocedendo na proteção de direitos fundamentais. Como exemplo de inconstitucionalidade resultante da violação do princípio da proibição do retrocesso social, o autor português cita uma lei que alargue desproporcionalmente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à aposentadoria. É o que alguns autores chamam de “efeito cliquet” dos direitos humanos, segundo o qual tais direitos não podem retroagir, só podendo avançar na proteção dos indivíduos. A expressão "cliquet" vem da França e é utilizada pelos alpinistas para definir um movimento que só permite ao mesmo subir, não se admitindo retrocesso em seu percurso. Tal efeito, de acordo com a doutrina majoritária, seria aplicável tanto ao legislador constitucional quanto ao poder constituinte reformador, não devendo também ser admitidas, em tese, emendas constitucionais visando ao retrocesso na concretização de determinados direitos fundamentais. “Ainda, dentro desse contexto, deve ser observado o princípio da vedação ao retrocesso, isso quer dizer, uma vez concretizado o direito, ele não poderia ser diminuído ou esvaziado, consagrando aquilo que a doutrina francesa chamou de effet cliquet. Entendemos que nem a lei poderá retroceder, como, em igual medida, o poder de reforma, já que a emenda à Constituição deve resguardar os direitos sociais já consagrados.” (LENZA, Pedro. Direitoconstitucional esquematizado / Pedro Lenza. – 16. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 1089) Esta interpretação deriva da própria previsão do art. 60, §4º, IV da CRFB, que não admite a tramitação de emendas constitucionais tendentes a abolir direitos fundamentais. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos Na jurisprudência do STF, o princípio da proibição do retrocesso foi invocado no RE 351.750, justificando a prevalência do Código de Defesa do Consumidor (que daria concretização ao princípio da defesa do consumidor), sobre normas especiais do Código Brasileiro do Ar e da Convenção de Varsóvia. Nesse sentido, assim argumentou o Min. Relator Carlos Britto: “(...) o consumidor não pode ser atingido por normas que lhe restrinjam conquistas asseguradas. É dizer: tendo o direito do consumidor status de princípio constitucional, não é dado a outras disposições legais restringir indenizações por mau uso do serviço”. Em sentido semelhante, o Supremo reconheceu como cláusula pétrea a previsão constitucional de licença à gestante (art 7º, XVIII), afirmando que qualquer alteração, mesmo por meio de emenda constitucional (na hipótese, a EC na 20/98), “a torná-la insubsistente, implicará um retrocesso histórico, em matéria social-previdenciária, que não se pode presumir desejado” (ADI 1946 DF). Também no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo no 639.337, em que se discutia o direito da criança de até cinco anos de idade receber atendimento em creche e pré- escola, o STF tratou de forma expressa sobre o tema: “O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. […] Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados.” Por óbvio, essa ideia de vedação ao retrocesso, como qualquer outro princípio, não deve ser entendida em termos absolutos, admitindo-se a utilização da técnica da ponderação. Em outras palavras, seria admissível que, em determinadas situações fáticas, outros princípios venham a prevalecer sobre o princípio da proibição do retrocesso social, desde que observado o núcleo essencial do direito fundamental em questão. Assim, veda-se ao legislador a supressão pura e simples da concretização de norma constitucional que permita a fruição, pelo indivíduo, de um direito fundamental social, mas não se exclui a possibilidade de alteração do grau dessa concretização, através, por exemplo, da substituição da disciplina legal por outra, mantido, sempre, o núcleo essencial da norma. Nesse sentido, assim sustenta Ingo Sarlet: “(...) não se pode encarar a proibição de retrocesso como tendo a natureza de uma regra geral de cunho absoluto, já que não apenas a redução da atividade legislativa à execução pura e simples da Constituição se revela insustentável, mas também pelo fato de que esta solução radical, caso tida como aceitável, acabaria por conduzir a uma espécie de transmutação das normas infraconstitucionais em direito constitucional, além de inviabilizar o próprio desenvolvimento deste. (...) o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado pelo legislador encontra-se constitucionalmente garantido contra medidas estatais que, na prática, resultem na anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial, de tal sorte que a liberdade de conformação do legislador e a inerente autoreversibilidade encontram limitação no núcleo https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos essencial já realizado (SARLET, Ingo Wolfgang. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITOS SOCIAIS: MANIFESTAÇÃO DE UM CONSTITUCIONALISMO DIRIGENTE POSSÍVEL. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE),Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 15, setembro/outubro/novembro, 2008.) Desse modo, conclui-se que o princípio da proibição do retrocesso não pode ser interpretado em termos absolutos, admitindo-se a sua ponderação no caso concreto, desde que respeitado o núcleo essencial do direito fundamental protegido. 4.3 – Efetividade dos direitos fundamentais: Reserva do Possível e Teoria dos Custos dos Direitos O dever do Estado em implementar políticas públicas e de garantir a fruição de direitos sociais por parte dos cidadãos muitas vezes entra em choque com outros princípios igualmente importantes em um Estado Democrático de Direito, como o princípio da separação dos poderes. Sendo assim, a doutrina procura construir alguns parâmetros para o estudo da efetividade dos direitos fundamentais e para a efetivação de políticas públicas pelo poder judiciário. A primeira tese que podemos destacar é a chamada cláusula da reserva do possível, que alerta para o problema de escassez de recursos do Estado. O termo foi cunhado pelo tribunal constitucional alemão na década de 70, e se desdobra em 2 vertentes: reserva do possível fática (ausência de recursos financeiros para o custeio da prestação pleiteada) e reserva do possível jurídica (ausência de dotação orçamentária específica para o custeio da prestação). Nessa linha, costuma também a fazenda pública se utilizar da chamada “teoria dos custos dos direitos”, desenvolvida na obra dos norte-americanos Stephen Holmes e Cass Sunstein: “O Custo dos Direitos: por que a liberdade depende de impostos” (1999). Tais autores propõe que o Estado, para se manter, precisa da receita dos tributos; e, como há uma extensa lista de serviços a implementar, nem sempre a quantia arrecadada será o suficiente para o custeio de todas as atividades. Assim, os autores norte-americanos, utilizando-se também de uma abordagem indireta da Reserva do Possível, procuram demonstrar todas as dificuldades que os Estados de Direito enfrentam para concretizar todas as garantias que os legisladores originários previram na Constituição. Ausência de recursos públicos para o custeio da prestação Ausência de dotação orçamentária específica para o custeio da prestação. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos Em uma conclusão conservadora, diz a teoria dos custos dos direitos que estes só existiriam quando revelados seus custos orçamentários. A existência de recursos é o que permite fazer a ligação entre a norma jurídica e o titular do direito, sendo tal norma meramente programática diante da impossibilidade de sua prestação. Em sentido semelhante, outra teoria que foi desenvolvida como tese de defesa do Estado é a teoria das escolhas trágicas, a qual defende que essa insuficiência orçamentária implica necessidade de renúncia do Estado à concretização de certos direitos, como forma de atender interesses mais urgentes. Isso porque decidir investir os recursos existentes em determinada área significa, ao mesmo tempo, deixar de atender outras necessidades, diante da impossibilidade fática e jurídica de viabilização de todos os direitos constitucionalmente previstos. Utilizando-se desses três grandes argumentos, a fazenda pública procurarechaçar a pretensão à judicialização de políticas públicas, com o argumento de que o judiciário, por possuir a função de “dizer o direito” no caso concreto (microjustiça), não conseguiria enxergar a repercussão negativa que o ativismo judicial nesse tema poderia acarretar na gestão dos recursos públicos (ideia de macrojustiça ou justiça distributiva), que já são escassos. É o que autores como Daniel Sarmento chamam de “crítica técnica” à judicialização de políticas públicas. Entretanto, mesmo com todos esses argumentos, há um ponto quase que em comum na doutrina que trata do tema: é possível a intervenção do judiciário como forma de garantir o mínimo existencial da pessoa humana, entendido como o conjunto de bens e atividades indispensáveis a uma vida digna. Autores como Ana Paula de Barcellos, por exemplo, tentam enxergar esse mínimo existencial em direitos fundamentais ligados à saúde, educação e acesso à justiça. Nas palavras de Ingo Sarlet, “o mínimo existencial não se sujeita à reserva do possível”. Assim, é plenamente possível que o Estado atue no sentido de concretizar tais direitos, entendidos como direitos subjetivos prima-face, que possuem um peso maior na necessária ponderação que deve ser feita no caso concreto, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, direitos como o direito à saúde e à vida não são direitos absolutos, mas possuem uma maior carga valorativa, que justificaria sua preponderância em relação a outros princípios igualmente importantes, como a separação dos poderes, a depender do caso concreto. Como a jurisprudência tem tratado o tema? Sobre o tema, importante citar a famosa ADPF 45, na qual o STF assentou o importante entendimento segundo o qual a reserva do possível depende de efetiva demonstração no caso concreto. Não basta uma alegação genérica de impossibilidade da prestação, o Estado precisa comprová-la no processo. De acordo com o ministro Celso de Mello, “a reserva do possível só deve ser admitida, quando da existência de justo motivo objetivamente aferível”. Importante citar também o RE271286, que tratou do fornecimento de coquetel para portadores do vírus HIV. Neste julgado o STF passou a entender que os direitos sociais produzem sim efeitos imediatos, são auto-aplicáveis, em oposição à antiga jurisprudência no sentido de que seriam normas meramente programáticas. Assim, no caso concreto julgado, o https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos Estado estaria sim obrigado ao fornecimento de medicamentos ao autor, como um exemplo de possibilidade de judicialização de políticas públicas de saúde.
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