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FSBA – FACULDADE SOCIAL DA BAHIA CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA MÁRCIO ROBERTO RIBEIRO SILVA EDUCAÇÃO FÍSICA E O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA Salvador 2008 MÁRCIO ROBERTO RIBEIRO SILVA EDUCAÇÃO FÍSICA E O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de graduação do curso de Licenciatura em Educação Física. Orientador: Prof. Ms. Luiz Carlos Rocha Salvador 2008 _____________________________________________________ ____________________________________________________ Termo de Aprovação Márcio Roberto Ribeiro Silva EDUCAÇÃO FÍSICA E O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA Monografia apresentada a Faculdade Social da Bahia, como requisito parcial à obtenção de graduação do curso de Licenciatura em Educação Física, submetida a banca examinadora em 11/06/2008. Prof. Ms. Luiz Carlos Rocha (orientador) Mestre pela UNEB Prof. Dr. Augusto Cesar Rios Leiro Doutor pela UFBA Esta monografia é dedicada a todos os educadores que não se cansam, não desistem, acreditam, viajam de barco, no meio do nada e àqueles que andam quilômetros, a pé, no intuito, quase instintivo, de apenas exercer sua amada profissão. AGRADECIMENTOS Ao meu Deus por me conceder a honra desse privilégio que é viver, por me conceder esse paraíso que é a minha família. À minha mãe pelo amor, atenção; minha base e fonte dos sentimentos mais puros e sinceros. À meu pai, financiador deste sonho e de todas as minhas outras realidades, por sua dedicação à família e por ser um exemplo de honestidade, caráter e retidão. Aos meus pais, por me permitirem, sempre, escolher os meus caminhos com a mais total das imparcialidades. Ao meu compadre, amigo e irmão Ricardo, meu Dr. Honoris Causa, por, financiar os meus estudos, por me apresentar ao mundo e me ensinar a andar de bicicleta. Depois desses aprendizados minha vida nunca mais foi a mesma. À minha tia Sandra pelo apoio nos primeiros momentos em Salvador. Ao meu primo Marinho por conseguir meu primeiro estágio. À minha avó Eurides por sempre acreditar em mim. Às professoras e à Escola do bairro da Santa Cruz pela confiança e credibilidade Ao Grupo de estudo e pesquisa Mídia, Memória, Educação e Lazer (MEL) da UFBA pelas contínuas contribuições. Ao Mestre Luiz Rocha pela sua dedicação, paciência e perseverança. Problema Social Se eu pudesse eu dava um toque em meu destino Não seria um peregrino nesse imenso mundo cão Nem o bom menino que vendeu limão Trabalhou na feira pra comprar seu pão Não aprendia as maldades que essa vida tem mataria a minha fome sem ter que roubar ninguem Juro que nem conhecia a famosa funabem Onde foi a minha morada desde os tempos de neném É ruim acordar de madrugada pra vender bala no trem Se eu pudesse eu tocava em meu destino Hoje eu seria alguem Seria um intelectual Mas como não tive chance de ter estudado em colégio legal muitos me chama de pivete Mas poucos me deram um apoio moral Se eu pudesse eu não seria um problema social Seu Jorge RESUMO Nessa pesquisa cujo tema é “Educação Física e o Fenômeno da Violência na Escola”, se tem como grande objetivo trazer à luz a situação tensa vivenciada diariamente nas instituições de ensino. Com o intuito de articular a Educação Física com a violência escolar e explorar as possibilidades de intervenção nesse cenário, foi realizada uma pesquisa tipo estudo de caso, com caráter qualitativo, em uma escola municipal de Salvador, Bahia, situada em região marcada pela falta de condições básicas de sobrevivência e de uma forma geral pela ausência do Poder Público, que como conseqüência, traz altos índices de violência que ocorrem dentro e fora da instituição. Apresenta-se um panorama sobre a história da educação e seu percurso até os dias atuais e fundamentações para o entendimento macro da violência em suas relações diárias, assim como demonstra, através dos relatos dos professores, a metodologia utilizada na escola e a percepção destes docentes em relação à temática. Palavras Chaves: Educação Física, Escola, Violência. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS FIGURA 01 - HIERÓGLIFO EGÍPCIO ......................................................... 12 FIGURA 02 - JESUÍTAS CATEQUISANDO ÍNDIOS.................................... 14 FIGURA 03 - JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO......................................... 19 FIGURA 04 - PROTESTO ONG................................................................... 22 FIGURA 05 - ARMAS USADAS NA ESCOLA EUA...................................... 23 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 09 2 ESCOLA / EDUCAÇÃO.......................................................................... 12 2.1 Historia da Educação no Mundo....................................................... 12 2.2 História da Educação na Bahia ........................................................ 13 2.3 História da Educação no Brasil ........................................................ 14 2.4 Educação na Contemporaneidade ................................................... 15 3 VIOLÊNCIA ............................................................................................ 18 3.1 Violência Escolar .............................................................................. 23 4 EDUCAÇÃO FÍSICA E VIOLÊNCIA ESCOLAR ..................................... 26 5 METODOLOGIA ..................................................................................... 31 6 ANÁLISE DE DADOS ............................................................................. 33 6.1 Violência sobre o olhar dos professores .......................................... 34 6.2 Os diferentes tipos e fatores da violência no contexto escolar......... 35 6.3 Violência in loco................................................................................. 38 6.4 A tarefa de contextualizar a violência............................................... 40 6.5 A escola “armada” ............................................................................ 40 6.6 Avaliando o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD)........................................................................ 42 6.7 Classificando a escola....................................................................... 44 6.8 Contextualizando a Violência ........................................................... 45 6.9 Contribuição da Educação Física.....................................................47 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 51 REFERÊNCIAS ......................................................................................... 54 9 INTRODUÇÃO É senso comum, nos dias atuais, a violência presente em toda a sociedade, tornando-se um fenômeno mundial preocupante e assustador, que vem se espalhando de forma rápida e desastrosa. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência mata 1,6 milhões de pessoas a cada ano no mundo e outros milhões são mutilados por ataques. Diz ainda a OMS que a cada minuto morre uma pessoa, vítima da violência, no planeta. No Brasil, o cenário também é preocupante, são recorrentes as aparições na mídia, de casos, em todos os estados, tanto nas grandes cidades como no interior. Estudos realizados demonstram um crescente índice de aumento a cada ano. Em uma década, ou seja, de 1994 a 2004, os índices de violência se elevaram em 48,4% enquanto o crescimento da população nesse período foi de 16,5%. A violência aparece hoje na sociedade, não apenas na forma de crimes, homicidios, roubos ou delinquências, mas, também, nas relações familiares, na escola e nos diversos aspectos da vida social. A ampliação da percepção de violência se expressa no fato de não ser considerada apenas como manifestação via agressão física. Engloba, também, situações de humilhação, exclusão, ameaça, desrespeito, indiferença e omissão para com o outro. Consequentemente, os dados mostram o crescente aumento da violência e como não poderia ser diferente, esse aspecto vai se refletir em todas as esferas da sociedade, chegando, obviamente, ao contexto escolar. Recentemente foi visto, em âmbito nacional, o caso do professor de Educação Física do ensino fundamental, da escola municipal Tancredo Neves, Renato Ramos, 43 anos, assassinado em Viana, região metropolitana de Vitória do Espírito Santo, depois de denunciar que alunos andavam armados, dentro da escola e usavam drogas em suas dependências. O professor tinha audiência marcada na Vara da Infância e Juventude de Viana para falar a respeito da referida denúncia. Dentre todas as outras vertentes que esse cenário desastroso produz, aprofundaram-se mais ainda estes estudos sobre a violência escolar e suas implicações no cotidiano, buscando-se entender como essa altera o projeto pedagógico, Partiu-se da análise do projeto do Programa Educacional de 10 Resistência às Drogas e à Violência (PROERD), desenvolvido pela polícia militar e definido pelo comandante geral da Policia Militar da Bahia como, possuidor de uma metodologia reconhecida e comprovada em mais de cinqüenta países no mundo, o qual visa consolidar, junto à sociedade de um modo geral, a imagem do policial militar como referência positiva ao habilitar crianças e adolescentes no referido programa. SANTANA, (2005). O estudo pretende ser um instrumento para analisar e entender os crescentes níveis de violência na escola, refletindo seu passado e perspectivas para o futuro, tendo a disciplina Educação Física como possibilidade de intervenção e transformação, entendendo a real situação e profundidade do referido tema, tendo a noção de que a mesma não se apresentará como vara de condão que reverterá os altos índices de violência dentro e fora da escola, assim como o abismo social onde esta comunidade está inserida. Será, também, discutido o papel do professor– educador no processo de formação do aluno/sujeito no contexto escolar. Com esta pesquisa buscar-se-á respostas para o entendimento de quais as reais possibilidades de intervenção da Educação Física no contexto da violência escolar e se este componente é capaz de resolver ou amenizar esses conflitos. A escolha deste tema ocorre em razão da perplexidade perante a violência, sua amplitude e reflexos no cotidiano. Ao longo de quatro anos morando no Rio de Janeiro percebe-se o ápice da violência, e com o sentimento de afrontação cotidiana, a decisão de abandono de carreira militar em esfera federal devido a violência foi uma conseqüência. Sendo estes fatores determinantes no direcionamento da pesquisa, onde se decide por direcionar total atenção ao tema. Após a leitura de alguns livros, folhear revistas, assistir filmes, visitar alguns sites e perceber o movimento crescente em relação ao tema, em 2005, ingressa-se ao curso de Educação Física da Faculdade Social onde se busca, continuamente, dialogar as vivências com as comunidades com um maior desfavorecimento social. Acontece, então, a articulação entre os dois interesses maiores da pesquisa. Nesse sentido ainda falta especificidade, porém, o horizonte aponta inúmeras possibilidades. Após aproximação com as comunidades do Alto de Ondina, Itinga e Santa Cruz sendo essa última onde houve a oportunidade de desenvolver o primeiro estágio extracurricular, foi “batido o martelo” Educação Física e violência, como proposta. Descobrir e apontar as possibilidades nesse cenário o objetivo. A partir 11 desse momento, ocorre uma verdadeira enxurrada de idéias, algumas bastante plausíveis, outras nem tanto, e, através do campo empírico, experimentou-se o sabor dos erros e das descobertas, sempre de forma planejada, nas intervenções. Criou-se um blog “www.professormarcio.zip.net” com o objetivo de demonstrar laços de outras perspectivas de comunidade, interagindo com fotos, relatos, sugestões, pesquisas e percebendo outra grande possibilidade de exploração. Nesse sentido se buscou leituras que possibilitassem o aprofundamento da temática. Uma das primeiras foi o livro “Abusado o dono do morro D. Marta no Rio de Janeiro”, o qual narra a “evolução” gradativa de um jovem na escala hierárquica do tráfico de drogas, chegando ao maior posto dentro da favela, ou seja, gerente- geral. Durante as leituras questionou-se que se houvesse uma política pública de esporte, uma integração entre escola e comunidade ou uma visão mais detalhada e profunda sobre as questões sociais e se apenas o único braço do estado que subisse o morro não fosse a polícia, a história e o fim daquele jovem, poderia, não ser o mesmo. A segunda motivação surgiu a partir da reflexão sobre a violência na alteração do modo de vida das pessoas, o êxodo em grande número de pessoas abandonando os grandes centros, suas carreiras e vidas conturbadas em busca de segurança e mais qualidade de vida para seus familiares. Outra grande motivação foi a experiência do estágio na escola onde direciono meus estudos, a qual apresenta altos índices de violência dentro e fora da instituição. Decidiu-se por esta pesquisa, após a análise dos fatos expostos e percebendo a total relevância do tema Educação Física e a violência na escola, tendo como objetivo/norte identificar as possibilidades pedagógicas de intervenção da Educação Física na perspectiva da redução da violência escolar. Este estudo ficou então dividido em três capítulos, assim distribuídos: Escola/Educação sendo neste demonstrado o surgimento da educação formal e o seu percurso aos dias atuais. No segundo capítulo Violência Geral /Escolar apresenta as relações entre esses aspectos e posteriormente, Educação Física e Violência Escolar onde se demonstra as possibilidades neste cenário. 12 2 ESCOLA / EDUCAÇÃO 2.1 História da Educação no Mundo Em todas as pesquisas realizadas sobre a históriae berço da educação no mundo, estas nos remetem ao antigo Egito, de onde nos chegaram os testemunhos mais antigos e talvez mais ricos sobre todos os aspectos da civilização e, em particular, sobre a educação. Segundo o dicionário, educação é assim conceituada: Do lat. Educacione, 1. Ato ou efeito de educar(-se). 2 Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando a sua melhor integração individual e social: educação da juventude, Figura 01 Hieróglifo Egípcio adultos; excepcionais. AURÉLIO, (2004) Manacorda, (1989) nos dá uma visão sobre o conhecimento e suas aplicações práticas no antigo Egito. Conclui-se que um povo residente às margens de um grande rio e com uma agricultura avançada, acumulou e transmitiu, desde tempos remotíssimos, noções, de alto nível, não somente sobre a agricultura e a agrimensura, mas, também, sobre as ciências que lhe servem de base: a geometria, para a medição dos campos, a astronomia para o conhecimento das estações, e, especialmente, a matemática, que é o instrumento básico. Segundo Gennari, (2003) no antigo Egito existiam quatro grupos de pessoas que recebiam um ensino diferenciado: o faraó e os senhores da corte, os escribas e todos aqueles que se dedicam às funções administrativas, os artesãos e, por último, os escravos. Cerca de 2.600 anos antes de Cristo, os filhos do faraó, seus futuros conselheiros e os nobres do Egito são educados para dominar a arte da palavra. 13 2.2 História da Educação na Bahia Um estudo realizado por Cabral, Matos e Nunes, [200-] demonstra com riqueza de detalhes como a educação acontecia no Período colonial na Bahia. Quando se pretende resgatar o desenrolar da História da Educação no Brasil e na Bahia, deve-se de fato começar através da educação dos grupos indígenas que aqui viviam quando os portugueses chegaram e se apossaram do lugar. Estes eram ágrafos e não deixaram registros escritos, salvo pinturas rupestres. Conhece-se seus hábitos e costumes através dos trabalhos de arqueólogos e antropólogos. Esse mesmo estudo relata que, só surge algum tipo de instrução formal, com a chegada dos primeiros seis jesuítas, no ano de 1549, com o primeiro governador geral, Tomé de Souza, a quem ajudaram a construir a cidade de Salvador (BA). Antes de ficar pronta a capital do Estado do Brasil, estando todos ainda alojados na vila do Pereira, o irmão Vicente Rodrigues já abrira uma escola de ler e escrever para os filhos dos colonos. Em seguida, os jesuítas instituíram missões indígenas em aldeias administradas, onde criaram as primeiras escolas de ler e escrever, que pelo AURÉLIO, (2004) é definido: “Escola [Do gr. Scholé, pelo lat. schola]. Estabelecimento público ou privado onde se ministra sistematicamente, ensino coletivo”. Além disso, criaram colégios nas principais cinco vilas e cidades como: Salvador, Piratininga, depois Rio de Janeiro e Vitória. A Coroa Portuguesa deixou, a cargo dos jesuítas, toda a instrução na América Portuguesa e, de fato, dominaram a educação em terras brasileiras por duzentos e dez anos, até sua expulsão em 1759, por determinação de D. José II, déspota esclarecido que tinha Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, como seu poderoso ministro. Torna-se necessário, também, lembrar que os negros que vinham escravizados da África para os mais diversos trabalhos, chegavam sem nada conhecer da terra e, por isso, eram chamados de boçais. Precisavam aprender aqui a língua portuguesa, bem como os trabalhos a que deviam se dedicar, sobretudo com outros negros que aqui já estavam, os chamados ladinos. Também eram, às vezes, catequizados, na religião católica. Além disso, conseguiram, até como forma de resistência, manter seus costumes e religião, transmitindo oralmente, como na África, suas tradições a seus filhos e netos. 14 2.3 História da educação no Brasil Ribeiro, (2003) relata que diante das dificuldades encontradas com o regime de capitanias hereditárias, é criado o Governo Geral, que tinha como obrigação não substituir e sim apoiar as capitanias, a fim de que o processo de colonização conseguisse um desenvolvimento normal. Entre as diretrizes básicas constantes no Regime, isto é, uma nova política ditada então por D. João III (17-12-1548), é encontrada uma, referente a conversão dos indígenas, a fé católica pela catequese e pela instrução. Em cumprimento a isto chegam Tomé de Souza quatro padres e dois irmãos jesuítas, chefiados por Manoel da Nóbrega em 1549. Luiz A. de Mattos destaca a importância deste item dos Regimentos dizendo: dele dependeria (...) o êxito da arrojada empresa colonizadora; pois que , somente pela aculturação sistemática e intensiva do elemento indígena aos valores espirituais e morais da civilização ocidental e cristã é que a colonização portuguesa poderia lançar raízes definitivas(...) MATTOS, (1958) citado por RIBEIRO, (2003) Outro aspecto importante segundo Ribeiro é que percebe-se, por estes poucos fatos, que a organização escolar no Brasil - Colônia está, como não poderia deixar de ser, estreitamente vinculada à política colonizadora dos portugueses. Num contexto social com tais características, a instrução, a educação escolarizada só podia ser conveniente e interessar a essa camada dirigente (pequena nobreza e seus descendestes) que segundo o modelo de colonização adotado, deveria servir de articulação entre os interesses metropolitanos e as atividades coloniais. Os subsídios recebidos e a obrigação daí decorrentes, também, sugerem as idéias colocadas em forma de questão, já que os jesuítas deveriam fundar colégios que recebiam subsídios do Estado português relativos a missões. Dessa forma, ficavam juridicamente obrigados a formar, gratuitamente, sacerdotes para a catequese. Os jesuítas permaneceram como mentores da educação brasileira durante duzentos e dez anos, até 1759, quando foram expulsos de todas as colônias portuguesas por decisão de Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777. No momento da expulsão os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17 Figura 02 Jesuítas Catequizando Índios 15 colégios e seminários, além de seminários menores e escolas de primeiras letras instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já implantado e consolidado como modelo educacional. BELLO, (1998). O autor Sperber, (2003) no dicionário de filosofia aborda algumas questões que se aplicam a esses três períodos distintos da educação demonstrados anteriormente: o surgimento no Egito, na Bahia através da colonização e no Brasil a sua disseminação através das capitanias, onde questiona: [...] qual o objetivo último da educação e a quem ela deve servir? Quem está habilitado a identificar, a definir e a ensinar as virtudes? Que tipos de conhecimento são essenciais a uma vida realizada? De que maneira as diferentes espécies de conhecimento afetam o processo da aprendizagem? SPERBER, (2003) Observa-se, através dessa reflexão, que apesar de se situarem em épocas distintas, o conhecimento sempre foi restrito a uma minoria e seus objetivos sempre estiveram a caminhar em lados opostos de quem os recebiam. Eram, ainda, impostos em processos severos, desconsiderando individualidadese com objetivos colonizadores em sua maioria, não se diferenciando dos modelos contemporâneos de educação. 2.4 Educação na Contemporaneidade Através das leituras para o desenvolvimento deste tema, duas palavras foram recorrentes: tecnologia e mudanças, sendo essa última, a que provocou maior entusiasmo, tendo em vista o futuro de um educador. No tocante a tecnologia observa-se mudanças que, certamente, trarão benefícios para educação, como os novos recursos de comunicação e a participação da mídia nesse processo onde nota-se que O importante é que os novos recursos, como o computador, a televisão, o cinema, os vídeos, não sejam usados apenas como instrumentos, mas se tornem capazes de desencadear transformações estruturais na velha escola ARANHA, (1996) 16 Essa mesma autora afirma que é uma característica da sociedade informatizada a abundância de informações, sendo assim a necessidade de atenção ao acesso, seleção e controle desses dados, pois afirma que elaborar difundir e utilizar o saber sempre significaram uma forma de poder. Relata ainda que os computadores são hoje janelas para o mundo, possibilitando a troca de arquivos, acesso a banco de dados internacionais, divulgação de pesquisas, discussão de temas dos mais variados, mas, na tentativa de incorporar os novos recursos, muitas vezes, as escolas adquirem novos equipamentos, no entanto não conseguem alterar a tradição das aulas acadêmicas. O Brasil, segundo a Fundação Getúlio Vargas, tem vinte e quatro milhões de computadores sendo que o número de pessoas conectadas a internet é de 16.3 milhões, conforme estudo divulgado na Folha de São Paulo pelo instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – (IBOPE/NET). Outra fonte de conhecimento que está sendo utilizada na atualidade é a televisão, em vista de ter uma grande abrangência no território nacional (80%), mas que poderia ser ainda mais explorada no processo educacional do país. Observa-se, então, que o processo de transformação está em curso e que o século XXI deverá ser anunciador de grandes mudanças. E após análises das possíveis mudanças na trajetória educacional tratar-se-á, a seguir, dos aspectos relativos à Educação Física e violência na escola. Seguindo por essa linha uma das possibilidades é a reflexão da violência, mostrada na mídia e também na mídia esportiva onde é dito: o circulo vicioso que se estabelece entre violência e a mídia que atua como realimentadora e amplificadora daqueles comportamentos (violência doping, fraude, etc.) dos jogadores e expectadores. A mídia forma uma nova hierarquia de valores, a qual determina em grande medida a atitude do consumidor e tem grande efeito na prática do esporte em si: os fins justificam os meios - se leva ao sucesso, a violência é permitida. BETTI, (1997) Nesse processo percebe-se a necessidade da Educação Física se fazer presente no intuito de trazer essa problemática à sala, estruturando um novo conceito de aula, mediante acontecimentos atuais e cotidianos, adequando-se às novas possibilidades e realidades de inserção, com métodos contemporâneos de ensino. 17 Lippelt, (2004) traz uma reflexão interessante, quando diz que a mídia e o esporte têm um papel importante na reconquista dos valores morais e é um objetivo que deve ser levado adiante por intermédio de instituições como a família a escola e a religião “com os diferentes segmentos da sociedade e por meio da recuperação dos valores morais conseguir-se-á diminuição da violência”. LIPPELT, (2004). Observamos então a necessidade de articulação dos meios possíveis e alcançáveis de informação no objetivo de aproximar os temas aos métodos e linguagens utilizados pela juventude, possibilitando um estreitamento nessa relação conseguindo permear os conteúdos com maior facilidade. 18 3 VIOLÊNCIA Desde meados da década de setenta vem se exarcebando no Brasil o sentimento de medo e insegurança no quesito violência urbana. Segundo, Aurélio, (2004) “violência é a qualidade de ser violento. Ato de violentar. Constrangimento físico ou moral; uso da força; coação”. Em outra visão, é mostrado que: o termo violência provém do latim violentia-raiz semântica vis = força- e significa opressão, imposição de alguma coisa a outra pessoa ou a outras pessoas, por intermédio do emprego da força, qualquer que seja o seu tipo, a sua substância, forma ou sentido: força dos poderes social, econômico,juridico ou politico,força das armas,força física,força simbólica ou de qualquer outra natureza que se queira MURAD, (2007). Já o dicionário de filosofia assim define “1) o assassinato de uma ou mais pessoas ou que inflige a essas pessoas sofrimentos ou lesões psíquicas; 2) através do uso da força física; 3) intencionalmente e 4) contra sua vontade”. Marilena Chauí, (1998) ajuda a conceituar violência a partir das seguintes definições: tudo que abrange a força para ir contra a natureza de algum ser (desnaturar); todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (coagir, constranger, torturar, brutalizar); todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade(violar); todo ato de transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito; conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e /ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror. Segundo Adorno citado por Sallas e outros (1999), o individuo que não respeita e desconsidera os valores e a situação social dos seus semelhantes pratica a violência, negando os valores considerados universais, como a liberdade, a igualdade e a vida. Hoje, no Brasil, percebe-se o clima de insegurança que ronda as nossas capitais. Nesta questão: 19 um novo fenômeno chamou a atenção: se, até 1999, os pólos dinâmicos da violência localizavam-se nas grandes capitais e regiões metropolitanas, a partir dessa data, observou-se certa estagnação nessas áreas e o deslocamento da dinâmica para o interior dos estados. WAISELFISZ, (2004) Essa nos faz refém dentro dos nossos domicílios e por muitas vezes faz com que a população arque com despesas que seriam do estado ou da união no intuito de buscar proteção. Pesquisas recentes realizadas pelo Datafolha e publicadas no Jornal Folha de São Paulo, demonstram que a violência é hoje o maior medo dos paulistanos, e, cujo principal temor, é o envolvimento dos jovens com as drogas. Em 2004 houve no Brasil uma Campanha Nacional de Desarmamento, a qual foi criada para incentivar a devolução de armas e recompensar quem as entregasse. A previsão do governo era que fossem entregues oitenta mil armas, mas as expectativas foram superadas e recolhidas 459.855. Pode-se atribuir este número ao fato do Brasil possuir o 8º maior arsenal do mundo com 15,3 milhões de armas1 (Small Arms Survey) e é o 2º maior exportador do ocidente2 sendo que muitas dessas armas fabricadas aqui são exportadas para o Paraguai e retornam trazidas pelo crime organizado. Já em 2005, houve o Plebiscitodo desarmamento, onde foi perguntado à população se o comércio de armas de fogo e munição deveria ser proibido no Brasil, 1 Revista Sociologia CIENCIA Ano II número 14 por RODRIGO GALLO. 2 Revista Sociologia CIENCIA Ano II numero 14 por RODRIGO GALLO Figura 03 Jornal Folha de São Paulo 20 cujo resultado foi que a maioria das pessoas, num total de 63,94% optou por ter direito a comprar armas. A violência torna-se presente, infelizmente, no nosso cotidiano. As produções cinematográficas, atuais, têm sido uma das áreas mais reflexivas em relação ao dilema; filmes como: “Cidade de Deus”, “Quanto Vale ou é por Quilo”, “Ônibus 174”, “Falcão Meninos do Tráfico” e “Tropa de Elite” têm suscitado grandes questionamentos. Este último, mais atual, tem sido o responsável por grandes polêmicas em relação à temática, que lança olhares sobre alguns paradigmas, como a aceitação da polícia que tortura e mata, e a classe média que luta por paz e justiça, mas consome drogas. No filme, um diálogo relata: “É engraçado porque ninguém faz passeata quando morre policial. Protesto é só pra morte de rico. Quando eu vejo passeata contra a violência, parceiro, eu tenho vontade de sair metendo porrada!” (Capitão Nascimento no filme Tropa de Elite, 2008). São comuns os relatos nos noticiários onde a população é instruída, pelas autoridades policiais, em como agir em caso de ser abordada por um marginal. O seqüestro relâmpago, tamanha a sua recorrência, já não se ajusta ao termo anteriormente utilizado. “A leitura sobre a palavra, bem como seu conceito, violência, ainda que panorâmica, aponta para o fato de que a história da violência tem inicio com a própria história ou, para alguns até mesmo antes dela, já na antropogênese”. MURAD, (2007). O relato bíblico da morte de Caim pelo irmão Abel é uma confirmação desse fato. Em geral, é nesse contexto que se encontra a definição da palavra violência, mas, não por isso assim se resume, pois a sua abrangencia ultrapassa os limites físicos. Em seu livro “O que é apartação?”, Cristovam Buarque (1983), relata a cena onde crianças ricas no primeiro andar de uma das lojas da rede Mac Donald’s, jogam batatas fritas pelas janelas para as crianças pobres que perambulam por ali, e se divertem com a cena, demonstrando, claramente, uma mistura de exclusão e violência social. Ainda no tocante a problematicas sociais, a revista Sociologia3 (2007) traz em sua matéria de capa a seguinte problemática: “Ausencia de Exemplo. Pesquisa revela que uma das principais causas da criminalidade juvenil é a falta da paternidade responsável e participativa”. Esse estudo aponta para problemas significativos, decorrentes da falta de uma figura paterna, e demonstra que o 3 CIÊNCIA & VIDA, Ano 1 numero 10 por RODRIGO GALLO 21 convívio direto e cotidiano com essa figura é benéfico à formação do caratér juvenil. A pesquisa demonstra, também, um aumento nos números de menores internados em instituições sócio-educativas de todo o Brasil, registrando um aumento de 28% entre 2002 e 2006, passando de 12.051 para 15.426, sendo que destes, 257 se encoontram na Bahia, segundo pesquisa realizada pelo referido periódico. Além disso, aponta que “O aumento no número de menores infratores pode ser um reflexo tardio de mudanças ocorridas no comportamento sexual”, relacionando aí a liberdade vivida a partir da década de 60, com a influência do movimento hippie ao grande número de filhos concebidos após aquela época, quando muitos foram entregues para adoção, ocorrendo, dessa forma, a descentralização da família e o afastamento do pai, podendo este ter sido um dos impulsionadores de alguns casos de violência pois, ausência da figura paterna na vida da criança pode ser responsável por boa parte dos casos de violência juvenil no país. Pesquisas apontam que cerca da metade dos jovens infratores não tem contato com o pai. E reforça que a simples presença paterna não basta. É preciso que o pai transmita valores de família, dê exemplos de conduta e orientação correta ao filhos. GALLO, (2007). Já sobre outras perspectivas, estudos indicam que a soma de fatores como a ausência de instituições de proteção social, um contingente muito grande de população jovem, um congestionamento habitacional e um espaço social público degradado, abrem caminhos para a chegada do crime organizado, para o tráfico de drogas e para a violência, tanto de grupos da sociedade civil como da própria polícia. A solução para tudo isso, como diz o pesquisador: é fazer com que as pessoas tenham uma relação de reciprocidade caracterizada pela justiça e pelo mínimo de igualdade, além de criar políticas de segurança eficientes, muito diferentes das que temos hoje. ADORNO, (2008). Um outro fator novo, consequência dessa violência é o surgimento de inumeras Organizações Não Governamentais (ONG), (Viva –Rio, Instututo Sou da Paz, CANSEI) e campanhas da sociedade civil no intuito de se Figura 04 Protesto ONG 22 mobilizar e tentar chamar atenção para esse problema, crescente e assutador. Temos, também, os diversos núcleos de estudos coordenados por importantes faculdades como os Núcleos de Estudos da Violência – USP, NIEVCI – Núcleo Interinstitucional de Estudos da Violência e da Cidadania da UFBA. O Brasil se encontra hoje em 4º lugar no ranking mundial da violência perdendo apenas para a Colombia , Russia e Venezuela. Observa-se, também, que a profunda desigualdade social que ocorre contribui para esse cenário no Brasil não sendo esta a determinante para os altos índices de violência, mas certamente contriuinte para estes pois; a tese que sustentava relações de causalidade entre pobreza, delinqüência e violência está hoje bastante contestada em inúmeros estudos. No entanto, não há como deixar de reconhecer relações entre a persistência, na sociedade brasileira, da concentração da riqueza, da concentração de precária qualidade de vida coletiva nos chamados bairros periféricos das grandes cidades e a explosão da violência fatal. Mapas da violência, realizados para algumas capitais brasileiras, na década passada, indicavam que as taxas de homicídios eram sempre e flagrantemente mais elevadas nessas áreas do que nos bairros que compõem o cinturão urbano melhor atendido por infra-estrutura urbana, por oferta de postos de trabalho, por serviços de lazer e cultura. ADORNO, (2008) Este mesmo pesquisador afirma, também, que a grave crise no sistema penitenciário é outro fator importante para o crescimento da violência onde o crime cresceu e mudou a sua “cara” enquanto os mecanismos da justiça são os mesmos de quarenta anos atrás Os sintomas mais visíveis desse cenário são as dificuldades e os desafios enfrentados pelo poder público em suas tarefas constitucionais de deter o monopólio estatal da violência, sintomas representados pela sucessão de motins e rebeliões nas prisões, pela ousadia no resgate de presos, pela existência de áreas das grandes cidades onde prevalecem as regras ditadas, por exemplo, pelo tráfico de drogas em detrimento da aplicação das leis. Grande parte dos problemas aqui mencionados decorre do modelo de estado que temos, que, entre outros fatores aponta para a desigualdade social e a distribuição injusta da renda, onde pesquisas realizadas pelo jornal folha de São Paulo em sua versão on-line Folha UOL afirma que “OBrasil é o oitavo país em desigualdade social, na frente apenas da latino-americana Guatemala e dos africanos Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia” segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Estes 23 mesmos estudos relatam que, no Brasil, 46,9% da renda nacional concentra-se nas mãos dos 10% mais ricos. Já os 10% mais pobres ficam com apenas 0,7% da renda. Observa-se o abismo social ao qual o Brasil está inserido demonstrando o histórico acumulo de riquezas em detrimento de minorias ao qual o país sempre vivenciou e que necessita ser refletido, pois as suas possíveis conseqüências se apresentam a toda a sociedade 3.1 Violência Escolar A violência nas escolas tem gerado profundos debates em relação às suas causas. Observa-se esta ocorrência, em sua maioria, nas escolas públicas, mas já se encontram casos significativos também em escolas particulares. O sociólogo Augusto Cácia – Bava afirma, que se a violência estoura na porta das escolas é porque o ensino continua alienado da realidade dos adolescentes. Fato que é constatado diariamente na maioria das escolas, onde em alguns casos, se percebe uma verdadeira guerra urbana nas ruas, cuja violência não é abordada nem discutida em sala de aula. Em âmbito mundial houve, recentemente, o chocante caso de alunos da terceira série primária de uma escola na Geórgia, Estados Unidos, entre oito e dez anos de idades que após um deles ter sido advertido pela professora, foi planejado um ataque a docente levando para a escola facas, algemas e fitas adesivas para isolamento da sala, sendo que o plano não se concretizou porque outro aluno viu a faca na mochila do colega e avisou à professora. No Brasil houve o caso do professor de Educação Física assassinado por alunos após denúncias, como foi anteriormente mencionando. Em Salvador no dia 14/04/08 foi mostrado pela mídia o assassinato Figura 05- Armas Apreendidas na Escola EUA 24 do jovem de dezesseis anos Juan Sérgio da Silva Ferreira, morto quando saia da escola onde estudava, no bairro de Roma, após uma discussão, dias antes, com o agressor, devido a uma briga em defesa do primo. Infelizmente percebe-se a invasão dos nossos jornais e noticiários em situações como essas. Campelo, (2001), cita o sociólogo Rudá Ricci e esse, assegura que a violência juvenil é mais complexa do que pode parecer. Pesquisas demonstram que essa violência pode ser atribuída ao uso de drogas, muito mais do que ao desemprego. Para o autor, pessoa violenta é aquela que se desenvolve em um ambiente de ódio coletivo como o racismo, por exemplo, e que é exposta a situações de voracidade, ou seja, ânsia de poder, narcisismo. Este mesmo estudo revela que o crack, por ser uma droga compulsiva, parece gerar furtos e outras infrações entre adolescentes. Pesquisa recém divulgada pela Universidade Federal de São Paulo indica que 28% dos estudantes de escola pública utilizaram ou utilizam drogas. A pesquisa do IBOPE, citada por Rudá Ricci mostra que o maior fator de consumo de drogas entre jovens é o sentimento de abandono familiar (35% dos usuários de drogas). Estes fatores contribuem para a violência percebida in loco nas diversas aulas realizadas, onde se vivenciou brigas ocorridas no pátio de lanche, algo muito próximo ao visto em presídios. Algo que, como educador, entristece pelas comparações, mas, direcionando,ali um olhar crítico, para perceber que algo além daquela imensa briga e descontrole geral, com arremesso de pratos e canecas acontecia. Antes disso, presenciava diariamente a afirmação física mais uma vez retratada em filmes relacionados a presídios, onde se via a necessidade diária da imposição e afirmação no intuito quase animal de defender o seu território sendo que nesta relação o território era físico, o corpo, que poderia ser alvo de “depredações” inúmeras pelos ditos e vistos como mais fortes. Instaura-se nesse cenário um clima de tensão permanente onde o contato físico é repelido totalmente. Percebe-se, ainda, a necessidade de demonstrar como relato de experiência os conselhos recebidos por vigilantes, zeladores, outros professores e também pelos professores de Educação Física, no intuito de receber orientação constante e evitar conflitos de qualquer natureza com alunos e dar um certo direcionamento às atividades conforme vontade destes, sempre no intuito de preservar a integridade física em vista da escola estar inserida numa comunidade violenta. 25 Gomes da Costa (2000) relaciona a violência nas escolas à problemática social, propondo ações que visem mudança na percepção que os pais, as escolas e o governo têm dos adolescentes, oferecendo soluções efetivas para esta questão. Em sua perspectiva, o adolescente deve ser integrado como um dos agentes das ações e das políticas, ou seja, como um dos reais praticantes da cidadania. O autor assinala que a violência está relacionada à falta de uma política para a juventude. Observa-se que a violência escolar é decorrente de vários problemas sociais sendo necessária a utilização de várias frentes de trabalhos para o combate a essa lamentável situação. 26 4 EDUCAÇÃO FÍSICA E VIOLÊNCIA ESCOLAR Neste capitulo será abordada a Educação Física e a violência escolar, onde se percebe antes disso a necessidade de contextualizá-la num cenário maior, antes de tratá-la na contemporaneidade, sendo que estes nos remetem novamente a civilizações antigas. Na Grécia foi conferido aos exercícios físicos um papel de grande destaque nos vários âmbitos da vida social, como a educação, na qual a atividade física se complementava com a aquisição de conhecimentos e a celebração das festas, nas quais os jogos atléticos helênicos - fundamentalmente os Jogos Olímpicos tiveram especial transcendência. No caso dos Jogos Olímpicos que duravam sete dias, conforme, MARINHO (1971): somente os cidadão gregos por nascimento podiam participar dos Jogos Olímpicos. Os atletas eram selecionados mediante concursos eliminatórios que se celebravam nas localidades e na cidade , depois que eram submetidos a dez meses de treinamento rigoroso sobe a direção do paidotribai e gymnastai... Não se encontram registros sobre uma data precisa da realização dos primeiros Jogos Olímpicos organizados pelo povo grego, que pode ter ocorrido em 1.300 a.C. ou 1.479 a.C. Já as primeiras Olimpíadas foram realizadas em 776 a.C. No Brasil as atividades físicas iniciais ocorrem em períodos atrelados ao descobrimento, como a prática de atividades naturais e inconsciente dos índios, que pescavam, caçavam e nadavam no intuito natural de sobrevivência e movimento. Com a catequização imposta pelos Jesuítas em 1549, esses índios tinham aulas pela manhã e pela tarde eram livres para as suas praticas anteriores. No século XVI os negros trazidos da África para trabalhar no Brasil, indo para o Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia traziam consigo as suas culturas e junto, a capoeira, uma luta símbolo da resistência e da opressão, praticada nas senzalas e quilombos que para se ter uma menor idéia de sua força foi implantada a música para amenizar a sua expressão, dando a esta uma conotação de dança e representação folclórica. No Brasil Império, em 1882, acontece a inclusão da Educação Física na escola realizada por Rui Barbosa, apósleituras e entedimento de como a educação estava a caminhar nesse período, principalmente na Europa de onde vieram as maiores influências, cuja inclusão ocorreu através do Parecer n.º 224, sobre a Reforma Leôncio de Carvalho, sob o título “Reforma do Ensino Primário e várias 27 Instituições Complementares da Instrução Pública”, apresentado à Câmara dos Deputados em 12 de setembro de 1882, citado por CANTARINO FILHO, (1982): “...Não pretendemos formar acrobatas nem Hércules, mas desenvolver na criança o quantum de vigor físico essencial ao equilíbrio da vida humana, à felicidade da alma, à preservação da Pátria e à dignidade da espécie...”. Barbosa assim se refere ao valor dos exercícios físicos, por entender que deve haver um equilíbrio, entre a atividade intelectual e a prática das atividades corporais e esse equilíbrio deve ser uma das metas a serem objetivadas pela educação. ...A experiência tem demonstrado que alunos que se empenham no gabinete, e não exercem os membros, fazem, numa série dada de anos, fazem menos progresso do que aqueles, em horas apropriadas aliviam do estudo a inteligência, e restauram as forças do espírito, exercitando as do corpo [...] assim, o exercício físico renova a energia intelectual, Barbosa, (1946) citado por SCHNEIDER et al, (2000). A educação, hoje, no Brasil passa por um processo radical de mudanças. Originamo-nos de um viés onde o professor era considerado o detentor absoluto do conhecimento, extremamente respeitado, admirado e muitas vezes temido, a um processo de descrédito total. O não exercício da profissão devido a esse descrédito tem sido uma constante e o abandono das escolas, por falta de condições mínimas de segurança, outro grande problema. Nesse sentido aponta-se como norte, as possibilidades da Educação Física nesse cenário. Percebe-se, antes disso, a necessidade de entendimento da violência num contexto mais amplo e não só dentro da escola, visualizando assim a realidade social onde esta instituição está inserida. Para contextualizar essa discussão, será apresentado, a seguir, um relato pessoal que envolve situações extremamente delicadas, a possibilidade de trabalho em uma escola inserida num contexto de violência extrema, onde a vaga apresentada estava aberta há seis meses e devido a situação violenta da região não foi aceita por nenhum professor estagiário. Primeiro desafio: uma escola pública municipal localizada no Nordeste de Amaralina na cidade de Salvador – BA, região com cerca de 9 km2, com uma população de 82.976 habitantes, englobando os bairros de Santa Cruz, Vale das Pedrinhas e Chapada do Rio Vermelho, regiões conhecidas pela dificuldades sócio-econômicas e altos índices de violência. 28 Na região do Nordeste de Amaralina, as crianças crescem aprendendo a se proteger de tiroteios. Precisam decorar a complicada geopolítica da área, já que por causa das rixas nem todo mundo pode ir a todo lugar. Conhecer alguém que vende drogas a poucos passos de sua casa é fácil. Ter, também, a consciência de que esta seja, talvez, a única fonte de renda ao seu alcance. Muitos tiveram amigos mortos por causa do tráfico e quase todos têm alguma história para contar4. Para Almeida, (2003) dentro da escola, os saberes específicos estão ordenados em disciplinas, significando que uma disciplina opera conhecimentos organizados e sistematizados com base naquilo que é particular da instituição escolar, considerando as características do seu público, as relações entre saber científico e saber escolar, entre outras questões. Assim, a Educação Física, como componente curricular, corresponde aos saberes sistematizados na escola, incorpora como objetivo específico, a cultura corporal, isto é, práticas corporais que foram produzidas historicamente e legitimadas pela sociedade. A mesma autora afirma que o conceito de cultura corporal, expresso na proposta da pedagogia crítica-superadora, se encontra no livro “Metodologia do ensino de Educação Física”, trazendo uma sistematização do conhecimento da Educação Física em ciclos, propondo que seja tratado de forma historizada. Outra proposta, importante, destacada por Almeida, (2003) é a pedagogia crítico emancipatória, formulada por Elenor Kunz, que trabalha com o princípio de sujeito capaz de crítica e de atuação autônoma, influenciada por estudiosos da Escola de Frankfurt. Esta proposta tematiza a cultura de movimento, de maneira a desenvolver nos alunos a capacidade de analisar e agir criticamente na esfera da cultura corporal ou de movimento e também agir de forma transformadora como cidadãos políticos. Nesse sentido, há a necessidade de reflexão sobre as aulas de Educação Física ministradas, na maioria das escolas, quase que alienadas ao mundo a sua volta. Na instituição onde foi realizada a pesquisa, é a Polícia Militar, através do PROERD, que promove a abordagem e reflexão aos alunos ao contexto da violência, isoladamente, sem que este seja reforçado em um plano de curso anual, colocando o assunto em questão. Identifica-se a necessidade de inclusão da temática como um tema transverso e que deveria ser abordado por todo o corpo docente, de forma 4 O texto acima é parte da matéria Como vivem os jovens do tráfico em Salvador, publicada pelo jornal A Tarde, em 23 de abril de 2006, nas páginas 4, 5 e 6. 29 estruturada, trazendo a realidade vivenciada fora dos portões para dentro da escola, pois: a escola deveria contribuir para ampliação da consciência social e crítica dos alunos tendo em vista que todos participem de uma sociedade (política, profissional cultural e desportiva) e que devem ter uma compreensão critica da realidade também deve-se trabalhar com conteúdos a ajudar o aluno a ser um cidadão participativo e ter uma postura crítica não questionando por questionar, não criticando por criticar mas sugerindo alternativas e propondo soluções. LIPPELT, (2004) Esse estudo não se propõe a apresentar apenas métodos ou sugerir aulas prontas para serem realizadas nas intervenções dos professores, mas busca aproximar , ouvir e refletir a Educação Física e a escola junto com o que acontece a sua volta, sendo a violência, há algum tempo, uma integrante nessa relação. A dança, a luta, os jogos, a ginástica, os esportes e a capoeira, se apresentam como conteúdos com grandes possibilidades de aproximação ao tema na maioria das intervenções. A exemplo disso houve, em 23 de abril de 2008 e foi notícia em todo o mundo o caso do jogador Holandês Rachid Bouaouzan, condenando pelo Supremo Tribunal Holandês há seis meses de prisão, após jogada violenta no colega de time adversário, em 2004. Após esse episódio, o atleta agredido teve sua carreira no futebol encerrada e sua saúde prejudicada. No inédito julgamento, o referido jogador, já condenado em duas instâncias anteriores, recorreu novamente. Essa notícia nos serve como um rico material a ser discutido em sala de aula, tematizando a violência, englobando a sua abrangência nos estádios dentro e fora dos campos. O que se percebe é que na maioria das aulas, após uma notícia como essa, muitas vezes é utilizado o esporte como conteúdo trabalhando a modalidade futebol e nada é mencionado. Um estudo realizado por Santana, (2003) com o titulo “Possibilidades Pedagógicas Tematizando a Violência na Escola através de Brincadeiras Tradicionais” aponta para outras inúmeras possibilidades dereflexão a respeito do tema, utilizando-se de brincadeiras populares e propondo reflexões sobre as causas dos conflitos e, ainda, discutindo sugestões para o aprimoramento e melhoria das regras com o objetivo de obter maior participação e menor embate. A autora assinala ainda que: 30 vivenciar a prática pedagógica numa perspectiva interacionista torna-se um grande desafio na proposição de uma reflexão crítica da realidade no contexto da escola pública. A Educação Física escolar, nessa perspectiva, torna-se uma das possibilidades de provocar e criar condições no desenvolvimento de práticas pedagógicas comprometidas com a formação na qual professor e aluno são sujeitos de um processo baseado numa aprendizagem problematizada, essencialmente, por meio do diálogo, na construção da autonomia de educadores e de educandos. SANTANA, (2003) Nesse processo, a Educação Física é fundamental por ter como objeto de estudo a cultura corporal de movimento tendo um vasto campo de atuação envolvendo a corporeidade pois, a Educação Física não deve ser tratada como uma simples matéria do currículo escolar, não podendo ser encarada apenas como uma recreação, lazer, atividade sem objetivo ou um conjunto de exercícios buscando uma série de desempenhos e medidas através de números testados exaustivamente. DIAS, (1996). Guimarães, (1996) cita que “sendo as aulas de Educação Física um espaço de conflito, muitas das intervenções do professor, ao invés de gerarem uma prática educativa, geram mecanismos de repressão e violência simbólica”. Nessa ótica, percebe-se nas aulas, nitidamente, um ambiente propício a divergências onde se deve absorver, analisar, contextualizar, e transformar os conflitos em situações pedagógicas que possam gerar reflexão e entendimento. 31 5 METODOLOGIA No projeto de pesquisa foram estruturados os percursos metodológicos a serem utilizados, sendo assim buscar-se-á a estruturação dos procedimentos, de forma que estes contribuam para o devido embasamento da referida pesquisa. Percebe-se que a pesquisa qualitativa se adequaria melhor a esses estudos, pois segundo MINAYO (1999), a abordagem qualitativa, responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja ela, trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem se resumidos à operacionalização de variáveis. Após análises, identifica-se uma pesquisa descritiva, pois a mesma segundo Gil, (1999) é definida como uma pesquisa que tem como objetivo principal a descrição das características de determinada população, fenômeno ou estabelecimento de relação entre variáveis, sendo outra característica, a utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados. Devido ao seu delineamento, o estudo de caso foi o tipo de pesquisa mais adequado, pois através deste foi possível realizar um recorte mais preciso e dedicar um maior aprofundamento ao campo empírico. Sendo o estudo de caso definido por Gil, (1999) como, “um estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento”. Semelhante a percepção de HERNANDEZ et al.(2000) onde diz que esse tipo de pesquisa é a melhor forma de representar a complexidade de uma escola é conhecer, por meio de uma aproximação global, a cultura que toma corpo nas concepções e na prática diária de todas as pessoas que nela se relacionam. Na coleta de dados, utilizou-se registros realizados a partir das nossas observações na instituição e questionários. Este definido por Gil, (1999) como técnica de investigação, onde se tem uma razoável quantidade de questões escritas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas e situações vivenciadas. O mesmo autor aponta, também, para algumas vantagens dessa técnica de investigação, como ser possível atingir um 32 grande número de pessoas, não necessitar de pessoal treinado e não identificar quem está respondendo, garantindo, assim, uma maior liberdade ao questionado. Como desvantagens, ainda o mesmo autor aponta para a exclusão dos que não sabem ler e escrever, ter limitação nas perguntas, pois, caso o mesmo seja muito extenso poderá não ser respondido e a demora quanto ao retorno destes, tendo sido utilizado nessa pesquisa o questionário estruturado com perguntas abertas, pois estas permitem uma noção maior sobre o entendimento das questões. A escolha do campo empírico se deu por essa ser uma instituição situada em região do Nordeste de Amaralina, em Salvador, onde se registram altos índices de violência dentro e fora da escola e por ser a escola onde o pesquisador realizou estágio extracurricular, permitindo um contato cotidiano com essa realidade. A Escola foi inaugurada em cinco de novembro de 1976. Atualmente, o prédio, no qual funciona, passou por uma reforma. A escola tem 62 professores, 1200 alunos, 22 salas e duas quadras. Na instituição, são desenvolvidos alguns projetos como: “Amantes da capoeira” sendo que este acolhe tanto crianças da comunidade quanto da escola, “O projeto lúdico” na sala de aula e o “Projeto pérolas negras”, que trata sobre os quilombos na Bahia. Os sujeitos da pesquisa foram os onze professores do ensino fundamental I da instituição, pois houve, como intuito, mensurar a situação da violência ainda em séries iniciais. Esses alunos se encontram em faixa etária de 7 a 11 anos com alguma variação, devido a repetência e já fazem parte dos índices de violência da instituição. A análise de dados foi realizada agrupando os relatos obtidos através dos questionários e articulando essas informações com o referencial teórico conforme será detalhado no tópico específico análise de dados. 33 6 ANÁLISE DE DADOS Após o encerramento do trabalho de campo é o momento de se debruçar sobre o arcabouço de informações recolhidas por questionários e registros realizados em intervenções conforme descrito anteriormente na metodologia. E para tanto será analisado e interpretado todo o material obtido, agrupando-o em categorias. Num primeiro olhar, as tarefas de análise e interpretação são percebidas como sinônimos, mas, a análise tem como objetivo organizar e sumariar os dados de forma tal, que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto para investigação. Já a interpretação tem como objetivo a procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos. GIL,(1999) Tendo entendimento dessas duas possibilidades, estabeleceu-se as categorias que para Minayo, (1999) “são os elementos ou aspectos com características comuns, ou que se relacionam entre si, no intuito de organizar adequadamente as respostas”. Nesse processo, LUDKE e ANDRÉ, (1986) citado por ZALESQUI, (2005), acrescentam: que o referencial teórico fornece geralmente a base inicial de conceitos, a partir dos quais é feita a primeira classificação de dados. Segundo os autores, para formular as categorias iniciais é preciso ler e reler o material possibilitando a divisão do material emseus elementos componentes sem, contudo, perder de vista a relação desses elementos com todos os outros componentes. Outro ponto importante nesta etapa é a consideração, tanto do conteúdo manifesto quanto do conteúdo latente do material. É preciso que a análise não se restrinja ao que está explícito no material, mas procure ir mais a fundo, desvelando mensagens implícitas, dimensões contraditórias e temas sistematicamente salientados. Organizou-se as respostas em categorias, no sentido de agrupá-las, possibilitando uma estruturação mais detalhada. Segundo Minayo, (1994) “a palavra categoria, compreende características semelhantes ou que se relacionam entre si”. Essa palavra está ligada a idéia de classe ou série e é utilizada para definir parâmetros de classificações. Ainda nessa mesma perspectiva há a seguinte contribuição: consistem em estabelecer princípios comuns aos dados verificados a partir das respostas obtidas, para que se possa enquadrá-los em determinadas classes ou grupos e possibilitar que as diversas respostas obtidas sejam 34 organizadas de modo a serem usadas para responder as perguntas da pesquisa. MATTOS, (2004) Para melhor organização das respostas obtidas através dos questionários, utilizou-se uma numeração para identificar os relatos dos professores nas categorias, com os pseudônimos P-1 ao P-11. Finalizando LAKATOS, (2003) relata que é nesse momento onde são realizadas as depurações dos dados, essa etapa “corresponde à parte mais importante do relatório. É aqui que são transcritos os resultados, agora sob forma de evidências para confirmação ou a refutação das hipóteses”. 6.1 Violência sobre o olhar dos professores Com o objetivo de trazer à luz a percepção dos professores a respeito da temática da violência escolar, o referencial contribui constando que a ampliação da visão de violência se expressa no fato de não considera-lá apenas a manifestação via agressão física. Engloba também situações de humilhação, exclusão, ameaças, desrespeito, indiferença e omissão para com o outro. Dos conceitos utilizados para violência em nosso referencial será abordada a definição de Chauí, (1998), que a percebe como: “todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (coagir, constranger, torturar, brutalizar)”. Ainda para Chauí, (1998) “violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e /ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e terror.” Sob esse aspecto há o seguinte relato: “Entendo como violência atitudes ou ações (verbais e físicas) ausência de algo como privações, feitos ou direcionados para alguém ou para si mesmo. Exemplos: agressões físicas, verbais, privar alguém de se alimentar (miséria), impedindo o direito de...” (P-3) Nesse sentido, percebeu-se, através da resposta do questionado, dois olhares tendo sido um mais focado e comum e outro mais amplo, relativo à temática, ambos necessários a professores envolvidos neste tipo de comunidade. Através destas definições há um parâmetro da amplitude percebida em relação ao tema, englobando os aspectos relativos não só a violência via agressão física mas, também, desdobramentos de outras perspectivas como a violência simbólica. 35 Constata-se, também, a necessidade desse entendimento, como de vital importância para a tomada de decisões, no sentido das abordagens e reflexões a respeito do tema. Segundo Adorno citado por Sallas et al, (1999), o individuo que não respeita, desconsidera os valores e a situação social dos seus semelhantes, pratica a violência, negando, dessa forma, os valores considerados universais, como a liberdade, a igualdade e a vida. Observa-se que os professores percebem a violência num sentido maior, o que demonstra uma visão mais ampla a respeito da temática, entendendo suas diferentes características e desdobramentos, o que se faz necessário na contextualização de respostas à problemática. 6.2 Os diferentes tipos e fatores da violência no contexto escolar Nesse tópico serão tratadas as descrições das situações apontadas como as mais vivenciadas dentro da escola, assim como os motivos que as desencadeiam. Nesse aspecto a maioria dos questionados apontou como tipos mais comuns, “brigas, xingamentos, brincadeiras violentas, apelidos e vandalismo”. Observou-se um reflexo dos comportamentos e relações vividas fora dos portões, trazidas para dentro das escolas. Além disso, a reprodução do modo de vida comunitário e familiar, onde os desentendimentos encontram como única via de solução o embate corporal e a agressão. Sendo todos os conflitos resolvidos por esse viés, percebeu-se, mais uma vez, a conotação simbólica desta violência onde os apelidos se apresentam como um dos fatores desencadeadores desse processo, estes, em sua maioria, sendo pejorativos e ou depreciativos, fazendo referências às faltas de padrões como altura, peso e circunferência de cabeça. Um grande número de professores destacou como fator, “a estrutura familiar”. Percebe-se através desse relato a importância da instituição familiar nesse contexto, o quanto a desestruturação desse lar tem influenciado a vida desses jovens nas escolas, além de conviverem em uma comunidade marcada pelo ódio, violência e abandono social a convivência familiar diária pouco contribui de forma positiva. Muitos crescem sem referenciais ou parâmetros tão necessários nessa fase da vida, onde seu caráter ainda está em processo de formação. Sobre essa afirmação há a seguinte contribuição, 36 A ausência da figura paterna na vida da criança pode ser responsável por boa parte dos casos de violência juvenil no país. Pesquisas apontam que cerca de metade dos jovens infratores não têm contato com o pai. E reforça que a simples presença paterna não basta. É preciso que o pai transmita valores de família, dê exemplos de conduta e orientação correta ao filhos. GALLO, (2007) Campelo, (2001), cita o sociólogo Rudá Ricci autor do artigo “Violência nas Escolas”, onde este assegura que a violência juvenil é mais complexa do que pode parecer. Pesquisas demonstram que essa violência pode ser atribuída ao uso de drogas, muito mais do que ao desemprego. Para o autor, pessoa violenta é aquela que se desenvolve em um ambiente de ódio coletivo como, por exemplo, o racismo e que é exposta a situações de voracidade, como ânsia de poder e narcisismo. Continuando com as descrições, P-6 define como mais um fator a: “influencia cultural da região e influencia da mídia”. Nesse sentido há uma descrição dessa comunidade onde a escola está inserida e que ajuda a compreender melhor o assunto: na região do Nordeste de Amaralina, em Salvador, as crianças crescem aprendendo a se proteger de tiroteios. Precisam decorar a complicada geopolítica da área, já que por causa das rixas nem todo mundo pode ir a todo lugar. Conhecer alguém que vende drogas a poucos passos de sua casa é fácil. Ter a consciência de que esta seja, talvez, a única fonte de renda ao seu alcance também. Muitos tiveram amigos mortos por causa do tráfico. E quase todo mundo tem alguma história para contar. Através desse referencial, pode-se ter noção do nível de tensão das relações vividas por essas crianças, onde armas e drogas são tão comuns, tanto quanto as pipas e os sorvetes. Através da descrição percebe-sea necessidade de reflexão sobre a realidade, no intuito de trazer luz à temática e refletir suas problemáticas, apropriando assim das relações existentes entre escola e realidade dentre esses a alienação social. Seguindo nessa categoria, os professores visualizam ainda como fatores: “os pais mesmos ensinam aos filhos a serem agressivos – se lhe bateu bata, se lhe xingar, xingue também, diz que desta forma que não leve desaforo para casa”. (P-9). Nesta fala, há uma questão que foi tratada anteriormente pela pesquisa realizada com o tema “Ausência de Exemplos” que nessa situação conduz a outro tipo de reflexão. Se por um lado a ausência deste pai é extremamente prejudicial à formação desse jovem, o mal direcionamento da educação pode trazer conseqüências igualmente graves, pois é ensinado a criança o descrédito a todo tipo de instância maior na resolução de seus 37 problemas, sendo decretado o abandono familiar nas resoluções desses conflitos, além da valorização à reação imediata. P-2 relata ao tratar dos fatores da violência, que a “carência afetiva é o mais grave”. Observa-se mais uma vez a família como base fundamental no ajuste desse processo, onde a falta de estrutura, o abandono ou afastamento da figura paterna, a falta de planejamento e de condições mínimas de sustento dessa prole, levam a uma situação de desamparo afetivo, que é uma das dimensões básicas na formação da criança, e que trará conseqüências na maioria das vezes irreversíveis com desdobramento que atingirão todos a sua volta. P-1 aponta como causas ainda: “o convívio com pessoas violentas, apreciação de programas de TV, DVDs violentos, falta de dialogo , ausência de lazer”. Para entender, melhor, este contexto recorreu-se a BETTI, (1997) que relata: o círculo vicioso que se estabelece entre violência e a mídia que atua como realimentadora e amplificadora daqueles comportamentos (violência doping, fraude, etc.) dos jogadores e expectadores. A mídia forma uma nova hierarquia de valores a qual determina em grande medida a atitude do consumidor e tem grande efeito na prática do esporte em si: os fins justificam os meios - se leva ao sucesso, a violência é permitida Percebe-se, portanto, a necessidade de questionamento/reflexão desse tópico, no tocante a mídia e violência, onde o professor relaciona, entre outros fatores, a apreciação de programas e DVDs violentos pelos alunos como possíveis causas desse distúrbio de comportamento. Nota-se, ainda, a aproximação dessa visão com o referencial teórico, ao serem citados alguns filmes produzidos, recentemente, nessa linha, como: “Ônibus 174”, “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”, os quais há algumas décadas atrás não teriam grande expressividade, devido a sua descontextualização com a realidade. A notoriedade dessas produções, hoje, pode ser explicada, devido a proximidade com esse cenário, no caso da escola mais ainda, devido a uma grande aproximação dos ambientes e situações lá demonstradas com o seu cotidiano. Lippelt, (2004) traz uma reflexão interessante onde diz que a mídia e o esporte têm um papel importante na reconquista dos valores morais e é um objetivo que deve ser levado adiante por intermédio de instituições como a família a escola e a religião “com os diferentes segmentos da sociedade e por meio da recuperação dos valores morais conseguir-se-á a diminuição da violência” LIPPELT, (2004). 38 6.3 Violência in loco Nesse item serão abordadas as situações descritas pelos professores dentro da escola, onde através desses relatos percebe-se os níveis de conflitos vivenciados diariamente na instituição. Além disso, houve a necessidade de acrescentar à análise, os relatos de experiência, os conselhos recebidos por vigilantes, zeladores, outros professores e também pelos professores de Educação Física, no intuito de orientar, constantemente, a evitar conflitos de qualquer natureza com alunos, e dar um certo direcionamento às atividades, conforme vontade destes, sempre no intuito de preservar nossa integridade física em vista da escola estar inserida numa comunidade violenta. Há uma situação descrita onde o docente revela: “Já fui ameaçada de agressão física por um aluno que não freqüentou as aulas durante o ano inteiro e queria ser aprovador no final do ano. Cerca de 10 dias depois, eu soube que ele matou a facadas um homem em frente ao Artur Sales (escola) e alguns dias depois foi a vez dele,ser assassinado em uma vingança”. (P 2) Observou-se através desse relato o grau de gravidade que a região apresenta, onde há um caldeirão de problemas, que se somam, trazendo uma dimensão, extremamente perigosa. Num primeiro olhar, identifica-se um descrédito total na instituição escolar e em todo o processo de ensino-aprendizagem, onde o aluno, através de seus atos, demonstra não crer que o conhecimento poderá trazê-lo qualquer contribuição. É observada, ainda, a total prepotência do aluno, ao tentar resolver os conflitos, que surgem, com ameaças, impondo medo e terror, da mesma forma como faz com seus conflitos na comunidade, demonstrando, até onde pode ir com seus desafetos, passando por cima das leis, e da justiça, transmitindo-lhe uma visão de impunidade, como se naquela região em seu entendimento, o estado encontrasse limites e dali, pra frente se instaurasse um novo modelo de gestão, com leis e regimentos próprios, onde há uma independência do judiciário marcada pela opressão e impunidade. Ainda tratando deste aspecto, P-4 relata a seguinte situação: “Certa vez um aluno jogou uma bomba bem próximo a mim enquanto eu estava escrevendo de costas para o quadro, faltando milímetros para atingir meu pé. Recentemente um aluno iniciou uma briga na sala de aula com outro aluno, eu tive que separar os dois, um dos alunos tentou sufocar o outro, precisou ajuda de várias pessoas para que não houvesse uma 39 tragédia maior. E a última aconteceu em um dos recreios onde uma aluna foi pisoteada e eu fui a única a tentar salvá-la, nesse dia a aluna quase morreu”. P-3 ainda cita: “O que mais me chamou atenção foi a postura de uma mãe de aluno entrar na escola para agredir um aluno que tinha dado uns tapas em seu filho. O detalhe é que ela estava com uma faca de cozinha em mãos e ameaçou o aluno”. Considerando os relatos acima percebe-se em todos eles a impregnação da violência, revolta, ódio e agressividade de forma latente, bem como o papel da família e da escola, sendo dessa última a responsabilidade de ampliar a visão, perceber e entender os alunos de forma ampla, contemplar suas vivências, histórias e necessidades, adequando e flexibilizando suas intervenções. Gallo, (2007) na revista Sociologia, atribui à família, especialmente aos pais, a maioria dos problemas decorrentes da violência. Porém, através do relato do P-3 fica o questionamento sobre quais as verdadeiras contribuições que uma família poderá trazer a seus filhos, sendo que se atribui aos pais o dever de educar e proporcionar exemplos. Diante dos relatos, compreende-se a natureza dos comportamentos agressivos e violentos das crianças. Observa-se, também, a grande fragilidade e vulnerabilidade em que se encontra a escola perante a comunidade, onde os mecanismos de controle se apresentam como ineficazes e incapazes de proporcionar qualquer tipo de segurança aos alunos e ao corpo docente, devido ao livre acesso
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