Buscar

Metodos_de_alfabetizacao

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA PRÓ-LETRAMENTO 
FORMAÇÃO DE TUTORES 
 
ALFABETIZAÇÃO: 
UM BREVE REGISTRO SOBRE BASES TEÓRICO-METOLÓGICAS 
DO ENSINO E DA APRENDIZAGEM DA MODALIDADE ESCRITA DA 
LÍNGUA 
 
Equipe Linguagem - Pró-letramento – UFSC 
Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti 
Fernanda Cargnin Gonçalves 
Rosângela Pedralli 
 Vânia Luz 
Amanda Machado Chraim 
Mariza Konradt Campos 
 
Introdução 
 
 No início de nosso programa de formação continuada, gostaríamos de discutir 
com você, professor alfabetizador, ainda que brevemente, bases teóricas e 
metodológicas do ato de alfabetizar. Registraremos, aqui, linhas gerais dos métodos de 
alfabetização tal qual tendem a ser compreendidos nas práticas pedagógicas escolares, 
tanto quanto o pensamento de teóricos como Ferreiro e Vigotski sobre o tema, 
posicionando-nos em favor de uma ação escolar que ensine o código em contextos de 
sentido, tendo como eixo norteador a forma como as pessoas usam a escrita para 
interagir socialmente. 
 
Métodos sintéticos e analíticos 
 
 Nós, alfabetizadores e estudiosos da alfabetização, temos convivido com uma 
tendência historicamente construída de tomar o processo de alfabetização sob o ponto 
de vista de dois encaminhamentos metodológicos distintos: métodos sintéticos e 
métodos analíticos. Os sintéticos, como o próprio nome informa, focalizam a língua 
escrita das partes para o todo; já os analíticos tomam unidades maiores, como a frase 
e/ou pequenas histórias e, dessas unidades, chegam às unidades menores. Expliquemos 
isso melhor... 
 Os métodos sintéticos podem ser fônico, silábico ou abecedário. O método 
sintético fônico orienta que iniciemos o processo de alfabetização pela relação entre os 
grafemas e os fonemas – grosso modo, entre as letras e os sons1. Os adeptos do método 
fônico começam o trabalho com essas relações pelas correspondências mais fáceis, 
como entre os fonemas /p/, /b/, /t/, /d/, /f/, /v/ e os grafemas que os representam, 
respectivamente, p, b, t, d, f, v. Iniciar desse modo, sob essa perspectiva, facilita o 
processo porque tais fonemas são representados apenas por tais grafemas e, como 
consequência, tais grafemas representam sempre tais fonemas; trata-se de 
correspondências estáveis, biunívocas. 
 No método fônico, os contextos competitivos, ou seja, quando um mesmo 
grafema representa mais de um fonema (o grafema c representa os fonemas /k/ em casa, 
e /s/ em cedo, por exemplo) ou quando um mesmo fonema é representado por mais de 
um grafema (como o fonema /s/ representado por c, em cedo; representado por s em 
sapo; representado por sc em nascer etc.) Essa relações mais complicadas entre 
fonemas e grafemas, no método fônico, ficam para o final do processo de alfabetização. 
 No método sintético silábico, o processo de alfabetização acontece por meio do 
estudo das famílias silábicas e, no método sintético conhecido como abecedário, o 
processo de alfabetização tem como foco inicial o nome das letras. Na verdade, porém, 
na prática pedagógica dos alfabetizares que optam pelos métodos sintéticos, tendemos a 
ver uma interpenetração dessas três abordagens: muitos focalizam de modo mais efetivo 
as relações entre fonemas e grafemas (na escrita) e entre grafemas e fonemas (na 
leitura), mas fazem isso em interface com as famílias silábicas e recorrem 
 
1
 Grafema não é sinônimo de letra. Dígrafos – duas letras representando um só fonema –, por exemplo, 
como nh, lh, ss, rr, ch, são compostos por duas letras, mas constituem um só grafema que representa um 
único fonema em cada ocorrência: nh representa um único fonema, rr representa um único fonema etc.. 
Além disso, os grafemas têm valor, ou seja, quando formam a palavra, estabelecem uma relação 
específica com o fonema. Veja as palavras casa e sapo. A letra s, na primeira palavra representa um 
grafema que se relaciona com o fonema /z/; já na segunda palavra, a letra s representa um grafema que se 
relaciona com o fonema /s/. Então, o que são as letras? Elas representam os grafemas e seus respectivos 
valores. E o que são valores? Os valores dos grafemas dependem do tipo de relações que eles estabelecem 
com os fonemas. O valor de s em casa não é o mesmo valor de s em sapo. Sons, por sua vez, não são 
sinônimos de fonemas. Se você arrastar uma cadeira, você terá um som, mas não terá um fonema. Os 
fonemas são as menores unidades constitutivas da fala humana. 
sistematicamente às letras do alfabeto. Tanto as famílias silábicas quanto as letras do 
alfabeto normalmente estão expostas de modo bem visível nas classes desses 
alfabetizadores. Por outro lado, aqueles que começam com as famílias silábicas – 
método sintético silábico – ou aqueles que começam com a alfabeto – método sintético 
conhecido como abecedário – recorrem, também de modo sistemático às relações entre 
fonemas e grafemas. Ao que parece essa divisão entre métodos sintéticos fônicos, 
silábicos e abecedário tende a se manter assim separadamente nas teorizações da área 
e não na prática efetiva. 
 Precisamos dizer a você que, atualmente, tem havido propostas de retorno ao 
método fônico, as quais vêm sendo fundamentadas em descobertas das neurociências. 
Estudos na área da neuropsicologia têm mostrado que, quando lemos, ativamos uma 
área do cérebro que envolve tanto a visão quanto a região da fala, o que nos levaria a 
comprovações científicas de que, ao ler, relacionamos grafemas e fonemas e, em nome 
disso, deveríamos ensinar a leitura focalizando essas relações – das mais fáceis para as 
mais complexas, tal qual prevê o método fônico. Entendemos que essas descobertas são 
importantes e sevem para que tenhamos a certeza de que o processo de alfabetização 
exige que ensinemos às crianças as relações entre grafemas e fonemas (na leitura) e 
entre fonemas e grafemas (na escrita). Discordamos, porém, de modo enfático, de que 
isso tenha de ser feito por método fônico, da forma como esse método prescreve o 
ensino da língua escrita. Entendemos, tal qual vamos mencionar à frente, que o ensino 
do código tem de se dar em contextos de sentido, por meio de gêneros discursivos. 
 Quanto aos métodos analíticos, costumam ter como foco a palavração – o 
processo se inicia por palavras que façam parte do universo dos alfabetizandos – ou a 
sentenciação – frases curtas. Às vezes, o processo contempla pequenas histórias. Assim, 
da palavra, da frase ou das pequenas histórias, o alfabetizador chega às unidades 
menores da língua – as relações entre grafemas e fonemas (na leitura) e entre fonemas e 
grafemas (na escrita). Paulo Freire ficou conhecido por defender tais contextos de 
sentidos, trabalhando a partir de palavras do conhecimento de mundo de alfabetizandos 
adultos. 
 Como você pode observar, trata-se de dois tipos de métodos que partem de pólos 
opostos: os sintéticos partem das unidades menores (fonemas versus grafemas, sílabas, 
letras), e os analíticos partem de unidades de sentidos, como a palavra – palavração – a 
frase – sentenciação – ou mesmo pequenas histórias e, dessas unidades, chegam às 
unidades menores – as relações entre grafemas e fonemas (na leitura) e fonemas e 
grafema (na escrita) 
 
 
O pensamento de Emília Ferreiro 
 
Na década de 1980 até meados da década de 1990, o pensamento de Emília 
Ferreiro teve grande expressão dentre alfabetizadores brasileiros que passaram a adotar 
o chamado construtivismo de Ferreiro. Essa estudiosa, em livro muito conhecido que 
escreveu com Ana Teberosky, registrou a forma como crianças em contato inicial com a 
escrita criam hipóteses sobre o ato de escrever, confirmando ou não tais hipóteses e 
percorrendo estágiosde desenvolvimento no domínio da escrita, desde um estágio pré-
silábico, passando por um estágio silábico, um estágio silábico-alfabético e, finalmente, 
um estágio alfabético. 
 A autora não propunha um método de alfabetização, mas suas ideias, em muitos 
espaços escolares, foram tomadas como tal e, em alguns desses espaços houve 
compreensões equivocadas sobre o ideário construído por Ferreiro. O fato de a 
estudiosa descrever estágios pelos quais a criança passa no domínio da escrita, 
mostrando que o raciocínio infantil na apropriação do sistema alfabético se dá por 
hipótese-erro motivou compreensões espontaneístas, ou seja, a postura de que não existe 
erro a ser corrigido e que o papel do alfabetizador não é intervir no processo de 
desenvolvimento da criança, mas deixá-la fazer suas descobertas por si mesma. 
 Em nossa compreensão, os anos de influência do construtivismo de Ferreiro no 
Brasil, nos casos em que o pensamento da autora foi mal interpretado, terminaram por 
disseminar ideias contrárias ao ensino das relações entre grafemas e fonemas (na leitura) 
e fonemas e grafema (na escrita). O ensino dessas correspondências ficou conhecido, 
em muitos espaços escolares, como “coisa de professor tradional(ista)” e deixou de ser 
feito. Magda Soares alertou para as consequências desse processo, o que ela chamou de 
“desinvenção da alfabetização”, isso porque nós sabemos que não existe alfabetização 
sem aprendizado do código alfabético. 
 Emília Ferreiro, em nossa avaliação, emprestou uma importante contribuição 
para os estudos da alfabetização ao mostrar que as crianças passam por determinadas 
fases de descoberta de como a escrita funciona e que fazem isso no seu dia-a-dia, em 
contextos de sentido; portanto, a ação escolar que focaliza o famoso “ba-be-bi-bo-bu”, 
em falsos textos como “O Ivo viu a uva” e similares não parece produtiva. 
 O pensamento de Emília Ferreiro tem origem no ideário de Piaget; ou seja, a 
preocupação da autora é fazer uma descrição formal da psicogênese da língua escrita, o 
que talvez possamos entender – mesmo com o risco da simplificação – como a 
descrição da forma com que as crianças raciocinam quando aprendem como a escrita 
funciona. A língua como objeto social não é o foco de estudo de Emília Ferreiro; seu 
foco é a cognição humana, como se origina e de desenvolve o conhecimento sobre a 
língua escrita. 
 Passado o, digamos “auge” da disseminação das ideias de Ferreiro pelo país, o 
pensamento da autora começou a ser alvo de críticas tanto pelo espontaneísmo que 
mencionamos anteriormente – ou seja, a compreensão equivocada, em muitos espaços 
educacionais, de que as crianças deveriam descobrir os princípios do sistema alfabético 
por si mesmas, sem a intervenção sistemática e organizada do professor – quanto por se 
tratar de uma abordagem teórica que não tem como foco as relações sociais implicadas 
no processo de alfabetização. 
 
O pensamento de Vigotski e Bakhtin 
 
 Na segunda metade da década de 1990, um novo ideário começou a ganhar 
espaço no território educacional brasileiro: a vertente sócio-histórica, representada pelo 
pensamento de Lev Vigotski e seu grupo. As bases marxistas do pensamento 
vigotskiano e sua defesa de que a apropriação do conhecimento se dá pelas relações da 
criança com mediadores mais experientes e que, nessas inter-relações, tais mediadores 
atuam sobre a chamada zona de desenvolvimento imediato das crianças tiveram um 
expressivo impacto na educação nacional. Na alfabetização, essas ideias, em boa 
medida, resgataram – nos espaços educacionais em que o pensamento de Ferreiro havia 
sido mal compreendido – o papel do professor no processo de apropriação da escrita por 
parte das crianças e a necessidade de o professor incidir sobre essa zona de 
desenvolvimento imediato
2
 – aquilo que a criança não consegue ainda fazer sozinha, 
mas conseguirá se alguém mais experiente a ajudar. 
 
2
 O tradutor Paulo Bezerra, que fez a tradução diretamente do russo da obra de Vigotski “Pensamento e 
linguagem”, escrita pelo autor na década de 1930, tradução publicada pela editora paulistana Martins 
Fontes no ano de 2001, com o título “A construção do pensamento de da linguagem” recomenda que 
 A propagação das ideias de Vigotski fez com que muitos alfabetizadores 
tentassem aproximar teorias desse pensador com teorias de Ferreiro, baseada em Piaget. 
Embora tanto Piaget quanto Vigotski tenham se ocupado em estudar a aprendizagem – 
Vigostki marcadamente o ensino e a aprendizagem –, precisamos ter consciência de que 
eles constroem suas ideias com base em vertentes muito distintas: enquanto Vigotski 
vem de uma herança marxista, para a qual a atividade do homem sobre o mundo e o 
homem social e historicamente situado são fundamentais, Piaget vem de uma herança 
kantiana, para qual a interação do sujeito com o objeto do conhecimento – e não a 
inserção social desse sujeito – é o foco de estudo. Assim, entendemos que aproximações 
entre os pensamentos de Vigostki e de Ferreiro – ou mesmo de Piaget –, bastante 
comuns no fazer pedagógico de alfabetizadores, precisam ser vistas com cautela, porque 
seguramente não estamos falando de vertentes teóricas que tenham eixos facilmente 
conciliáveis. 
 Nossos estudos têm nos mostrado que muitos alfabetizadores se valem hoje do 
ideário de Emília Ferreiro para acompanhar o desenvolvimento de suas crianças ao 
longo do processo de alfabetização: se estão em fases pré-silábicas (não associam as 
formas escritas que escrevem com os sons da língua), silábicas (usam um único grafema 
para representar sílaba inteira), silábico-alfabéticas (começam a ter maior atenção com a 
quantidade de grafemas necessários para representar os sons da fala) ou alfabéticas 
(quando já realizam correspondências entre fonemas e grafemas). Esses professores, no 
entanto, não organizam o seu fazer pedagógico a partir das contribuições teóricas de 
Ferreiro, tomam apenas as teorizações dessa autora sobre tais estágios para acompanhar 
como as crianças estão aprendendo. No mais, ancoram sua ação em teorizações que se 
aproximam do ideário vigotskiano. 
 Isso constitui um erro e não deve ser feio? Não é isso que estamos querendo 
dizer. Nosso propósito é dizer a você que, quando agimos assim, temos de ter 
consciência de que estamos promovendo uma interface entre duas vertentes teóricas 
diferentes, com base epistemológica
3
 distinta, porque o pensamento de Ferreiro (e, por 
consequência, Piaget) e o pensamento de Vigostki seguramente não se assentam sobre 
um mesmo eixo pelas razões que registramos em parágrafo anterior, e isso precisa ser 
 
denominemos Zona de Desenvolvimento Imediato e não mais Zona de Desenvolvimento Proximal, tal 
qual vinha sendo traduzida a expressão para o português. Segundo ele, o sentido que o autor quer dar ao 
termo se aproxima mais da expressão imedita e não do que ele entende ser uma tradução equivocada, o 
termo proximal. 
3
 Vamos entender epistemológica, para as finalidades deste curso, como sendo a forma como as crianças 
aprendem, nesse caso, aprendem a língua escrita. 
compreendido por nós, sob pena de entendermos que ambas as linhas teóricas são 
convergentes, quando não são de fato. 
 Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, no final da década de 
1990, outro pensador russo, também fundamentado no ideário marxista, ganhou 
projeção em nível nacional: Mikhail Bakhtin. As ideias de Bakhtin sobre gêneros do 
discurso ganharam espaço nas escolas do país, incluindo o campo da alfabetização.A 
concepção de gêneros do discurso concebe a linguagem como mediadora/instituidora 
das relações sociais – tal qual acontece no pensamento vigotskiano: relacionamo-nos 
com o outro e com o mundo por meio da linguagem. 
 Assim, essa vertente de pensamento toma a língua como objeto social e, no que 
diz respeito à ação escolar, fundamenta propostas que entendem que devemos ensinar a 
língua materna na escola valendo-nos de gêneros do discurso, entendidos como as 
formas relativamente estáveis por meio das quais as relações humanas se estabelecem. 
Interagimos com o outro e com o mundo por meio de conversa entre amigos, 
telefonema, notícia de jornal, e-mail, receita culinária, tese de doutorado, fábula, lenda, 
bilhete, cartão de loteria, conta de luz, romance, enredo de filme, cartão de visitas, 
panfleto de propaganda, ensaio científico, aula, conferência, artigo assinado etc. Essas 
formas de interação orais ou escritas, que têm lugar em diferentes esferas da atividade 
humana – esfera do jornalismo, esfera acadêmica, esfera escolar, esfera religiosa etc. – 
passaram a ser compreendidas, a partir dos PCNs, como o objeto de ensino e de 
aprendizagem de língua materna. 
 Assim, no processo de alfabetização, passamos a buscar uma atuação teórico-
metodológica que contemple diferentes gêneros discursivos. Empenhamo-nos, desde os 
PCNs, em evitar ensinar nossas crianças a ler e escrever a partir de textos que tenham 
existência apenas na escola. Entendamos isso melhor: em vez de escrever registros 
avulsos de passeios que fazemos com as crianças – tais registros são textos que existem 
apenas nas escolas – passamos a fazer pequenos relatórios, afinal o relatório é um 
gênero discursivo que existe fora da escola e que tem finalidades bem definidas na 
sociedade: registrar atividades realizadas para que outro conheça o que foi feito e possa 
acompanhar as ações de quem escreveu o relatório. Prossigamos: em vez de textos 
avulsos sobre final de semana, passamos a fazer diários, já que o diário é um gênero 
que existe fora da escola e que se presta para que alguém documente o seu dia-a-dia, as 
suas impressões sobre a vida, os seus sentimentos, as suas emoções, para ser lido pelo 
produtor do diário ou por outras pessoas. E, ainda, em vez de historinhas avulsas que 
compilamos ao final de um dado período formando livrinhos, passamos a produzir 
conto infantil, fábula, lenda, parlenda, poema etc, ou seja, gêneros que existem fora da 
escola e, na sociedade, circulam em livros. Assim, nossos livrinhos passaram a ser 
livros de fábulas, livros de lendas, livros de contos e, mesmo, livros de receitas, livros 
de poemas; ou seja, o livro passa a ser suporte para gêneros discursivos que existem 
fora da escola e que têm finalidades sociais bem definidas. 
 O pensamento de Bakhtin – e, em boa medida, o pensamento de Vigotski – veio 
abrir as portas da escola para o mundo que existe fora dela. A proposta é ensinar, na 
escola, a partir dos usos da linguagem tal qual eles existem fora da escola, o que nos 
parece ser de fundamental importância; afinal, a escola historicamente existe para 
preparar os homens para uma vida melhor, mais humana, mais cidadã, mais feliz. 
 Veja, porém, que – ao falar de Ferreiro, de Vigostki e de Bakhtin – não estamos 
falando de métodos de alfabetização, tal qual começamos este texto. Esses autores – 
Ferreiro com base em Piaget, que nos remete ao pensamento kantiano – e Vigotski e 
Bakhtin, cada qual a seu modo, com base no ideário materialista-histórico de Marx. 
 E o que isso tem a ver com alfabetização? Talvez hoje discutir métodos, em si 
mesmos, como o fizemos historicamente, não seja a questão mais relevante, por uma 
razão: parece certo que não é mais possível alfabetizar nossas crianças fora de contextos 
de sentido, o que, em nossa compreensão, exige levarmos, para dentro da escola, a 
linguagem tal qual ela existe fora da escola; ou seja, precisamos alfabetizar por meio de 
gêneros do discurso. Não podemos, porém, fazer isso sem entender que as interações 
humanas mediadas pela linguagem escrita, as quais se estabelecem nas diferentes 
esferas da atividade humana na sociedade, exigem que os homens leiam e escrevam e, 
para isso, precisam dominar o código alfabético. É preciso, então, partindo dos usos da 
escrita tal qual se dão na sociedade, ensinar para as crianças aquilo que é parte 
indiscutível do processo de alfabetização: dominar as relações entre grafemas e fonemas 
na leitura e entre fonemas e grafemas na escrita. 
 
O fenômeno do letramento: apenas um registro inicial 
 
 Nessa mesma metade da década de 1990, surgiram os estudos do letramento, 
entendido como um fenômeno mais amplo, que transcende a escola para ganhar lugar na 
sociedade. O que é letramento? Qualquer definição do fenômeno, hoje, requer 
considerar que letramento implica os usos que os homens fazem da escrita em 
diferentes espaços sociais, em diferentes fases da vida, em diferentes esferas da 
atividade humana. Hoje, falamos em letramentoS, no plural, porque a forma como as 
pessoas usam a escrita varia de uma cultura para outra, de uma esfera da atividade para 
outra. Assim, a esfera escolar seria o território do letramento escolar, do qual a 
alfabetização é parte. Voltaremos a esse tema no primeiro fascículo do manual do Pró-
letramento e discutiremos com mais vagar esse fenômeno. 
 
Considerações finais 
 
 Ao que parece, hoje, convivemos com o que Ferreiro chama de desmetodização, 
ou seja, o foco prioritário não parece ser os métodos de alfabetização, mas estudos sobre 
o que chamamos de elaboração didática, entendida como a ação do professor, 
consciente e planejada, que tem lugar no dia-a-dia do processo de alfabetização. Essa 
elaboração didática precisa ser construída a partir de bases teóricas definidas – nossa 
proposta, no programa do Pró-letramento, é o pensamento de Vigoski e o de Bakhtin –, 
considerando que a alfabetização não se dá sem o domínio dos princípios do sistema 
alfabético, mas que esse mesmo domínio precisa ser empreendido em contextos de 
sentido, ou seja, a partir dos usos para os quais a escrita se presta na sociedade. 
 
Referências 
 
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. 
Língua Portuguesa. v. 2. Brasília, 1997. 
 
BRASIL, Ministério da Educação. Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada 
de Professores dos anos / séries iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e 
linguagem. Brasília: MEC/SEB, 2007. 
 
BAKHTN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979]. 
 
BORGES, Teresa M. M. Ensinando a ler sem silabar. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1998. 
 
CERUTI, Mauro. A dança que cria: evolução cognitiva na epistemologia genética, 
Lisboa: Instituto Piaget, 1995. 
 
DEHAENE, S. Les neurones de la lecture. Paris: Odile Jacob, 2007. 
 
DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações 
neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 3. ed. São Paulo: Autores Associados, 
2004. 
 
HOUDÉ, Olivier; MELIJAC, Claire (Orgs.). O espírito piagetiano: homenagem 
internacional à Jean Piaget. Porto Alegre: Artmed, 2002. 
 
FEREIRO, Emilia TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: 
Artes Médicas, 1985. 
 
FERREIRO, Emília. Entrevista à revista Nova Escola. Nova Escola. São Paulo, edição 
162, maio de 2003. 
 
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2008 [1992]. 
 
MORTATTI, Maria Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil. 
Conferência realizada no Seminário de Alfabetização e letramento em debate. Brasília, 
Abril de 2006. 
 
PIAGET, Jean. A epistemologia genética;2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 
 
SCLIAR-CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização. São Paulo: Contexto, 
2003. 
 
SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de 
Educação. n. 25, p.5-17, jan./abr. 2004. 
 
STREET, B. Literacy in theory and practice. Cambridge: CUP, 1984. 
 
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, [1984] 
2000. 
 
______. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 
2001.

Outros materiais