Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA PRÓ-LETRAMENTO FORMAÇÃO DE TUTORES ALFABETIZAÇÃO: UM BREVE REGISTRO SOBRE BASES TEÓRICO-METOLÓGICAS DO ENSINO E DA APRENDIZAGEM DA MODALIDADE ESCRITA DA LÍNGUA Equipe Linguagem - Pró-letramento – UFSC Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti Fernanda Cargnin Gonçalves Rosângela Pedralli Vânia Luz Amanda Machado Chraim Mariza Konradt Campos Introdução No início de nosso programa de formação continuada, gostaríamos de discutir com você, professor alfabetizador, ainda que brevemente, bases teóricas e metodológicas do ato de alfabetizar. Registraremos, aqui, linhas gerais dos métodos de alfabetização tal qual tendem a ser compreendidos nas práticas pedagógicas escolares, tanto quanto o pensamento de teóricos como Ferreiro e Vigotski sobre o tema, posicionando-nos em favor de uma ação escolar que ensine o código em contextos de sentido, tendo como eixo norteador a forma como as pessoas usam a escrita para interagir socialmente. Métodos sintéticos e analíticos Nós, alfabetizadores e estudiosos da alfabetização, temos convivido com uma tendência historicamente construída de tomar o processo de alfabetização sob o ponto de vista de dois encaminhamentos metodológicos distintos: métodos sintéticos e métodos analíticos. Os sintéticos, como o próprio nome informa, focalizam a língua escrita das partes para o todo; já os analíticos tomam unidades maiores, como a frase e/ou pequenas histórias e, dessas unidades, chegam às unidades menores. Expliquemos isso melhor... Os métodos sintéticos podem ser fônico, silábico ou abecedário. O método sintético fônico orienta que iniciemos o processo de alfabetização pela relação entre os grafemas e os fonemas – grosso modo, entre as letras e os sons1. Os adeptos do método fônico começam o trabalho com essas relações pelas correspondências mais fáceis, como entre os fonemas /p/, /b/, /t/, /d/, /f/, /v/ e os grafemas que os representam, respectivamente, p, b, t, d, f, v. Iniciar desse modo, sob essa perspectiva, facilita o processo porque tais fonemas são representados apenas por tais grafemas e, como consequência, tais grafemas representam sempre tais fonemas; trata-se de correspondências estáveis, biunívocas. No método fônico, os contextos competitivos, ou seja, quando um mesmo grafema representa mais de um fonema (o grafema c representa os fonemas /k/ em casa, e /s/ em cedo, por exemplo) ou quando um mesmo fonema é representado por mais de um grafema (como o fonema /s/ representado por c, em cedo; representado por s em sapo; representado por sc em nascer etc.) Essa relações mais complicadas entre fonemas e grafemas, no método fônico, ficam para o final do processo de alfabetização. No método sintético silábico, o processo de alfabetização acontece por meio do estudo das famílias silábicas e, no método sintético conhecido como abecedário, o processo de alfabetização tem como foco inicial o nome das letras. Na verdade, porém, na prática pedagógica dos alfabetizares que optam pelos métodos sintéticos, tendemos a ver uma interpenetração dessas três abordagens: muitos focalizam de modo mais efetivo as relações entre fonemas e grafemas (na escrita) e entre grafemas e fonemas (na leitura), mas fazem isso em interface com as famílias silábicas e recorrem 1 Grafema não é sinônimo de letra. Dígrafos – duas letras representando um só fonema –, por exemplo, como nh, lh, ss, rr, ch, são compostos por duas letras, mas constituem um só grafema que representa um único fonema em cada ocorrência: nh representa um único fonema, rr representa um único fonema etc.. Além disso, os grafemas têm valor, ou seja, quando formam a palavra, estabelecem uma relação específica com o fonema. Veja as palavras casa e sapo. A letra s, na primeira palavra representa um grafema que se relaciona com o fonema /z/; já na segunda palavra, a letra s representa um grafema que se relaciona com o fonema /s/. Então, o que são as letras? Elas representam os grafemas e seus respectivos valores. E o que são valores? Os valores dos grafemas dependem do tipo de relações que eles estabelecem com os fonemas. O valor de s em casa não é o mesmo valor de s em sapo. Sons, por sua vez, não são sinônimos de fonemas. Se você arrastar uma cadeira, você terá um som, mas não terá um fonema. Os fonemas são as menores unidades constitutivas da fala humana. sistematicamente às letras do alfabeto. Tanto as famílias silábicas quanto as letras do alfabeto normalmente estão expostas de modo bem visível nas classes desses alfabetizadores. Por outro lado, aqueles que começam com as famílias silábicas – método sintético silábico – ou aqueles que começam com a alfabeto – método sintético conhecido como abecedário – recorrem, também de modo sistemático às relações entre fonemas e grafemas. Ao que parece essa divisão entre métodos sintéticos fônicos, silábicos e abecedário tende a se manter assim separadamente nas teorizações da área e não na prática efetiva. Precisamos dizer a você que, atualmente, tem havido propostas de retorno ao método fônico, as quais vêm sendo fundamentadas em descobertas das neurociências. Estudos na área da neuropsicologia têm mostrado que, quando lemos, ativamos uma área do cérebro que envolve tanto a visão quanto a região da fala, o que nos levaria a comprovações científicas de que, ao ler, relacionamos grafemas e fonemas e, em nome disso, deveríamos ensinar a leitura focalizando essas relações – das mais fáceis para as mais complexas, tal qual prevê o método fônico. Entendemos que essas descobertas são importantes e sevem para que tenhamos a certeza de que o processo de alfabetização exige que ensinemos às crianças as relações entre grafemas e fonemas (na leitura) e entre fonemas e grafemas (na escrita). Discordamos, porém, de modo enfático, de que isso tenha de ser feito por método fônico, da forma como esse método prescreve o ensino da língua escrita. Entendemos, tal qual vamos mencionar à frente, que o ensino do código tem de se dar em contextos de sentido, por meio de gêneros discursivos. Quanto aos métodos analíticos, costumam ter como foco a palavração – o processo se inicia por palavras que façam parte do universo dos alfabetizandos – ou a sentenciação – frases curtas. Às vezes, o processo contempla pequenas histórias. Assim, da palavra, da frase ou das pequenas histórias, o alfabetizador chega às unidades menores da língua – as relações entre grafemas e fonemas (na leitura) e entre fonemas e grafemas (na escrita). Paulo Freire ficou conhecido por defender tais contextos de sentidos, trabalhando a partir de palavras do conhecimento de mundo de alfabetizandos adultos. Como você pode observar, trata-se de dois tipos de métodos que partem de pólos opostos: os sintéticos partem das unidades menores (fonemas versus grafemas, sílabas, letras), e os analíticos partem de unidades de sentidos, como a palavra – palavração – a frase – sentenciação – ou mesmo pequenas histórias e, dessas unidades, chegam às unidades menores – as relações entre grafemas e fonemas (na leitura) e fonemas e grafema (na escrita) O pensamento de Emília Ferreiro Na década de 1980 até meados da década de 1990, o pensamento de Emília Ferreiro teve grande expressão dentre alfabetizadores brasileiros que passaram a adotar o chamado construtivismo de Ferreiro. Essa estudiosa, em livro muito conhecido que escreveu com Ana Teberosky, registrou a forma como crianças em contato inicial com a escrita criam hipóteses sobre o ato de escrever, confirmando ou não tais hipóteses e percorrendo estágiosde desenvolvimento no domínio da escrita, desde um estágio pré- silábico, passando por um estágio silábico, um estágio silábico-alfabético e, finalmente, um estágio alfabético. A autora não propunha um método de alfabetização, mas suas ideias, em muitos espaços escolares, foram tomadas como tal e, em alguns desses espaços houve compreensões equivocadas sobre o ideário construído por Ferreiro. O fato de a estudiosa descrever estágios pelos quais a criança passa no domínio da escrita, mostrando que o raciocínio infantil na apropriação do sistema alfabético se dá por hipótese-erro motivou compreensões espontaneístas, ou seja, a postura de que não existe erro a ser corrigido e que o papel do alfabetizador não é intervir no processo de desenvolvimento da criança, mas deixá-la fazer suas descobertas por si mesma. Em nossa compreensão, os anos de influência do construtivismo de Ferreiro no Brasil, nos casos em que o pensamento da autora foi mal interpretado, terminaram por disseminar ideias contrárias ao ensino das relações entre grafemas e fonemas (na leitura) e fonemas e grafema (na escrita). O ensino dessas correspondências ficou conhecido, em muitos espaços escolares, como “coisa de professor tradional(ista)” e deixou de ser feito. Magda Soares alertou para as consequências desse processo, o que ela chamou de “desinvenção da alfabetização”, isso porque nós sabemos que não existe alfabetização sem aprendizado do código alfabético. Emília Ferreiro, em nossa avaliação, emprestou uma importante contribuição para os estudos da alfabetização ao mostrar que as crianças passam por determinadas fases de descoberta de como a escrita funciona e que fazem isso no seu dia-a-dia, em contextos de sentido; portanto, a ação escolar que focaliza o famoso “ba-be-bi-bo-bu”, em falsos textos como “O Ivo viu a uva” e similares não parece produtiva. O pensamento de Emília Ferreiro tem origem no ideário de Piaget; ou seja, a preocupação da autora é fazer uma descrição formal da psicogênese da língua escrita, o que talvez possamos entender – mesmo com o risco da simplificação – como a descrição da forma com que as crianças raciocinam quando aprendem como a escrita funciona. A língua como objeto social não é o foco de estudo de Emília Ferreiro; seu foco é a cognição humana, como se origina e de desenvolve o conhecimento sobre a língua escrita. Passado o, digamos “auge” da disseminação das ideias de Ferreiro pelo país, o pensamento da autora começou a ser alvo de críticas tanto pelo espontaneísmo que mencionamos anteriormente – ou seja, a compreensão equivocada, em muitos espaços educacionais, de que as crianças deveriam descobrir os princípios do sistema alfabético por si mesmas, sem a intervenção sistemática e organizada do professor – quanto por se tratar de uma abordagem teórica que não tem como foco as relações sociais implicadas no processo de alfabetização. O pensamento de Vigotski e Bakhtin Na segunda metade da década de 1990, um novo ideário começou a ganhar espaço no território educacional brasileiro: a vertente sócio-histórica, representada pelo pensamento de Lev Vigotski e seu grupo. As bases marxistas do pensamento vigotskiano e sua defesa de que a apropriação do conhecimento se dá pelas relações da criança com mediadores mais experientes e que, nessas inter-relações, tais mediadores atuam sobre a chamada zona de desenvolvimento imediato das crianças tiveram um expressivo impacto na educação nacional. Na alfabetização, essas ideias, em boa medida, resgataram – nos espaços educacionais em que o pensamento de Ferreiro havia sido mal compreendido – o papel do professor no processo de apropriação da escrita por parte das crianças e a necessidade de o professor incidir sobre essa zona de desenvolvimento imediato 2 – aquilo que a criança não consegue ainda fazer sozinha, mas conseguirá se alguém mais experiente a ajudar. 2 O tradutor Paulo Bezerra, que fez a tradução diretamente do russo da obra de Vigotski “Pensamento e linguagem”, escrita pelo autor na década de 1930, tradução publicada pela editora paulistana Martins Fontes no ano de 2001, com o título “A construção do pensamento de da linguagem” recomenda que A propagação das ideias de Vigotski fez com que muitos alfabetizadores tentassem aproximar teorias desse pensador com teorias de Ferreiro, baseada em Piaget. Embora tanto Piaget quanto Vigotski tenham se ocupado em estudar a aprendizagem – Vigostki marcadamente o ensino e a aprendizagem –, precisamos ter consciência de que eles constroem suas ideias com base em vertentes muito distintas: enquanto Vigotski vem de uma herança marxista, para a qual a atividade do homem sobre o mundo e o homem social e historicamente situado são fundamentais, Piaget vem de uma herança kantiana, para qual a interação do sujeito com o objeto do conhecimento – e não a inserção social desse sujeito – é o foco de estudo. Assim, entendemos que aproximações entre os pensamentos de Vigostki e de Ferreiro – ou mesmo de Piaget –, bastante comuns no fazer pedagógico de alfabetizadores, precisam ser vistas com cautela, porque seguramente não estamos falando de vertentes teóricas que tenham eixos facilmente conciliáveis. Nossos estudos têm nos mostrado que muitos alfabetizadores se valem hoje do ideário de Emília Ferreiro para acompanhar o desenvolvimento de suas crianças ao longo do processo de alfabetização: se estão em fases pré-silábicas (não associam as formas escritas que escrevem com os sons da língua), silábicas (usam um único grafema para representar sílaba inteira), silábico-alfabéticas (começam a ter maior atenção com a quantidade de grafemas necessários para representar os sons da fala) ou alfabéticas (quando já realizam correspondências entre fonemas e grafemas). Esses professores, no entanto, não organizam o seu fazer pedagógico a partir das contribuições teóricas de Ferreiro, tomam apenas as teorizações dessa autora sobre tais estágios para acompanhar como as crianças estão aprendendo. No mais, ancoram sua ação em teorizações que se aproximam do ideário vigotskiano. Isso constitui um erro e não deve ser feio? Não é isso que estamos querendo dizer. Nosso propósito é dizer a você que, quando agimos assim, temos de ter consciência de que estamos promovendo uma interface entre duas vertentes teóricas diferentes, com base epistemológica 3 distinta, porque o pensamento de Ferreiro (e, por consequência, Piaget) e o pensamento de Vigostki seguramente não se assentam sobre um mesmo eixo pelas razões que registramos em parágrafo anterior, e isso precisa ser denominemos Zona de Desenvolvimento Imediato e não mais Zona de Desenvolvimento Proximal, tal qual vinha sendo traduzida a expressão para o português. Segundo ele, o sentido que o autor quer dar ao termo se aproxima mais da expressão imedita e não do que ele entende ser uma tradução equivocada, o termo proximal. 3 Vamos entender epistemológica, para as finalidades deste curso, como sendo a forma como as crianças aprendem, nesse caso, aprendem a língua escrita. compreendido por nós, sob pena de entendermos que ambas as linhas teóricas são convergentes, quando não são de fato. Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, no final da década de 1990, outro pensador russo, também fundamentado no ideário marxista, ganhou projeção em nível nacional: Mikhail Bakhtin. As ideias de Bakhtin sobre gêneros do discurso ganharam espaço nas escolas do país, incluindo o campo da alfabetização.A concepção de gêneros do discurso concebe a linguagem como mediadora/instituidora das relações sociais – tal qual acontece no pensamento vigotskiano: relacionamo-nos com o outro e com o mundo por meio da linguagem. Assim, essa vertente de pensamento toma a língua como objeto social e, no que diz respeito à ação escolar, fundamenta propostas que entendem que devemos ensinar a língua materna na escola valendo-nos de gêneros do discurso, entendidos como as formas relativamente estáveis por meio das quais as relações humanas se estabelecem. Interagimos com o outro e com o mundo por meio de conversa entre amigos, telefonema, notícia de jornal, e-mail, receita culinária, tese de doutorado, fábula, lenda, bilhete, cartão de loteria, conta de luz, romance, enredo de filme, cartão de visitas, panfleto de propaganda, ensaio científico, aula, conferência, artigo assinado etc. Essas formas de interação orais ou escritas, que têm lugar em diferentes esferas da atividade humana – esfera do jornalismo, esfera acadêmica, esfera escolar, esfera religiosa etc. – passaram a ser compreendidas, a partir dos PCNs, como o objeto de ensino e de aprendizagem de língua materna. Assim, no processo de alfabetização, passamos a buscar uma atuação teórico- metodológica que contemple diferentes gêneros discursivos. Empenhamo-nos, desde os PCNs, em evitar ensinar nossas crianças a ler e escrever a partir de textos que tenham existência apenas na escola. Entendamos isso melhor: em vez de escrever registros avulsos de passeios que fazemos com as crianças – tais registros são textos que existem apenas nas escolas – passamos a fazer pequenos relatórios, afinal o relatório é um gênero discursivo que existe fora da escola e que tem finalidades bem definidas na sociedade: registrar atividades realizadas para que outro conheça o que foi feito e possa acompanhar as ações de quem escreveu o relatório. Prossigamos: em vez de textos avulsos sobre final de semana, passamos a fazer diários, já que o diário é um gênero que existe fora da escola e que se presta para que alguém documente o seu dia-a-dia, as suas impressões sobre a vida, os seus sentimentos, as suas emoções, para ser lido pelo produtor do diário ou por outras pessoas. E, ainda, em vez de historinhas avulsas que compilamos ao final de um dado período formando livrinhos, passamos a produzir conto infantil, fábula, lenda, parlenda, poema etc, ou seja, gêneros que existem fora da escola e, na sociedade, circulam em livros. Assim, nossos livrinhos passaram a ser livros de fábulas, livros de lendas, livros de contos e, mesmo, livros de receitas, livros de poemas; ou seja, o livro passa a ser suporte para gêneros discursivos que existem fora da escola e que têm finalidades sociais bem definidas. O pensamento de Bakhtin – e, em boa medida, o pensamento de Vigotski – veio abrir as portas da escola para o mundo que existe fora dela. A proposta é ensinar, na escola, a partir dos usos da linguagem tal qual eles existem fora da escola, o que nos parece ser de fundamental importância; afinal, a escola historicamente existe para preparar os homens para uma vida melhor, mais humana, mais cidadã, mais feliz. Veja, porém, que – ao falar de Ferreiro, de Vigostki e de Bakhtin – não estamos falando de métodos de alfabetização, tal qual começamos este texto. Esses autores – Ferreiro com base em Piaget, que nos remete ao pensamento kantiano – e Vigotski e Bakhtin, cada qual a seu modo, com base no ideário materialista-histórico de Marx. E o que isso tem a ver com alfabetização? Talvez hoje discutir métodos, em si mesmos, como o fizemos historicamente, não seja a questão mais relevante, por uma razão: parece certo que não é mais possível alfabetizar nossas crianças fora de contextos de sentido, o que, em nossa compreensão, exige levarmos, para dentro da escola, a linguagem tal qual ela existe fora da escola; ou seja, precisamos alfabetizar por meio de gêneros do discurso. Não podemos, porém, fazer isso sem entender que as interações humanas mediadas pela linguagem escrita, as quais se estabelecem nas diferentes esferas da atividade humana na sociedade, exigem que os homens leiam e escrevam e, para isso, precisam dominar o código alfabético. É preciso, então, partindo dos usos da escrita tal qual se dão na sociedade, ensinar para as crianças aquilo que é parte indiscutível do processo de alfabetização: dominar as relações entre grafemas e fonemas na leitura e entre fonemas e grafemas na escrita. O fenômeno do letramento: apenas um registro inicial Nessa mesma metade da década de 1990, surgiram os estudos do letramento, entendido como um fenômeno mais amplo, que transcende a escola para ganhar lugar na sociedade. O que é letramento? Qualquer definição do fenômeno, hoje, requer considerar que letramento implica os usos que os homens fazem da escrita em diferentes espaços sociais, em diferentes fases da vida, em diferentes esferas da atividade humana. Hoje, falamos em letramentoS, no plural, porque a forma como as pessoas usam a escrita varia de uma cultura para outra, de uma esfera da atividade para outra. Assim, a esfera escolar seria o território do letramento escolar, do qual a alfabetização é parte. Voltaremos a esse tema no primeiro fascículo do manual do Pró- letramento e discutiremos com mais vagar esse fenômeno. Considerações finais Ao que parece, hoje, convivemos com o que Ferreiro chama de desmetodização, ou seja, o foco prioritário não parece ser os métodos de alfabetização, mas estudos sobre o que chamamos de elaboração didática, entendida como a ação do professor, consciente e planejada, que tem lugar no dia-a-dia do processo de alfabetização. Essa elaboração didática precisa ser construída a partir de bases teóricas definidas – nossa proposta, no programa do Pró-letramento, é o pensamento de Vigoski e o de Bakhtin –, considerando que a alfabetização não se dá sem o domínio dos princípios do sistema alfabético, mas que esse mesmo domínio precisa ser empreendido em contextos de sentido, ou seja, a partir dos usos para os quais a escrita se presta na sociedade. Referências BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa. v. 2. Brasília, 1997. BRASIL, Ministério da Educação. Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos anos / séries iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e linguagem. Brasília: MEC/SEB, 2007. BAKHTN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979]. BORGES, Teresa M. M. Ensinando a ler sem silabar. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1998. CERUTI, Mauro. A dança que cria: evolução cognitiva na epistemologia genética, Lisboa: Instituto Piaget, 1995. DEHAENE, S. Les neurones de la lecture. Paris: Odile Jacob, 2007. DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 3. ed. São Paulo: Autores Associados, 2004. HOUDÉ, Olivier; MELIJAC, Claire (Orgs.). O espírito piagetiano: homenagem internacional à Jean Piaget. Porto Alegre: Artmed, 2002. FEREIRO, Emilia TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. FERREIRO, Emília. Entrevista à revista Nova Escola. Nova Escola. São Paulo, edição 162, maio de 2003. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2008 [1992]. MORTATTI, Maria Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil. Conferência realizada no Seminário de Alfabetização e letramento em debate. Brasília, Abril de 2006. PIAGET, Jean. A epistemologia genética;2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. SCLIAR-CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização. São Paulo: Contexto, 2003. SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação. n. 25, p.5-17, jan./abr. 2004. STREET, B. Literacy in theory and practice. Cambridge: CUP, 1984. VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, [1984] 2000. ______. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Compartilhar