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CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA E COMPROMISSO DEMOCRÁTICO

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CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA E COMPROMISSO DEMOCRÁTICO
 
PHILOSOPHICAL CONSCIOUSNESS AND DEMOCRATIC ENGAGEMENT
 
Tiago Adão Lara*
 
Resumo
 
A filosofia nasceu, no mundo grego, unida à problemática ético-política da cidade-estado, germe do estilo democrático 
de vida, que se tornou um valor para a civilização ocidental. A modernidade retomou essa proposta, que não morrera 
na Idade Média. Tornou-se uma proposta revolucionária, que encontrou, contudo, seus limites e seus emperramentos, 
de cuja gravidade dá-nos testemunho a crise atual. O presente artigo analisa o pensamento de alguns pensadores 
contemporâneos, que refletem sobre esses impasses da cultura ocidental.
 
Palavras-chave: Filosofia, Democracia, Capitalismo, Crise.
 
Abstract 
 
Philosophy was born, in the Greek world, together with the ethical-political problematic of the city-state, germ of the 
democratic style of life, which became a value for Western civilization. Modern Times recaptured that proposal, which 
hadn’t died in the Middle Ages. It became a revolutionary proposal, which encountered, however, its limitations and 
hindrances, to whose gravity the current crisis is a testimony. This present article analyzes the ideas of some 
contemporary thinkers, who reflect on that deadlock in the Western culture.
 
Key words: Philosophy, Democracy, Capitalism, Crisis.
 
1 Introdução
 
Somente quando, no mundo grego, tornou-se realidade uma certa experiência democrática, a filosofia 
emergiu. Jean-Pierre Vernant trabalha essa idéia, na sua obra: As origens do pensamento grego. Escreve, no final 
de seu livro:
 
A razão grega não se formou tanto no comércio humano com as coisas, quanto nas 
relações dos homens entre si. Desenvolveu-se menos com as técnicas que operam 
no mundo, que por aquelas que dão meios para domínio de outrem, e cujo 
instrumento comum é a linguagem: a arte do político, do reitor, do professor. A 
razão grega é a que de maneira positiva, refletida, metódica, permite agir sobre os 
homens, não transformar a natureza. Dentro de seus limites como em suas 
inovações é filha da cidade (Vernant, 2002, p. 143).
 
A filosofia é, portanto, filha da polis, não somente porque nasceu das suas entranhas, mas também porque se 
atribuiu a tarefa de ser a consciência crítica dela, e em função dela. Tal situação de origem e configuração 
operativa ou pragmática da filosofia explica-nos a morte de Sócrates, na polis, e por decisão dela. Tornara-se 
ele a consciência de seus impasses. Passou a questionar os relacionamentos humanos aí em vigor. Tornou-se 
perigoso. Pagou o preço da sua ousadia e marcou rumos para a reflexão filosófica, ao longo dos tempos.
 
Oportuno, hoje, urgir o retorno a essas origens da filosofia. Questiona-se a modernidade. Pergunta-se pelos 
seus rumos. Ora, nas origens da modernidade, a filosofia se fez presente de maneira robusta e decisiva. 
Ocupou o lugar da teologia, responsável primeira, na Idade Média, das significações existenciais. 
 
Pode-se afirmar, com certa segurança, que houve um projeto filosófico para os novos tempos, que se 
configuravam na Europa, a partir da Renascença. 
 
2 O Projeto da Modernidade 
 
Nos inícios da modernidade, sonhou-se o ideal de uma maioridade racional, que permitisse aos humanos a 
construção de uma ordem sociopolítica, da qual as escravidões desaparecessem. Responsável por essa 
façanha seria o Esclarecimento que a razão, bem articulada e desenvolvida, levaria a termo. Num momento 
já de maturidade dessa proposta, Kant, respondendo à pergunta: “o que é o Esclarecimento”, levantado pelo 
Berlinische Monatsschrift, em 1784, afirma:
 
Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é 
culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso do seu entendimento, sem a 
direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade, se a 
causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e 
coragem de servir-se de si mesmo, sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem 
coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do Esclarecimento.
 
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a 
natureza de há muito os libertou de uma direção estranha, continuem, no entanto, de bom grado, 
menores durante toda a vida. São também as causas que explicam porque é tão fácil que os outros se 
constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu 
entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a 
respeito de minha dieta etc., então não preciso de esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de 
pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios 
desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à 
maioridade difícil e, além do mais, perigosa, porque aqueles tutores, de bom grado, tomaram a seu 
cargo a supervisão dela (Kant, 1974, p. 100-101).
 
O texto de Kant, que é curto, mas denso, resume o entusiasmo que tomava conta dos intelectuais europeus, 
na segunda metade do século XVIII, o assim chamado século do Iluminismo (esclarecimento). Revive-se o 
ideal grego de compromisso da cidade com a razão. A cidade, agora, é o Ocidente. Há uma confiança na 
capacidade da razão individual, para realizar a sua libertação, desde que iluminada a respeito da ignorância e 
dos preconceitos que a mantêm prisioneira, em última análise, de si mesma. Aos intelectuais, no exercício 
público de sua liberdade, cabe ajudar a todos a dar o passo decisivo para a própria libertação.
 
Interessante que a ênfase de Kant vai na direção daquilo que Vernant atribuiu à razão grega como 
preocupação quase que única: “o interesse com as relações humanas”, e não tanto com as relações do 
homem com a natureza, mediante a técnica. Kant enfatiza a liberdade intelectual de pensar com a própria 
cabeça, e não com os pensamentos do livro; a liberdade de assumir a maioridade nos relacionamentos com 
Deus, opondo-se à tutoria do diretor espiritual; e, digno de nota, para nós que delegamos aos competentes 
da ciência médica o controle quase total sobre o nosso corpo, Kant apela para a liberdade na determinação 
da própria dieta. Poderíamos recordar, aqui, Platão que em As leis, após mostrar que os médicos escravos, de 
escravos, adotam pose de tirano, diz, com relação aos médicos livres, de homens livres:
 
O médico livre, pelo contrário, cuida e examina, como coisa ordinária, as enfermidades das pessoas 
livres; estuda a enfermidade desde os seus começos e segundo seus fundamentos naturais, troca 
impressões com o mesmo enfermo e com os amigos e próximos desse e, ao mesmo tempo, que ele 
pessoalmente aprende junto aos enfermos, vai instruindo ao mesmo paciente, na medida em que isso 
lhe é possível, sem prescrever nada, enquanto não conseguir convencê-lo disso; e, então, ajudado pela 
persuasão, tranqüiliza e prepara continuamente seu enfermo, até conseguir levá-lo, pouco a pouco, à 
saúde (Platon, 1977, p. 1342-1343).
 
Magníficos exemplos de ênfase no uso da razão, para o que diz respeito aos relacionamentos entre os seres 
humanos.
 
3 Complexidade e Riqueza do Projeto da Modernidade
 
A proposta da modernidade, como a grega, não se exaure, pois, com um programa de domínio do ser 
humano sobre a natureza. Boaventura de Sousa Santos, em Crítica da razão indolente, afirma:
 
O paradigma da modernidade é muito rico e complexo, tão suscetível de variações profundas como 
de desenvolvimentos contraditórios. Assenta em dois pilares, o da regulação e o da emancipação, cada 
um constituído por três princípios ou lógicas. O pilar daregulação é constituído pelo princípio do 
Estado, formulado essencialmente por Hobbes, pelo princípio do mercado, desenvolvido sobretudo 
por Locke e por Adam Smith, e pelo princípio da comunidade, que domina toda a doutrina social e 
política de Rousseau. O princípio do Estado consiste na obrigação política vertical entre cidadão e 
Estado. O princípio do mercado consiste na obrigação política horizontal individualista e antagônica 
entre os parceiros de mercado. O princípio da comunidade consiste na obrigação política solidária 
entre membros da comunidade e entre associações. O pilar da emancipação é constituído pelas três 
lógicas de racionalidade definidas por Weber: a racionalidade estético-expressiva das artes e da 
literatura, a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia e a racionalidade moral-
prática da ética e do direito (Santos, 2000, p. 50).
 
Na análise de Santos, o projeto implicava contradições sérias:
 
O paradigma da modernidade é um projeto ambicioso e revolucionário, mas é também um projeto 
de contradições internas. Por um lado, a envergadura das suas propostas abre um vasto horizonte à 
inovação social e cultural; por outro, a complexidade dos seus elementos constitutivos torna 
praticamente impossível evitar que o cumprimento das promessas seja nuns casos excessivo e 
noutros insuficiente. Tanto os excessos como os défices estão inscritos na matriz paradigmática. O 
paradigma da modernidade pretende um desenvolvimento harmonioso e recíproco do pilar da 
regulação e do pilar da emancipação, e pretende também que esse desenvolvimento se traduza 
indefectivelmente pela completa racionalização da vida coletiva e individual. Esta dupla vinculação – 
entre os dois pilares, e entre eles e a práxis social – vai garantir a harmonização de valores sociais 
potencialmente incompatíveis, tais como justiça e autonomia, solidariedade e identidade, igualdade e 
liberdade (idem).
 
A confiança no sucesso da proposta era grande e repousava no poder da racionalidade, entendida como 
norma de vivência e de convivência saudáveis. Racionalidade encarnada no indivíduo humano, concebido 
como sujeito.
 
4 A Centralidade do Sujeito Indivíduo
Em A barbárie interior, Jean-François Mattéi (2002) assim descreve o homem moderno:
 
O caráter marcante do homem moderno, aquele que se qualifica como “sujeito” e que nem sempre 
pondera sua sujeição, é, com efeito, a interiorização e a necessidade de tudo relacionar consigo 
mesmo (p. 22). 
 
Do contexto da análise, esse “relacionar consigo mesmo” significa erigir-se como referencial último de 
determinação. É o que se chamou de antropocentrismo moderno, em oposição ao teocentrismo medieval, 
qualificando-se, porém, o antropocentrismo, na medida em que se aponta para a categoria sujeito. É um 
antropocentrismo subjetivista. Daí, poder Mattéi falar de uma reviravolta subjetivista (subjectivist turn), na 
modernidade, em comparação com a reviravolta lingüística (linguistic turn) dos inícios do século XX.
 
O termo sujeito, em português, traduz o latino subjectum que, por sua vez, é tradução literal do termo grego 
hipokéimenon, ou seja, aquilo que subjaz. Nesse sentido, a matéria é encarada por Aristóteles como sujeito, 
substrato, que pressupõe a forma ou se relaciona a ela. A matéria é, assim, hypóstasis, ou seja, “aquilo que 
está sob”; ela é substância. Mas sujeito é, também, o indivíduo, como ponto de apoio e de referência dos 
seus atributos ou acidentes. Esse é o plano ontológico. Paralelamente, no plano do juízo, o sujeito é aquele 
de quem se predica algo; nunca podendo ser predicado de outra coisa.
 
A Escolástica caminhou na direção do pensamento aristotélico, no uso desse termo, mas inovou ao falar em 
“subjetivo” e “objetivo” como contrapostos, e chamar de “objetiva” a existência “real” das coisas na 
“mente” humana.
 
Os autores do verbete “sujeito” da Enciclopedia de la Filosofía Garzanti – Ediciones-B vêem, aqui, o gancho 
para a grande revolução subjetivista do pensamento moderno. De fato, o sujeito moderno encontra seu 
estatuto, bem elaborado, em Kant, o qual, segundo Abbagnano (1970), no seu Dicionário de filosofia, inspirou-
se em alguns escritores alemães seus contemporâneos, que exploraram, justamente, a oposição “subjetivo” 
e “objetivo” da reflexão epistemológica escolástica.
 
Sujeito passa, então, a ser definido como “eu”, “consciência”, “capacidade de iniciativa”, em geral. Passa-se, 
assim, aos poucos, de uma concepção de sujeito, apontando relações e, até, dependências, para uma 
concepção em que a autonomia aflora como determinação preponderante ou, até, única. É o que Mattéi 
(2002) chama de interiorização. Sujeito não se define mais no jogo de relações, e relações constitutivas, 
como aquelas vigentes no pensamento aristotélico, entre matéria e forma, substância e acidentes; ou como 
aquelas existentes no realismo epistemológico medieval, entre as dimensões objetiva e subjetiva do 
conhecimento. Sujeito, agora, define-se como auto-referência. Uma auto-referência que vai exigir, para se 
tornar fundamento sólido, atribuição de “absolutidade”, antes atribuída ao transcendente. O sujeito é o 
absoluto. Recordemos os caminhos que levam de Kant a Hegel. Escreve Mattéi (2002):
 
Qualquer que seja o caminho que ela traça na história, a lógica específica do sujeito 
é a de recuperar por sua própria conta a determinação transcendente de que ele é 
originário e que decidiu abolir: o mundo gira doravante em volta de um eu 
hipostasiado e dilatado à medida do absoluto (p. 27).
 
O texto de Mattéi é conclusão da análise, por ele efetuada, do caminho histórico que resultou no 
surgimento do eu ou do sujeito moderno, ou, dizendo melhor, da concepção ou ideologia que define o 
homem como sujeito.
 
Em síntese, pode-se afirmar que o conceito de sujeito, nascido do confronto do ser humano com a natureza 
e com o transcendente (Deus), do qual a natureza é certa epifania ou manifestação, desembocou no esforço 
de “desassujeição” do homem em relação a esses referenciais. O homem proclamou-se autônomo. É em si 
mesmo que procura fundamento. Sente-se, então, na necessidade de declarar-se absoluto. Talvez apenas um 
que outro indivíduo humano tenha tido a coragem de sentir-se tal. Mas o Estado, a nação, a raça, o partido, o 
mercado, a doutrina podem ser erigidos, pelos indivíduos, a projeções da própria convicção de absoluto. A 
modernidade, tal como se constitui na história, profundamente ligada ao capitalismo, aninha em si mesma o 
totalitarismo, apesar das boas intenções democráticas e de algumas realizações dessa aspiração. A ameaça 
totalitária não lhe vem de fora. Mattéi pode então falar do “i-mundo moderno”, mundo da barbárie. Daí, o 
título completo do seu livro: A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. 
 
5 Modernidade e Formação Humana 
 
A que vêm essas análises, em se tratando de acertar as contas com nossos esforços de educadores? Penso 
que têm tudo a ver. Jorge Larrosa (2003) pode servir-nos de guia, nessa passagem para o plano pedagógico 
da nossa reflexão. Sua obra Pedagogia profana tem três partes. A primeira se intitula: “Como se chega a ser o 
que se é”. Assim explica ele a escolha do titulo:
 
A primeira seção gira em torno da articulação narrativa da idéia de formação. Seu 
titulo – “Como se chega a ser o que se é” – traduz o wie man wird, was man ist do 
subtítulo do Ecce homo, de Nietzsche, que, por sua vez, traduz o lema de Píndaro – 
“Chega a ser o que és”. Talvez as diferentes versões do processo da formação 
humana, incluindo as obras clássicas do Bildungsroman, não passem de diferentes 
traduções dessa frase (p. 8).
 
Como se vê logo, trata-se da “formação humana”. Aborda-se o tema examinando não tesesou doutrinas 
articuladas academicamente, mas reportando-se ao gênero literário da “narrativa”, à maneira do 
Bildungsroman (romance de formação) da literatura alemã. Larrosa, no primeiro capítulo, que se intitula: “Os 
paradoxos da autoconsciência”, leva-nos, de maneira bastante criativa, a um passeio pelas obras de 
Rousseau. Seu intento é revelar-nos o itinerário da formação do próprio Rousseau, segundo suas obras 
Confissões, Diálogos e Sonhos. Um itinerário pessoal, que pode ser tomado como parábola do itinerário da 
modernidade.
 
Rousseau é um pensador moderno, representante, sem dúvida, do “Iluminismo”, para o qual o 
esclarecimento se impõe como condição de maturidade humana, de abandono da menoridade, que pesa 
sobre a humanidade. Rousseau tornou-se um clássico, no mundo pedagógico, por meio, sobretudo do Emílio. 
Mas Rousseau representa, já, no seio do entusiasmo pelo Esclarecimento, um grito de alerta em relação aos 
riscos da proposta moderna. É bom recordar que ele tem entrada no mundo intelectual, quando responde 
negativamente à pergunta da academia de Dijon: “se o progresso das ciências e das artes tem contribuído a 
melhorar os costumes”. Entrevia ele o que significava abandonar-se à empresa de conduzir a embarcação da 
própria existência, nos encapelados mares da história? Experimentava os limites das possibilidades humanas? 
O fato é que os denunciara presentes na requintada civilização da sua época, que se considerava humanista. 
De maneira utópica, conclamava a uma espécie de volta à simplicidade da natureza, em cujo bojo se 
encontra a consciência reta, não deturpada ainda pela barbárie das sofisticações. Mas, diz-nos Larrosa (2003), 
o que Rousseau realmente descobre é o paradoxo da autoconsciência. Daquela que se definiu por auto-
referência e que procurou, em si mesma, o fundamento de toda realidade e de toda realização. No fim, 
descobre-se ela não como a autoconsciência perfeita, acabada, esclarecida de maneira cristalina, realizada, 
enfim, mas como 
 
contínua criação, um perpétuo devenir, uma permanente metamorfose. E essa 
metamorfose tem seu arranque e sua força impulsora no processo narrativo e 
interpretativo da leitura e da escrita. Só lendo (ou escutando), como aconteceu com 
Jean-Jacques em relação a Plutarco, alguém se faz consciente de si mesmo. Só 
escrevendo (ou falando), como fez Rousseau nas Confissões, alguém pode fabricar um 
eu. Mas nosso personagem aprendeu que ler e escrever (escutar e falar) é colocar-
se em movimento, é sair sempre para além de si mesmo, é manter sempre aberta a 
interrogação acerca do que se é. Na leitura e na escrita, o eu não deixa de se fazer, 
de se desfazer e de se refazer. Ao final, já não existe um eu substancial a ser 
descoberto e ao qual ser fiel, mas apenas um conjunto de palavras para compor e 
decompor e recompor. No entanto, essa nova consciência impulsiona no sentido de 
uma nova aventura que exige também a sua própria fidelidade, o seu próprio 
heroísmo. Tem de se estar (sic na tradução) à altura das palavras que digo e que me 
dizem. E, sobretudo, tem de se fazer continuamente com que essas palavras 
destrocem e façam explodir as palavras preexistentes. Somente o combate das 
palavras ainda não ditas contra as palavras já ditas permite a ruptura do horizonte 
dado, permite que o sujeito se invente de outra maneira, que o eu seja outro 
(Larrosa, 2003, p. 39-40).
 
6 Outra Noção de Subjetividade 
 
Segundo Santos (2000), a vertente hegemônica da modernidade reduziu a racionalidade, sua matriz e seu 
valor supremo, à função de regulação, que passou a administrar, também, tudo o que diz respeito às relações 
dos seres humanos entre si. Mattéi (2002) enfatiza a conseqüência primordial dessa perspectiva, enquanto 
nos descreve o tipo de ser humano que daí resulta: o sujeito, centrado em si mesmo, na sua auto-suficiência 
criadora, nimbado de prerrogativas de transcendência, como que pairando sobre o processo histórico, do 
qual se julga senhor e controlador. Larrosa (2003) acena a indicadores de superação dessa situação. Serve-se 
dos próprios recursos da modernidade, em cujo seio encontra, já, uma crítica radical da mesma no itinerário 
de Rousseau, assumido como parábola do itinerário da cultura ocidental.
 
O primeiro e, pensamos, fundamental recurso de que lança mão Larrosa é apontar para o artificialismo de 
toda proposta de realização humana que signifique “resistência” à “insistência” da “existência” humana na 
contingência do processo histórico. Estamos tentando jogar com a etimologia dos termos “resistência” – 
“insistência” – “existência”. Em todos, o radical latino st, que aponta para solidez, fundamentação, 
enraizamento. Sto ou sisto significam estou firme, de pé, resistente. “Existência”, de Exsistentia em latim, 
sinaliza que a vida humana implica certo desenraizamento, certo estar-fora, certa ruptura com o 
fundamento, com o qual se mantém, no entanto, em articulação constitutiva, pois como se pode “ex-sistir” 
senão pelo processo continuo desse “sair-de”? E como continuamente projetar-se, “sair-de” se não há um 
contínuo, também, “permanecer-em”, ou seja, “insistir”.
 
Para além da etimologia, contudo, vale a experiência da vida, fluir contínuo, situações e referências 
retomadas e ultrapassadas continuamente.
 
Estruturando seu escrito como “narrativa” e não como “discurso” organizado segundo os padrões da lógica 
filosófica ou cientifica, Larrosa (2003) procura desconstruir a convicção de que a inteligibilidade, levada a 
sério, só pode existir por obra desses padrões. A reviravolta consiste em reimegir a racionalidade nas 
peripécias da história, pelas quais aflora como compromisso de concreticidade, e não de abstrações 
purificadoras, assépticas.
 
O concreto é fruto do “crescer-com”: concrescere em latim, em oposição a abstrato, que significa “separação-
de”: trahere-ab(s). A primeira atitude, compromisso com a concreticidade, não teme as ambigüidades da vida; 
a segunda, fuga para o abstrato e não apenas passagem necessária e enriquecedora por ele, é um esforço 
para se livrar das ambigüidades, à cata de certezas e seguranças. O compromisso de concreticidade leva-nos 
à compreensão de que o ser humano que se expressa em termos de “eu”, de “consciência”, de “sujeito”, na 
modernidade, revela-se como temporalidade, êxtase – novamente um ex e um stasis: exstasis, em latim – de 
passado, presente e futuro. Temporalidade radical.
 
O eu não é, pois, auto-referência. Existir não é unicamente exercício de consistência endógena. Não opera 
na fuga às injunções do fluir, como “eu puro”, “razão transcendental”, “identidade absoluta”, mas no jogo de 
mil e uma articulações de diferenças, reconhecidas e aceitas como tais. É atividade linguajeira, só possível 
nos deslizamentos de sentidos, ainda que se deva reconhecer, com Kant (1974), a ânsia, por parte do sujeito, 
de atingir articulações definitivas, sínteses últimas, plenitudes de significados. Trata-se, pois, de dar 
assentimento à tendência contemporânea da reflexão filosófica de reconhecer a importância e, mesmo, a 
necessidade de desconstruir o paradigma metafísico de pensar, atuante na filosofia e na ciência, a partir de 
tendências do senso comum e como reforço destas.
 
O paradigma metafísico de pensar repousa no pressuposto de que há possibilidade, para a razão humana, de 
alcançar um núcleo de verdades de caráter definitivo e absoluto. Esse núcleo constitui o fundamento de 
inteligibilidade satisfatória e necessária ao estabelecimento dos princípios éticos de comportamento 
humano. Os metafísicos sempre temeram que a dúvida, a respeito disso, solapasse a possibilidade de umaordem social saudável. Ética e metafísica conectam-se, assim, profundamente. Por mais abstratas que possam 
parecer as especulações metafísicas, elas visam também à concreticidade da vida humana individual e 
coletiva.
 
7 Repensando Criticamente a Modernidade 
 
Essa concepção metafísica encontrou sempre contestadores, desde o início da reflexão filosófica, no mundo 
grego. Basta recordar os sofistas do século V a. C. e o pensamento cético, já na época do Império Romano. 
Com o advento do cristianismo e da sua hegemonia, ao longo de toda Idade Média, a tendência metafísica 
encontrou um forte aliado. Aliás, boa parte dos doutores medievais podem ser apontados como metafísicos 
exímios. É o caso, por exemplo, de Alberto Magno e Tomás de Aquino, mas também de Boaventura e Duns 
Escoto. Mesmo na Idade Média, a metafísica foi contestada. Então, a contestação vinha, quase sempre, a favor 
da fé, no sentido de que a negação da capacidade de a razão humana atingir verdades absolutas apontava 
para a necessidade da revelação divina, para a qual a fé era a resposta.
 
Com o advento da modernidade, de caráter cada vez mais laico ou secularizado, a filosofia retomou sua 
autonomia e a vertente metafísica da mesma se encarregou de ser a grande comprometida com a procura 
de certezas absolutas, que justificassem a segurança dos conhecimentos e, conseqüentemente, dos valores. 
 
A partir de fins da Idade Média, porém, uma brecha maior de contestação à metafísica se abria. Guilherme 
de Ocam sinalizou, já no século XIV, a tendência empirista que, aos poucos, foi se fortificando e começou a 
concorrer com o racionalismo. Contestava a convicção fundamental sobre a qual a metafísica se construía: a 
convicção de que, pelo intelecto, o ser humano supera a contingência dos fatos, dos quais dão testemunho 
os sentidos, e atinge a essência, realidade transfenomênica, de caráter inteligível e de valor absoluto. O 
empirismo restringiu o conhecimento humano à ordem dos fatos. Essências, princípios universais e relações 
que transcendem os fatos não têm consistência epistemológica alguma. Essa enfatização dos fatos provocou 
o surgimento do que se costuma chamar ciência moderna, ciência empírica, baseada na experiência e 
construída a partir da convicção de que ao ser humano é possível apreender as leis da natureza de caráter 
universal e determinístico. Galileu afirmou que o grande livro da natureza foi escrito em linguagem 
matemática e só quem entende esse alfabeto entende a natureza. A física newtoniana constituiu-se no 
primeiro modelo do saber novo. A metafísica começou a ser violentamente criticada.
 
Kant, no final do século XVIII, em Crítica da razão pura (1781), tentou mostrar como a tendência do homem 
para a metafísica, ou seja, para ultrapassar a realidades, que vão além do físico, é incoercível, mas que, por 
outro lado, a metafísica é impossível. Kant nega a intuição das essências. Faz repousar a certeza das verdades 
científicas no fato de o conhecimento científico ser fruto da aplicação de formas a priori da razão a dados 
que a experiência sensível fornece. É bom recordar, ainda, que Kant nega a metafísica, mas continua convicto 
da possibilidade de verdades de caráter absoluto, embora cingidas, agora, à ordem dos fatos. O viés 
metafísico continua, ainda mais que, no que diz respeito à razão prática, Kant vai colocá-la sob a injunção do 
imperativo categórico, de caráter absoluto. Conhecimento, pois, de cunho absoluto, na ordem dos fatos; 
valores de cunho absoluto, na ordem da prática, da ética.
 
A contestação à metafísica, portanto, não significou, na modernidade, o abandono da pretensão de 
conquistas que gerassem, nas ordens teórica e prática, a segurança de resultados definitivos, os quais 
orientassem o intelecto para a verdade e a vontade para o bem. Nesse sentido, podemos afirmar que a 
modernidade não abandonou o cariz metafísico da cultura ocidental.
 
A partir da primeira metade do século XX, porém, aprofunda-se a crise dos saberes. Não se trata, agora, de 
questionar um tipo de saber humano, a metafísica, a partir das seguranças de outro tipo de saber, a física. É a 
totalidade do conhecimento humano que é questionado, quando se reconhece o caráter lingüístico de 
qualquer enfoque epistemológico; e o caráter histórico-pragmático de qualquer linguagem. O conhecimento 
não se perfaz no recesso das faculdades cognitivas, sem interferência da linguagem, sendo esta, apenas, 
veículo para a expressão do que já foi plenamente concebido e elaborado. A linguagem entra como 
constitutivo formal na produção do conhecimento: é a virada lingüística, na concepção do conhecimento. E a 
linguagem não se exaure na sua dimensão de representação e comunicação. Ela passa a ser encarada como 
poder de intervenção produtiva; e só pode ser entendida a partir dessa dimensão pragmática: é a virada 
pragmática que a enreda nas situações concretas das quais e pelas quais emerge. 
 
Se o sujeito é aquele que fala, que questiona, que interpreta e se interpreta, as subjetividades só se 
entendem como co-extensivas com o processo linguageiro. O eu perde, assim, seu caráter substancialista, à 
maneira de Descartes, e sua transcendentalidade à maneira de Kant. Passa a ser encarado como construção 
continuada, no seio de processos culturais variados, e obedecendo, em cada um deles, a injunções que não 
se medem, em última análise, por idéias claras e distintas, autônomas, auto-referenciadas de maneira 
absoluta. As diferenças não emergem como anomalias, mas como possibilidades pensáveis, saudáveis e, 
portanto, apetecíveis, valores a serem computados e acolhidos.
 
A partir desse enfoque, propõe-se o multiculturalismo em oposição a qualquer etnocentrismo, e o 
descentramento das subjetividades em oposição ao sujeito individualista moderno. Singularidades e 
diferenças, sim, mas num jogo de referências a multiplicidades e devires, o que implica uma convocação à 
convivência democrática, como construção sempre em ato, só compreensível no engajamento numa 
conversa, na qual todos tenham chance de participar, em condições ideais de igualdade de atuação. Não se 
pedem, pois, referenciais absolutos de verdades e de valores. A experiência histórica e o aprofundamento da 
reflexão mostram a não validade dessa pretensão. Mostram mais: o risco da mesma. Risco que significa o 
totalitarismo.
 
A renúncia a certezas absolutas não significa renúncia a verdades e valores, segundo a medida do ser 
humano, das suas experiências concretas, das suas aspirações constantes. E como a vida é dinâmica e cada 
parceiro que chega à aventura do viver e conviver é chance de renovação, é preciso sempre conversar. O 
meio no qual e pelo qual somos tecidos como seres humanos, no qual e do qual brotam nossos ideais e 
nossos desejos, é a linguagem. É preciso, pois, conversar sempre e tecer o mundo das nossas verdades, dos 
nossos valores.
 
A filosofia constitui-se, cada vez mais, como a guardiã desse conversar democrático; dessa consciência de 
que a “pólis” implica a “ágora”. Uma cidade, que seja o espaço decente de vida humana, só é possível se, na 
praça, no espaço público, todos puderem conferir suas experiências de vida, colaborando para a confecção 
da convivência.
 
Concluamos com o pensamento com o qual começamos este texto. Concluamos com a afirmação: a 
filosofia é filha da cidade. Mas devemos acrescentar: a cidade só pode ser a cidade que vale a pena se gerar 
essa filha. Mãe e filha se co-implicam no existir. Todo existir é relação. Não existem mãe e filha absolutas.
 
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.Tradução Alfredo Bosi. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
ENCICLOPEDIA de la Filosofía. Tradução David Cifuentes e outros. Barcelona: Ediciones B, 1992.
KANT, Immanuel. Textos seletos: edição bilíngüe. Petrópolis: Vozes, 1974.
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução Alfredo Veiga-Neto. 
Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
MATTÉI, Jean-François. A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. Tradução Isabel Maria 
Loureiro. São Paulo: Ed. da UNESP, 2002.
PLATON. Obras completas. Tradução Maria Araújo, Francisco Garcia Yagüe e outros. Madrid: Aguilar, 
1977.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São 
Paulo: Cortez, 2000.
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Tradução Isis Borges B. da Fonseca. 12. ed. 
Rio de Janeiro: Difel, 2002.
 
Dados do autor:
 
Tiago Adão Lara
*Doutor em Filosofia. Professor do curso de Filosofia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES-
JF). Membro do Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia da Faculdade de Educação/UFJF
 
Endereço para contato:
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES-JF)
Rua Halfeld, nº 1179 – Centro 
36.016-000 Juiz de Fora/MG – Brasil 
 
Endereço eletrônico: tiagoalara@oi.com.br
 
Data de recebimento: 17 nov. 2007
Data de aprovação: 16 abr. 2008
 
	CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA E COMPROMISSO DEMOCRÁTICO

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